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Estudos e Pesquisas em Psicologia
On-line version ISSN 1808-4281
Estud. pesqui. psicol. vol.5 no.2 Rio de Janeiro Dec. 2005
SEÇÃO TEMÁTICA: PSICOLOGIA JURÍDICA
A favela e seus moradores: culpados ou vítimas? Representações sociais em tempos de violência
The slum and its dwellers: guilties or victms? Social representations in times os violence
Luciene Alves Miguez NaiffI*; Denis Giovani Monteiro NaiffII**
I Universidade Salgado de Oliveira
I Centro Internacional de Pesquisa e Estudos sobre a Infância - PUC-Rio
II Universidade do Estado do Rio de Janeiro
RESUMO
As favelas, suas regras, códigos e seus moradores são objetos de estudo privilegiado por estarem cada vez mais associados a violência nas informações veiculadas na mídia. Utilizando a teoria das representações sociais procuramos investigar como cidadãos de classe média baixa percebem a violência atual, a favela e seus moradores. Os dados foram coletados através do método de evocação livre e analisados com o auxílio do software EVOC. Os resultados apontaram para uma percepção negativa e em movimento, relacionando cada vez mais a favela e seus moradores, às principais causas da violência na cidade. As representações sociais que vinculam a pobreza com a criminalidade podem gerar tomadas de posição e comportamentos que reforcem o preconceito e o alijamento dos moradores de favelas, aumentando os sentimentos de não pertencimento e negação dessa parcela da população.
Palavras-chave: Representações sociais, Favela, Moradores de favela, Violência.
ABSTRACT
Favela shanty towns, their rules, codes and residents are favoured objects of study because they are increasingly associated with the violence portrayed in information broadcast by the media. Using the theory of social representations we seek here to investigate how members of the lower middle class perceive present-day violence, favelas and their residents. The data were gathered using the free-evocation method and analysis was assisted by EVOC software. The results pointed to an adverse, shifting perception that increasingly relates favelas and their residents with the major causes of violence in Rio de Janeiro. Social representations linking poverty with criminality can lead to the adoption of positions and behaviours that reinforce prejudice and exclusion against favela residents, thus enhancing feelings of not belonging and of denial among this portion of the population.
Keywords: Social representations, Slum residents, Violence.
INTRODUÇÃO
Diante da crescente e desenfreada violência urbana sentida no Estado do Rio de Janeiro, fica cada vez mais evidente a necessidade de dar voz aos grupos envolvidos nesse processo. A presença de situações classificadas como violentas em uma megalópole como o Rio de Janeiro não chega a ser espantosa, pois em maior ou menor grau esse fenômeno parece acompanhar o cotidiano de todas as grandes cidades mundiais (NASCIMENTO, 1997). Entretanto, as estatísticas aqui são cada dia mais assustadoras, com números de vítimas somente comparáveis a países em guerra. Médicos dos hospitais da capital fluminense são especialistas em cirurgias para tentar salvar feridos por armas normalmente utilizadas apenas em conflitos bélicos declarados.
Entender essa situação partindo de um levantamento dos ingredientes que compõem essa conjuntura já forneceria por si só elementos importantes de análise: uma cidade super povoada, um índice de desigualdade de aproximadamente 15 vezes entre seus bairros mais ricos e os mais pobres (TOLEDO, 1998), comunidades carentes com até um milhão de habitantes, presença maciça do narcotráfico nestas comunidades, utilização de armamento pesado pelos traficantes, emprego de crianças e adolescentes nas linhas de frente do tráfico, um poder policial que mais mata no mundo, falta de políticas públicas de inclusão e geração de renda para os jovens dessas comunidades carentes, falta de política de segurança, governantes omissos. Como conseqüência desse estado das coisas, vemos a violência se manifestando progressivamente e acirrando ódios e preconceitos entre os grupos sociais.
