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Arquivos Brasileiros de Psicologia

On-line version ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.71 no.3 Rio de Janeiro Sept./Dec. 2019

https://doi.org/10.36482/1809-5267.ARBP2019v71i3p.12-22 

DOSSIÊ: ESPECIAL 70 ANOS DE ARQUIVOS BRASILEIROS DE PSICOLOGIA
ARTIGOS

 

Formação e regulamentação em psicologia na Arquivos Brasileiros de Psicotécnica

 

Training and regulation in psychology in the Journal Arquivos Brasileiros de Psicotécnica

 

Formación y reglamentación en psicología en la Archivos Brasileños de la Psicotecnia

 

 

Julio Cesar Cruz Collares-da-RochaI; Renato Sampaio LimaII

IDocente. Universidade Católica de Petrópolis (UCP). Petrópolis. Estado do Rio de Janeiro. Brasil
IIDocente. Universidade Federal Fluminense (UFF). Nova Friburgo. Estado do Rio de Janeiro. Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo pretende discutir as publicações da publicação científica Arquivos Brasileiros de Psicotécnica (ABP) que versaram sobre a formação do psicólogo e a regulamentação da profissão de psicólogo no Brasil, pretendendo contribuir para maior compreensão dos conhecimentos, das práticas e da influência que figuraram nos volumes da ABP. Nosso recorte temporal para a seleção dos 12 artigos analisados compreendeu o período entre a criação da ABP, pelo Instituto de Seleção e Orientação Profissional (ISOP), em 1949, e o ano da publicação da Lei nº 4.119, em 1962. Temas importantes foram apresentados na ABP, como a psicotécnica, a orientação profissional, a orientação educacional, a psicologia educacional, a psicologia clínica, a ética profissional, a formação em psicologia e, especialmente, as contribuições para regulamentar a profissão. A ABP foi uma publicação importante para o debate científico, acadêmico e político para a psicologia.

Palavras-chave: Arquivos Brasileiros de Psicotécnica; História da Psicologia; Psicólogo; Profissão; Formação.


ABSTRACT

This article intends to discuss the publications in the Journal Arquivos Brasileiros de Psicotécnica (ABP) that deal with the training of the psychologist and the regulation of the profession of psychologist in Brazil, aiming to contribute to a better understanding of the knowledge, practices and influence that appeared in the ABP volumes. Our temporal selection for the 12 articles analyzed included the period between the creation of the ABP by the Institute of Professional Guidance and Selection (ISOP) in 1949 and the year of publication of Law Nº 4,119 in 1962. Important issues were presented in the ABP, such as psychotechnology, professional guidance, educational guidance, educational psychology, clinical psychology, professional ethics, training in psychology and especially contributions to regulate the profession. The ABP was an important publication for the scientific, academic and political debate on Psychology.

Keywords: Arquivos Brasileiros de Psicotécnica; History of psychology; Psychologist; Profession; Training.


RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo discutir las publicaciones en los Archivos Brasileños de Psicotecnia (ABP) que tratan sobre la formación del psicólogo y la regulación de la profesión de psicólogo en Brasil, pretendiendo contribuir a una mejor comprensión del conocimiento, las prácticas y la influencia que aparecieron en los volúmenes de ABP. Nuestro marco temporal para la selección de los 12 artículos analizados comprendió el período entre la creación del ABP por el Instituto de Selección y Orientación Profesional (ISOP) en 1949 y el año de la publicación de la Ley n° 4.119 en 1962. En el ABP se presentaron temas importantes, como psicotecnia, orientación vocacional, orientación educativa, psicología educativa, psicología clínica, ética profesional, capacitación en psicología y, especialmente, contribuciones para regular la profesión. El ABP fue una publicación importante para el debate científico, académico y político de la psicología.

Palabras clave: Archivos Brasileños de la Psicotecnia; Historia de la Psicología; Psicólogo; Profesión; Formación.


