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Psicologia para América Latina

On-line version ISSN 1870-350X

Psicol. Am. Lat.  no.36 México July/Dec. 2021

 

Psicologia escolar no terceiro setor: desenvolvimento de competências educacionais em educadores sociais

 

Educational psychology in the third sector: developing educational skills in social educators

 

Psicología escolar en el tercer sector: desarrollo de habilidades educativas en educadores sociales

 

 

Isabela Cristina de OliveiraI; Karina da Silva OliveiraII

ICentro Universitário Salesiano de São Paulo
IIUniversidade Federal de Minas Gerais

Contato com as autoras

 

 


RESUMO

A necessidade de desenvolvimento das competências educacionais dos profissionais da área da educação no terceiro setor tem sido considerada uma prática que tange a atuação do psicólogo escolar. Assim, esse artigo tem como objetivo compartilhar o processo de intervenção realizado com educadores sociais em uma instituição do terceiro setor para a capacitação desses profissionais na perspectiva da psicologia escolar. Para isso, foram empregadas metodologias etnográficas e de observação participante. Também foram realizados encontros oito encontros, em formato virtual e de roda de conversa, com duas educadoras. Tais ações resultaram no fortalecimento do enfrentamento dos desafios da profissionalização e atuação de educadores socias, na implementação de planejamento e relatório das atividades socioassistencial, na relação prática e metodológica da educação e na efetivação da contribuição da psicologia escolar nesse âmbito de atuação. Entende-se que as ações realizadas foram efetivas para o contexto e as profissionais.

Palavras-chave: Psicologia Escolar; Educadores; Competência.


ABSTRACT

The need to develop educational competences for professionals in the third sector has been considered an important practice that concerns the role of school psychologist. Thus, this article aims to share the intervention process carried out with social educators in a third sector institution for the training of these professionals from the perspective of school psychology. For this, ethnographic and participant observation methodologies were used. Eight meetings were also held, in a virtual and conversational format, with two educators. Such actions resulted in the strengthening of the challenges of the professionalization and performance of social educators, in the implementation of planning and reporting of social assistance activities, in the practical and methodological relationship of education and in the realization of the contribution of school psychology in this scope of action. It is understood that the actions taken were effective for the context and the professionals.

Keywords: School Psychology; Educators; Competence.


RESUMEN

La necesidad de desarrollar competencias educativas para los profesionales del tercer sector se ha considerado una práctica importante que concierne al papel del psicólogo escolar. Así, este artículo tuvo como objetivo compartir el proceso de intervención realizado con educadores sociales en una institución del tercer sector formando a estos profesionales desde la perspectiva de la psicología escolar. Para ello se utilizaron metodologías etnográficas y de observación participante. También se realizaron ocho reuniones, en formato virtual y conversacional, con dos educadores. Tales acciones resultaron en el fortalecimiento de los desafíos de la profesionalización y desempeño de los educadores sociales, en la implementación de la planificación y reporte de las actividades de asistencia social, en la relación práctica y metodológica de la educación y en la realización del aporte de la psicología escolar en esta ámbito de actuación. Se entiende que las acciones realizadas fueron efectivas para el contexto y los profesionales.

Palabras clave: Psicología escolar; Educadores; Competencia.


 

 

Historicamente, a atuação em Psicologia Escolar relacionava-se às intervenções junto a alunos com necessidades especiais ou com dificuldades de aprendizagem (Barbosa & Marinho-Araújo, 2010; Lima, 2017; Soares & Marinho-Araújo, 2010; Viegas, 2020). Embora comum, tal prática mostrou-se ineficaz para alcançar as diferentes necessidades e realidades experimentadas no referido contexto (Rosa, Camargo, & Andrade, 2019; Viegas, 2020). Como consequência, notou-se um engajamento importante de diferentes pesquisadores em realizar investigações e reflexões referentes a função da psicologia no contexto da educação (Lima, 2017), o que favoreceu o desenvolvimento de uma percepção mais pertinente das queixas escolares, entendendo-as como um fenômeno constituído de aspectos históricos, econômicos, políticos e sociais (Barbosa & Marinho-Araújo, 2010).

Diante destas questões históricas, a atuação do psicólogo escolar passou a voltar-se, de forma mais acentuada, para as informações institucionais que englobam as condições organizacionais, os objetivos e a dinâmica desse contexto com o buscando propiciar reflexões e mudanças no contexto educacional envolvendo tanto os alunos, quanto as famílias, os professores, os funcionários e a comunidade (Rosa, Camargo, & Andrade, 2019). Atuando assim, como um agente de transformação, a partir do levantamento de informações e de necessidades da instituição, desenvolvendo uma compreensão ampliada que contempla, não apenas, os aspectos organizacionais, mas sobretudo, a ideologia e a dinâmica escolar de forma única e sistêmica (Andálo, 1984).

