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Revista da Abordagem Gestáltica
Print version ISSN 1809-6867
Rev. abordagem gestalt. vol.19 no.2 Goiânia Dec. 2013
RESENHA
"Psicologia da religião no mundo ocidental contemporâneo: desafios da interdisciplinaridade" (Vol. I & II)
Janaína Bahia OliveiraI; Maria de Fátima GondimII
IUniversidade Católica de Brasília
IIFundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde/DF
Marta Helena de Freitas; Geraldo José de Paiva; Célia Carvalho de Moraes, Orgs. Brasília: Universa, 2013
A psicologia da religião mostra, por meio de seus atuais expoentes, a necessidade premente de uma perspectiva interdisciplinar para enfrentar os desafios do mundo contemporâneo em que, paradoxalmente, ao lado da secularização assistimos a uma busca intensa, por parte das pessoas, tanto de desenvolvimento da religiosidade como de inserção em instituições religiosas. Imbuído de tal propósito, o GT Psicologia & Religião da ANPEPP, em parceria com o Programa de Mestrado e Doutorado em Psicologia da Universidade Católica de Brasília (UCB), realizou em Brasília, em outubro de 2012, o VIII Seminário de Psicologia & Senso Religioso. A exemplo do ocorrido em seminários anteriores, os coordenadores do evento, Marta Helena de Freitas (UCB) e Geraldo José de Paiva (USP-SP), com a colaboração de Célia de Moraes (Arkamatra), organizaram uma obra com os trabalhos apresentados no evento, desta feita resultando em dois volumes: "Psicologia da Religião no Mundo Ocidental Contemporâneo: Desafios da Interdisciplinaridade", recentemente publicados pela Editora da Universidade Católica de Brasília.
O primeiro volume traz o texto completo de três conferências que foram ministradas pelos convidados internacionais, tanto na versão original, em inglês ou francês, como na versão em português, seguidas de seus respectivos debates, também nas duas versões, inglês e português.
O primeiro capítulo traz a conferência de abertura ministrada pelo filósofo, psicólogo e pesquisador Jeremy Carrete (University of Kent Canterbury, Inglaterra) - "Fundações, Poder e Crítica: Repensando a Psicologia da Religião com W. James", que consiste numa verdadeira avaliação histórica e crítica do desenvolvimento da Psicologia da Religião no mundo ocidental. Pautando-se sobre as contribuições de Michel Foucault, que desvelou a questão do poder na divisão da ciência em disciplinas, Carrette aponta as vicissitudes do século XIX, ao longo do qual, sob a vigência da abordagem empírica e positivista, a psicologia ocupou o lugar de sujeito conhecedor do objeto religião, ou de objetos como religiosidade, Deus, ritual religioso, com suas delimitações precisas, analisáveis, mensuráveis e passiveis de controle e domínio. A partir disso, o autor sugere, portanto, um retorno a William James, especialmente à sua obra "Os Princípios" (1890), a qual aponta a falibilidade e o caráter provisório como condições do pensamento como também o valor das crenças e ilusões, propondo uma ciência pluralista, que chamou de empirismo radical. Com estas bases, propõe uma psicologia da religião pluralista, que considera sua falibilidade enquanto ciência, o não conhecimento ao lado do conhecido, a crença do observador atuando no observado, lembrando que, no ato de criarmos ou descobrirmos a realidade, estão vigentes nossas crenças e nossas ilusões.
O segundo capítulo traz a conferência proferida por Denise Jodelet (École des Hautes Études en Sciences Sociales - EHESS, Paris): "A Perspectiva Interdisciplinar do Campo de Estudo do Religioso: Contribuição das Teorias das Representações Sociais". A autora chama a atenção para a necessidade de maior interação entre as diversas ciências sociais e a psicologia da religião. Até o momento estas disciplinas têm tido uma relação de justaposição o que difere da interdisciplinaridade, pela qual as interconexões levariam à formação de novos conceitos, interpretações e instrumentos de análises transversais. Com este propósito, busca mostrar a potencialidade da abordagem das representações sociais, por ser particularmente transversal e utilizada nas diferentes ciências humanas e sociais, permitindo uma interação entre a visão histórica, cultural, social e psicológica do campo de estudo do religioso. Em seus argumentos, recorre às obras de seu expoente, Serge Moscovici que, ao debruçar-se sobre autores clássicos como Durkheim, Weber e Simmel, concorda com a idéia de ser a espiritualidade e a fé forças motrizes da formação social ou da sociedade.
