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Revista da Abordagem Gestáltica
Print version ISSN 1809-6867
Rev. abordagem gestalt. vol.18 no.1 Goiânia June 2012
RELATO DE EXPERIÊNCIA
Caminhos da abordagem centrada na pessoa no sul do Brasil
Paths of the person-centered approach in southern Brazil
Caminos del enfoque centrado en la persona en el sur de Brasil
Ir. Henrique Justo
Doutor em Pedagogia e Livre-Docente em Psicologia, é ex-Professor e ex-Diretor da Faculdade de Psicologia da Pontífícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e ex-Coordenador do Curso de Especialização da "Abordagem Centrada na Pessoa" do Centro Universitário La Salle, Canoas, RS, Brasil. Endereço Institucional: Centro Universitário La Salle Av. Vítor Barreto, 2288 92010-000 Canoas, RS. E-mail: irjusto@unilasalle.edu.br
RESUMO
Inicialmente, algumas fundações fenomenológicas da ACP/ECP. Como o Brasil é muito grande, dividimos a história da ACP em pelo menos quatro partes: do sul, central, norte e nordeste. Salienta a iniciação e desenvolvimento da ACP na região sul, precursora na formação de psicólogos na década de 50. A lei que regulamenta a profissão de psicólogo no Brasil é de 1962. O autor, formado em psicanálise, descobriu Carl Rogers através de um livro de Roberto Zavalloni, italiano, que havia estudado com Rogers. Já professor universitário, estudou em Barcelona (1956-1957) e Paris (1966-67). Na França aprofundou a teoria rogeriana com Peretti, Hameline e Dardelin. Retornando ao Brasil, começou a espalhar a nova visão. Em Terapia Centrada no Cliente, cita exemplos de pessoas que poderiam ajudar a resolver problemas difíceis. Elabora uma discussão sobre os efeitos positivos de grupos de encontro, com o testemunho de transcrição dos participantes. É mais geral referindo-se ao ensino centrado no aluno, como poucos professores que usam a perspectiva rogeriana. Apresenta as visões de acadêmicos e estudantes do ensino médio, confirmando a eficácia do novo método.
Palavras-chave: Abordagem Centrada na Pessoa. Carl Rogers. História da Psicologia no Brasil.
ABSTRACT
Initially, some phenomenological foundations of the PCA. As Brazil is very large, divide the history of the PCA at least infour parts: southern, central, northeast and north. Stresses the initiation and development of the PCA in the south region, as precursor in the formation of psychologists in the 50's. The law regulating the profession of psychologist in Brazil dates 1962. The author, trained in psychoanalysis, discovered Carl Rogers through a book by Roberto Zavalloni, Italian, who had studied with Rogers. As an university professor, studied at Barcelona (1956-57) and Paris (1966-67). In France deepened Rogerian theory with Peretti, Dardelin and Hameline. Returning to Brazil, began to spread the new vision. In client-centered therapy, cites examples of people who could help solve difficult problems. Talk about the positive effects of encounter groups, with the transcript testimony of participants. Is broader, referring to the student-centered teaching, as few teachers who use Rogerian. Presents views of academics and high school students confirming the efficacy of the new method.
Keywords: Person Centered Approach. Carl Rogers. Histoy of Psychology in Brazil.
RESUMEN
Inicialmente, algunos fundamentos fenomenológicos de la ACP/ECP. Como el Brasil es muy grande, hay que dividir la historia de la ECP al menos en cuatro partes: sur, centro, noreste y norte. Destaca el inicio y el desarrollo de la ECP en el sur, región precursora en la formación de psicólogos, en la década de 50. La ley de la reglamentación de la profesión de psicólogo, en Brasil, es de 1962. El autor, formado en psicoanálisis, descubrió a Carl Rogers a través de un libro de Roberto Zavalloni, italiano, que había estudiado con Rogers.Ya profesor universitario, realizó estudios en Barcelona (1956-57) y en Paris (1966-67). En Francia profundizó la teoria rogeriana con Peretti, Hameline y Dardelin. De regreso al Brasil, empezó a difundir la nueva visión. En terapia centrada en el cliente, cita ejemplos de personas que pudo ayudar a solucionar problemas difíciles. Habla de los efectos positivos de los grupos de encuentro, con la transcripción testimonios de participantes. Es más extenso al referirse a la enseñanza centrada en el alumno, pues son pocos los profesores rogerianos que la utilizan. Presenta opiniones de universitarios y alumnos de secundaria confirmando la eficacia del nuevo método.
Palabras-clave: Enfoque Centrado en la Persona. Rogers. História de la Psicología en Brasil.
1. Fenomenologia e Psicologia Rogeriana
Pediram-me para falar do início e da expansão da Abordagem Centrada na Pessoa no Brasil. Não é um corpo estranho num Congresso de Fenomenologia? Não, pois essa linha se harmoniza com o pensamento de Edmund Husserl. Eis brevemente algumas proposições da fenomenologia que são fundamentais na linha psicológica do autor de "Tornar-se Pessoa":
(1) Ir às coisas mesmas: Na visão rogeriana, o psicólogo não pretende conhecer e auxiliar uma pessoa com a aparelhagem radiográfica de uma doutrina pré-estabelecida, mas escutando-a para entender como ela percebe, como ela experencia o mundo, um sentimento ou outro fato, pois somente a própria pessoa tem acesso direto às suas vivências;
(2) Epoché: Suspensão da própria opinião e conhecimentos, para verificar o fenômeno, o fato em toda a sua originalidade, permitindo "ir às coisas mesmas", sem contaminação, tanto quanto possível, com a percepção do observador, ouvinte ou leitor. Na visão rogeriana, a empatia exerce esse papel;
(3) Intencionalidade: Isso é, nas palavras de Husserl, "a tomada de posição relativamente à coisa" (1931/1986, p. 85); consciência de algo e tomada de atitude ante ele.
Rogers falaria em auto-realização ou tendência ao crescimento em certa direção. O objetivo depende do interesse da pessoa, do valor que o objetivo representa para ela. Escreve Husserl: "A única reforma verdadeiramente radical da psicologia reside na elaboração de uma psicologia intencional" (Husserl, 1931/1986, p. 150). Carl Rogers e outros autores da psicologia humanista parecem corresponder a esse desiderato.
"Delucidar os nexos entre o verdadeiro ser e conhecer" (Husserl, 1931/1986, p. 14). O objetivo da terapia centrada na pessoa consiste em ajudar a pessoa a uma mudança da percepção, solucionando o problema ou conformando-se, se for insolúvel ou irreversível, como no caso de morte ou envelhecimento. O processo ocorre através do que Husserl chama de "elucidação" ou "esclarecimento" (Klärung).