Com isso, um novo contexto amplo para a atuação da psicologia escolar surgiu, contexto esse voltado às instituições do terceiro setor. Segundo Lacruz (2020), o primeiro setor refere-se às atividades econômicas desenvolvidas pela administração pública, por sua vez, o segundo setor é caracterizado pelas atividades econômicas desenvolvidas por empresas com fins lucrativos. Já o terceiro setor contempla de forma ampla e abrangente as atividades econômicas realizadas pela sociedade civil que não podem ser classificadas como do primeiro ou do segundo setor. Dentre as diferentes atividades econômicas, sem fins lucrativos desenvolvidas pela sociedade civil, podemos destacar as Organizações não governamentais (ONGs) também chamadas, atualmente, de Organizações da Sociedade Civil (OSCs).

Tradicionalmente, as ONGs eram organizadas em associações civis, que nos anos 1960 e 1970, eram, em sua maioria, decorrentes de grupos religiosos que promoviam trabalho social voltado a população em situação de vulnerabilidade (Liberalino & Calado, 2020). É importante ponderar que autores como Galvão e Marinho-Araújo (2018) afirmam que o foco voltato ao ensino popular e regioso se dava, não apenas pela origem das instituições, mas também, pelo momento histórico (décadas de 1960 e1970) quando o país era conduzido pelo regime militar . Em contrapartida, no início dos anos 80 houve o aumento dessas ações sociais lideradas por movimentos sindicais e da comunidade, ou seja, ações para além das religiosas, que segundo Oliveira e Haddad (2001, p. 77) "não se ativeram apenas às questões materiais de produção e reprodução da vida, mas voltaram-se também para os temas relativos ao plano cultural e simbólico, como as relações sociais de gênero, etnia e raça". Conforme apontado por Atilano (2018) tais mudanças no processo de atuação das ONGs, justificaram e fundamentaram a alteração na identificação destas instituições, de modo que passaram a ser chamadas de Organizações da Sociedade Civil (OSCs).

Paralelamente às mudanças na atuação das OSCs, ocorreram também mudanças políticas no contexto da educação, destaca-se a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394/1996 que estabeleceu abertura legal de instituições organizadas pela sociedade civil e consolidou os espaços de formação das instituições de terceiro setor englobando as Organizações da Sociedade Civil (OSC), os movimentos sociais e as manifestações culturais. Com o fortalecimento destas instituições, notou-se um aumento de suas ações junto à população passando a contemplar o desenvolvimento de habilidades culturais, educacionais, de ingresso ao mercado de trabalho e de proteção à infância, adolescência e juventude (Galvão & Marinho-Araújo, 2018; Liberalino & Calado, 2008; Soares & Marinho-Araújo, 2010).

Ao longo das décadas o papel das OSCs junto à sociedade tornou-se relevante uma vez que houve uma maior inserção de mulheres no mercado formal e informal de trabalho, o que por sua vez, resultou na ampliação da necessidade de suporte social em contraturno escolar, espaço esse que foi assumido por estas instituições (Matias, 2010). O mesmo autor ainda destaca que tal suporte social representa a ampliação de repertórios diversos, pois inseridas nas OSCs as crianças e adolescentes são apresentados à esportes diversos, têm acesso a diferentes expressões artísticas (como música e teatro), têm ampliação de habilidades acadêmicas e socioemocionais, dentre outras experiências. O autor também salienta que em famílias em situação de vulnerabilidade extrema aspectos relacionados à proteção da saúde e integridade, como por exemplo, garantia de refeição diária, suporte em rede para casos de violências são contemplados por essas instituições.

Frente a complexidade de ações realizadas pelas OSCs cabe refletir sobre o papel do psicólogo escolar junto a estas instituições. Sua atuação, portanto, deverá ser pautada no conhecimento científico, compreendendo, historicamente, a missão educacional da instituição, desenvolvendo ações que tenham como objetivo a mediação entre a educação emancipatória e suas implicações no processo educativo do público atendido, favorecendo transformações sociais, políticas e educacionais. Desta forma, evitando uma visão assistencialista, combatendo à alienação e promovendo, assim, a responsabilidade política e garantia de direitos (Dadico & Souza, 2010; Galvão & Marinho-Araújo, 2018; Soares & Marinho-Araújo, 2010).

