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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia
On-line version ISSN 1983-8220
Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.8 no.1 Juiz de fora June 2015
ARTIGOS
O que pensam os professores sobre seus alunos: aspectos psicossociais da Educação de Jovens e Adultos
What do the teachers think about their students: psychosocial aspects of Education for Youth and Adults
Luciene Alves Miguez NaiffI,1; Denis Giovani Monteiro NaiffI; Jacqueline Mary Monteiro PereiraII; Raphael Ferreira de ÁvilaI
IUniversidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
IISecretaria Municipal de Educação de Niterói, Niterói, Brasil
RESUMO
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) procura atingir não somente àqueles que não puderam concluir seus estudos no tempo regulamentar, como também os alunos que tiverem múltiplas repetências e precisam recuperar o tempo perdido. A EJA é menos fomentada que as outras modalidades de ensino e sofre com a grande evasão dos alunos. Com o intuito de entender os aspectos psicossociais da educação voltada à EJA, utilizamos a teoria das representações sociais para identificar o pensamento socialmente compartilhado de 100 docentes desse segmento sobre seus alunos através de um questionário. Os resultados mostram que os professores produzem uma representação social do aluno da EJA como um trabalhador que se esforça e tenta se superar para estudar. Isso acontece em um tempo corrido e tem o objetivo final de colocá-los aptos ao mercado de trabalho. Além disso, percebem a diferença que estes alunos têm dos alunos do ensino regular e as dificuldades que enfrentam.
Palavras-chaves: Representações sociais, Evasão escolar, Identidade social.
ABSTRACT
Education for Youth and Adults seeks to reach not only those who could not complete their studies in regulation time but also those students who have multiple grade repetition and need to catch up. The EYA is less encouraged than other types of education and suffers major dropout on the part of students. Accordingly, in order to understand the psychosocial aspects of education aimed at young people and adults, we use the theory of social representations to identify socially shared thought of 100 teachers in this segment about their students. The results show that teachers produce a representation of the student's social EJA as a worker who struggles and tries to overcome difficulties in order to study. This happens in the long run and has the ultimate goal of making them fit for the labor market. Also, one can realize the difference that these students have from the regular students and the difficulties they face.
Keywords: Social representations, School evasion, Social identity.
Atualmente uma nova denominação é dada aos jovens adultos que estão fora do mercado de trabalho e da escola. São os chamados "nem-nem" - "nem trabalham e nem estudam" -, uma denominação surgida no jornalismo para se referir a esse segmento da população. No Brasil 19,5% de todos os jovens entre 18 e 25 anos, ou seja, 5,3 milhões são "nem-nem". Levando em conta a idade a partir dos 15 anos, somamos a esse número 1,7 milhões. Desses, o dobro é do sexo feminino. (Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ, 2012). Entre as crianças e adolescentes de 6 a 14 anos temos no Brasil uma inserção em matrículas de 98,2%, segundo dados do PNAD (IBGE, 2012), ou seja, a quase totalidade das crianças em idade escolar se matricula. No entanto, percebemos que a escola deixa de ser uma opção em algum momento da vida desses indivíduos, dificultando por sua vez a inserção no mercado de trabalho e provocando o fenômeno dos "nem-nem", que na Europa e no Estados Unidos se associam à recessão econômica, mas no Brasil muitas vezes estão associados à baixa escolaridade dessa faixa populacional.
O público do EJA no Brasil em parte é oriundo dos chamados "nem-nem" ou seja, com a baixa escolaridade ocasionada pelo abandono precoce da educação formal, o desemprego é frequente nesse grupo gerando diversas tentativas de volta aos estudos.
Nesse sentido, a instituição escolar é cobrada pelos sucessivos abandono e retenções dos alunos ainda na idade de formação básica e depois no EJA. Os argumentos, que normalmente culpabilizam a escola passam pela inadequação no atendimento, despreparo dos professores, baixos salários e consequente desmotivação dos professores, condições inadequadas de trabalho ou diversas outras justificativas relacionadas a atratividade desse ambiente (Naiff et al, 2010).