Mais um ponto de apoio - dos muitos - que a ACP possui graças à Fenomenologia: "Qualquer prova e qualquer justificativa da verdade e do ser realiza-se em mim." (Husserl, 1931/1986, p. 108). Vinte anos depois, escrevia Rogers: "O terapeuta mantém coerentemente, o locus de avaliação no cliente" (1951, p. 150).
E vamos ao tema que me foi solicitado, aliás, não tão abrangentemente como pedido, mas limitando-me à caminhada pessoal e à expansão da ACP no sul do Brasil.
2. O Livrinho que Mudou o Rumo da Minha vida
Em 1956, apareceu, em português, um pequeno volume - cerca de 150 páginas - de Roberto Zavalloni, italiano, ex-estagiário de Carl Rogers na Universidade de Chicago. Adquiri-o, atraído pelo título: "Educação e Personalidade", pois na época era eu professor de Psicologia da Educação na Escola Normal La Salle, de Canoas, e na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Estava eu, na época, totalmente encharcado de psicanálise (e somente dessa teoria), desconhecendo outras perspectivas, de vez que somente uma visão nos fora apresentada no curso de pós-graduação, a partir de 1953, início da formação de psicólogos em Porto Alegre. Na legislação federal ainda não constava o curso dessa área em nível de graduação.
A brochura de Zavalloni trazia uma visão diferente, muito diferente. Li essas páginas, curioso, como se percorre interessado, um bom romance. As novas perspectivas me iam desvendando mais vasto panorama, à medida que avançava na leitura, como se a publicação corresse a cortina de estreita janela de informação e técnica recebidas na Faculdade, patenteando-me outro mundo, mundo até então desconhecido por mim. Nem sequer suspeitava pudesse haver outro modelo psicológico além do que me fora oferecido. Como somente existia, para mim, uma matemática, assim, pensava, houvesse apenas uma psicoterapia - a freudiana. Senti-me um tanto logrado pelos mestres...
A atmosfera nebulosa, carregada, quiçá sombria, prenunciando borrascas freqüentes, foi, gradativamente, substituída por horizontes geralmente iluminados e iluminadores, cá e lá, talvez, alguma nuvem no céu azul. O novo 'meteorologista' era mais otimista sobre o tempo do dia seguinte, das semanas e dos anos porvir. Prevaleciam os dias primaveris sobre os das intempéries, ventanias, raios e trovoadas.
Cerca de 80 páginas - a metade do livrinho - constituem o ponto alto da novidade, ao apresentar o pensamento terapêutico-educativo de Carl Rogers. Tendo como padrinhos a Pio XI e Pio XIII, levou Zavalloni a visão rogeriana à pia batismal - dilatando e enriquecendo o vasto e precioso legado com a dimensão religiosa. O último capítulo coroa o estudo, apresentando o pensamento educacional personalista de Santo Inácio (nos passos do sábio jesuíta Lindworski) e do popular São Francisco de Assis, raios prenunciadores - como tantos outros de séculos idos e contemporâneos desses autores - da aurora da visão personalista. Podemos ousar, generalizando: desde que repercutiu a voz do Nazareno em nosso mundo, desenhou-se o arco-íris da perspectiva personalista no céu da concepção do ser humano.
A teoria me empolgou. Adquiri o livro "Terapia Centrada no Cliente" e, posteriormente, outras obras de Rogers, mais antigas: "O Tratamento Clínico da Criança Problema" (de 1939) e "Psicoterapia e Consulta Psicológica" (de 1942).
Outra coincidência feliz: no mesmo ano de 1956, pronunciou o Dr. Igor Caruso, de Viena, uma série de palestras na PUC-RS. Psicólogo e psicoterapeuta, vindo do campo da filosofia, desenvolveu idéias em torno da "Análise Psíquica e Síntese Existencial", título de um dos seus livros, encarando a pessoa na perspectiva fenomenológico-existencialista, escoimando esta última do "algo negativo" (Caruso, 1954, p. 136).
Análise psíquica significa que "todo tratamento fenomenológico das neuroses, sem análise causal, está condenado à esterilidade"; e "síntese existencial significa responsabilização progressiva do homem, tropeçando, por isso, com resistência contínua" (Caruso, 1954, p. 148). Na página seguinte, lemos: "(...) a principal incumbência da síntese existencial consiste na relativização dos valores egoístas anteriormente absolutizados". Qual é, segundo ele, o objetivo da terapia? "O fim de toda psicoterapia consiste em reconhecer uma hierarquia transcendente de valores que o homem, conforme suas necessidades, deve converter em sua própria verdade vivida" (Caruso, 1954, p. 149).
Embora nos soem aos ouvidos notas psicanalíticas, essas notas ecoam em outros acordes, já fazem parte de outra melodia. Após relacionar as críticas de Karl Jaspers, Viktor Frankl e Henri Baruk à psicanálise, desvenda outras dimensões da pessoa. Diz Caruso: "Dessas correntes existencialistas e éticas em psicoterapia se pode dizer, em geral, que o acervo reunido por elas é grande e admirável. Significa, sobretudo, a incorporação do espírito ao programa de psicologia" (Caruso, 1954, p. 138).
Referenda a idéia de que o homem é, simultaneamente, determinado (Freud) e livre e responsável: "O método perfeito tem que abranger toda a pessoa, por isso, pode chamar-se personalístico".
Era linguagem completamente nova, ressoando nos auditórios de Porto Alegre, provocando as mais disparatadas reações: aceitação, dúvidas, rejeição formal; deixou espíritos irrequietos que, até então, haviam escutado tão-somente o solo do canto psicanalítico, considerando-o a única toada existente. A posição de Igor Caruso exorcizava a concepção do homem e da terapia do materialismo, pessimismo e determinismo freudianos.
Foi evento importantíssimo, digno de ser assinalado com letras de ouro no calendário científico, pois rompeu com a monocultura em psicologia. Ao lado da psicanálise, florescente e bem-vinda, seriam cultivadas, doravante, outras visões do homem, outras técnicas psicoterapêuticas.
Com a inquietude lançada por Caruso na mente, em fins de 1956, com bolsa, prossegui os estudos de psicologia no Instituto Psicotécnico de Barcelona, nas áreas do trabalho e escolar. O enfoque, ali, era eminentemente técnico, usando como ferramentas, testes de aptidão e personalidade, coroados com entrevista. Paralelamente, estudava eu Caruso e Viktor Frankl. Este último foi outra das minhas descobertas, cabendo-me a honra de anunciá-lo em Porto Alegre, segundo me disseram alunos e profissionais de então.