Dentre as diferentes possibilidades de atuação, destaca-se a importância da intervenção junto aos educadores sociais, a fim de promover uma prática consciente, crítica e comprometida com a formação dos educandos (Galvão & Marinho-Araújo, 2017, 2018, 2019; Gohn, 2009). Tal recomendação se justifica, uma vez que serão estes educadores os profissionais que terão atuação direta junto à população atendida, e expressamente, representarão os valores e os objetivos institucionais (Souza, 2019). Ainda neste sentido, faz-se necessário refletir que diante do processo histórico já mencionado, os educadores sociais são comumente associados a pessoas altruístas, que realizam suas atividades por caridade ou outras motivações (Liberalino & Calado, 2008). Diante deste cenário, Oña (2005) buscou colaborar com a compreensão do que são as atribuições destes profissionais, segundo o autor "o educador social é o mediador entre o educando, a sociedade e a cultura" Oña (2005, p.01), dessa forma deve promover o desenvolvimento de habilidades pessoais, sociais e culturais através das atividades socioeducativas realizadas.

Desse modo, pode-se afirmar que a atuação do educador social envolve o constante exercício reflexivo sobre o processo de ensino e da aprendizagem das crianças e adolescentes atendidos, necessitando de formação adequada e de habilidades específicas para uma prática mais significativa, propiciando melhores condições de transformação para seus educandos e a comunidade a qual pertencem (Galvão & Marinho-Araújo, 2017; Natali & Paula, 2008). Considerando esta realidade, nota-se um espaço importante de colaboração do psicológo escolar junto as OSCs, pois o processo de intervenção institucional pode ter como objetivo a ampliação do desenvolvimento de competências profissionais do educador social com base em uma atuação política, social, educativa para a consolidação de ações educativas que propicie a emancipação, reflexão crítica do contexto social e comprometimento na formação dos educandos (Galvão & Marinho-Araújo, 2017, 2019; Natali & Paula, 2008). Diante do exposto, considerando as lacunas referentes às necessidades de produção de materiais acerca desta temática, o presente artigo tem como objetivo relatar o processo de avaliação das necessidades e de intervenção junto a educadores sociais de uma OSC localizada no interior do Estado de São Paulo. Tal processo teve duração total de um ano e seis meses e será relatado a seguir.

 

Método

Participantes

Sobre a Instituição: há vinte anos foi idealizada e organizada para atuar junto ao contexto de vulnerabilidade experimentado por um bairro periférico localizado em uma cidade do interior do Estado de São Paulo (Brasil), preocupando-se em oferecer respaldo educacional e econômico aos atendidos. Atualmente são desenvolvidas gratuitamente atividades de artesanato, informática, balé, karatê e grupos operativos. Paralelamente, são oferecidos cursos profissionalizantes de cabelereiro e manicure para jovens e adultos. Destaca-se que a missão principal da instituição é promover a emancipação dos atendidos através do processo educativo, facilitando a convivência e fortalecimento de vinculo comunitário e familiar.

Sobre as Educadoras Sociais: As participantes são do sexo feminino, a primeira que será identificada como Maria (nome fictício), tem 35 anos, possui graduação em administração e teologia, atua na instituição há oito anos e desempenha suas atividades no período da tarde. A segunda, que identificaremos como Ana (nome fictício) tem 33 anos, possui o ensino médio completo, atua na instituição há três anos e desempenha suas atividades no período da manhã. Ambas atuam com um público médio de 30 crianças e adolescentes com idades entre seis a doze anos.

Instrumentos

Para o processo de compreensão das características da instituição e reconhecimento de necessidades, utilizou-se de estratégias de observação participante (Kluckhohn, 2018) e etnográficas (André, 2013), de modo que as pesquisadoras partilharam as vivências e experiências cotidianas da OSC. Após a compreensão das características e necessidades, foram utilizadas plataformas online de chamada de vídeo para a realização de rodas de conversa, de reflexão e de formação. Cabe destacar que as rodas de formação consistiam em momentos de estudo teórico sobre temas específicos como desenvolvimento infantil e competências pedagógicas, por exemplo. Também foram utilizados recursos para construção de relatórios e calendários pedagógicos e materiais de apoio como artigos científicos com temáticas ao desenvolvimento de competências educacionais aos educadores sociais. Também é oportuno informar que, como estratégia de compreensão e avaliação do processo desenvolvido, foi realizado um encontro de avaliação, onde Maria e Ana, puderam expressar livremente suas impressões, elencar os benefícios e as limitações do processo de intervenção.