O professor, personagem chave do processo de ensino-aprendizagem, se sente pressionado a dar resultados que nem sempre dependem somente dele. Isso transforma sua atuação em um conflito intrapapel, ou seja, entre aquilo que entende como sendo consequência de seu papel como professor e o que hoje se espera dessa função no processo educacional (Naiff et al, 2012; Lopes, 2010)
Quando tratamos da Educação de Jovens e Adultos, são muitos os desafios e obstáculos. Segundo Di Pierro e Haddad (2000), os programas de educação de jovens e adultos que antes tinham o objetivo mais básico de democratizar a educação formal entre trabalhadores, passa a cumprir uma nova missão de diminuir a defasagem entre idade e série, na medida em que absorve o alunado multirepetente que quer regularizar seu fluxo escolar. Ou seja, surge uma nova configuração da necessidade dessa modalidade de educação para atender àqueles que vivenciaram o "fracasso escolar2" na escola regular.
Kohl de Oliveira (1999) vai dizer que existe uma homogeneidade entre os jovens e adultos que utilizam a EJA ao agregar 5 condições partilhadas, quais sejam: a) condição de não-criança, b) de excluídos da escola; c) de pertinentes a parcelas "populares" da população, d) com pouca escolaridade e e) inseridos em processos de geração e renda para apoio na sobrevivência. Ainda assim, a educação oferecida nos segmentos de ensino fundamental e médio para os jovens e adultos é a mesma oferecida para as faixas etárias que estão diretamente proporcionais as seriações. Isso cria um descompasso, que segundo Kohl de Oliveira (1999) não respeita a heterogeneidade que deve acompanhar as identidades que são construídas em uma perspectiva histórico-cultural.
Portanto, conhecer os aspectos psicossociais que envolvem a formação de alunos em programas de jovens e adultos, a partir das percepções dos professores, se faz mister para entender os meandros dessa proposta educacional.
O objetivo do presente estudo foi identificar as representações sociais de 100 professores acerca do aluno da EJA no Estado do Rio de Janeiro, entendendo que as relações estabelecidas na escola são influenciadas e influenciam o conhecimento socialmente partilhado que os docentes terão acerca de seus alunos.
Educação de Jovens e Adultos e a Atuação Docente
O esforço despendido para erradicar o analfabetismo na recente história do Brasil provocou o aparecimento de diversos programas direcionados a escolarização da população (Ribeiro, 2001). Esse empenho atingiu não apenas as crianças que deveriam ser inseridas em programas de educação formal, mas também os jovens e adultos que não tiveram a oportunidade de estudar em sua infância. Nesse sentido, desde a década de 1940 diversos programas voltados para esse público específico começaram a existir. Entre eles, podemos destacar o Serviço de Educação de Adultos (SEA) de 1947, os movimentos de Educação Popular pelo Brasil entre 1959 e 1964, o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), de 1967, o Ensino Supletivo, que iniciou em 1971, o EDUCAR, que substituiu o MOBRAL na década de 80, e atualmente a Educação de Jovens e Adultos (EJA), o PROEJA e o NOVO EJA (Haddad & Di Pierro, 2000; SME, 2012; SEEDUC, 2012).
A educação de jovens e adultos no Brasil teve alargadas as discussões e ampliado o seu debate a partir da década de 1980, frente ao movimento de redemocratização do país com a Constituição de 1988 (BRASIL, 1988) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996). No aspecto legal, não só a LDB 9.394/96, como o Parecer CEB nº 11/2000 (BRASIL, 2000a) e a Resolução CEB/CNE nº 1/2000 (BRASIL, 2000b) também estruturam a EJA, diferenciando o perfil de seus alunos e apontando caminhos na organização curricular, objetivando atender e valorizar a diversidade cultural desse segmento da população.
Segundo o Parecer 11/2000 (BRASIL, 2000a), a Educação de Jovens e Adultos (EJA) assenta-se em princípios que se dirigem para uma educação reparadora, equalizadora e qualificadora. Jovens, adultos e idosos, com histórico de interrupções de estudo e de uma educação negada, retornam a um projeto de escolarização noturna em que possam conciliar trabalho, vida doméstica e educação formal.