Figura importante desse Instituto catalão fora, nos anos 1930, o Dr. Emílio Mira y López (1896-1964), médico, psiquiatra, psicólogo. Simpatizante dos 'rojos' (comunistas) na guerra espanhola (1936-39), com a vitória de Franco, refugiou-se na França sendo, inicialmente, confinado em campo de concentração; dali passou à Inglaterra, onde obteve bolsa de estudo de pesquisador, terminando, então, o famoso teste miocinético (PMK), de vasta utilização. Foi conferencista nos Estados Unidos, em Cuba (onde nascera de pais espanhóis, no tempo em que a ilha era colônia hispânica). Na Argentina e Uruguai ocupou cargos, antes de radicar-se definitivamente no Brasil (1947), onde se tornara conhecido como palestrante. Teve atuação científica pioneira quando nosso país apenas engatinhava na área da psicologia1.
Tive contato com esse homem genial em 1953, no primeiro Congresso Brasileiro de Psicologia (realizado em Curitiba). Pessoa elegante, de vasta cultura, com série importante de livros publicados nas áreas da psiquiatria e psicologia.
Retornei em 1958, após um curso de verão em Paris, a participação em Congresso Internacional de Psicologia em Bruxelas, a visita a cursos de psicologia em Madri, em Friburgo (Alemanha), em Turim e Bolonha, e contato com Igor Caruso em Viena. Se ainda voltei "testólogo" (trouxera, de Barcelona, autorização para tradução e adaptação de vários testes e, de Friburgo, subsídios para aperfeiçoar o "Teste das Pirâmides de Cores") estava, entretanto, vacinado com as visões de personalidade de Rogers, Igor Caruso e Frankl, tanto assim que, certo dia, uma estudante me fez a seguinte observação: "O senhor é o único professor a usar linguagem diferente". Inseguro ainda, não revelei o processo da minha 'conversão' psicológica. Pensei: não é somente a linguagem. É muito mais: todo um enfoque distinto.
3. O Mergulho Definitivo na ACP
Fui levando comigo certa ambivalência, talvez certo ecletismo, até 1966, quando obtive bolsa de estudos para a França (Paris), onde tive um grande mestre que havia estagiado com Carl Rogers, André de Peretti, autor e co-autor de vários livros. Homem de perfil realmente humanista. O mais "rogeriano" que encontrei depois de Carl2. Nesse ano, saí da ambigüidade: aprofundei obras de Rogers, fiz o estágio supervisionado de psicoterapia segundo as dicas da terapia centrada no cliente.
Ao regressar, em 1968, iniciei a dar cursos livres sobre a Abordagem Centrada na Pessoa na PUC-RS. Dentro de pouco, começaram a chover convites para expor a teoria em outros lugares, em outras cidades.
Em 1970, com simpatizantes, fundamos o Centro de Estudos da Pessoa em Porto Alegre que, além de conferências e grupos de encontro para público em geral, promovia cursos de formação na linha da ACP. Uma centena de psicólogos chegou a participar desse núcleo irradiador.
Na PUC-RS, também funcionou, durante vários anos, um curso de especialização de Psicologia Humanista nos anos 80: após embasamento geral, podiam os acadêmicos optar entre as teorias de Carl Rogers e Viktor Frankl. Por razões que ignoro, foi essa iniciativa interrompida. Em compensação, o curso de graduação em Psicologia acolheu a ACP no currículo, constando no programa das teorias de personalidade, nas de aprendizagem e de psicoterapia. A Faculdade de Psicologia começou a oferecer a possibilidade de estágio no SAP (Serviço de Atendimento Psicológico) aos estudantes interessados na perspectiva humanista.
Motivados por declaração de Rogers, reconhecendo haverem falhado ao não se empenharem por introduzir e manter cursos em meios universitários - que dão status a novidades e as validam, lhes servindo de caixa de ressonância -, ademais do fato de não poucos interessados na linha humanista quererem ou necessitarem de certificado universitário, após séria ponderação e as démarches requeridas, foi o curso do Centro de Estudos da Pessoa levado para o Centro Universitário La Salle, em Canoas, 15 km ao norte de Porto Alegre, com fácil acesso por trem (metrô de superfície) e linhas de ônibus. O curso de especialização na ACP teve sete edições. Vários ex-acadêmicos já defenderam dissertações de mestrado com temas rogerianos; outros publicaram trabalhos e artigos em revistas de âmbito nacional ou em "Cadernos La Salle". Um desses trabalhos, se transformou no livro "Abordagem Centrada na Pessoa: Vocabulário e Noções Básicas" (Gobbi, Missel, Justo & Holanda, 2002). Que eu saiba, esse "vocabulário" é novidade inédita.
4. Multiplicação de Núcleos da ACP
Ex-participantes do Centro de Estudos da Pessoa, dos cursos de pós-graduação, assim como psicólogos da graduação da PUC-RS foram levando o novo enfoque a outras instituições do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, cujos programas, em geral, eram monocromaticamente psicanalíticos. Nesses casos, não há opção possível por outra linha. Certa vez, uma estudante de psicologia da PUC-RS fez levantamento a fim de enriquecer com aspectos práticos um trabalho solicitado pelo curso, desejando saber diversos aspectos de profissionais da psicologia. Entre as perguntas figurava a seguinte: Qual a corrente que segue em psicoterapia? De uma das pessoas inquiridas recebeu a resposta:
Sigo a linha psicanalítica.
Por quê?
Porque não conheço outra.
Não é limitação muito lamentável? Que diríamos se um médico prescrevesse somente este ou aquele remédio por desconhecer outros? Um pequeno grupo de adeptos da psicologia humanista rogeriana fundou o Instituto Delphos de Psicologia e, mais tarde, outros, o Instituto Humanitas. Ambos atendendo pessoas e credenciados por cursos de psicologia como locais de estágio, ministram cursos e promovem "Grupos de Encontro" ou "Imersões". O Instituto Delphos teve o curso de formação de especialistas na ACP aprovado pelo Conselho Federal de Psicologia. Em Criciúma (Santa Catarina), o Instituto Aion, em convênio com a Universidade local, igualmente, iniciou a formação de especialistas, atendendo pessoas e oferecendo vagas para estagiários de psicologia. Pouco depois da fundação, fechou o centro, conseguindo introduzir a linha humanista no currículo de Psicologia da Universidade.