Procedimentos

Inicialmente, esta pesquisa foi submetida a avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE 37155120.6.0000.5695), a fim de que fossem seguidas todas as orientações e princípios estabelecidos pela Resolução nº 466/2012 para realização de pesquisa com seres humanos . Após sua aprovação foram contatadas instituições para o acolhimento deste estudo, e somente a instituição referida anteriormente aceitou colaborar.

O estudo foi organizado em etapas, a primeira etapa referiu-se ao processo de levantamento das necessidades do contexto institucional utilizando-se da metodologia etnográfica e da observação participante. Desta forma, realizou-se visitas semanais a instituição de modo a favorecer a participação na rotina e nas diferentes atividades ofertadas as crianças e adolescentes em ambos os turnos (manhã e tarde). Paralelamente, realizou-se a análise do projeto político pedagógico e dos registros de atividades da instituição. Para a sistematização das informações, foram construídos registros de campo com a descrição detalhada das atividades, também eram registradas as compreensões e percepções das pesquisadoras sobre o campo. Importante informar que esta etapa teve duração de seis meses.

Em seguida, com base nas informações e compreensões decorrentes da primeira etapa, iniciou-se o processo de planejamento da intervenção, identificado como a segunda etapa. Considerando a importância do vínculo estabelecido com a instituição e seus profissionais, buscou-se estruturar a intervenção em parceria com a instituição. Para isto, inicialmente teve-se a intenção de realizar encontros presenciais semanais com a equipe técnica. Entretanto, com o início da pandemia decorrente do vírus SARS-COV-2 no início do ano de 2020, adaptações se fizeram necessárias. Deste modo, o contato com a instituição foi interrompido por 30 dias e retomado para continuação das atividades de forma virtual através de plataformas digitais. Nestas ocasiões os planos de intervenção foram validados, de modo que, conjuntamente, o foco junto às educadoras foi estabelecido.

Após estas ações, deu-se início a terceira etapa, na qual procedeu-se com as intervenções planejadas. Cabe apontar que esta etapa, ocorreu de forma remota sendo realizada por meio de oito encontros virtuais, com duração média de duas horas. No primeiro encontro apresentou-se a proposta de construção de um espaço de capacitação, refletiu-se sobre a necessidade de desenvolver um planejamento pedagógico, foi construído um calendário com sugestões de temas de atividades a serem desenvolvidas com os educandos durante as seguintes semanas, destacando a relevância social, pertinência história, habilidades educacionais almejadas e interesse na tarefa por parte dos educandos.

No segundo encontro, o tema principal foi a empatia, salientando a necessidade de exercer uma prática que considere e alcance o contexto social, as habilidades e dificuldades que cada educando, ressaltando a importância da escuta acolhedora. O terceiro encontro teve como objetivo refletir sobre a necessidade de profissionalização da atuação do educador social. Embora, tradicionalmente, os resultados sejam separados dos procedimentos, é necessário informar que a reflexão promovida neste encontro favoreceu o fortalecimento das práticas das educadoras que solicitaram novos temas para os encontros seguintes, temas estes, diferentes daqueles que haviam sido propostos no primeiro encontro.

Sendo assim, diante das necessidades apresentadas, o quarto encontro promoveu a reflexão e a capacitação sobre aspectos relacionados ao desenvolvimento infantil, em especial ao intervalo de seis a doze anos. No quinto encontro, as educadoras solicitaram que o tema fosse voltado à estratégias processuais de avaliação da vivência do educando na instituição. Diante disso, foram abordados diferentes métodos de avaliação o processo de ensino e aprendizagem em atividades socioeducativas, como por exemplo a construção de portfólios enquanto recursos de avaliação e de registro de memórias.

No sexto encontro, o tema voltou-se à atuação junto a rede de proteção de crianças e adolescentes. No sétimo encontro, também por solicitação das educadoras, realizou-se uma roda de conversa voltada à importância do cuidado com a saúde mental do profissional no atendimento à crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. O formato deste encontro foi selecionado a fim de favorecer o acolhimento das demandas dessas profissionais e ressaltar a importância do autocuidado, de respeitar seus limites e potencialidades, assim como, apresentar estratégias que auxiliem nesse processo. O oitavo encontro, teve como objetivo refletir sobre o processo de intervenção, retomando a construção de saberes, valorizando a importância do trabalho das educadoras sociais, ponderando também aspectos relacionados às limitações e potenciais da atuação junto aos educandos, em especial no que se refere ao desenvolvimento de atividades pedagógicas.