 

 

Introdução

No ano de 1947, criou-se o Instituto de Seleção e Orientação Profissional (ISOP) na Fundação Getulio Vargas (FGV), que tinha "por objetivo básico contribuir para o ajustamento entre trabalhador e trabalho, mediante o estudo científico das aptidões e vocações do primeiro e dos requisitos psicofisiológicos do segundo" (Instituto de Seleção e Orientação Profissional, 1949, p. 7). Posteriormente, sob a direção de Emilio Mira y López e João Carlos Vital, foi instituída, em 1949, a publicação científica Arquivos Brasileiros de Psicotécnica (ABP), "com a finalidade de dar aos interessados uma visão honesta do que estamos realizando e instituir uma tribuna ao alcance dos estudiosos brasileiros e estrangeiros, onde serão livremente debatidos todos os assuntos ligados à psicotécnica" (Lopes, 1949, p. 5). Segundo Martins (2014, p. 7), o ISOP e a ABP "tornaram-se os principais veículos de fomentação e divulgação da psicologia aplicada e da formação de psicotécnicos no Brasil". Jacó-Vilela e Rodrigues (2014, p. 155) afirmaram que a ABP "é a primeira revista totalmente voltada para temas da Psicologia e de grande circulação no Brasil". Estariam, assim, dadas as bases de divulgação dos debates e trabalhos em psicologia, antes mesmo de seu reconhecimento, em uma das mais antigas publicações, neste campo, existente no país.

O nosso objeto de pesquisa foi compreender a discussão de dois importantes temas para a psicologia: a formação do psicólogo e a regulamentação da profissão no Brasil, nos diversos números da revista, no período entre 1949 e 1962 - ano em que a profissão de psicólogo foi regulamentada.

Para tanto, todos os números da ABP entre 1949 e 1962 foram lidos e, após esta etapa, realizamos a seleção dos textos, a partir dos seguintes critérios: artigos que apresentassem a regulamentação da profissão e artigos sobre a prática orientando a formação do psicólogo. O resultado deste levantamento foi a separação de 12 textos: os que apresentaram práticas realizadas por psicologistas e que seriam, posteriormente, após a regulamentação da profissão, práticas da psicologia; os que discutiam a temática ética profissional; e os que versavam sobre a regulamentação da profissão. Outros dois artigos da ABP foram utilizados para introduzir a criação do ISOP e da revista ABP. Na Tabela, apresentamos a relação dos 12 textos selecionados, com as seguintes informações: ano de publicação, volume/número, título da produção e autor(es).

É importante indicar que outras publicações científicas também foram importantes para a discussão sobre a formação/prática psicológica e a regulamentação da profissão de psicólogo, como o Boletim de Psicologia e a Revista de Psicologia Normal e Patológica (Baptista, 2010; Sá, 2012), mas nosso foco no presente artigo foi a discussão em relação à ABP.

 

A formação e regulamentação em psicologia na ABP

O primeiro texto pautado na discussão sobre a regulamentação da profissão e a formação do psicólogo no Brasil foi publicado em 1950, sob o título "Orientação profissional no Brasil", e nele, encontramos uma conferência realizada no 11o Congresso Internacional de Psicotécnica, realizado em Berna em 1949, na qual, nos 15 minutos disponibilizados para a autora, Katzenstein (1950) apresentou a prática de Orientação Profissional (OP) realizada em São Paulo e indicou que instituições estaria representando naquela comunicação. Respondendo algumas questões sobre a OP, apontou que incluía nesta a Orientação Educacional (OE), atividade que estava sendo inserida nas escolas aos poucos; indicou a indústria e a iniciativa privada como instituições onde a OP era realizada; e, para exemplificar, apresentou o funcionamento da OP no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), dirigido por Roberto Mange.

Vale ressaltar, como apontou Sparta (2003, p. 4), que, entre as décadas de 1940 e 1960, o ISOP se constituiu na principal referência, no país, na discussão sobre a OP e a psicometria. Ainda, segundo a mesma autora, após a abertura dos cursos de psicologia e o reconhecimento da profissão de psicólogo, a OP foi vinculada à atividade clínica, passando a ser um trabalho realizado nos consultórios de psicologia. Consideramos que a participação em eventos internacionais, como o ocorrido em Berna, caracterizou as atividades do ISOP, e foi de grande importância para as discussões sobre a formação do psicólogo no Brasil.