Os principais membros do Instituto Humanitas conquistaram vagas no magistério em Curso de Psicologia de São Miguel do Oeste (SC), fechando o curso particular que mantiveram vários anos em Porto Alegre. Na capital gaúcha, em compensação, abriu-se o Instituto "Ser e Existir". Em Novo Hamburgo (RS), fundaram alguns entusiastas da corrente rogeriana a "Associação Gaúcha de Psicologia Humanista", formando igualmente, especialistas e atendendo pessoas. A cidade mantém dois cursos de psicologia.
5. Meus Campos de Interesse
São três: psicoterapia, docência e relações humanas. Eis uma das razões por eu utilizar mais as diretivas de Carl Rogers do que as de outros representantes ilustres da psicologia humanista (Maslow, Gendlin, Bugental, Jourard, Moustakas, Tausch, etc.), pois o autor de Tornar-se Pessoa as cultivou e sobre elas escreveu. A Abraham Maslow devemos o fato de haver ampliado muito o leque de interesses da psicologia em geral e, em particular, da perspectiva humanista. Cada qual dos demais deu sua contribuição original a essa visão da pessoa, da existência humana.
Várias publicações minhas e de outros seguidores dessa corrente, aqui do sul do país, colaboraram na difusão da ACP Brasil afora3.
5.1 Psicoterapia
Desde fins dos anos cinqüenta, já utilizava eu, timidamente, o referencial da psicoterapia centrada no cliente com muito êxito. Cito apenas o caso de dois pais de família, um com casal de filhos adolescentes e o outro com quatro filhos menores, faz anos em tratamento, um até como interno de hospital psiquiátrico, em pouco tempo vi-os recuperados, mantendo o bem-estar psicológico ao longo de mais de quatro décadas, pois, de vez em quando, tenho algum contato com eles ou familiares.
O que atendi primeiro, depois de meio ano de consultas, já havendo superado o essencial do conflito, perguntou-me:
Como explica essa melhora tão rápida, quando, em dez anos de tratamento, somente piorei?
O que acha você?
Sabe, depois que expliquei meu problema, eu indaguei, ansioso: "Meu caso tem cura?" O senhor respondeu com muita espontaneidade: "Meu Deus, por que não?!" E acrescentou: "Além disso, você não precisa de cura, porque não está doente. O que você apresentou é um problema, e todo problema tem solução. Nós dois vamos, juntos, buscar esta solução". "A resposta me deu novo ânimo, porque os outros profissionais que me atenderam não responderam à minha pergunta, e eu concluí do silêncio deles que eu estava com doença mental crônica. Se pergunto ao médico: Dr., o caroço é de natureza maligna ou não? Se ele não responde, então já sei o diagnóstico. Assim entendi o silêncio dos seus colegas aos quais recorri".
A reação dessa pessoa confirma o grande papel da confiança nos recursos do indivíduo, sendo o terapeuta mero - contudo, útil e, muitas vezes, indispensável - "facilitador" para desencadear o uso de tais recursos.
Moça, classificada esquizofrênica, melhorava sensivelmente, segundo a mãe, após cada entrevista. Infelizmente, o clima do lar não era propício a sustentar a melhora. Mudando-se a família para outra cidade, perdi a "cliente" de vista. Vários casos de casais separados ou a ponto de fazê-lo, atendidos com a devida solicitude e compreensão, se reconciliaram.
Adolescente, com tentações de suicídio, desistiu do intento. Hoje, formado em curso superior, com especialização no estrangeiro, é ótimo profissional, harmonizado com a vida.
Poderia referir muitos outros casos, como depressão profunda, cleptomania, bissexualidade, etc., mostrando, contrariamente à mentalidade de muitos de que a psicoterapia centrada no cliente é adequada tão-somente para casos leves. Talvez essa opinião derive de vídeos apresentando Carl Rogers em sessões de 'demonstração'. Ante público, a pessoa dificilmente falará de problema íntimo muito sério, embora conflito aparentemente simples aos assistentes possa ser muito grave do ponto de vista do indivíduo em atendimento.
Uma observação: Pessoas que haviam sido 'pacientes' de psicanalistas, mais adiante (pela 5ª ou 10ª entrevista) me confessavam a estranheza inicial ante o novo método e a desconfiança em seus frutos. Com o andar do atendimento, contudo, lhe verificaram a eficácia.
5.2 Relações Humanas
Outra área do meu interesse é o campo das relações humanas, às quais Rogers se votou nas últimas décadas de vida: inicialmente grupos pequenos, depois médios e, finalmente, grupos bem grandes, até verdadeiros grupões, como foi o caso na acolhedora solidão de Arcozelo (no estado do Rio de Janeiro), em 1977: ao redor de duzentos participantes. No teatro romano, ensombrado pelas copas generosamente amplas do arvoredo, o silêncio do entorno e das pessoas dispensava o recurso ao microfone (aliás, do qual não se dispunha ali). Foi grande aprendizagem de escuta, tão difícil no dia-a-dia. À tarde, uma dúzia de grupos menores, favorecendo a interação das pessoas, sobretudo das mais retraídas ou que não tiveram oportunidade de falar no grupão, na parte da manhã. Esses grupos pequenos contavam com a presença de facilitadores brasileiros, que haviam passado ali, previamente, uma semana com Rogers e equipe, sendo eu um desses privilegiados.
Como sabemos, corajosamente "facilitou" Rogers o processo de aproximação e compreensão recíproca de facções antagônicas, em forma de internato, duração de uma ou duas semanas, com negros e brancos nos Estados Unidos e na União Sul-Africana; católicos e protestantes na Irlanda; comunistas e não comunistas na Polônia (então marxista); de políticos da América Central. Colheu resultados muito satisfatórios, confirmando seu otimismo em relação às pessoas e confiança de elas serem capazes de convivência pacífica, quiçá amiga, apesar das diferenças étnicas, culturais e religiosas.
Como referi, desde minha volta em 1968, propus a formação de "Grupos de Crescimento", igualmente com muito êxito. Os Institutos da ACP continuam a oferecer essa modalidade de aprendizagem de relacionamento através da escuta atenta e exercício de compreensão do outro e de si mesmo. Não deixa de ser uma terapia pois, segundo Abraham Maslow, todo bom relacionamento é terapêutico. Alguns depoimentos sobre os efeitos do grupo sobre os participantes (Silveira, 1993):
"O grupo ajudou pelas suas características acolhedoras: as pessoas estavam interessadas em ajudar e ouvir, e não em interpretar ou avaliar".