Em tempo, é importante informar que as informações obtidas em cada encontro, eram registradas em um diário de campo. Neste, as pesquisadoras descreviam o planejamento das ações, a condução dos processos, as percepções sobre o envolvimento de Maria e de Ana nas propostas. A partir das trocas junto às educadoras e posterior avaliação dos dados registrados, eram realizados ajustes e adequações necessárias ao processo.

 

Resultados

Na primeira etapa foi possível notar que, embora houvesse uma boa estrutura física de atendimento e de apoio para às crianças, adolescentes e famílias, contando com recursos materiais e humanos para a realização do trabalho, havia aspectos relacionado ao trabalho de ponta, isto é, ao atendimento prático e socioeducativo realizado pelas educadoras que poderia ser aperfeiçoado, destacando-se a relação entre pares (educadoras) e baixa frequência de comunicação entre Maria e Ana. Destaca-se que as educadoras encontravam-se somente em reuniões semestrais. Como consequência deste distanciamento entre as profissionais, observou-se que as atividades eram realizadas de forma independente. Frente a esta realidade, dentro dos espaços da instituição era possível observar comportamentos de comparação entre os atendimentos realizados. Além destas questões, também notou-se que as atividades eram propostas sem planejamento prévio ou continuidade.

A título de exemplo, cabe apresentar uma ocasião em que uma das educadoras, já em sala com os educandos, sugeriu que fizessem uma atividade de colagem, porém ao longo da atividade a educadora notou que deveria ter solicitado os materiais com antecedência e por esta razão interrompeu a atividade que tinha sido orientada. Tais situações, apontaram, inicialmente, para a necessidade de maior suporte ao trabalho das educadoras socais. Em outra ocasião, durante uma roda de conversa, os temas eram trabalhados livremente, quando os educando passaram a compartilhar situações de adversidades que experimentavam em suas rotinas, a educadora que mediava a roda mostrou-se constrangida, interrompendo a reflexão. Tais situações, apontaram, inicialmente, para a necessidade de maior suporte ao trabalho das educadoras socais.

Paralelamente buscou-se compreender a instituição a partir de seus aspectos históricos, de modo que foi possível verificar que não existe, na instituição, um projeto de orientação às educadoras visando a profissionalização das atividades pedagógica. . Cabe informar que as propostas de atividades não eram elaboradas em reuniões de equipe, trazendo dessa forma dificuldades em estabelecer um vínculo positivo entre os profissionais. Após tais compreensões, foram realizados encontros para refletir sobre as percepções, que foram acolhidas e corroboradas pela equipe de educadoras e pela equipe gestora, que destacou os benefícios de um processo de formação e orientação específica à estas profissionais. Assim, o processo de intervenção contou com a colaboração ativa das educadoras.

Com o início das atividades de intervenção, percebeu-se que, pelo vínculo já estabelecido, e como consequência da participação ativa das profissionais ao longo do processo de coleta de dados e construção das propostas, as educadoras trouxeram suas expectativas livremente ao espaço dos encontros. Assim, era possível observá-las compartilhando suas dúvidas quanto processo de ensino e aprendizado e suas limitações, tais como: a falta de formação e de orientação profissional acerca de aspectos relacionados à pedagogia e ao campo educacional, a falta de clareza referente a suas funções dentro da instituição, assim como às expectativas da instituição quanto a atuação realizada por elas. Também destacaram suas percepções quanto a comunicação entre elas e a comunidade, entre elas e a instituição, que foram apresentadas como insuficientes, indicando suas expectativas de melhora nesta questão. Diante dessas demandas, o buscou-se que Maria e Ana entendessem o processo de intervenção como a construção de um espaço para o desenvolvimento de conhecimentos teóricos e práticos, e também, de acolhimento das necessidades profissionais.

Neste sentido, as pesquisadoras e as educadoras, conjuntamente entenderam que a primeira competência a ser desenvolvida referia-se às habilidades de planejamento pedagógico. O processo de compreensão de suas competências já presentes, indicou que as educadoras sociais possuem um vasto conhecimento sobre estratégias para o desenvolvimento de atividades aos educandos, porém por não realizarem um planejamento a longo prazo experimentam dificuldades nas suas práticas. Com isso, ao ter acesso ao conteúdo teórico e a documentos que dão estrutura a esse planejamento pedagógico, as educadoras conseguiram organizar datas, temas, métodos e objetivos das atividades a serem entregas aos educandos e perceber as possibilidades quando esse planejamento é realizado em conjunto propiciando ideias e discussões que capacita para a atuação.

