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Contextos Clínicos
Print version ISSN 1983-3482
Contextos Clínic vol.6 no.1 São Leopoldo June 2013
https://doi.org/10.4013/ctc.2013.61.06
ARTIGOS
Os benefícios das emoções positivas
The benefits of positive emotions
Rafaela Luiza Silva SilvestreI; Luc VandenbergheII
ISecretaria de Estado da Criança do Distrito Federal. Av. L2 Sul, Quadra 614/615, Lote 104, 70200-740, CREAS, Brasília, DF, Brasil. rafaelasilvestree@gmail.com
IIPontifícia Universidade Católica de Goiás. 1ª Avenida, 1069, Q. 88, Setor Leste Universitário, 74605-020, Goiânia, GO, Brasil.
luc.m.vandenberghe@gmail.com
RESUMO
As emoções positivas constituem um campo importante da vivência do dia a dia. Existe uma tradição de pesquisa experimental acerca dos seus efeitos pouco explorada pelos clínicos. Recentemente, emergiram algumas referências a essa tradição para sustentar a posição mais central acordada às emoções positivas em novos modelos da psicoterapia. No presente artigo, voltamos para a fonte e revisamos a referida tradição para esclarecer quais são os benefícios das emoções positivas nela evidenciadas. Os trabalhos revisados mostram que as emoções positivas contribuem de diversas formas para a regulação de emoções; ajudam a desfazer o impacto tóxico do estresse sobre processos fisiológicos; ampliam o leque de ação e pensamento, e a abertura às experiências; melhoram estratégias de coping; e favorecem a qualidade de relacionamentos. Em longo prazo, esses processos contribuem para a construção de recursos pessoais e sociais fortes, favorecendo a saúde e a resiliência.
Palavras-chave: emoção positiva, pesquisa sobre emoções, psicologia positiva.
ABSTRACT
Positive emotions constitute an important aspect of daily life experience. The existing tradition of experimental research about its effects has attracted little attention. However, this research tradition has been referred to more recently in order to sustain the central role new models of psychotherapy have accorded to positive emotion. The present article turns to this source to review the referred tradition in order to clarify what the benefits of positive emotion are which are documented in it. The studies under review show that positive emotions contribute in several ways to emotion regulation; help to undo the toxic effects of stress on physiological processes; broaden action and thought repertoires; deepen openness to experience; sustain coping strategies and enhance the quality of relationships. In the long run these changes contribute to the building of strong personal and social resources, thus promoting health and resilience.
Key words: positive emotion, emotion research, positive psychology.
Tradicionalmente, a psicologia clínica se interessou mais pelas emoções negativas do que pelas positivas. No contexto de trabalho com pessoas que enfrentam, às vezes, um sofrimento profundo, esse viés faz sentido. Porém, trabalhos recentes têm chamado a atenção para o papel das emoções positivas no processo psicoterapêutico (Fizpatrick e Stalikas, 2008; Dick-Niederhauser, 2009; Hayes et al., 2011; Vandenberghe e Silvestre, 2013). É interessante observar que todos se referem a uma base de dados de pesquisa experimental, em parte já antiga. Trata-se de uma tradição de trabalhos experimentais acerca dos benefícios das emoções positivas que foi iniciada por Alice Isen e continuada sob a liderança intelectual de Barbara Frederickson, que até recentemente continuou despercebida ou desconsiderada pelos autores clínicos.
Os dados provenientes desses experimentos são usados como evidência empírica para sustentar que emoções positivas desempenham um papel central no processo terapêutico. Hayes et al. (2011) apontam, a partir dessa literatura, que o relacionamento terapêutico pode ser curativo por promover emoções positivas no cliente, as quais, por sua vez, favorecem o desenvolvimento de recursos pessoais que ajudarão o cliente a superar seus problemas. Fizpatrick e Stalikas (2008) e Dick-Niederhauser (2009) discutem dinâmicas comuns em diferentes tratamentos psicológicos, que lembram a espiral positiva descrita acima. Ambos os artigos argumentam, a partir da tradição de pesquisa referida, que o psicoterapeuta precisa promover experiências nos seus clientes que provocam emoções positivas. As vivências positivas dos clientes na terapia promovem novos comportamentos e a construção de novos recursos pessoais, que, por sua vez, conduzem a novas vivências positivas, e assim por diante. As mudanças comportamentais podem dar origem à construção de novas redes de apoio e a habilidades sociais, que continuam à disposição da pessoa muito tempo depois de ter cessado a emoção positiva que promoveu a mudança.