"Tenho muito a agradecer, pois a semente do crescimento foi lançada. Tentarei cultivá-la".
"Eu vim com algumas necessidades, e obtive a chance de expô-las, e a receptividade ocasionou em mim uma mudança".
"Fiquei perplexa com a naturalidade que falei nos meus medos através de uma exposição ao grupo. Venci obstáculo que há tanto tempo me angustiava".
"Pude exercitar o ouvir e o falar, o que não é fácil, e também a não falar quando sentia que aquele momento era importante para outro".
Entretanto, nem tudo foi percebido como positivo:
"Por algum motivo, que não sei entender [...], a integração do grupo, que eu imaginava, não aconteceu (posso estar exigindo demais de um grupo de dois dias)".
"Sinto que algumas coisas, as quais pretendia trazer ao grupo, não foram oportunizadas, em parte por dificuldades pessoais minhas".
"Em determinado momento, senti exigências de um grupo que não me pareciam respeitar os momentos e sentimentos individuais das pessoas".
O grupo despertou desejos:
"Espero os próximos encontros com ansiedade, pois terei que aparar mais arestas além das que foram polidas aqui".
"Espero manter fora daqui as conquistas obtidas".
Poderia citar muitos depoimentos mais recentes, com grupos "extensivos", isto é, 10 encontros semanais de 4 horas. Eis uns poucos exemplos, nos quais transparece a extensão e profundidade das transformações:
"Jamais imaginei que haveria tanta mudança: hoje sou outra pessoa, e o que me alegra é que me reconheço melhor comigo e com os outros [...]. O meu sentimento é que 80% da minha vida mudou, se não mais. Eu me sinto 100% mais feliz, isso é o mais importante" (Professora, mãe de filhos adolescentes).
"Sou muito retraída, quieta, mas quando me vi, estava participando bastante das trocas de idéias, e mais: me expondo, falando coisas muito pessoais a meu respeito. Nesses encontros 'resolvi' uma questão que durante muito tempo procurei solucionar em terapia, e que ali, em dois ou três encontros, ouvindo a opinião dos colegas, como se, num passe de mágica, algo se aquietasse dentro de mim".
"Foi uma grande e longa caminhada até chegar aqui, mas, hoje, estou feliz em estar aqui e poder dizer o que sinto e penso. Com isso e o amadurecimento pessoal, consegui me tornar mais confiante, mais congruente, equilibrada e transformadora. Mudei radicalmente, tanto pessoal como profissionalmente, colocando em prática o que acredito e, com isso, além de me realizar, propiciei um ambiente mais alegre, agradável, equilibrado e produtivo. Eu e meus meninos do grupo que atendo, com isso só tivemos a ganhar".
5.3 Aprendizagem Centrada no Aluno, no Acadêmico
Foi através deste portal que entrei no - para mim - deslumbrante e iluminador palácio da psicologia humanista. Mais especificamente, no de Carl Rogers, enfeitando-o, posteriormente, com alguns adereços menores importantes de outros "arquitetos". A chave do pórtico, recebi-a das mãos de Roberto Zavalloni (1956). No capítulo terceiro do livrinho de 157 páginas, com o título "Orientação da Educação", expõe o autor, em grandes linhas, a "terapia concentrada sobre o sujeito".
Em artigos, depois, em livros, apresenta-nos Rogers (1951), em capítulo extenso, o "student-centered teaching" (p. 384-428: ensino centrado no estudante); em 1961 (p. 279-313), o "significant learning in therapy and education" (aprendizagem significativa em terapia e educação) e "student-centered teaching as experienced by a participant" (ensino centrado no estudante como foi experienciado por um participante (p. 279-313).
As leituras dessas páginas me empolgaram. Ademais, no meu estágio no Instituto Psicotécnico de Barcelona (1956-57), havia eu vivenciado esse método. Acolhido pelo professor encarregado de receber os bolsistas, disse-me: "Dou-lhe o conselho de observar as atividades do Instituto, ir ver a biblioteca. Depois fará seu projeto. Nós, professores, estamos às ordens". Não houve referências a teoria de algum autor: Piaget, Rogers ou à Escola de Summerhill. Pelo visto, chegaram os mestres do Instituto por si à conclusão de ser esse o melhor caminho para aprendizagem efetiva.
Segui a orientação recebida. Explicitei no meu plano as aprendizagens intelectuais e a participação nas atividades práticas do centro de estudos que tivera, entre outras figuras, como referi, um ícone, o Dr. Emílio Myra López, nesse momento já vivendo dez anos no Brasil4.
Certa vez, no final dos anos cinqüenta ou inícios dos sessenta, aprontei apostila, de uma página, com o objetivo de encaminhar a inovadora didática nas minhas aulas na PUC-RS. No trajeto de ida (são 15 km, de Canoas a Porto Alegre), à medida que me aproximava da Universidade, meu entusiasmo vacilante de utilizar a inovadora metodologia foi-se evaporando. Chegado à sala de aula, não tive ânimo em iniciar a revolução na maneira de ensinar e aprender tão cuidadosamente planejada. A apostila ficou na pasta, e dei, decepcionado comigo mesmo, lição expositiva tradicional.
Após estágio em Paris (1966-67), graças, sobretudo, aos professores D.Hameline e M.T.Dardelin, que utilizavam exitosamente a metodologia no ensino-aprendizagem da filosofia, apliquei o método com segurança, fazendo encaminhamento à minha maneira. Eis o texto que, para isso, elaborei5:
6. Aprendizagem Centrada no Estudante
"Desde pequenos, nunca se nos ensinou a pensar, mas só o quê pensar" [Jiddu Krishnamurti]
1. Estudante universitário capaz de sintonizar com sua época, não se contenta com os cômodos processos estereotipados de ensino-aprendizagem:
anotar cuidadosamente o que ouve da boca dos professores
para, em sabatinas e exames, devolvê-lo intato.
2. Universitários de vanguarda já utilizam os métodos que serão rotineiros dentro de poucos anos (cf. Mcluhan: "Mutações"): Haverá uma revolução no que concerne aos papéis do aluno e do professor:
o professor-informador e o aluno-ouvinte
serão substituídos pelo professor-animador e o aluno-pesquisador.
* O ensino será substituído por auto-aprendizagem.
Cf. "A Liberdade de Aprender", Hameline-Dardelin, 1967.
3. A cadeira de psicologia, que tenho a honra de ocupar, procura oportunizar aos estudantes um ensaio desta modalidade:
auto-assumida,
mais ampla
e mais dinâmica de estudo.