Em 1950, Schneider (1950, p. 95) teve publicado na ABP um texto em forma de nota bibliográfica de sua monografia, de número 4 do Instituto de Psicologia da Universidade do Brasil sob o título "Orientação, seleção e formação profissional no Brasil", o autor resumiu a gênese da psicotécnica nos Estados Unidos e na Europa,

procurando justificar sociológica e psicologicamente a criação de departamentos de psicologia nas universidades brasileiras, [...] e a defender a iniciativa governamental no sentido de legislação, criando serviços de orientação e seleção profissionais obrigatórios.

Além disso, ele sugeriu um currículo com carga horária e matérias para a formação de psicologistas, indicando que a nota bibliográfica que fez da própria monografia fazia parte "de seu despretensioso esfôrço em prol do desenvolvimento e ampliação do ensino de psicologia no Brasil" (p. 96).

Eliezer Schneider representou, claramente, o que foi o esforço de figuras, que como ele, os denominados psicologistas, contribuíram para a institucionalização da psicologia no Brasil. Em 1949, Schneider teve uma rápida passagem como psicotécnico no ISOP, voltando, posteriormente, a mesma instituição, a convite de Franco Lo Presti Seminério, nos anos de 1970, para fazer parte da pós-graduação (Jacó-Vilela, 2001).

Em 1952 foi publicada na ABP uma tradução realizada por Betti Katzenstein e Eliezer Schneider, de um folheto da New York State Psychological Association, intitulado "Princípios éticos para o exercício da psicologia" (New York State Psychological Association, 1952).

Amendola (2014, p. 665) afirmou que foi produzido entre 1966-1967, o que seria uma primeira organização de um código de ética, sendo chamado de "Código de Ética dos Psicólogos Brasileiros" e este teria sido proposto por Oswaldo de Barros Santos, e "se referia a um conjunto de normas de ética profissional para psicólogos publicado pela New York State Psychological Association". Este texto foi baseado na tradução supracitada realizada por Betti Katzenstein e Eliezer Schneider e publicado na ABP em 1952.

Acreditamos que a tradução foi um dos importantes atos preparatórios, ou pelo menos, um instrumento para as discussões que se seguiram, sobre a ética na prática do psicólogo no Brasil, temática fundamental para a regulamentação da profissão de psicólogo que só aconteceria 10 anos depois, em 1962.

Em 1952, foi publicada na ABP um artigo de Eliezer Schneider intitulado "O problema da preparação do psicólogo clínico nos Estados Unidos" e, nele, Schneider (1952, p. 76) discutiu a publicação de um livro sobre o treinamento em psicologia clínica, originado de uma conferência realizada em Boulder, Colorado, em 1949 sobre o ensino superior na área de psicologia clínica, destacando que a psicologia clínica norte-americana não tinha caráter médico e que, "no Brasil e, também na Europa, o termo 'psicólogo clínico' jamais teve aceitação e é geralmente reconhecido como impróprio". O autor também apresentou uma breve reflexão sobre o uso do termo terapêutica, utilizado comumente nos Estados Unidos em psicologia clínica em sentido não médico, mas que considerou inaceitável e censurável no Brasil, visto que "a verdadeira e fiel significação das técnicas e das relações verbais interpessoais existentes na psicoterapia, conforme é ela entendida pela 'A. P. A.', é a de exame da personalidade e de orientação e reeducação psicológica-social" (p. 78). Parece-nos que esse artigo é importante por trazer a discussão da psicologia clínica, visto que ainda era uma atividade recente na história da psicologia (Antunes, 2004).

Em artigo publicado em 1953 na ABP, Eurídice Freitas, identificado como técnico do serviço psicossocial do ISOP, teve publicado um resumo de trabalho apresentado a convite da Secretaria de Educação do Estado do Paraná, em razão da 1a Semana de Orientação Educacional que aconteceu em Curitiba em 1952. No artigo intitulado "A orientação profissional do escolar (aspectos fundamentais)", Freitas (1953) apontou que, no Brasil, a OE teve incremento e tomou um caráter sistemático com a criação de leis sobre o assunto, possibilitando melhor ajustamento na vida escolar pelas novas gerações. O autor destacou a relação íntima entre a OE e a OP, como fases de um processo que é único, destacando a vantagem que elas possuem no desenvolvimento e bem-estar da população, em que a OE ajuda a ajustar/adaptar os indivíduos à vida escolar e a OP sugere escolhas aos indivíduos dentre as diversas profissões. Ele indicou que a atividade de OE era realizada no ISOP.