A escolarização de jovens e adultos ainda é um desafio a ser enfrentado, que envolve diversos aspectos: o currículo, a formação dos professores, a identidade social assumida pelos jovens e adultos a partir do momento em que a geração de renda é uma necessidade imediata em detrimento da educação para o futuro, as agruras do dia a dia que dificultam o acesso a escola para quem trabalha o dia inteiro, etc. Por causa das dificuldades enfrentadas, a evasão ainda é grande nessa parcela estudantil (Silva & Hasenbalg, 2000).
O investimento na educação formal de jovens e adultos é visto como menos prioritário que outras ofertas de educação (Mera, 2007). Os jovens oriundos do sistema regular com defasagem idade/série e os adultos que não tiveram oportunidade de estudar na infância vêm buscando cada vez mais a escola; os números mostram, entretanto, que poucos conseguem manter alguma regularidade ou mesmo concluir o segmento em que estão. O maior problema enfrentado pela Educação de Jovens e Adultos é a evasão. O maior problema enfrentado pela Educação de Jovens e Adultos é a evasão. Os candidatos a essa modalidade de ensino vem aumentando o número de matrículas, mas segundo a UNESCO (2004) há um grande fluxo de idas e vindas dificultando uma atualização fidedigna dos dados.
Portanto, a cada dia, aumenta a população elegível de ser atendida no modelo de EJA, seja pela presença daqueles que não puderam frequentar a escola em idade própria3 (escola negada), seja porque fracassaram no ensino regular4 (escola abandonada), devido assucessivas repetências e evasões. A EJA, de uma modalidade de educação transitória, compensatória, está se perpetuando, já que o sistema continua reproduzindo fracassos escolares, mormente entre grupos mais pobres e oprimidos, além do retorno de outros protagonistas ao cenário educacional, como indivíduos de outras faixas etárias, como os idosos (Gadotti, 2007).
Atualmente, a demanda da EJA por jovens está relacionada, sobretudo, à busca por uma melhor qualificação escolar que lhes possa abrir possibilidades (com a conclusão da formação escolar e o respectivo diploma) para um mercado cada vez mais exigente, além do acesso a conhecimentos que lhes garantam participação em espaços de reflexão e produção do saber, na continuidade da escolaridade e o estabelecimento de relações de companheirismo e amizade. O trabalho é apontado pelos alunos da EJA, tanto como um dos motivos para terem deixado a escola e como razão para voltarem a ela. O conhecimento adquirido ao longo da vida desses alunos é um "saber cotidiano", um "saber das ruas", sendo pouco valorizado na escola (Naiff, Sá & Naiff, 2005; Waiselfisz, 2004).
Nesse sentido, percebemos a necessidade de concentrar esforços na busca da elucidação dos aspectos psicossociais subjacentes às decisões de abandono e volta aos estudos. O perfil de alunado que procura a EJA é diversificado e tem demandas e expectativas variadas. A Reunión Internacional de Expertos sobre Políticas Educativas, promovida pela UNESCO (2007) argumenta que, para que possamos pensar de fato em educação para toda a vida, devemos nos centrar nas demandas dos alunos e disponibilizar tantas ofertas diversificadas quanto forem as necessidades que estes apresentem.
Há que se pensar tanto em melhorias na formação dos professores na graduação quanto em intervenções nas escolas, no sentido de valorizar o fato de que a escola é vista e representada socialmente como positiva e necessária. Ou seja, há um entendimento e um compartilhamento da ideia de que educação formal é importante e pode ampliar a inclusão social. O que falta são ações que contornem o enorme desafio que faz essa mesma escola incompatível com a realidade cotidiana de jovens e adultos que necessitam dessa formação (Naiff & Naiff, 2008).
Advogamos por uma escola inclusiva que deve ser continuamente repensada, como salienta Oliveira (1999, p. 72): "A escola voltada à educação de jovens e adultos, é ao mesmo tempo um local de confronto de culturas e, como qualquer situação de interação social, um local de encontros de singularidades".