Esse método baseia-se numa série de princípios. Eis dois deles:
a) O universitário freqüenta a escola superior a fim de estudar, pesquisar, confrontar, concluir... (e não com o objetivo de passar algumas horas de folga).
b) "A aprendizagem é facilitada quando o aluno participa responsavelmente no processo de aprender" (Carl Rogers).
"A criatividade e autoconfiança são facilitadas:
- quando a autocrítica e a auto-avaliação são básicas
- e a avaliação pelos outros passa a segundo plano" (Id.).
4. A fim de que eu possa apreciar o trabalho realizado, você registrará todas as suas atividades referentes à cadeira: reflexões, dúvidas, soluções, confrontação de opiniões, entrevistas, consultas, etc.
Em cada página, se deverá sentir o pulsar de sua mente, um toque pessoal seu, uma apreciação, uma contribuição sua. Que se possa avaliar, a partir de suas anotações, a aprendizagem realizada, isto é, as modificações ocorridas em seus esquemas mentais e, eventualmente, em seu comportamento.
Observações: | 1ª Você aprenderá na medida e no ritmo de suas possibilidades (..."liberdade para aprender") e responderá pelas conseqüências. | |
2ª Como professor da cadeira, estarei, dentro de minhas limitações, à disposição para troca de idéias, indicações bibliográficas etc. | ||
Eis um convite amigo para uma livre e corajosa aventura intelectual. | ||
Aceita o convite? | ||
Um colaborador-amigo às ordens: | ||
| IR. JUSTO |
Nota: Vendo que certo número de acadêmicos tinha dificuldade para compreender a metodologia, aprontei outra apostila, detalhando melhor o encaminhamento ao longo de três páginas, acrescentando-lhe uma quarta com depoimentos de estudantes dos cursos de Psicologia e Pedagogia que já haviam experienciado essa forma de aulas. Omissão sanada verbalmente no início e, depois, na outra apostila, por escrito, foi indicação referente à auto-avaliação. Eis o texto:
No fim do trabalho, você o avaliará, atribuindo-se nota de 0-10, expondo os critérios utilizados para isso. Se minha avaliação, por acaso, não coincidir aproximadamente com a sua, então conversaremos sobre o assunto. Esta ocorrência é rara, de acordo com a minha experiência, pois o estudante que desfruta de suficiente liberdade é muito responsável e criativo (Não haverá 'sabatinas', a não ser que a turma as peça).
Outro acréscimo (pequena amostra da página):
Eis alguns depoimentos de colegas seus sobre o método de aprendizagem centrado no aluno (PUC, 1974):
"Acho que venci o medo de estudar sozinha. No princípio achei que não iria aprender nada, mas agora que acabei o trabalho, vejo que valeu a pena... Talvez se a matéria simplesmente tivesse sido exposta pelo professor, eu não teria a mesma visão do conteúdo."
Alguns resolveram estudar em grupo:
"Gostamos e nos entusiasmamos ao ver que pelo menos um professor não parou no tempo... Necessitamos dessas aberturas para fazer do nosso estudo algo aliciante. No início, foi meio difícil de ser aceito por se tratar de uma novidade, e nos apavoramos um pouco: exigia muita iniciativa e determinação, coisa que nos tinha sido muito pouco oferecida até hoje."
"Gostaria de dizer que o método adotado foi excelente, porque proporcionou ao aluno liberdade, responsabilidade, criatividade e, sobretudo, o que considero mais importante, a oportunidade de aprender sozinho com seus próprios esforços, e a gente aprende a ser independente, a pesquisar, a pensar, a tirar conclusões."
Compare o(a) leitor(a) essas apreciações do método com outras, trinta anos depois, brotadas das esferográficas de estudantes de curso de especialização do Centro Universitário La Salle (Canoas, RS):
"Não se é educado a buscar. Pior do que isso: se é muito mal acostumado a receber tudo pronto. Quando surge uma proposta de liberdade, onde se é o centro, dono de nós mesmos e com o direito a buscar tudo o que desejarmos, fica-se bloqueado, chocado e apavorado por não saber por onde começar, porque não se aprendeu e, assim, passa-se a vida esperando receber."
"O professor foi educado a transmitir os ensinamentos. Não sabe fazer de outra forma, até porque seu pensamento está bitolado a compreender apenas aquilo que aprendeu, sentindo dificuldade em avaliar aqueles alunos mais autênticos, com idéias já formadas, pois existe uma linha de pensamento, e os ensinamentos são diretrizes para que os educandos sigam aquele caminho e forma de pensar. Não nos ensinam a criar, a libertar nossas idéias, opiniões e atitudes. Somos bloqueados desde cedo, e passamos uma vida toda seguindo essas regras."
Leitor(a) interessado(a) em mais depoimentos, classificados em cerca de quinze categorias: Novidade do método, dificuldade inicial, crescimento pessoal possibilitado por essa didática, confiança no aluno, favorecimento da criatividade clima democrático, iniciativa, relacionamento de disciplinas, despertamento de autoconfiança, respeito às diferenças individuais (ritmo, interesses), outra imagem do professor, estuda-se mais, aprende-se como estudar, possibilidade de auto-avaliação, incentivo à formação do senso crítico, restrição ao método, oposição a essa didática - consulte Justo (2002, p. 92-110).
As restrições e oposições à aprendizagem centrada no aluno são raríssimas, não chegando, na média, a uma por turma. Dá para dizer que em torno de 97% dos estudantes declaram aprenderem muito mais e se auto-educarem melhor com ele do que seguindo a metodologia tradicional de aulas expositivas.
Embora a experiência se limitasse a uma disciplina de 45 horas-aula, até é de admirar produzisse efeitos tão abrangentes em geral e em profundidade para alguns acadêmicos em particular:
"O conteúdo do capítulo ("aprendizagem centrada no aluno") me faz pensar em novas possibilidades em meu ser e agir. Percebo que devo cada vez mais me organizar e ampliar os próprios recursos em minhas propostas, atividades, na vida e missão."