Vandenberghe e Silvestre (2013) discutem como emoções positivas do terapeuta podem influenciar no processo terapêutico. Podem promover mais atenção e criatividade na atuação do terapeuta e contribuir para o desenvolvimento de habilidades clínicas, além de contribuir para o conteúdo da sessão. A compreensão do cliente na sua complexidade, como também o desenvolvimento de uma sensação de 'nós' (o terapeuta e o cliente como uma equipe unida com objetivos e tarefas compartilhados) pode ser promovida pelas emoções positivas que o terapeuta sente no seu trabalho com o cliente. Por outro lado, terapeutas relatam que as vivências positivas contribuem para o desenvolvimento de novos recursos pessoais e profissionais, incluindo a expansão do repertório de técnicas terapêuticas, melhor regulação das emoções e um melhor sentimento de conexão com o cliente.
O objetivo do presente trabalho é de revisar as pesquisas originais sobre emoções positivas para esclarecer os dados empíricos que estão sendo usados para justificar o papel central das emoções positivas nos novos modelos de psicoterapia.
Modelos da emoção
Os experimentos se encaixam numa corrente conhecida como psicologia positiva, dedicada ao estudo empírico do florescer humano (Seligman, 2004), mas em parte a antecedem. Hoje, a pesquisa sobre emoções positivas incorpora uma área específica desta psicologia positiva. Porém, o estudo experimental das emoções antecede à psicologia positiva. De acordo com Gross (2008), o modelo típico nessa área pressupõe que uma emoção é evocada por uma situação que exige atenção, tem um significado particular para a pessoa e desencadeia um conjunto de respostas que se encontram programadas em redes neurais ou armazenadas em esquemas mentais. Sendo assim, a emoção é vista como um programa engatilhado por um evento em que informações passam por um processamento automático. Dois exemplos deste modelo típico são: o modelo neurofisiológico de Lang e o modelo cognitivo de Leventhal. Ambos foram usados amplamente durante as últimas décadas do século XX e são representativos de uma tendência geral na literatura empírica sobre emoções.
Os experimentos de Lang (1978) mostraram que as emoções são compostas de três dimensões: (i) respostas fisiológicas, neuro-hormonais, musculares e outras; (ii) sentidos sustentados pela língua; e (iii) tendências de ação. Esses três são interligados em redes neurais que organizam as informações que constituem cada emoção. Por exemplo, na pessoa que sofreu um assalto no escuro, a percepção de escuridão pode levar a um aumento de tensão muscular, a uma sensação subjetiva de perigo e a uma preparação para fugir. A experiência traumática fornece conexões entre a ativação neural do evento preceptivo em questão e as outras partes da rede.
Entre cada dupla de elementos fisiológicos, linguísticos ou motores da rede existe uma probabilidade de que um será ativado quando o outro o é. Uma correlação alta (digamos o valor 1 numa escala de 0 a 1) entre um desses elementos e outro denota que quando um dos dois é ativado, ele aciona o outro. Há também pesos negativos: conexões em que a ativação de um elemento inibe o outro. Em nosso exemplo, a percepção da escuridão pode inibir sensações de aconchego ou a tendência de pegar no sono, que, anteriormente ao trauma, estavam ligadas ao escuro. Os pesos das conexões entre os elementos da resposta emocional podem ser modificados quando a pessoa passa por uma vivência suficientemente intensa que permite a integração de novas informações à rede neural (Lang, 1978).