Em vista dessas questões, o pobre, o negro, o morador de favela e a própria favela em si ficam no imaginário da sociedade como os legítimos representantes da violência e de tudo o que ela significa. Atualmente, o clamor social diante de alguns fatos significativos de violência que ocorreram nos últimos meses na cidade (guerra em favelas situadas em áreas nobres da cidade; fechamento de importantes vias expressas de ligação entre diversos bairros; lançamentos de bombas e granadas em logradouros públicos; ônibus incendiados; fechamento do comércio, inclusive em áreas nobres da cidade, por ordem do tráfico; assassinatos sistemáticos de policiais; mortes de inocentes, etc.) têm provocado e aumentado o preconceito e o abismo existente entre os vários segmentos da sociedade.
Neste contexto, torna-se premente uma discussão mais ampla que deva privilegiar as representações sociais que vêm sendo formadas diante das situações atuais. Para dar conta da emergência dessa nova situação de violência exacerbada na cidade, entendemos que as representações sociais estão sendo reformuladas e construídas no sentido de gerar uma tentativa de compreensão da realidade.
O temido marginal, fonte de todas as apreensões da população, agora se objetifica na figura do negro, pobre, morador de favela, causando o que Jodelet (1998, p.48) chama de “alteridade de dentro”:
referida àqueles que, marcados com o selo da diferença, seja ela física (cor, raça, deficiência, etc) ou ligada a uma pertença de grupo (nacional, étnico, comunitário, religioso, etc), se distinguem no seio de um conjunto social ou cultural e podem aí ser considerados como fonte de mal-estar ou de ameaça.
Infelizmente, os traficantes se aproveitam da camuflagem de “moradores de favela” para se misturar e dificultar a ação da polícia. A própria estrutura espacial, cheia de vielas e becos, favorece a favela como local de esconderijo. Contudo, não há como falar dos traficantes atuais sem antes buscar na história do Brasil, e mais especificamente na história da cidade do Rio de Janeiro, o aparecimento de enormes contingentes de jovens desempregados e a ocupação dos morros da cidade.
A libertação dos escravos no final do século XIX e a grande imigração de europeus no começo do século XX foram responsáveis por uma demanda por empregos que a conjuntura sócioeconômica da época não conseguia absorver. Os negros ex-escravos foram libertados sem nenhuma proposta de inserção no mercado de trabalho; pelo contrário, foram colocados em situação jurídica irregular com a criação da lei de repressão à ociosidade, um mês após a promulgação da Lei Áurea. Essa população de escravos, somada aos imigrantes que não conseguiam se adaptar aos padrões impostos pela sociedade, formaram os contingentes de despossuídos que ocupavam as ruas e os cortiços da cidade do Rio de Janeiro, vivendo em condições sub-humanas (COSTA LEITE, 1997).
Para agravar a situação, as tropas advindas do conflito de Canudos em 1897, sem local para se estabelecer na cidade do Rio de Janeiro, foram ocupar principalmente os morros, em especial o da Providência, no centro da cidade, passando a chamá-lo de Morro da Favela, alusão a um morro existente na região de Canudos. O nome “favela” acaba virando sinônimo deste modelo de moradia e outros morros ocupados passam a receber essa alcunha.
No início do século XX observamos o auge do movimento higienista, com a finalidade de diminuir a alta taxa de mortalidade da população mais carente, residente nos cortiços da cidade. O controle de algumas doenças, como a peste e a febre amarela, além da vacinação em massa contra a varíola, permitiram o aumento da expectativa de vida dos jovens pobres cariocas. Somando-se um aumento significativo de desenvolvimento econômico da cidade, o Rio de Janeiro observa um crescimento acelerado se sua população: entre 1890 e 1920 ela passaria de 522.651 para 1.157.873 habitantes. O projeto de modernização da cidade, proposto pelo prefeito Pereira Passos no início do século XX, promove uma reforma urbana radical que, entre outras coisas, desencadeia o “bota-abaixo” aos cortiços existentes. Sem alternativas de moradia, as populações dos cortiços da cidade também irão ocupar os morros.