Quanto ao desenvolvimento da empatia, percebeu-se que o tema favoreceu a reflexão sobre a importância de se conhecer o contexto social de cada educando e de escuta-los de modo livre e profissional. As profissionais destacaram a importância da empatia para o desenvolvimento das atividades, a fim de que pudessem contemplar as diversas manifestações de comportamentos, sentimentos, modulando suas falas e manejando a fala dos outros (educandos e familiares), ressaltando a influência que elas, como educadoras sociais, podem ter na vida dos educandos que podem não ser acolhidos em outros espaços que convivem. Em reflexão, as educadoras trouxeram experiências de acolhimento aos educandos que poderiam ter sido melhor exploradas e empáticas, e destacaram a importância desta sensibilidade à necessidade da criança e auxiliá-la na sua dificuldade integrando necessidades emocionais e pedagógicas no contexto do atendimento socioeducativo.

No terceiro encontro, cujo tema era a profissão do educador social, notou-se importantes limitações quanto a percepção das educadoras sobre a profissão. De modo que foi possível observar aspectos de uma prática assistencialista. Diante disto, refletiu-se sobre a amplitude de possibilidades de atuação nesse contexto, como: montagem e execução de oficinas, atividades socioeducativas, execução de rodas temáticas, avaliação do processo dos educandos, entre outras atividades que seja adequada a promoção dos direitos sociais, políticos e educacionais. As educadoras elencaram limitações que experimentam em suas rotinas como: implementação de novas ideias de atividades, dificuldade em entender sobre os interesses do público atendido e conhecimento sobre serviços de proteção as crianças e adolescentes.

Neste sentido, entendendo que neste encontro, as educadoras expressavam intenções de ampliação de seus conhecimentos, e desejo de compreender de forma mais aprofundada a população atendida e suas necessidades, o encontro seguinte, isto é, o quarto encontro, buscou desenvolver competências relacionadas à estratégias e métodos de atividades socioeducativas considerando as faixas etárias atendidas. Percebeu-se que a capacitação forneceu habilidades e possibilidades para o desenvolvimento de atividades efetivas no processo de ensino.

Quando tomados os resultados do quinto encontro, foi possível notar a participação ativa e implicada das educadoras frente ao tema proposto, que refletiram sobre diferentes estratégias para avaliar o processo dos educandos, como a utilização de um diário de bordo e portifólio, onde fossem registradas as atividades. Dentre os resultados deste encontro, pode-se destacar o envolvimento das educadoras no processo de imaginar e antecipar como os educados se sentiriam ao realizar uma atividade e ao fim do ano compartilhar essas experiências com seus familiares e equipes da instituição. As educadoras também ponderaram sobre a possibilidade das atividades que estavam sendo enviadas para a realização em casa, fossem devolvidas para que elas acompanhassem o processo desses alunos, também, nesse período de isolamento. Todos esses aspectos indicaram ganhos do processo de intervenção.

Em seguida, o sexto encontro se deu em função da percepção das pesquisadoras e de Maria e de Ana quanto a necessidade de atuação em redes de proteção, destacando a importância do papel destas profissionais no processo de entrar em contato com a realidade dos educandos, identificar situações de risco, encaminhar e favorecer o suporte junto a profissionais adequados que atuam dentro de uma rede de garantia de direitos e proteção desta população, foi realizado um encontro específico no qual as educadoras puderam não apenas conhecer as diferentes realizadas, mas também compreender quais estratégias estão disponíveis e acessíveis para a atuação na proteção dos educandos. Dessa forma, a intervenção realizada trouxe benefícios para a capacitação, de forma que apresentou possibilidades e limitações das atividades socioeducativas como estratégias para a prevenção e fortalecimento de vínculos comunitários e familiares dos educandos, conhecendo o objetivo de outros serviços que também auxiliam na proteção da criança e do adolescente.

Ainda, foi realizado um encontro a fim de favorecer a reflexão sobre a importância do cuidado com a saúde mental das próprias educadoras. Neste, realizado como roda de conversa, as educadoras puderam apresentar suas demandas e necessidades de cuidado, sendo destacado por elas a sobrecarga de tarefas pessoais e profissionais e consequente influência na motivação e disposição para o trabalho junto ao atendidos. Neste encontro também foram apresentadas estratégias de enfrentamento para condições estressoras como: a organização do tempo, o reconhecimento de seus limites perante as demandas pessoais e profissionais, foi ressaltado também a importância do planejamento das atividades oferecidas aos educandos que pode auxiliar nesse processo e discutido a importância de espaços de cuidado a saúde mental, sendo algo primordial perante a profissão e demais demandas pessoais. Também foram indicadas clínicas psicológicas para atendimentos gratuitos caso as educadoras entendessem que deveriam trabalhar este tema e suas necessidades junto à um profissional capacitado.