Outro depoimento alude a várias facetas da experiência:
"Gostei muito da forma como nos foi possibilitada a liberdade para aprender que, ao mesmo tempo, nos exige enorme responsabilidade, pois a aprendizagem centrada no aluno nos cobra uma postura pessoal. O fato de ter tempo para fazer as leituras necessárias para a disciplina como, também, para a monografia, foi muito bom, porque fez com que eu mesma procurasse me organizar para tirar o melhor proveito desse espaço. [...] Pensei e repensei, e dei-me conta de que as aprendizagens realmente significativas se deram sempre que as aulas fugiram do tradicional, e que os professores que marcaram minha trajetória foram os que proporcionaram um ambiente acolhedor para que acontecesse a aprendizagem. [...] Aprender é viver, e se quero viver melhor, tenho que me empenhar para isso aconteça. E acho que essa foi a maior lição: buscar o que realmente quero aprender. Isso que é aprendizagem não só dos conteúdos acadêmicos, mas para a vida em todos os seus aspectos. [...] Finalizando, dá até uma certa tristeza ao saber que, aos sábados, não iremos mais nos encontrar. Digo isso porque acordava com prazer, cheia de ânimo para ir às aulas. Acho que me foi propiciada excelente aprendizagem e um crescimento pessoal incrível".
Várias acadêmicas, tanto dos cursos de psicologia e pedagogia, como de pós-graduação (especialização e mestrado) começaram a utilizar o método com alunos no ensino fundamental ou médio. Escreve uma mestra:
"A minha experiência, como professora, tem demonstrado que este método é uma oportunidade preciosa na constituição da autonomia dos alunos em sala de aula e na escola".
Testemunham alunos dela:
"Estou aprendendo a ter um comportamento em grupo que não tinha antes. Pesquiso coisas que nunca havia pensado ler ou olhar. Mas, às vezes, são estes detalhes que mudam o futuro das pessoas".
"Eu acho que foi a aula de que eu mais gostei desde que eu comecei a estudar. Nós pudemos debater e discutir o que nós pensamos".
"Eu adorei muito estas aulas. A professora é pessoa muito amiga e é realmente muito humana. As aulas me ajudaram bastante em tudo: me enturmar com os colegas, ler para todos, falar o que sentia vontade".
Esse método supõe duplo desafio nada pequeno: de um lado, sair da 'senda batida', segura, da estrada feita e costumeira, percorrida pela generalidade de mestres e discípulos. E, do outro, a mudança da auto-imagem do professor 'ensinador', despejador de conteúdos para 'facilitador' da auto-aprendizagem do estudante. Essa dupla mudança é muito mais exigente do que se possa imaginar. É, contudo, possível e, a médio prazo, muito mais satisfatória do que o papel do magister dixit.
Com a palavra uma das participantes do curso, professora, com outros colegas, de 8ª série considerada difícil:
"Muito antes de assumir horas nessa turma, ouvia muito rótulos: 'É uma turma muito difícil.' 'Está insuportável.' 'É irresponsável e só conversa.' Pensei comigo: será que é mesmo assim? Será que não existem outras possibilidades e potencialidades? Tive bem presentes as proposições de Rogers e vários elementos importantes da sua teoria, sobretudo no que se refere à consideração positiva da pessoa dos alunos e a atitude empática. Desafiei os rótulos e outras falas, e entrei na sala. As primeiras aulas foram, de modo especial, muito significativas e animadoras. Pude formar um bom vínculo com os alunos e eles comigo. Relação de confiança e amizade. As aulas seguintes se estão desenvolvendo de forma muito responsável e legal. Claro que a turma tem a tendência para conversar, mas dependendo da relação que se estabelece com eles, se consegue cativá-los e centrar-se na tarefa proposta. - Em bom clima de relacionamento, escreve um autor humanista, ocorre "um impacto para o crescimento pessoal, maior auto-conhecimento, maior contato com os sentimentos, desenvolvimento pessoal, controle da própria existência". Foi bem isso que percebi na experiência realizada com a turma da 8ª série."
Ante tais depoimentos de universitários e alunos do nível fundamental e médio, não é de admirar que a quase totalidade dos professores ainda prefira o velho trem, bitola estreita, do comboio "maria fumaça", ao transporte rápido e gostoso da composição elétrica ou do carro deslizando suavemente pelo asfalto da "aprendizagem centrada no estudante"?
Cursos centrados nos participantes, expondo a visão humanista, especificamente, no caso, a rogeriana, produzem efeitos maravilhosos em profissionais. Eis a declaração entusiasta de uma jornalista:
"Parece fórmula mágica quando optamos pela abordagem a fim de 'olhar a vida de um modo diferente'. [...] Jamais pensei que um dia fosse acreditar tanto e com tanta fé no crescimento e nas mudanças de um indivíduo. A sociedade tem por 'mania' rotular histórias, generalizar casos, e passamos a acreditar que o mundo é aquilo de que ouvimos falar, do que é certo ou errado, do que é tristeza ou felicidade. Somente após ingressar no curso Abordagem Centrada na Pessoa, é que hoje tenho muito claro, para mim, o quanto o ser humano é dotado de capacidade. [...] Somente hoje, com toda essa abertura que a Abordagem Centrada na Pessoa nos proporciona, posso dizer que estou no caminho em ser cada vez mais eu mesma. Dei-me conta do quanto, ao longo desses vinte e seis anos de vida, eu tinha sido um pouco dos meus pais, um pouco dos meus amigos, um pouco da sociedade toda e só um pouco de mim."
Essa, como dezenas e dezenas de outros profissionais, moldados na fôrma estreita da escola tradicional (que produz, também, bons resultados, "padronizados"), readquiriram a flexibilidade de movimentos dos primeiros anos de vida, porém, acrescida de maior consciência dos próprios recursos e dos objetivos pessoais perseguidos, pesando-lhes os valores de crescimento para si e a comunidade. "Produto" final: pessoas mais bem realizadas, portanto, mais felizes. Não é, acaso, a felicidade que, em suma, através do convívio, trabalho, dos divertimentos, das viagens, das festas etc., todos nós almejamos e buscamos?
Eis, de forma não convencional, um pouco da história da psicologia rogeriana no sul do Brasil. Ative-me, sobretudo, a exemplificações com o fito de animar muitos terapeutas, psicólogos atuando nas mais diferentes áreas, orientadores educacionais, muitíssimos professores a utilizarem os recursos fabulosos e fabulosamente simples oferecidos pela psicologia humanista, especialmente pela vertente rogeriana: não insiste em técnicas, mas em atitudes. Eis o grande segredo do êxito dessa corrente de psicologia. Ensinar e aplicar técnicas é fácil; é, porém, difícil mudar as atitudes convencionais, petrificadas, puramente profissionais, com relação aos outros, com relação às pessoas que atendemos ou com as quais simplesmente nos relacionamos.