Nos anos 50 e 60, foi a vez do êxodo rural e regional ser responsável por mais um inchaço nas metrópoles brasileiras. Os nordestinos e nortistas vieram para o “sul maravilha” em busca de oportunidades, fugindo da miséria, da fome e da seca, concentrando-se em sua maioria nos morros e nas periferias.
A classe média, que vivia período de ascensão social e econômica na cidade, via com desconfiança e preconceito essa ocupação dos morros pelas camadas mais pobres. Desde então, o morro passou a ser visto como local de gente perigosa e marginal. Obviamente não havia ainda a influencia marcante do narcotráfico e o preconceito tinha muito a ver com a pobreza e os costumes da população carente.
A população nas favelas cresceu vertiginosamente nas últimas décadas, principalmente a partir do final dos anos 50. Atualmente, temos uma diminuição dos índices de pobreza, camuflados pelos critérios de avaliação. Apesar de o favelado de hoje ter televisão, geladeira, fogão, vídeocassete e até microondas, essa melhora na qualidade de vida esbarra na inércia da vivência da exclusão durante gerações. A falta de perspectiva de futuro e de empregos para as gerações mais novas retrata uma subseqüente reprodução da pobreza e da exclusão social (VERAS, 1999).
O tráfico de drogas, nesses últimos anos, teve um excelente espaço para aumentar e se multiplicar nas favelas cariocas e de outras cidades do país. Todas as condições da pobreza brasileira foram favoráveis ao seu crescimento, além do descaso e conivência dos poderes políticos e econômicos. O tráfico é um grande e lucrativo mercado, seu funcionamento é global e extremamente organizado, envolvendo vários países, consumidores de todas as classes sociais e executivos estrategistas. Ilusão pensar em acabar com essa prática apenas com propostas repressivas aos jovens que estão no último escalão dessa estrutura. Temos que procurar entender a favela, suas regras e códigos através da vivência de seus moradores e de seu impacto na sociedade. São nas relações humanas que as estruturas sociais fixam sua existência. Para isso é importante investigar as representações sociais que vêm sendo formadas e reformuladas dessa realidade, utilizando esse conhecimento como justificativa para propostas de mudanças e políticas inclusivas de cooperação e solidariedade.
Os pressupostos teóricos e metodológicos do presente trabalho seguem a orientação da teoria das representações sociais, originalmente proposta por Serge Moscovici (1961/1979) e que, através de um esforço conceitual, pode ser entendida enquanto “um conjunto organizado e hierarquizado de julgamentos, atitudes e de informações que um grupo social elabora a propósito de um objeto” (ABRIC,1996, p.11).
Deste modo é de extrema importância entender como a sociedade, através dos grupos sociais que a compõem, percebe a exclusão social em suas múltiplas facetas. Segundo Abric (1996) as representações sociais muito têm a contribuir para a análise e busca de soluções dos problemas sociais. O autor sugere que as investigações das representações sociais estejam presentes em todo o sistema social de relações, desde a auto-representação que os indivíduos excluídos tem de sua identidade e de sua problemática até as representações presentes nos agentes sociais, institucionais e profissionais, que pretendam intervir nessa realidade.
Objetivamos neste trabalho identificar elementos que comporiam as representações sociais que moradores de classe média baixa, que vivem próximos à favelas, teriam sobre a violência, o morador da favela e a própria favela em si.
METODOLOGIA
Foram entrevistados 152 sujeitos de ambos os sexos, estudantes de uma Faculdade localizada na cidade de São Gonçalo, segundo maior colégio eleitoral do Estado do Rio de Janeiro, que relataram já terem sido vítimas de alguma violência.
Quanto à condição sócioeconômica, 92 sujeitos declararam possuir entre R$ 1.000,00 e R$ 2.000,00 de renda familiar; 45 possuíam menos de R$ 1.000,00 e somente 15 tinham como renda familiar mais de R$ 2.000,00.