Ao final dessas ações, foi realizada a avaliação do processo de intervenção com as educadoras, que destacaram como benefícios decorrentes do processo interventivo uma maior compreensão de conceitos referentes ao desenvolvimento infantil, às práticas pedagógicas, a compreensão de processo educacional contemplando questões relacionadas ao planejamento, execução e avaliação das propostas. Também destacaram o esclarecimento sobre a importância do envolvimento profissional empático junto aos educandos, ponderando os limites da atuação em rede de proteção e dos desafios quanto a manutenção e cuidados com a saúde mental. Ainda, Maria e Ana, apresentaram uma importante reflexão sobre a necessidade de profissionalização de suas práticas não apenas do ponto de vista institucional, isto é, da relação de trabalho. Mas, sobretudo do ponto de vista da atuação junto à população atendida. Segundo as educadoras, a compreensão da estenção profissional, social, política e educacional de suas práticas as fizeram perceber que o trabalho que fazem não tem cunho assistencialista, mas sim de transformação de realidades. Tais aspectos foram corroborados pela equipe técnica, que indicou a possibilidade de continuidade do processo em momentos futuros.

 

Discussão

O campo da Psicologia Escolar tem se ampliado de forma importante ao longo de seu processo histórico (Cavalcante & Aquino, 2019), de modo que a prática junto à Organizações da Sociedade Civil (OSCs) tem se mostrado um contexto rico em possibilidades de desenvolvimento e de atuação (Andálo, 1984; Barbosa & Marinho-Araújo, 2010; Liberalino & Calado, 2008). Os resultados obtidos neste estudo indicam que o psicólogo escolar pode proporcionar o desenvolvimento de habilidades e competências importantes para o perfil profissional do educador social, por meio de ações que favoreçam da ampliação de aspectos políticos, sociais e educativos promovendo a formação crítica de seus educandos. Para isso, destaca-se a necessidade de que o psicólogo observe as peculiaridades de cada instituição (Soares & Marinho-Araújo, 2010; Dadico & Souza, 2010; Galvão & Marinho-Araújo, 2018, 2019).

Considerando as características da instituição onde este estudo se inseriu, percebeu-se a dificuldade das educadoras sociais na profissionalização de suas atuações. Conforme apontado por Natali e Paula (2018) esta realidade percebida perpassa aspectos históricos voltados à religiosidade e à caridade que eram comumente estimulados em instituições dessa natureza (Atilano, 2018; Galvão & Marinho-Araújo, 2018; Lacruz, 2020). Diante disto, destaca-se a importância da formação continuada a fim de que sejam esclarecidos os objetivos de suas ações junto à instituição e, sobretudo, ao público atendido, identificando as potencialidades e desafios das ações socioassistenciais garantindo a qualidade e os resultados do processo educativo (Souza, Freitas, & Santos, 2015).

Neste sentido, uma vez que as educadoras sociais passaram a compreender seus papéis, refletindo criticamente a respeito dos limites e potenciais de suas atuações, teve início um processo de construção compartilhada das ações junto a população atendida, com foco na promoção de um processo educativo voltado a transformação e a emancipação social dos educandos. Assim, pode-se afirmar que este estudo, favoreceu o desenvolvimento de competências aplicáveis através das atividades socioeducativas e do fortalecimento de vínculo comunitário e familiar, tal como se sugere na literatura (Souza, Freitas, & Santos, 2015). Cabe destacar que, este estudo não tem como objetivo ser modelo, porém visa compartilhar a experiência, explicitando a necessidade do desenvolvimento do vínculo do profissional com a instituição e seus profissionais, de modo a favorecer o processo de identificação das necessidades e especificidades de cada contexto, a fim de que a intervenção esteja de acordo com as necessidades da instituição e que sua aplicação seja mais eficaz (Barros, 2011; Galvão & Marinho-Araújo, 2018, 2019).

Outro aspecto que deve ser destacado refere-se ao que Santos, Paula, Rocha e Contreras (2018, p. 140) afirmam ser as competências do educador social, que "precisa ter sensibilidade, responsabilidade e seriedade nas escolhas das ferramentas adequadas para instigar a plena expressão livre dos indivíduos que participam do plano de ação". Este referencial foi norteador para o desenvolvimento da proposta de intervenção, de modo que o processo formativo favoreceu a ampliação do conhecimento sobre o público atendido, através de discussões temáticas referentes ao desenvolvimento infantil, as peculiaridades de aprendizado em cada faixa etária, capacitando as educadoras para o contexto comunitário vivenciado pelas famílias atendidas, marcado por situações de vulnerabilidade econômica e social (Secretaria Municipal de Assistência e Desensolvimento Social [SMADS], 2007; Natali & Paula, 2008).