No modelo de Leventhal (1982), um esquema emocional é uma estrutura da memória que organiza e guia o processamento de novas informações e a recuperação das informações já armazenadas durante vivências anteriores. Contém três diferentes níveis de processamento de informação. São eles: (i) imagens e sequências que fizeram parte de vivências de uma emoção; (ii) comportamentos expressivos e padrões de resposta autônomos que caracterizam essa emoção; e (iii) regras conceituais e proposições sobre como se deve reagir nas situações que evocam essa emoção. A vivência de uma emoção é entendida como o efeito da ativação de tal esquema por informação subjetivamente relevante em função das necessidades, dos objetivos e das suposições da pessoa.
Gross (2008) critica o modelo típico (tanto na sua versão neurofisiológica, quanto na cognitiva) por apresentar a emoção como um processo retilíneo e mecânico. Ele afirma que a vivência emocional é muito mais flexível e sujeita à intencionalidade. Envolve sistemas de resposta coordenados e maleáveis. A pessoa que está sentindo a emoção não é passiva. Ela direciona e maneja a emoção através de cinco famílias de regulação emocional: (i) seleção da situação: a pessoa procura entrar em situações (e evitar outras) que forneçam certa emoção; (ii) modificação da situação: o indivíduo muda a situação que evoca a emoção; (iii) distribuição estratégica da atenção: consiste em mudar o foco para alterar o impacto emocional da situação; (iv) mudança cognitiva: elaborar o significado da situação de modo que a vivência emocional seja alterada; e (v) modulação da resposta: o indivíduo reage de maneira diferente a uma emoção, resultando em uma vivência diferente.
As estratégias de regulação descritas por Gross deixam a emoção como algo interativo e moldável. A revisão abaixo mostra que as pesquisas sobre o efeito das emoções positivas se encaixam nessa nova visão ao explorar como estas interagem com comportamentos sociais, atenção e cognição, e como influenciam as emoções negativas.
Emoção e ação
Há um consenso entre os pesquisadores deste assunto (Gross, 2008; Lang, 1978; Leventhal, 1982) de que cada emoção inclui uma tendência à ação. Exemplos: fugir da situação está relacionado a medo, e atacar, à ira. Ansiedade envolve esquiva, e tristeza, recolhimento. Sendo assim, essas tendências são adaptativas. As emoções negativas restringem o leque de disposições e ideias, favorecendo especificamente as ações que se encaixam no contexto da emoção: fugir, atacar, esquivar-se ou recolher-se. Num dado momento, essa restrição pode ser benéfica, mas pode se tornar demasiadamente presente na vida da pessoa. Além disso, emoções negativas têm efeitos chamados de tóxicos. Envolvem processos hormonais e cardiovasculares ou outras respostas corporais que sustentam o comportamento específico ligado à emoção. Quando certa emoção se torna frequente ou intensa demais na vida de uma pessoa, essas cadeias de respostas fisiológicas podem prejudicar a saúde. Trabalhos que mostram a influência de emoções negativas frequentes e intensas no desenvolvimento de quadros de dor crônica, doenças cardíacas e outras patologias foram resumidos por Melzak (1997) e Gross (2008).
Frederickson (1998) tentou identificar as tendências de ação de cada emoção positiva. A autora apontou que o interesse promove exploração e envolvimento. O contentamento inclui uma tendência para integrar vivências. O amor amplia os repertórios de curtir e interagir. A alegria inclui a tendência de participar em atividades físicas, sociais ou intelectuais. Percebemos que as tendências de ação ligadas a cada emoção positiva são amplas e difusas, enquanto as ligadas às emoções negativas são específicas. A falta de especificidade dos efeitos pode ofuscar as funções adaptativas que as emoções positivas possuem. Nossa revisão da literatura inicia-se neste ponto: com o programa experimental que pretende identificar as tendências de ação promovidas pelas emoções positivas, que começou com o trabalho de Isen, antes de a disciplina da psicologia positiva nascer formalmente.
