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Arquivos Brasileiros de Psicologia
On-line version ISSN 1809-5267
Arq. bras. psicol. vol.63 no.3 Rio de Janeiro 2011
RESENHA
Uma perspectiva historiográfica da construção da psicologia no Brasil: o Dicionário histórico de instituições de psicologia no Brasil
Mary Sandra CarlottoI; Adolfo PizzinatoII
IDocente. Faculdade de Psicologia e Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Porto Alegre. Rio Grande do Sul. Brasil
IIDocente. Faculdade de Psicologia e Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Porto Alegre. Rio Grande do Sul. Brasil.
Jacó-Vilela, A. M. (2011). Dicionário histórico de instituições de psicologia no Brasil. Rio de Janeiro: Imago
O Dicionário histórico de instituições de psicologia no Brasil é um livro inédito nessa categoria, no Brasil, fruto de uma parceria entre o Conselho Federal de Psicologia e a Editora Imago, coordenado pela pesquisadora e historiadora da Psicologia, Profa. Dra. Ana Jacó-Vilela, referência nacional sobre a história institucional da Psicologia brasileira.
A obra, afora apresentar um registro minucioso das principais instituições que contribuíram com a consolidação das práticas psicológicas, tanto no âmbito acadêmico como profissional, dispõe de 265 verbetes que possibilitam uma interessante panorâmica da história da Psicologia no Brasil, que se deu através de estabelecimentos, associações e organizações públicas, privadas e não governamentais, de pesquisa, de formação e de prestação de serviços.
Além do papel importante para o registro e preservação da memória da Psicologia no Brasil (preocupação dividida entre os diversos pesquisadores que participaram da construção desse painel), os verbetes, cuidadosamente compilados pela equipe de pesquisadores, coordenados pela Profa. Ana Jacó-Vilela, registram os fatos com um olhar historiográfico, perpassando tanto sentimentos de descoberta como de reconhecimento e reparação de instituições pioneiras, ora desprovidas do merecido protagonismo por parte da historiografia oficial.
Os textos não pretendem apenas contar as "histórias" da institucionalização da Psicologia brasileira, a partir de uma ordem cronológica, mas retratam muitas experiências regionais pioneiras na configuração do campo psi no Brasil, ou seja, de instituições de interface com a psiquiatria, psicanálise, psicopedagogia, entre outras.
O pioneirismo da obra, além de seu caráter documental, mostra-se relevante pela discussão do fazer histórico ao qual se propõe, ou seja, uma perspectiva construcionista, que se expõe aberta (uma vez que os verbetes poderão ser complementados pelos leitores, assim como outros inseridos no projeto), que inclui não apenas as análises documentais, mas também as memórias de seus protagonistas.
A escrita da história opera no jogo entre o singular e o geral, entre os planos do visível e do invisível: a verdade de tudo o que aconteceu repousa sobre a reunião da parte que em cada fato permanece invisível (Godoy, 2009). Essa perspectiva reflexiva sobre a institucionalização de uma área do conhecimento e suas práticas não apenas desvela "o que aconteceu", todavia, propõe uma discussão sobre como a Psicologia brasileira se reconhece, valida-se e que horizontes emergem desse embate.
Entender a história da Psicologia brasileira como em permanente construção situa seu estudo na possibilidade de compreensão dos saberes e práticas atuais, iluminando nossas perspectivas futuras. No caso da Psicologia, investigar sua história permite desnaturalizar os atuais saberes e práticas historicamente legitimados, que não resultam de uma evolução contínua e ininterrupta em direção a um perfeito conhecimento científico; contudo, dizem respeito a alternativas que, em determinados momentos, foram escolhidas, venceram a batalha política no embate entre forças e tendências diversas que caracterizam a ciência psicológica.