Tais ações mostraram-se eficazes, uma vez que as educadoras demonstraram maior domínio sobre os métodos para realização de planejamento socioeducativo, estruturando a ação docente, estabelecendo as atividades, objetivos e métodos pertinentes ao contexto educacional, tal como recomendado na literatura (Galvão & Marinho-Araújo, 2018). Tão importante quanto o planejamento do processo de aprendizagem por parte da equipe de educadoras, fez-se necessário destacar o papel da avaliação destes processos educacionais, ampliando a noção de avaliação enquanto medida de desempenho, para uma compreensão processual e coletiva que expressa a construção do conhecimento entre educadores e educandos (Barros, 2012).

Ainda, considerando os aspectos desenvolvidos neste estudo, destaca-se o esclarecimento sobre as estratégias disponíveis para a atuação em rede de proteção, visando favorecer a articulação dos serviços, desenvolvendo ações assertivas quanto ao rompimento com o ciclo de reprodução de processos de exclusão social e de violação de direitos, contribuindo para a redução das ocorrências de vulnerabilidade social, ampliação de acesso aos direitos socioassistencial, facilitando o aumento de jovens autônomos e participantes da vida familiar e comunitária possibilitando uma melhor qualidade de vida aos usuários (Nascimento, Furlan, Almeida, Nunes, Torres & Quintana, 2019).

Diante deste cenário, também destaca-se a importância do cuidado a saúde mental dessas profissionais, visto a complexibilidade dessa atuação que pode estar associada a maior presença de conflitos, desmotivação, sobrecarga de trabalho e o silenciamento de profissionais, como relatado pelas participantes. Tais aspectos, segundo Bottega e Merlo (2010) acarretam em sofrimento no trabalho, de modo que desenvolver ações que facilitem o espaço de escuta e acolhimento das demandas, potencialmente trará benefícios para o crescimento e para o cuidado com os profissionais. Para a construção dessa relação, é primordial a empatia, que possibilita o compromisso da escuta do profissional, à equipe e aos educandos, propiciando reflexões, permitindo uma construção coletiva de experiências.

Por fim, a relação que se estabeleceu com a instituição e as educadoras evidenciou a importância do desenvolvimento de competências educacionais, contribuindo para a compreensão das atribuições, funções, responsabilidades e perfil dessas profissionais, com base na articulação dos conhecimentos teóricos, metodológicos da educação e os conhecimentos práticos da sua atuação (Galvão & Marinho-Araújo, 2017; Natali & Paula, 2008). Perante a esses resultados, afirma-se a importância de investimento das políticas públicos nos serviços de Organização da Sociedade Civil (OSCs) visto as contribuições de caráter preventivo ao risco social e pessoal que essas instituições podem oferecer à população.

 

Considerações Finais

De modo geral, as temáticas desenvolvidas indicaram a importância do processo de profissionalização dessas educadoras e afirmou a necessidade de capacitação e desenvolvimento de competências educacionais nesse contexto educacional, conseguindo dessa forma atingir os objetivos da intervenção de acolher as demandas das profissionais e orienta-las para um processo formativo efetivo mediante as necessidades do campo das instituições do terceiro setor. Ainda assim, é necessário ponderar que este estudo apresenta limitações, por exemplo, quanto ao número de participantes, e a referir-se à uma única instituição. Em tempo, espera-se que o estudo tenha desdobramentos, incluindo um processo de acompanhamento que será analisado posteriormente. Ademais, ressalta-se a importância de estudos futuros na psicologia escolar com enfoque da atuação no terceiro setor, visto os benefícios ao desenvolvimento humano decorrentes da atuação deste setor.

 

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Contato com as autoras:
E-mail: isabelah_2009@hotmail.com
E-mail: karina_oliv@yahoo.com.br

Recebido em: 08/05/2021
Reformulado em: 03/08/2021
Aceito em: 18/08/2021

 

 

Sobre as autoras:
Isabela Cristina de Oliveira
Centro Universitário Salesiano de São Paulo; Campinas-SP, Brasil. Psicóloga pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo, atua na área de psicologia escolar.
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8164-1464
E-mail: isabelah_2009@hotmail.com
Karina da Silva Oliveira
Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte-MG, Brasil. Psicóloga, mestre e doutora pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, atua nas áreas de avaliação e intervenção psicológica na infância e adolescência.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5301-7012
E-mail: karina_oliv@yahoo.com.br

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