Efeitos passageiros de emoções positivas
Num dos seus trabalhos clássicos, Isen (1970) relata três experimentos que investigaram o efeito das emoções numa situação social. Em cada experimento, os participantes executaram uma série de tarefas, e, ao final, foram divididos em três grupos. Os dois grupos experimentais foram informados de que tinham tido sucesso ou haviam fracassado. Participantes do grupo de controle fizeram as mesmas tarefas, mas não receberam nenhum comentário sobre seus desempenhos. No primeiro experimento, entrou um segundo experimentador que solicitou uma contribuição para a caridade. Nos outros experimentos, os participantes foram confrontados com situações em que uma pessoa parecia precisar de ajuda. Os participantes do grupo que foi comunicado que teve sucesso contribuíram com mais dinheiro para a caridade e foram mais prestativos para um estranho. Os participantes do grupo de fracasso e do grupo de controle se recordaram menos do que aconteceu na presença da pessoa aparentemente necessitada do que os que tiveram sucesso. Isso sugere que a emoção positiva afeta não só a tendência para ajudar outra pessoa, mas também um desempenho cognitivo como prestar atenção ao ambiente. Isen (1970) chama este fenômeno de warmglow.
Em outro artigo, Isen e Levin (1972) relatam dois experimentos sobre a tendência para ajudar. Uma sensação de bem-estar foi evocada numa situação de recebimento de biscoitos distribuídos numa biblioteca e numa situação de ter encontrado uma ficha telefônica no retorno de fichas de um telefone público. Os participantes do grupo de controle que não receberam biscoito nem a ficha ajudaram menos um estudante que pediu ajuda (no estudo I) e tomaram menos a iniciativa de ajudar espontaneamente uma pessoa que tinha deixado cair papéis. Esses resultados forneceram suporte adicional para a noção de que a sensação de bem-estar torna a pessoa mais prestativa.
Um experimento posterior indicou que o decurso de tempo do warmglow é limitado (Isen et al., 1976). Um experimentador entregou pequenos presentes de porta em porta. Em seguida, depois de intervalos diferentes, cada sujeito tinha a oportunidade de ajudar alguém que batia à sua porta. As pessoas que tinham recebido o pacote ajudaram mais do que as que não o receberam. O efeito diminuiu gradualmente no decorrer do tempo e, 20 minutos após a recepção do pacote, o grupo experimental agiu do mesmo modo do grupo de controle.
Uma sequência de experimentos posteriores mostrou que a vivência de emoções positivas leva a um desempenho cognitivo mais flexível (Isen e Daubman, 1984), mais criativo (Isen et al., 1987), com mais integração e inclusão de novas informações (Isen e Daubman, 1984; Isen et al., 1991). Emoções positivas também promovem a abertura para novas informações que não são congruentes com as ideias que a pessoa já tinha e para o feedback negativo sobre o próprio desempenho (Estrada et al., 1997). Alguns desses resultados foram obtidos no estudo do processo diagnóstico médico, um processo de decisão com consequências importantes.
Estudantes de medicina, num estado afetivo positivo induzido por sucesso numa tarefa anterior, chegaram a decisões diagnósticas mais aprofundadas do que colegas que não tinham sido informados sobre o sucesso na tarefa anterior. Eles também iam além da tarefa, considerando outros problemas diagnósticos do caso apresentado, mostrando, no processo, mais pensamento complexo e menos evidência de confusão (Isen et al., 1991). Num estudo similar, médicos internistas em quem foi induzido afeto positivo geraram a hipótese correta significativamente mais rápido do que outros e mostraram mais raciocínio flexível no processo, com menos distorção de evidência contrária à sua hipótese e mais capacidade de considerar para alternativas (Estrada et al., 1997).
Fora de settings experimentais, as emoções positivas ajudam a lidar melhor com situações difíceis. Durante fases estressantes da vida, é comum as pessoas procurarem apreciar os aspectos positivos do dia a dia, ou se sentirem positivamente desafiadas pelo problema pelo qual estão passando. Muitas vezes, elas reavaliam ou reenquadram uma situação negativa em uma perspectiva positiva. Em outros casos, criam uma situação positiva ou encaram um evento comum como positivo para compensar as emoções negativas de um evento estressante (Folkman e Moskowitz, 2000). Observa-se que essas estratégias deixam a pessoa mais resiliente; em outras palavras, capaz de superar o impacto das adversidades. Nos seguintes parágrafos, resumiremos algumas pesquisas de laboratório em que se tentou identificar como essas estratégias do cotidiano podem ser entendidas.