Entre as opções plurimetodológicas normalmente associadas à perspectiva teórica aqui privilegiada, tem-se mostrado bastante eficaz para os nossos objetivos a técnica de evocação livre desenvolvida por Vergès (1999). Nesta pesquisa, ela serviu ao levantamento dos possíveis elementos centrais e periféricos das representações sociais, a partir das evocações desencadeadas pelos estímulos: violência, favela e morador de favela; levando a uma melhor aproximação possível dos elementos que comporiam a organização interna da representação, em termos de seus sistemas central e periféricos (ABRIC, 1994).
As evocações produzidas pelos sujeitos foram registradas na ordem exata em que foram emitidas, permitindo a contagem de duas ordens de dados para análise: a freqüência em que cada elemento foi evocado e sua ordem média de evocações (se foi a primeira a ser evocada, a segunda, etc.), considerando todos os sujeitos que o fizeram.
A análise combinada da freqüência e da ordem de evocação das respostas cumpre a função de “colocação em evidência das propriedades de saliência e de conexidade dos diferentes elementos de uma representação, de modo a prover um levantamento inicial daqueles mais suscetíveis de fazer parte do núcleo central” (SÁ, 1996, p.115).
As respostas evocadas aos termos indutores foram analisadas com o auxílio do programa de computador EVOC (VERGÈS,1999).
A figura 1 representa um esquema de distribuição dos resultados encontrados na evocação dos sujeitos ao termo indutor. Identificam-se como prováveis elementos centrais da representação os temas localizados no quadrante superior esquerdo, que foram ao mesmo tempo os mais freqüentes e os mais prontamente evocados. Por outro lado, no quadrante inferior direito, estão localizados os elementos claramente periféricos, com baixa freqüência e menos prontamente evocados. Nos outros dois quadrantes, misturam-se elementos que tanto podem constituir uma espécie de “periferia próxima” ao núcleo central, quanto outros mais distantes nessa subordinação estrutural.
Ordem média de evocação
Figura 1: representação esquemática da distribuição das cognições das representações sociais no modelo de evocação livre.
RESULTADOS: ANÁLISE E DISCUSSÃO
Apresenta-se a seguir o primeiro quadro de resultados (figura 2) relativo aos elementos evocados pelos sujeitos perante a presença do termo indutor violência. Verifica-se que o provável núcleo central dessa representação social – representado pelos elementos do primeiro quadrante esquerdo – reflete um sentimento generalizado que vem assustando e paralisando os moradores das grandes cidades do Rio de Janeiro: o medo, responsável pelo maior número de evocações. Sem recursos para garantir a proteção através de seguranças, carros blindados e moradias protegidas, a maioria dos cidadãos se vê completamente indefesa nesse contexto de aumento de violência na cidade. Morte e maldade foram elementos relacionados também ao provável núcleo central das representações sociais da violência. Essas construções sociais acompanham a idéia do medo da vivência da violência, pois, atualmente, qualquer assalto mais simples vem acompanhado de situações reais de risco de vida. A falta de educação, no sentido de estudo formal, e a falta de amor são possíveis buscas de fatores causais para a forma como a violência se caracteriza nos dias atuais.
O fim da violência talvez seja a cobrança mais importante que a sociedade faça a seus governantes. O clima de insegurança que impera nas grandes cidades do Rio de Janeiro e o destaque dado pela imprensa aos eventos violentos colocam esse tema como emergente no cotidiano dos cariocas. Refletindo o discurso massivamente veiculado pela mídia, encontramos no quadrante superior direito uma tentativa de problematizar a violência como conseqüência do comércio das drogas e o desejo de que ela tenha fim o mais rápido possível.
FIGURA 2 – Quadrantes de distribuição das evocações livres ao tema “violência”.