Finalmente, o terceiro e último capítulo deste primeiro volume traz a conferência proferida pelo cientista social Charles Watters (The State University of New Jersey, Rutgers), intitulada "Migração, Identidade Religiosa Psicossocial e Saúde Mental no Século XXI". Sendo o mundo contemporâneo marcado por intensos movimentos migratórios, o autor considera que tanto a identidade religiosa como o pertencimento a um grupo religioso, ambos respectivamente considerados como fatores intrínseco e extrínseco da religião, são importantes na manutenção da saúde mental frente ao complexo processo de desterritorializacão. Deste modo, nos processos de urbanização e migrações internas e externas, a identidade religiosa pode oferecer sustentação no processo de mudança e novas aquisições de identidades urbanas. A afiliação a grupos religiosos por sua vez enriquece ou preserva o capital social entendido como diversidade, quantidade, funções e significações dos vínculos na rede social do migrante. A autor aponta ainda o quanto as redes sociais têm sido positivamente relacionadas à saúde mental em diversos estudos contemporâneos.
Os debates que se seguem a cada um dos capítulos descritos acima foram respectivamente elaborados por Geraldo José de Paiva (USP), Tânia Mara Campos de Almeida (UnB) e Marta Helena de Freitas (UCB) e suscitam questões instigantes, fazendo ampliar a riqueza deste primeiro volume, que, em seu conjunto, traz uma discussão filosófica, epistemológica e sociológica para pensarmos a psicologia da religião numa perspectiva contemporânea e interdisciplinar.
Quanto ao Volume II da referida obra (448p), reúne os trabalhos apresentados nas Mesas Redondas e Sessões Coordenadas do evento citado, sendo constituído por dezenove capítulos, distribuídos em quatros grandes tópicos: "Religião e Vida Contemporânea no Mundo Ocidental", com dois capítulos; "Religião e Interdisciplinaridade: Reflexões Epistemológicas, Resultados de Pesquisa e Relatos de Experiência", com nove capítulos; "Religião, Imigração e Saúde Mental", com quatro capítulos; e "Religião e Mundo Globalizado", também com quatro capítulos.
No primeiro tópico, o capítulo um, de Norberto Abreu e Silva Neto (USP, UnB e Academia Paulista de Psicologia) trata das virtudes e do mundo contemporâneo a partir de anotações sobre o movimento epicuriano, com reflexões históricas e filosóficas. Já o capítulo dois, de Gilberto Safra (USP), aborda o papel da psicologia da religião e da interdisciplinaridade para a compreensão das formas contemporâneas de subjetivação e adoecimento.
O segundo tópico inicia-se com o capítulo três, de autoria de José Francisco Miguel Henriques Bairrão (USP), e discute os desafios epistemológicos e condicionantes interdisciplinares para a psicologia em sua abordagem ao tema da religião, no contexto acadêmico e científico. O texto aponta muitos aspectos que serão então retomados e aprofundados em capítulos subsequentes deste mesmo tópico. Geraldo José de Paiva (USP-SP), por exemplo, apresenta, no quarto capítulo do livro, uma proposta de diálogo consistente e receptivo entre a psicologia da religião e a sociologia da religião, ilustrando-a com pesquisas realizadas no contexto brasileiro, em equipe multidisciplinar sob sua coordenação. No quinto capítulo, Edênio Valle (PUC-SP), aborda os desafios, as interfaces e as perspectivas de diálogo entre a psicologia da religião e a neuropsicologia, considerando os avanços das Ciências Biológicas nas últimas décadas e, mais especificamente, pelas Neurociências. O sexto capítulo, de autoria de Miguel Mahfoud (UFMG), discute a tensão constitutiva entre a multiplicidade e a unidade do sujeito religioso, de forma a estabelecer um produtivo diálogo entre a filosofia antropológica do teólogo Luigi Giussani, a partir de sua noção de "experiência elementar", com as contribuições da Psicologia da Religião. Em seguida, Antônio Avellar de Aquino (UFPB), no sétimo capítulo, estabelece um diálogo entre Psicologia da Religião e Logoterapia de Viktor Frankl. Segue-se o capítulo oitavo, de autoria de Maurício S. Neubern (UnB), onde se discute as possibilidades de uma clínica ethnopsy e suas implicações éticas e práticas na atuação do psicoterapeuta e sua maneira de lidar com a experiência religiosa de seus pacientes. O capítulo nono recebe contribuição de três autoras, Tatiane Regina Petrillo Pires de Araújo (UniCeub), Júlia Sursis Nobre Ferro Bucher-Maluschke (UCB) e Marta Helena de Freitas (UCB), onde apresentam o relato de uma pesquisa ilustrativa com casais participantes de um grupo religioso, ilustrando as interconexões entre psicologia da religião e psicologia conjugal e familiar. O décimo capítulo, de autoria de Luciana Fernandes Marques (UFRGS), trata dos desafios da integração da espiritualidade no ensino superior, apresentando práticas educativas de vários cursos e atividades desenvolvidas em IES e respectivas formas de organização de seus espaços e experiências de contato com os alunos. Já no capítulo décimo primeiro, Hubertus Roebben (Universidade Tecnológica de Dortmund) apresenta reflexões educacionais e teológicas sobre a experiência religiosa em sala de aula, defendendo a ideia de crianças e jovens devem não apenas ser ensinados a viver e aprender uns com os outros, mas também têm o direito de adquirirem competência para estabelecerem os alicerces de suas próprias posições religiosas ou não religiosas.