Em texto do ano de 1954, com o título "O problema da regulamentação da profissão de psicologista e da formação regular de profissionais nesse gênero", encontramos uma carta escrita pela Associação Brasileira de Psicotécnica, datada de novembro de 1953, dirigida ao Ministro da Educação, constando de uma carta e um anteprojeto de lei. Lourenço Filho, Pontual, Mira y López e Andrade Sobrinho (1954, p. 45) pediram que o Ministro examinasse a questão da "regulamentação da profissão de psicologista e da formação regular de profissionais nesse gênero", indicando que houve avanços na psicologia aplicada no Brasil, como as inserções que a psicologia teve em ambulatórios de doenças mentais por força de decisão do próprio ministério, justificando a necessidade de uma formação regular e, para promover o convencimento, apresentaram os ramos de psicologia aplicada que exigiriam formação técnica de nível superior: "psicotécnica escolar, psicotécnica do trabalho e psicologia clínica" (p. 46). Junto a carta, foi apenso um anteprojeto de lei propondo a criação de curso de psicologia e de psicotécnica.

É importante destacar que, como apresentou Baptista (2010), houve um outro modelo/projeto de formação de psicólogo em discussão neste mesmo período, que expôs as divergências entre integrantes do ISOP e a comissão I, com integrantes de São Paulo.

Fica evidente o movimento para a regulamentação, quase uma década antes do seu reconhecimento oficial, no ano de 1962. Entre os argumentos apresentados pela Associação Brasileira de Psicotécnica, destacamos: o uso do saber psicológico em outros dois campos, o da educação e o da medicina (Lourenço Filho et al., 1954).

Com relação à medicina e à educação, suas formas se ampliaram de muito, e, a tal ponto, que a própria legislação federal a ela faz expressa referência, em numerosos atos. Para lembrar alguns, é de citar a decisão desse Ministério que obriga os ambulatórios de doenças mentais a possuírem "um gabinete de psicologia experimental", e as leis orgânicas do ensino médio, as quais, todas, estatuem a obrigatoriedade da prática de orientação educacional, em serviços que se instalem nos estabelecimentos de ensino secundário, comercial, industrial e agrícola (Lourenço Filho et al., 1954, p. 45).

Um outro importante ponto exposto pela Associação Brasileira de Psicotécnica foi a ausência de instituições para formação de profissionais de psicologia (Lourenço Filho et al., 1954). No entanto, no ano da carta surge o primeiro curso de formação de psicólogos no país. Segundo Esch e Jacó-Vilela (2001), foi a partir da busca da oficialização da atividade dos psicotécnicos e da criação do curso de psicologia, que surge o curso da Pontifícia Universidade Católica, no Rio de Janeiro (PUC-RJ). Criado por Hans Lippman, a partir da inauguração do Instituto de Psicologia Aplicada (IPA), o primeiro curso de psicologia do país, era "ministrado no período noturno nas enfermarias da Santa Casa de Misericórdia. O curso tinha duração de três anos e meio, e o corpo docente era formado por médicos, filósofos e educadores" (Féres-Carneiro, 2013, p. 234). Dos 36 alunos ingressantes, apenas sete se formaram em dezembro de 1956. No ano seguinte, o curso foi transferido para o campus da gávea, que passa então a funcionar no período diurno, sob a direção do padre Antonius Benkö. Cabe ainda ressaltar a importância do IPA e do seu diretor para o reconhecimento da profissão de psicólogo no Brasil (Azzi, 2010).

Em texto publicado em 1955 na ABP, temos o discurso de Lourenço Filho intitulado "I Seminário Latino-Americano de Psicotécnica". Nele, Lourenço Filho (1955, p. 10), na sessão inaugural do Seminário, na qualidade de presidente da Associação Brasileira de Psicotécnica, e também da comissão organizadora do evento, o autor discorre sobre a psicotécnica e a psicologia aplicada, indicando que a Associação Brasileira de Psicotécnica "tem procurado congregar especialistas dos grandes campos da psicologia aplicada - o da educação, o do trabalho, o da psicologia clínica e serviço social" e destacou a importância de serviços especializados realizados no ISOP da FGV e nos setores de psicotécnica do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) e SENAI, e das organizações universitárias, salientando os trabalhos realizados no

Instituto de Psicologia da Universidade do Brasil, e os que desenvolve a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com o seu Instituto de Psicologia Experimental e Educacional, e sua clínica psicológica, junto à Faculdade Sedes Sapientiae (p. 11).