Um olhar sobre os aspectos históricos da EJA no Brasil tem sua importancia na formação do educador que atua nesse segmento, ao mesmo tempo contribui para uma analise crítica e criteriosa dos avanços e retrocessos que essa modalidade de ensino teve ao longo da história da educação brasileira (Arelado & Kruppa, 2007).
A formação do docente precisa incorporar elementos da realidade que ele irá encontrar nas escolas públicas com diferentes públicos (Bernardino, 2013). Machado (2008) vai além, e afirma que "a escola deve reconhecer os alunos do EJA como sujeitos de direito à educação como qualquer outro aluno" (p.163).
O Estado do Rio de Janeiro possui 310.826 alunos matriculados nos programas de EJA, o que equivale a aproximadamente 21% da Região. A maior parte dos alunos se concentra no ensino fundamental (171.270). A faixa etária com maior incidência está entre 15 e 24 anos (47,6%). A maioria dos alunos de 1ª a 4ª série são maiores de 39 anos e 55, 1% dos que cursam a 5ª a 8 série são jovens entre 15 a 24 anos. No ensino médio 46,7% estão na faixa etária de 18 a 24 anos.
O Estado do Rio de Janeiro tem o 3º maior contingente de docentes no EJA no Brasil (20.038), atrás apenas de São Paulo (53.728) e Bahia (21.656). No entanto é o 12º em número de estabelecimentos que fornecem educação nos moldes do EJA. Ou seja, a modalidade EJA não é a prioridade no Rio de Janeiro, apesar da demanda.
O número de concluintes no EJA na 4ª e 8ª séries no Estado do Rio de Janeiro é de 5,8% e 9,11%, respectivamente, em relação ao número de concluintes no Brasil. No ensino médio essa porcentagem sobre para 26,52% (SEEDUC, 2012). Esses dados apontam para uma realidade que merece um maior entendimento. O Estado do Rio de Janeiro tem um grande contingente de alunos que evadem ou são multirepetentes na Educação de Jovens e Adultos. Há procura por essa modalidade de ensino, mas a adesão a médio e longo prazo é baixa, pois poucos concluem.
O perfil do aluno jovem e adulto é variado e as expectativas também. Enquanto o jovem é oriundo do sistema regular e utiliza o EJA para diminuir a defasagem idade/série, o adulto com mais de 39 anos procura o EJA em busca de alfabetização ou maior domínio do mundo letrado.
Em relação aos docentes, o número de professores é significativo em relação aos outros estados, no entanto os estabelecimentos não correspondem à demanda aferida havendo sempre falta de professores ou alta rotatividade.
Representações sociais: o conhecimento socialmente partilhado na escola
Representações sociais, da forma como nomeamos, são uma forma do pensamento social, também conhecido como saber do senso comum, cujos conteúdos manifestamto, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social" (p. 22).
O principal motivo de utilizarmo-nos de representações sociais é a necessidade de transformar um conhecimento desconhecido e não familiar em um conhecimento consensuado e partilhado socialmente, o que significa, na análise de Moscovici (2003), transformar o não familiar em familiar. Em outras palavras, as nossas reações frente a outras pessoas e objetos sociais são em grande parte mediadas pela percepção e pelas representações sociais que deles fazemos (Moscovici, 2003). Segundo o autor, falar em representações sociais implica em considerá-las emergentes na dimensão simbólica da vida social, já que elas servem para agir sobre o mundo e sobre os outros.
Nossa utilização dessa forma de pensamento social compartilhado passa pela necessidade de apropriação que nosso grupo de pertença tem sobre um dado fenômeno. Essa relação é estabelecida pela importância que esse entendimento coletivizado proporcionará na justificativa de práticas e identidade do grupo. Portanto, o fenômeno social deve estar associado a um grau suficientemente grande de relevância para um determinado grupo, para que, então, possa gerar as conversações e seu consequente domínio (Vala, 1993; Wagner, 1998).