O quadrante inferior esquerdo sugere tanto tentativas de objetivação da violência, através de estupros e situações de guerra, quantos sentimentos difusos relacionados à vivência da violência. Como elementos periféricos no processo de construção dessa representação, o quadrante inferior direito traz as questões sócioeconômicas envolvidas no contexto da violência urbana.
O que se conclui em relação às representações sociais do termo violência é que, para esse grupo social composto basicamente por indivíduos de classe média baixa e universitários, é a baixa ressonância que encontra nas suas representações o discurso, relacionando o aumento nos índices de violência à situação sócioeconômica que atravessa o país. O assalto associado à falta de escolaridade e de amor entre os cidadãos estaria gerando situações de aumento da violência, provocando um medo generalizado na população. Em uma periferia próxima ao núcleo central temos o desejo de que essa situação tenha fim e a escolha por culpados para essa situação mais grave atual: o comércio de drogas.
É interessante observar que o provável núcleo central relativo à análise das evocações do termo Favela (figura 3), é composto de idéias, que refletem de um lado a influência do tráfico de drogas e de outro a vivência em condições de exclusão social. Esta última dimensão não é diferente do contexto histórico de onde se originaram as favelas e que se perpetua até os dias atuais.
O quadrante superior direito, uma possível “periferia próxima” ao núcleo central, revela uma favela como local violento, gerador de preconceito aos seus moradores, e conseqüência da falta de opção mais digna de moradia destinada à população empobrecida.
Relacionar favela, tráfico de drogas e violência são concepções atuais, levando em conta o tempo que o narcotráfico ocupa os morros na cidade.Historicamente, desde o final do século XIX, os morros da cidade são ocupados pelas classes mais pobres. No entanto, remonta à década de 60 e 70 o fortalecimento das redes de tráfico de drogas nas favelas. Essa situação só se tornou impactante e relevante para a classe média nos últimos 20 anos. Isso reflete que as representações desse espaço social estão em constante movimento e sugerem que em outros grupos sociais possam já haver mudanças.
Os dois quadrantes inferiores apresentam elementos mais periféricos da representação social e revelam a diversidade de sentidos negativos destinados a esse objeto social. Local sujo, triste, miserável, perigoso, sem saneamento básico, moradia de bandidos ou desempregados, são apenas uma pequena mostra das cognições construídas sobre a favela.
FIGURA 3 – Quadrantes de distribuição das evocações livres ao tema “favela”.
Uma das dimensões formadora da representação social do morador de favela está representada na figura 4. O possível núcleo central dessa representação reflete a personificação da figura do “favelado” em três personagens emblemáticos: os traficantes, mais prontamente evocados, personificando a violência que assola a cidade; os miseráveis, personificando os excluídos sociais, a pobreza extrema; e os moradores honestos, personificados na figura dos trabalhadores pobres.
Estes personagens freqüentemente acabam se misturando no imaginário da população, gerando um incremento no preconceito e na discriminação, principalmente com o homem jovem, morador de favela. Não podendo identificar claramente os diferentes tipos criados e compartilhados pelos seus grupos sociais, aqueles que não moram nos morros tendem a identificar o morador através da personificação de seu maior pesadelo: o traficante de drogas. Opinião compartilhada pelos moradores de favelas que reclamam que a sociedade esquece que a favela também é moradia de “pessoas honestas” e “trabalhadoras” e não somente de bandidos (PANDOLFI; GRYNSZPAN, 2003).
Os quadrantes inferiores são compostos por elementos periféricos da representação do morador de favela: um guerreiro, trabalhador e muito mais vítima do que culpado por sua condição. Infelizmente, o recrudescimento dos índices de violência urbana tem diminuído a importância destes elementos na constituição da representação do morador das comunidades mais pobres. A tendência cada vez mais é demonizá-lo e responsabilizá-lo por sua condição e, pior, vê-lo como conivente da situação de violência e expansão do narcotráfico em sua comunidade.
FIGURA 4 – Quadrantes de distribuição das evocações livres ao tema “morador de favela”.