Frederickson e Levenson (1998) investigaram este uso de emoções positivas experimentalmente. Participantes dos experimentos assistiram a imagens que induziram ao medo, o que foi corroborado pelo relato deles e pela constatação de uma ativação cardiovascular intensa. Depois, foram dispostos aleatoriamente em quatro grupos para assistir a um de quatro filmes que evocavam: contentamento, diversão, tristeza e um era neutro. Comparando os grupos, pôde-se notar que os que viram os filmes positivos apresentaram uma retomada significativamente mais rápida dos níveis prévios de atividade cardiovascular. No segundo estudo, os participantes foram expostos a um filme eliciador de tristeza. A maioria deles sorriu espontaneamente, pelo menos uma vez, enquanto assistia a esse filme. Quem sorriu apresentou recuperação mais rápida dos níveis prévios de ativação fisiológica. Esses resultados apontam que emoções positivas combatem efeitos tóxicos de emoções negativas ao restaurar o equilíbrio do organismo.
Frederickson et al. (2000) verificaram que esse efeito é resultado da positividade e não da eliminação do estressor. Primeiro, obtiveram, por indução de ansiedade, uma resposta cardiovascular de estresse. Em seguida, uma parte dos participantes assistiu a filmes que suscitaram emoções brandas de contentamento, divertimento, ou tristeza; e outra parte, a um filme emocionalmente neutro. Outros participantes receberam, depois da indução da resposta de estresse, instruções para relaxar e esvaziar a mente de todos os pensamentos, sentimentos e memórias. A indução das emoções positivas brandas acelerou o retorno para o estado fisiológico de repouso, enquanto o relaxamento e os filmes neutro ou triste não tiveram esse efeito. Posteriormente, os participantes que viram os filmes que evocaram emoções positivas mostraram capacidade de atenção significativamente ampliada num teste de processamento de informação visual. Esse efeito foi confirmado numa replicação por Frederickson e Branigan (2005).
Emoções positivas ajudam a pessoa a dar um passo atrás e a considerar os problemas em diferentes perspectivas (Frederickson e Branigan, 2005). Elas podem, com mais facilidade, ver o contexto maior. Assim podem visualizar mais possibilidades, o que aumenta a tendência de construção abstrata (por exemplo, focando o aspecto "por que" de um ato, em vez do aspecto mais concreto "como"). Também ajuda a investir a pôr em prática objetivos que a pessoa construiu numa forma abstrata (Labroo e Patrick, 2009).
Tugade e Frederickson (2004) detectaram que pessoas psicologicamente resilientes no dia a dia, quando participam de tarefas estressantes no laboratório, usam emoções positivas, para regular as negativas. E essa estratégia se mostra muitas vezes eficaz. Essas pessoas se recuperam mais rapidamente dos efeitos fisiológicos do estresse do que as pessoas menos resilientes. Pessoas resilientes usam essa estratégia espontaneamente no seu cotidiano. Muitas vezes, reavaliam positivamente situações de estresse. Fazem essa reavaliação espontaneamente. Mas a estratégia pode também ser aprendida por pessoas menos resilientes, que, desta forma, também conseguem acelerar a recuperação do equilíbrio fisiológico depois da vivência estressante.
A consolidação dos efeitos em longo prazo
De acordo com pesquisas de Frederickson (2001), as emoções positivas promovem o engajamento em atividades com outras pessoas, a exploração de novos assuntos e aprofundam relações interpessoais. Assim, a pessoa acumula novas aprendizagens e constrói redes sociais. Estes recursos ajudarão a superar momentos difíceis e a crescer no futuro. Desse modo, as emoções positivas contribuem para a construção da resiliência. Em um estudo longitudinal, conteúdos de contentamento, felicidade, interesse, amor e esperança foram identificados em antigas autobiografias escritas por 180 freiras quando tinham em torno de 22 anos. As freiras que manifestaram mais emoções positivas viveram, em média, 10 anos a mais do que as outras (Danner et al., 2001). Frederickson (2003) explica o ganho em expectativa de vida, como resultado das emoções positivas, as quais podem reduzir os danos fisiológicos causados pela experiência de estresse e pelas emoções negativas.