A integração de histórias institucionais e individuais na construção do Dicionário é um modo de abordagem que traz uma relevante contribuição, sobretudo metodológica. A história das ciências tem recebido grande impulso nos momentos em que os historiadores se dirigem ao processo histórico vivido pelas instituições, onde se fizeram e fazem ciências, e quando se debruçam sobre a biografia intelectual dos cientistas, pelo viés de sua correspondência, suas bibliotecas, notas de campo, produção textual e críticas atinentes ao fazer científico (Freitas, 2003).
Procura-se, no conhecimento da história, o mesmo que se busca na produção do conhecimento contemporâneo, isto é, apreender quais as atitudes fundamentais dos indivíduos e dos grupos humanos diante dos valores, comunitários e globais. Se o conhecimento da história institucional da Psicologia brasileira apresenta uma importância prática, é porque, nela, pode-se conhecer mais sobre como os homens e mulheres que, em condições diferentes e com meios diferentes, no mais das vezes inaplicáveis à nossa época, lutaram por valores e ideais análogos, idênticos ou opostos aos que possuímos hoje; o que nos dá consciência de fazer parte de uma trajetória coletiva que nos transcende e que, no presente, batiza-se por continuidade (Jacó-Vilela, 2011).
Apesar da arriscada aposta pelo formato "dicionário" (que poderia remeter à ideia de autoridade, ou "fonte de verdade", nas palavras dos próprios organizadores), o objetivo de democratização do acesso ao processo historiográfico é atingido, uma vez que tais informações, quando já registradas, ficavam restritas a relatórios, teses ou artigos científicos. O formato "dicionário" propõe-se a operar como uma fonte organizada de consulta sobre diferentes temas (nesse caso, diferentes instituições), os quais foram pesquisados com o uso de distintas fontes.
Outro aspecto interessante da obra é o papel dos autores na reconstrução dos panoramas de uma instituição, para a qual tiveram de recorrer a diversas estratégias de obtenção de dados e optar por determinadas narrativas, nem sempre se eximindo de conflitos e riscos. Nesse sentido, tanto as estratégias quanto as narrativas utilizadas, nas palavras dos próprios organizadores, "podem ser consideradas como indicativas de nosso desenvolvimento na pesquisa em História da Psicologia, o que denominamos caleidoscópio, visões diversas sobre como fazer história" (Jacó-Vilela, 2011, p.16).
Vale ressaltar, ainda, a proposta dos autores para que os verbetes específicos de instituições venham a ser disponibilizados no Dicionário histórico de instituições de psicologia no Brasil, em sua forma virtual, na BVS-Psi (www.bvs-psi.org). Nesse espaço, também será possível colocar fotos das instituições.
Por fim, como nota orientadora de uso e leitura, ressalta-se que, na estrutura e na apresentação do Dicionário, os verbetes encontram-se em ordem alfabética, dessa maneira, seguindo o nome atual e completo da instituição, sucedido da sigla - ou forma com que é mais comumente conhecida - entre parênteses. Na sequência, aparecem datas de criação e eventual dissolução. Abaixo, alinhadas à direita, mudanças anteriores de denominação, caso tenham ocorrido, sempre acompanhadas das datas de cada evento. Segue-se, então, o texto narrativo, referências, nome(s) do(s) autor(es), ainda que sem caráter normativo de linearidade evolutiva, mas, apenas com o intuito de organizar a consulta dos leitores (Jacó-Vilela, 2011).
Deixamos, aqui, o convite ao leitor para que organize seu próprio roteiro de viagem pela história de vida das instituições que configuram o espaço da Psicologia no Brasil.
Referências
Freitas, M. V. (2003). O Império e as práticas científicas. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, 10(2), 752-756. [ Links ]
Godoy, J. M. T. (2009). Formas e problemas da historiografia brasileira. História Unisinos, 13(1), 66-77. [ Links ]
Jacó-Vilela, A. M. (2011). Dicionário histórico de instituições de psicologia no Brasil. Rio de Janeiro: Imago. [ Links ]
Endereço para correspondência:
Mary Sandra Carlotto
mscarlotto@gmail.com