Ele também salientou o papel dos pioneiros, nomeando-os: professor Geraldo de Paulo Souza (Instituto de Higiene - São Paulo); professor Roberto Mange; dr. Waclaw Radecki (Laboratório de Psicologia do Hospital de Engenho de Dentro); Anísio Teixeira; e dr. Luiz Simões Lopes. Além disso, indicou que o ideal da Associação contemplava tanto um estatuto legal, como um código de ética para a área, informando que os temas do evento seriam "o das normas de terminologia, o de normas de fidedignidade e validade de provas em uso, e a importantíssima questão da formação regular e do status legal dos trabalhadores da psicologia aplicada" (p. 12) e apontando quem seriam "os cultores da psicotécnica - educadores, organizadores do trabalho, assistentes sociais, médicos especializados, sacerdotes, peritos em comunicação social, encarregados" (p. 13).

Ainda em 1955, um artigo de Eliezer Schneider foi publicado na ABP, intitulado "Normas para a unificação de uma terminologia básica de psicotécnica". Apresentado como relatório no I Seminário Latino-Americano de Psicotécnica no mesmo ano, nele, Schneider (1955, p. 19) desenvolveu uma reflexão sobre o termo "psicotécnica", indicando que este é utilizado "como sinônimo de psicologia aplicada em geral" (p. 19) e quem a pratica seria "um perito em artes (ou técnicas) ou ciências psicológicas" (p. 20), cuja preparação profissional seria em nível técnico. Seria um termo que deveria ser menos empregado, em favor dos termos "psicólogo" ou "psicologista", mais apropriados para designar a formação em nível superior, isto é, "o profissional técnico-científico preparado em teoria e prática da psicologia" (p. 22), visto que, "o psicólogo deveria ser muito mais do que perito" (p. 20). Reconhecendo "uma crescente tendência para a estruturação no quadro profissional da sociedade hodierna, da profissão de psicólogo", entre as propostas realizadas para unificação terminológica no artigo, destacamos a de que "como denominação profissional única, ou melhor genérica, propomos o têrmo 'psicólogo' (ou psicologista)" (p. 19).

Destacamos que, no anteprojeto de 1953, a Associação Brasileira de Psicotécnica propôs tanto a criação do curso de psicologia como o de psicotécnica (Lourenço Filho et al., 1954), todavia, na Lei no 4.119, de 1962, apenas o curso de psicologia foi criado.

Em 1958 foi publicado um noticiário na ABP intitulado "Criação de cursos de formação em psicologia", nele, a Associação Brasileira de Psicotécnica (1958, p. 168) indicava que o projeto de lei para a regulamentação da profissão de psicologista e de criação de cursos para a formação em psicologia havia sido enviado pelo presidente da república ao Congresso Nacional e, "de acôrdo com a proposta do Executivo, êsses cursos serão de bacharelado e de licença e serão feitos nas faculdades de filosofia do país".

Foi publicado na ABP em 1959, entre outros documentos, o projeto de lei na íntegra (Cardoso, 1959), num texto intitulado "A formação de psicologistas no Brasil". Entre eles, se destaca a publicação do diário do Congresso Nacional de 4 de agosto de 1959, de sessão presidida em 22 de junho de 1959 por Coelho de Souza e com relatoria de Adaucto Cardoso, do Projeto de Lei nº 3.825-A de 1958, que "dispõe sobre os cursos de formação em psicologia e regulamenta a profissão de psicologia; tendo pareceres: pela constitucionalidade, da Comissão de Constituição e Justiça; e com substitutivo da Comissão de Educação e Cultura" (p. 87).