Num estudo com estudantes universitários que dividiam um apartamento numa república com colegas que não conheciam antes, Waugh e Frederickson (2006) monitoraram a frequência de emoções durante a primeira semana da convivência. Um mês depois, os estudantes que tinham apresentado uma razão maior de emoções positivas versus emoções negativas mostraram níveis crescentes de inclusão do outro na sua percepção de si e da complexidade da compreensão que tiveram do colega de apartamento. Descreveram a si mesmos em termos de nós e descreveram os traços do colega de forma não estereotipada e com atenção para circunstâncias contextuais.
Num outro estudo, as emoções positivas dos participantes foram monitoradas diariamente e relacionadas com medidas de resiliência e satisfação com a vida, antes e depois de um mês. Os resultados mostram que vivências positivas aumentam o grau de resiliência. Essas, por sua vez, funcionam como mediadoras de mudanças na satisfação com a vida (Cohn et al., 2009). Para verificar se a indução intencional de emoções positivas tem efeitos similares, Frederickson et al. (2008) orientaram pessoas durante nove semanas na prática diária de uma técnica de meditação voltada para o sentimento de compaixão. Comparado com o grupo de controle que não meditava, os meditantes mostraram mais vivências diárias de emoções positivas. Esse aumento em frequência levou a um crescimento em recursos pessoais consolidados, incluindo maior grau de mindfulness e percepção de apoio social. Esses, por sua vez, eram preditivos de maior satisfação com a vida.
Cohn e Fredrickson (2010) verificaram que após um treino de meditação focada em compaixão, os participantes manifestaram ganhos em resiliência psicológica, suporte social, habilidades, entre outros. Mantinham estes recursos pessoais adquiridos em longo prazo, inclusive nos que não continuaram meditando. Um terço dos participantes continuou a praticar e estes relataram mais emoções positivas do que aqueles que haviam parado.
A consolidação das mudanças em longo prazo é considerada o efeito de um movimento em espiral. Frederickson (2001) cogita que as emoções positivas ajudam indivíduos a entrar em espirais positivos, envolvendo relações causais recíprocas entre as emoções positivas de um lado e a ampliação de repertórios do outro. A melhora dos recursos da atenção e da cognição facilita o coping. Esse leva a mais vivências positivas no futuro. Como resumido acima, o elo 'emoções positivas melhoram os recursos pessoais e sociais' conta com apoio empírico. Porém, o outro elo 'melhores recursos promovem emoções positivas' também foi investigado.
Num estudo utilizando questionários para medir afetos positivos, coping, confiança interpessoal e apoio social, os resultados mostraram que afetos positivos aumentam as respostas de coping e de confiança interpessoal. Tanto o coping quanto a confiança interpessoal aumentam o afeto positivo. Afeto positivo e percepção de suporte social não influenciam um ao outro. Já o afeto negativo diminui a satisfação com suporte social. Confiança interpessoal e satisfação com o suporte social diminuem o afeto negativo (Burns et al., 2008).
Existem outros dados que podem corroborar a natureza recíproca da influência. Consideramos dois exemplos: um estudo de Srivastava et al. (2006), e outro de Frederickson e Joiner (2002). O primeiro é um estudo longitudinal em que otimistas perceberam maior apoio social dos seus cônjuges do que pessimistas. Tanto os otimistas quanto seus parceiros acharam que o outro, no relacionamento, se conduziu mais positivamente numa situação de conflito e, em retrospectiva, avaliaram os conflitos como mais bem resolvidos. O estudo de Frederickson e Joiner (2002) mostrou que afetos positivos aumentam formas mais criativas de coping e vice-versa. Formas de coping pouco criativo não aumentam afetos positivos.
