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Revista da SPAGESP

Print version ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.14 no.1 Ribeirão Preto  2013

 

EDITORIAL

 

Intervenções grupais e os espaços de formação dos terapeutas: possibilidades de escuta e criação

 

Fabio Scorsolini-Comin 1

 

O trabalho com grupos tem nos levado a diferentes questionamentos – por vezes impasses, que nos conduzem a pesquisas, reflexões, supervisões e à criação de espaços perenes nos quais a formação de terapeutas possa ser discutida de modo aberto. Neste primeiro número da Revista da SPAGESP do ano de 2013, o papel dos terapeutas é algo que atravessa as diferentes comunicações científicas aqui presentes. De diversos modos e com distintos focos, esses estudos revelam de que modo a sensibilidade do terapeuta, aliada à sua técnica e à sua experiência com grupos pode promover uma escuta atenta às demandas dos pacientes e usuários de serviços, mas também uma escuta acerca de sua própria formação, que deve ser contínua. O desafio do terapeuta é justamente colocar-se em constante formação, atento aos movimentos dos outros e aos seus próprios. Este número, que inaugura um ano de trabalho profícuo com grupos, famílias e casais, traz relatos e reflexões de terapeutas e pesquisadores engajados no desenvolvimento de grupos comprometidos com a transformação, o que possibilita um diálogo estreito com o momento em que vivemos e com as nossas diferentes demandas sociais.

O primeiro número do volume 14 é aberto com o artigo "Surpresas e analogias na construção e continuidade dos grupos", de Beatriz Silvério Fernandes, do NESME (Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares). A partir de sua vasta experiência como terapeuta, aborda algumas das principais dificuldades e surpresas ocorridas no manejo de grupos em consultório privado. Mostra não apenas as angústias dos pacientes nas sessões grupais, mas também como o terapeuta pode se colocar e aprimorar a sua atuação a partir de diferentes experiências.

No segundo artigo, Alexandre Mantovani, da Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo, destaca a analogia entre grupo e sonho proposta por Anzieu para o estudo da religião. A partir de pesquisas realizadas em terreiros de umbanda da cidade de Ribeirão Preto, Estado de São Paulo, apresenta a possibilidade de uso das contribuições psicanalíticas acerca do grupo como recurso teórico para a pesquisa de fenômenos religiosos, incluindo o transe de possessão, que é um dos elementos mais característicos desses cultos.

No artigo "Pichon-Rivière, a dialética e os grupos operativos: implicações para pesquisa e intervenção", Thaís Thomé Seni Oliveira Pereira, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, apresenta um ensaio teórico com o objetivo de auxiliar na compreensão sobre o modo de Pichon-Rivière pensar a realidade e o funcionamento dos grupos, articulando o uso do conceito de dialética em sua obra, às ideias de Bornheim e Haguette. Também discute a potencialidade de sua técnica como instrumento de intervenção e estratégia metodológica de pesquisa na contemporaneidade.

No quarto artigo, intitulado "Uso de mitos gregos em um grupo psicanalítico com adolescentes", Cybele Carolina Moretto e Antonios Terzis, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, descrevem os processos psíquicos produzidos por um grupo de adolescentes a partir de narrativas míticas como um recurso para facilitar o processo associativo. De acordo com os achados do estudo, concluiu-se que o grupo funcionou como um dispositivo terapêutico pertinente para a promoção de autoconhecimento e alívio emocional. Segundo os autores, as narrativas míticas possibilitaram que os adolescentes se identificassem com os heróis míticos, desencadeando o processo transferencial e a intersubjetividade no grupo.

Na sequência, o artigo "Grupo de espera na clínica-escola: intervenção em arteterapia", de Angela Maria Cardoso e Maria Luiza Puglisi Munhoz, da Fundação Instituto de Ensino para Osasco, relata os resultados de uma pesquisa utilizando a arteterapia. O grupo analisado foi composto por mães que aguardavam seus filhos serem chamados para diagnóstico e intervenções psicopedagógicas, em virtude das dificuldades de aprendizagem que apresentavam. As autoras destacaram como resultado que o uso adequado das técnicas de arteterapia pode diminuir, significativamente, a ansiedade da espera, favorecendo a compreensão do problema pelas famílias.

Larissa Pena Leite e Rodrigo Sanches Peres, da Universidade Federal de Uberlândia, apresentam o estudo intitulado "Grupos de apoio a mulheres acometidas por câncer de mama: panorama atual", no qual avaliam a produção científica sobre o tema nos últimos dez anos. Como principais resultados, os autores destacaram que a terapia de grupo suportivo-expressiva permanece pouco difundida no país.

O artigo "Quem assume a função do pai?: discussões sobre a separação conjugal", de Ana Paula Medeiros, Fernanda Kimie Tavares Mishima-Gomes, Leandro Soares da Silva e Valéria Barbieri, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, objetivou demonstrar como a psicoterapia pode ser buscada para diminuir as responsabilidades dos pais no cuidado do filho. Por meio de um estudo de caso clínico, relatam o processo de desenvolvimento de uma criança após a separação dos pais, no qual a mãe se torna a única responsável pelo filho. Os autores discutem as implicações desse processo para os atendimentos clínicos e para o encaminhamento da família.

"Os sonhos nas diferentes abordagens psicológicas: apontamentos para a prática psicoterápica", de Thaís Kristine Milhorim, Karin A. Casarini e Fabio Scorsolini-Comin, da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, apresenta uma revisão integrativa da literatura científica nacional acerca do tema. Os autores concluem que há grande divergência em relação aos pressupostos de cada abordagem psicológica sobre os sonhos, não sendo encontrados exercícios no sentido de uma leitura integradora ou problematizadora.

Por fim, Cintia Bragheto Ferreira, da Universidade Federal de Goiás, apresenta a resenha intitulada "A abordagem construcionista relacional: significados de pesquisa e de intervenção" referente à obra Research and social change: A relational constructionist approach, da autoria de McNamee e Hosking, publicada em 2012. A partir da abordagem construcionista relacional, o livro configura-se como um texto potente para os interessados na pesquisa científica e/ou em práticas de intervenção que alarguem as possibilidades conversacionais dos seus participantes.

O diálogo sobre a formação dos terapeutas pode e deve fazer parte de nossas reflexões sobre grupos e psicoterapias. É mister que essa consideração possa ser discutida por pesquisadores, clínicos e diferentes profissionais relacionados à área, como potencializado nesta coletânea de artigos. Desejo a todos uma proveitosa leitura dessas produções e reforço o convite para que continuem endereçando à Revista da SPAGESP as suas contribuições.

 

 

1 Professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Editor da Revista da SPAGESP – Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo, e-mail: scorsolini_usp@yahoo.com.br.