Os grupos sociais da sociedade brasileira, que diferem pela situação socioeconômica, são impactados de forma diferente pela percepção da violência, da favela e de seus moradores. O abismo está crescendo e as representações sociais, por sua vez, se modificando e se adaptando à apreensão da realidade que esses grupos em suas idiossincrasias precisam ter.
CONCLUSÃO
Devemos estar preparados e atentos para o perigo que representações sociais, vinculando a pobreza com a criminalidade, possam gerar em termos de atitudes, tomadas de posição e comportamentos. Trabalhos como este pretendem ampliar a discussão da temática da violência e da exclusão para que, ouvindo os vários grupos sociais que compõem a sociedade, possamos estar contribuindo para entender como essas situações vão sendo incorporadas no dia a dia de uma cidade como o Rio de Janeiro. O cidadão carioca de classe média cada vez menos acredita na justiça ou em políticas de segurança. Os cidadãos das classes mais baixas, por sua vez, também estão céticos quanto às promessas de mudanças e oportunidades de inclusão social. Isso coloca grupos sociais de classes socioeconômica diferentes como inimigos em uma guerra na qual não há vencedores (ESCOREL, 1999).
Zaluar (1997, p. 11) aponta para a dificuldade de problematizar e propor resoluções para a situação de violência, tanto do ponto de vista prático quanto ideológico, quando argumenta acerca do que é necessário para melhorar esse estado das coisas:
tornar complexa a análise dos contextos sociais mais amplos e mais locais para entendermos os motivos pelos quais cada vez um número maior de jovens (de todos os estratos sociais) comete crimes, o que nem sempre significa a adoção de uma carreira criminosa, e por que alguns deles passam a exercer um tipo de poder militar nas comunidades onde as instituições encarregadas de manter a lei ou estão ausentes ou tornaram-se coniventes com o negócio ilegal ou são fracas; onde as organizações vicinais se desagregaram ou foram esvaziadas pela competição política entre partidos e grupos religiosos; onde figuras paternas e maternas não mais oferecem modelos nem são capazes de controlar seus filhos.
A proposta de Zaluar (1997) e o compromisso de nossa pesquisa é favorecer e ampliar a discussão da violência na cidade do Rio de Janeiro. Não podemos permitir que esse assunto seja tratado e manipulado política e partidariamente por quem tem a responsabilidade constitucional de modificar o rumo das coisas.
Zaluar (1997, p. 18) propõe que essa discussão englobe o panorama mundial de crescimento da violência, pois
não há como negar a necessidade de se entender essa onda de violência não apenas como efeito geológico das camadas culturais da violência costumeira no Brasil, mas também dentro do panorama do crime organizado internacionalmente, do crime, também ele globalizado, com características econômicas, políticas e culturais sui generis, sem perder algo do velho capitalismo da busca desenfreada do lucro a qualquer preço.
Fica a sugestão de continuidade dessa pesquisa, buscando nas representações sociais de outros segmentos que compõem nossa sociedade o entendimento da realidade de violência, preconceito e exclusão social de grupos cada vez mais marginalizados e marginais, e o desafio de fazer da produção desse conhecimento propostas para serem utilizadas nas intervenções políticas e sociais. Esse é o nosso compromisso social.
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Endereço para correspondência
Luciene Alves Miguez Naiff
E-mail: lunaiff@hotmail.com
Denis Giovani Monteiro Naiff
E-mail: dnaiff@hotmail.com
Recebido em: 07/12/2004
Aceito para publicação em: 25/01/2005
NOTAS
* Doutora em Psicologia social pela UERJ, Professora do Mestrado em Psicologia Social da Universidade Salgado de Oliveira. Pesquisadora do Centro Internacional de Pesquisa e Estudos sobre a Infância da PUC – Rio.
** Doutor em Psicologia Social pela UERJ, Mestre em Psicologia do Desenvolvimento Humano no contexto sócio-cultural pela Universidade de Brasília - UnB e psicólogo pela UnB.