O terceiro tópico inicia-se com o capítulo 12, onde Marta Helena de Freitas (UCB) apresenta e discute os resultados de uma pesquisa exploratória sobre as relações entre religiosidade e saúde mental em imigrantes na percepção de psicólogos e psiquiatras dos serviços de saúde mental ingleses e brasileiros. No capítulo 13, Leila Bijos (UCB), a partir de sua rica experiência no campo das relações internacionais e por considerar a religião como um importante elo de sustentação do imigrante, apresenta vários aspectos concernentes às implicações do trânsito migratório, com ênfase nas questões relativas à afiliação religiosa e suas influências nos processos identitários de pessoas e comunidades de imigrantes. Em seguida, o capítulo 14, de Olga Sodré (GT "Psicologia & Religião"), desenvolve o tema da migração e desenvolvimento da juventude, onde analisa, de forma crítica, as consequências, sobre os jovens, das rupturas familiares, culturais e religiosas provocadas pelo trânsito migratório na contemporaneidade. Isto tem uma conexão direta com o capítulo 15, de autoria de James Farris (UMESP), que discute efeitos de uma sociedade globalizada sobre as experiências religiosas como também as relações entre religião, sincretismo e magia no contexto das igrejas contemporâneas, à luz dos temas da migração e da transdisciplinaridade.
O quarto tópico inicia-se com o capítulo 16, de José Bizerril (UniCEUB), tratando da religião e do mundo globalizado, mais especificamente da dispersão global de tradições religiosas antes locais e consideradas "exóticas", e apontando seus potenciais impactos sobre as subjetividades contemporâneas. Em seguida, de autoria de Wellington Zangari (USP), o capítulo 17 faz considerações sobre a alteração de consciência numa cultura globalizada, focando a chamada "mediunidade de incorporação" como exemplo de "permanência fenomenológica" entre diferentes culturas e suas conexões com manifestações religiosas diversas. De forma complementar, no capítulo seguinte, de Francisco Martins (UCB e UnB) relata um estudo psicopatológico do delírio religioso megalômano de um imigrante fundador de uma religião e uma comunidade, ilustrando, desta forma o que ele chama de uma situação em que o delírio pode ser muito bem sucedido no mundo globalizado. Finalizando o último tópico, com o capítulo 19, José Lisboa Moreira de Oliveira (UCB) apresenta, a partir das contribuições das ciências da religião, reflexões sobre o processo de conversão/desconversão religiosa no mundo globalizado.
Enfim, a leitura dos dois volumes desta obra é um convite a um verdadeiro banquete, apresentando um cardápio saboroso e bem variado. Tendo como ponto de partida a psicologia da religião, que se mantém como fio condutor ao longo de toda a obra, nela o fenômeno religioso no mundo globalizado pode ser visto e pensado sob diferentes perspectivas - filosófico, sociológico, cultural, histórico e teológico - e com vistas às respectivas implicações para os mais diferentes contextos de pesquisa e atuação do psicólogo: teórico, clínico, educacional, comunitário, familiar, social, dentre outros.
Recebido em 13.09.13
Aceito em 29.11.13