Em 1960 foi publicado um memorial na ABP intitulado "Memorial encaminhado aos Srs. Deputados, a propósito da regulamentação da profissão de psicologista", nele, os psicólogos do ISOP pedem que os deputados depositassem atenção em relação a três pontos constantes no projeto de lei de regulamentação: a manutenção da Associação Brasileira de Psicotécnica como órgão consultivo para indicação de membros de uma comissão designada para lidar com os pedidos de registro - é importante destacar a mudança de nome da Associação supracitada para Associação Brasileira de Psicologia Aplicada; a manutenção do artigo 11 que foi aprovado pela Comissão de Educação, que previa para o registro profissional como psicologista ter cinco anos de experiência profissional em psicologia aplicada; e uma nova redação para o artigo que trata das funções privativas do psicologista, tendo em vista que o projeto governamental e o substitutivo da Comissão de Educação não englobariam todos os aspectos relacionados à matéria (Instituto de Seleção e Orientação Profissional, 1960). Sá (2012) indicou que outras instituições também estavam envolvidas na discussão da regulamentação da psicologia e apresentaram suas colaborações, como a Associação Brasileira de Psicólogos e a Sociedade de Psicologia de São Paulo.

Em 1961 foi publicada na ABP uma tradução realizada por Dorothea Dahlleim de um artigo da profa. dra. Franziska Baumgarten, intitulado "Regras e princípios de um código de ética internacional para psicólogos" (Baumgarten, 1961). Parece-nos que esta tradução se soma aos outros artigos sobre o tema ética na prática profissional que foram publicados na ABP, tendo em vista a tramitação do projeto de lei para a regulamentação da profissão de psicólogo.

Em 27 de agosto de 1962, a Lei nº 4.119, que "dispõe sôbre os cursos de formação em psicologia e regulamenta a profissão de psicólogo" foi sancionada pelo presidente João Goulart. A lei foi dividida em seis capítulos (dos cursos, da vida escolar, dos direitos conferidos aos diplomados, das condições para o funcionamento dos cursos, da revalidação de diplomas e disposições gerais e transitórias) e os artigos 2, 3, 4 e 14 foram vetados. Dois anos depois, em 1964, com o Decreto nº 53.464, de 21 de janeiro de 1964, a Lei nº 4.119/62 foi regulamentada, dispondo sobre a profissão de psicólogo.

Uma década após o texto de Schneider (1952), nas discussões realizadas, no período de reconhecimento da profissão de psicólogo, sobre a psicologia clínica, estava em jogo o debate sobre a exclusividade dessa prática por estes profissionais. Em Azzi (2010, p. 106), texto originalmente publicado em 1964/1965, o autor chamou a atenção para as dificuldades da discussão em relação a profissão do psicólogo, indicando que

a lei 4119 é apenas aparentemente clara, na realidade bastante confusa e imprecisa talvez para não criar, numa época em que seria muito inoportuna para a classe psicológica, problemas de competência recíproca, de superposição e rivalidades.

A resolução dada a essa questão e expressa na Lei nº 4.119/62, em seu artigo 1º, letra d, foi a atribuição ao psicólogo da solução de problemas de ajustamento, que estaria relacionado, como afirmamos acima, ao problema de "competência" e rivalidade com a profissão médica, e que se anunciaria ainda, como discussão, na prática da "psicologia clínica". Azzi (2010) sustentou, naquele período, que o melhor seria o trabalho em colaboração com o médico, a forma mais adequada de resolver tais problemas.

No memorial encaminhado para os deputados, quando do processo de regulamentação da profissão, pelo ISOP (1960), foram feitas três reivindicações pelos psicólogos do ISOP e, ao examinar a Lei nº 4.119/62, verificamos que: a primeira reivindicação não foi atendida (comissão indicada por algumas associações por lista tríplice para auxiliar o Ministério da Educação e Cultura), pois o artigo 23 da Lei nº 4.119 que tratava sobre isso foi vetado; a segunda reivindicação foi atendida (requisição do registro de psicólogo, no prazo de 180 dias, para as pessoas que tenham exercido por mais de cinco anos atividades de psicologia aplicada), conforme redação do artigo 21 da Lei nº 4.119; e a terceira foi atendida em parte (sobre o exercício da profissão, sua função e objetivos dela), visto que apenas o diagnóstico psicológico foi mantido, conforme redação do artigo 13, parágrafo 1, letra a da Lei nº 4.119. Os demais objetivos sugeridos pelo ISOP foram: "a) orientação e seleção psicológica; e b) assistência psicológica" (ISOP, 1960) e os outros objetivos que foram incluídos no artigo 13, parágrafo 1 foram: "b) orientação e seleção profissional; c) orientação psicopedagógica; e d) solução de problemas de ajustamento". Podemos observar nas reivindicações feitas e aceitas, a Influência que o ISOP teve no processo de regulamentação da profissão de psicólogo no Brasil e indicar que a ABP testemunhou parte das reflexões e discussões sobre a formação e a regulamentação da área.