Discussão
As pesquisas revisadas não traçam um novo modelo que poderia substituir os modelos existentes das emoções. Porém, apoiam a visão que conceitua as emoções como processos dinâmicos e maleáveis. Os cinco níveis de regulação emocional de Gross (2008) podem ser identificados na pesquisa sobre emoções positivas. E a psicologia clínica deve levar em conta esse achado. Os terapeutas podem ajudar clientes a aprenderem a regular suas emoções. E isso pode ser uma contribuição importante tanto para o tratamento de transtornos de humor quanto para outros problemas psicológicos.
Nos experimentos de Frederickson e Isen, usam-se situações específicas para evocar emoções positivas. Essa estratégia se encaixa nos primeiros dois níveis da regulação emocional: a seleção e a modificação da situação. O terceiro nível, a distribuição estratégica da atenção, é estudado nos trabalhos que envolvem meditação e mindfulness. O quarto nível, o de coping cognitivo, aparece no uso de emoções positivas para lidar com situações estressantes. Por fim, a modulação da resposta faz parte da espiral positiva descrita por Frederickson. Nesse nível, a pessoa age de formas novas e criativas e, assim, obtém resultados que mudam sua vivência emocional.
Os trabalhos revisados desvelam múltiplos papéis da emoção positiva. Propomos dividir esses papéis em quatro categorias: (i) são instrumentais na regulação emocional nos cinco níveis do modelo de Gross; (ii) ajudam a pessoa recuperar-se do estresse, porque desfazem os efeitos tóxicos das emoções negativas; (iii) ampliam temporariamente o pensamento e as tendências de ação e, desta forma, (iv) facilitam a construção de recursos psicológicos ao longo da vida.
A primeira categoria pode ser relevante na promoção da saúde mental. O manejo de emoções negativas pode ter um papel importante na prevenção de recaída depois de uma depressão (Segal et al., 2002). A segunda categoria pode ter maior relevância na promoção da saúde física. Por desfazerem os efeitos nocivos do estresse, as emoções positivas contribuem, em longo prazo, para a saúde. Uma pesquisa aplicada pode verificar se a promoção de experiências positivas pode ter um papel em programas que pretendem favorecer a resiliência em grupos de risco a recidivas cardiovasculares ou a outros problemas de saúde.
Enquanto Isen identificou que vivências positivas aumentam temporariamente a atenção e a tendência para ajudar outros, Frederickson explorou a ponte entre os efeitos que resumimos na terceira categoria e os que cabem na quarta. Os efeitos, em si efêmeros, das emoções positivas direcionam a novas experiências enriquecedoras. E estas novas vivências, por sua vez, ajudam a iniciar novos relacionamentos e aprendizagens. Estas facilitam a construção de redes sociais, conhecimentos e habilidades que ajudarão a superar contratempos futuros. As novas experiências levam à construção de recursos pessoais e sociais valiosos.
Assim, um leque de possibilidades de pesquisa e aplicação na prevenção em saúde, na psicoterapia e na assistência social pode ser cogitado. A noção da espiral entre coping criativo e emoções positivas parece promissora neste ponto. É possível que esses processos atuem de forma não percebida na psicologia clínica e expliquem mudanças duradoras que ocorrem em psicoterapia (Fizpatrick e Stalikas, 2008; Dick-Niederhauser, 2009; Hayes et al., 2011; Vandenberghe e Silvestre, 2013).
Apesar de ter sido encontrada, nesta revisão de literatura, fundamentação para o uso abrangente do modelo de emoções positivas na clínica, é preciso atentar para as limitações. É necessário ainda estudar e considerar mais os efeitos negativos das emoções positivas. Em certos contextos podem prejudicar o processo terapêutico, encaminhar recados problemáticos no relacionamento terapeuta-cliente e dificultar o trabalho na sessão (Vandenberghe e Silvestre, 2013). As pesquisas empíricas às quais as aplicações do modelo de emoções positivas se referem concentram-se muito nos benefícios de emoção positiva. Para um uso ponderado deste modelo na clínica, é necessário aprofundar mais a pesquisa sobre as desvantagens das emoções positivas.
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Recebido: 15/02/2013
Aceito: 18/03/2013