Referências
Caruso, I. (1954). Análisis Psíquico y Síntesis Existencial: Relaciones entre el análisis psíquico y los valores de la existencia. Barcelona: Herder. [ Links ]
Gobbi, S.L., Missel, S. T., Justo, H., & Holanda, A. F. (2002). Vocabulário e noções básicas da abordagem centrada na pessoa. São Paulo: Vetor. [ Links ]
Husserl, E. (1986). Meditações Cartesianas. Lisboa: Rès Editora (Original publicado em 1931). [ Links ]
Justo, H. (2002). Abordagem Centrada na Pessoa: consensos e dissensos. São Paulo: Vetor. [ Links ]
Rogers, C.R. (1951). Client-Centered Therapy. Boston: Houghton-Mifflin. [ Links ]
Rogers, C.R. (1961). On Becoming a Person. Boston: Houghton-Mifflin. [ Links ]
Rogers, C.R. (1982). Tornar-se Pessoa. São Paulo: Martins Fontes (Publicado originalmente me 1961). [ Links ]
Silva, A. R. (1964). O Hispano-Americano Mira y Lopez. Arquivos Brasileiros de Psicotécnica, 16 (2-3), p. 7-16. [ Links ]
*Silveira, G. M. (1993). Repercussão do Grupo de Encontro Rogeriano sobre a Personalidade dos Participantes. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. [ Links ]
Zavalloni, R. (1956). Educação e Personalidade. Petrópolis: Vozes. [ Links ]
Bibliografia6
*Gobbi, S. L. (2002). A Teoria do Caos e a Abordagem Centrada na Pessoa. São Paulo: Vetor. [ Links ]
*Justo, H. (2001). Cresça e Faça Crescer: Lições de Carl Rogers. Canoas: La Salle. [ Links ]
*Justo, H. (2003). Aprendizagem Centrada no Aluno. Canoas: Unilasalle. [ Links ]
*Pandolfo, H. (1974). Aprendizagem Centrada no Aluno: suas influências na personalidade e na facilitação da aprendizagem. Porto Alegre: PUCRS. [ Links ]
*Tambara, N. & Freire, E. (1999). ACP: Caminho sem Volta: Terapia Centrada no Cliente - Teoria e Prática. Porto Alegre: Delphos. [ Links ]
*Vidor, A. (1974). Rogers e a Educação Não-Diretiva. Passo Fundo: Berthier. [ Links ]
Recebido em 12.07.11
Aceito em 10.04.12
1 A revista Arquivos Brasileiros de Psicotécnica (fundada por ele), no ano de 1964 (nº 2-3), dedicou-lhe alentada edição de mais de 200 páginas, constantes de cinco partes: I. A vida e o homem; II. O cientista e o mestre; III. Últimas conferências; IV. À margem de alguns livros seus; V. Homenagens póstumas. Escreve Athayde Ribeiro da Silva: "Na passagem da década de 30 para a de 40, em pleno fervor da Segunda Guerra Mundial, um catedrático europeu de Psiquiatria, e psicólogo internacionalmente renomado, deixou o velho mundo em busca do novo continente. Vinha com pouco ou nenhum ânimo de ficar definitivamente [...]. A vitória anelada veio, mas nenhuma alteração política ocorreu no país do psicólogo. E ele, então, escolheu uma segunda pátria que é a nossa [...]. Sob o ponto de vista qualitativo elas (as fases de sua existência) em nada diferem, pois ele permaneceu grande, desde estudante até o fim da vida [...]. No Brasil, há uma particularidade: aqui ele foi precursor, pioneiro e ao mesmo tempo consolidador da psicologia" (Silva, p. 8-9, passim).
2 Além dos livros anteriores, lançou, em 1974, Pensée e Vérité de Carl Rogers (Pensamento e Verdade de Carl Rogers) e, em 1997, Présence de Carl Rogers (Presença de Carl Rogers).
3 Em 1968, elaborei apostila (em forma de livro). Retocado, saiu impresso em 1973, agora na 8ª edição, com o titulo "Cresça e Faça Crescer: Lições de Carl Rogers". De 2002 é "Abordagem Centrada na Pessoa: Consensos e Dissensos" (São Paulo, Vetor), na primeira parte respondo a cerca de 30 objeções à ACP; a segunda parte apresenta a ACP e educação-instrução. Em 2003, o Centro Universitário La Salle (Canoas, RS), publicou meu livrinho "Aprendizagem Centrada no Aluno". Outros autores sul-brasileiros constam na Bibliografia, assinalados com asterisco (*).
4 No 1º Congresso de Psicologia (Curitiba, 1953) aprendi muito com ele. Uma observação sua me acompanhou toda a vida, me sendo de muita valia. Na aplicação de testes psicológicos, ensinou, costumamos perder dados preciosos ao lhes limitar o tempo de execução. Ele dizia aos testandos, após as necessárias explicações sobre a prova: "Executem a tarefa o mais rápido que puderem. Porém, lembrem-se de que o mais importante não é a rapidez, mas tarefa bem feita. Quem terminar me queira fazer sinal". Ele ia junto ao testando para marcar o tempo que levara para terminar a incumbência. Assim, a prova dá azo, por exemplo, à verificação de quem é inteligente e rápido ou inteligente e lento; pouco inteligente e rápido ou lento. Para a orientação profissional constituem elementos preciosos, que são perdidos ao se marcar o mesmo tempo de execução para todos os candidatos. Essa atenção às diferenças individuais é um dos componentes justificativos do processo ensino-aprendizagem centrado no aluno.
5 Aqui me estendo mais do que nas duas outras áreas do meu interesse, pois observei que, praticamente nenhum professor, adepto da visão rogeriana da personalidade, utiliza o preconizado método da "aprendizagem centrada no aluno". Se, na terapia, confiamos nas possibilidades de 'aprendizagem' ou 'reaprendizagem' da pessoa, por que desconfiar dela no processo escolar? Por que, ao menos não experimentar essa nova didática? Rogers e co-autores oferecem várias modalidades diferentes de 'centrar o ensino-aprendizagem' no aluno. Aplico aqui o que, em outro contexto, escreve Carl Rogers: "...não existe filosofia, crença ou princípios que eu possa encorajar ou persuadir os outros a terem ou a alcançarem. Não posso fazer mais do que tentar viver segundo a minha própria interpretação da presente significação da minha experiência, e tentar dar aos outros a permissão e a liberdade de desenvolverem a sua própria liberdade interior para que possam atingir uma interpretação significativa da sua própria experiência (1961/1982, p. 39).
6 Os autores assinalados com asterisco (*) são do sul do Brasil (Rio Grande do Sul). - A dissertação de mestrado de Silveira (G. M. da), citada no texto, lamentavelmente não foi impressa.