É interessante salientar que, apesar de na proposta de 1953 da Associação Brasileira de Psicotécnica ter aparecido o termo "psicologista" (Lourenço Filho et al., 1954), na Lei nº 4.119 de 27 de agosto de 1962, o termo utilizado para designar o profissional foi "psicólogo", tal qual proposto por Schneider (1955, p. 22), visando a unificação da terminologia da área. Como ficou claro, a proposta de 1953 e a proposta de unificação da terminologia da área figuraram na ABP, junto a outras contribuições que visavam não apenas apresentar o conhecimento científico produzido pela psicologia na época, mas favorecer a criação de cursos de psicologia e a regulamentação da profissão de psicólogo.

 

Considerações finais

A apresentação de ideias, diálogos, diferentes autores e posições sobre a psicologia que se estabelecia nas décadas de 1950 e em parte da de 1960, expostos na ABP, foi um importante instrumento para a compreensão dos contornos teóricos, práticos, metodológicos e éticos desta ciência no Brasil no período, bem como de parte do embate científico e político produzido para a criação do curso de psicologia e a regulamentação da profissão de psicólogo.

Bem antes da regulamentação da profissão de psicólogo e do surgimento dos cursos de psicologia no país, houve, não apenas com os psicologistas e com os cultores da psicotécnica, o estabelecimento de práticas, mas a discussão teórica sobre os campos da psicologia. Ao longo da discussão sobre os artigos na ABP e de como estes tematizaram tanto a regulamentação, quanto a formação. Podemos destacar no cenário das práticas: a psicotécnica, a seleção e orientação profissional, a orientação educacional, a psicologia educacional e, em estabelecimento, a psicologia clínica; e, no campo da discussão teórica, contribuições sobre a orientação profissional, a orientação educacional e a psicologia clínica.

Nos textos sobre a regulamentação, destacamos a participação de Eliezer Schneider que, de forma expressiva, sugeriu como poderia ser a formação em psicologia, contribuiu para a discussão sobre a unificação da terminologia em psicotécnica e com a reflexão sobre o uso dos termos psicologista e psicólogo, no período anterior a Lei nº 4.119, atendendo ao rigor científico e demonstrando amplo conhecimento quanto às tendências modernas da psicologia de sua época.

Vale ressaltar que vários dos profissionais que publicaram na ABP, no período dos artigos analisados, foram nomes relevantes e de destaque para o desenvolvimento da psicologia no Rio de Janeiro. Alguns desses notáveis realizaram atividades no ISOP, no Instituto de Psicologia, da Universidade do Brasil e, posteriormente, no primeiro curso de psicologia do país, na PUC-RJ. Acreditamos que é importante sinalizar que, no processo de discussão sobre formação e regulamentação da profissão de psicólogo, tanto alguns dos profissionais autores de artigos que figuraram na ABP, quanto profissionais no estado de São Paulo participaram com reflexões, reuniões, cartas, memoriais e orientações. Sem dúvida, diversas "vozes" cooperaram para as discussões ocorridas em 1962 e instituídas na Lei nº 4.119, e a ABP foi um veículo privilegiado para a divulgação dessas ideias.

A análise dos artigos da ABP é relevante por oferecer uma visão ampla das discussões que ocorreram na psicologia naquele período histórico, além de permitir novas análises e evidenciar mais atores sociais envolvidos nos temas da regulamentação da psicologia e da formação do Psicólogo no Brasil. Além disso, afirma a relevância e a importância que a ABP teve para o desenvolvimento da psicologia no Brasil.

 

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Endereço para correspondência:
Julio Cesar Cruz Collares da Rocha
juliorocha@gmail.com
Renato Sampaio Lima
renatosampaio@id.uff.br

Submetido em: 17/07/2019
Revisto em: 05/12/2019
Aceito em: 06/12/2019

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