As representações sociais possuem, segundo Abric (2003), uma organização significante, isto é, não são apenas reproduções da realidade, mas ressignificações sociais dela. Estão imersas tanto em elementos contextuais mais imediatos, quanto em elementos pertencentes a uma memória social. Um dos objetivos das representações é orientar práticas e comportamentos (Abric, 2003), na medida em que elas se apresentam como uma modalidade de conhecimento construída e compartilhada no ambiente social.
A abordagem estrutural das representações sociais, argumenta a favor de uma organização das representações sociais de acordo com a centralidade ou maior consistência de alguns elementos em relação a outros (Abric, 1994). Dessa forma, existiriam elementos mais centrais e, portanto, mais fortes e rígidos das representações de um grupo. Esses elementos compõem o nucleo central das representações sociais. Além desses, existiriam elementos que aparecem no discurso dos sujeitos, mas são classificados como periféricos, já que não atingem nem em magnitude, nem em quantidade, a dimensão de centralidade em relação ao grupo. Esses elementos são menos rígidos e conferem uma certa flexibilidade às representações que podem sofrer a influência de diferenças intra grupos, como, por exemplo, de informações reatualizadas sobre o fenômeno, em consequência de reapresentações midiáticas, entre outras (Sá, 1996).
Ao falar da produção de representações sociais por parte de um grupo, pensamos em indivíduos que interagem ou partilham vivências semelhantes e com isso sentem necessidade de criar um conhecimento que justifiquem seu comportamento, embasem sua identidade grupal, tenham valor comunicacional e de saber.
O presente artigo apresenta uma pesquisa fundamentada na teoria das representações sociais, em especial na abordagem estrutural proposta por Abric (1994; 1998; 2003), que apresenta os elementos representacionais como centrais e periféricos. O objetivo, portanto, foi identificar as representações sociais acerca do aluno do EJA de 100 professores que atuam nessa modalidade, visto que em alguma medida as representações orientam as práticas docentes desses profissionais em seu cotidiano laboral.
Metodologia
Instrumentos e Procedimentos de coleta
Foram utilizados como instrumentos de pesquisa um questionário com questões fechadas e uma tarefa de evocação livre utilizando como termo indutor "aluno da EJA". Na tarefa de evocação livre, foram solicitados aos sujeitos que expressassem espontaneamente de três a cinco palavras ou expressões que lhes viessem imediatamente à lembrança quando apresentados ao termo indutor. Em uma segunda etapa foi pedido que hierarquizem por grau de importância as palavras ou expressões evocadas anteriormente. Essa técnica combinada aproveita o material bruto nascido da associação livre e o organiza cognitivamente, permitindo uma reavaliação da ordem de evocação, de acordo com indicação de Abric (2003) que advoga pela substituição do "rang de aparição" pelo "rang de importância" como produto final da coleta de dados. O material final foi analisado pela técnica de construção do quadro de quatro casas, e as respostas foram analisadas com auxílio do programa de computador denominado EVOC 2003® (Ensemble de programmes permettant l'analyse des evocations), que combina a frequência da evocação de cada palavra com sua ordem de evocação, buscando estabelecer o grau de saliência dos elementos da representação em cada grupo (Vergès, 1994; 2001; 2005; Oliveira; Marques, Gomes & Teixeira, 2005). Ou seja, as palavras que apareçam com grande frequência representam as palavras mais compartilhadas pelo grupo, aliado à saliência com que apareceram nas evocações significando o quanto é prototípica do objeto investigado. A organização dos dados, seguindo essa orientação, nos ofereceu quatro quadrantes que determinam o provável grau de centralidade das palavras na estrutura da representação social.
A pesquisa foi realizada na Região Metropolitana do Rio de Janeiro que é composta pelas 10 coordenadorias de Educação intituladas Metro com áreas de abrangência definidas. Os sujeitos foram apresentados a pesquisa e aqueles que concordaram em participar receberam e assinaram o Termo de Livre consentimento. A coleta foi realizada no próprio ambiente escolar ou em ambiente adequado escolhido pelo participante. A pesquisa recebeu parecer favorável do Comitê de Ética Institucional.
Resultados
O grupo de 100 professores participantes foi composto majoritariamente por mulheres (65,3% dos participantes). Essa característica não foi intencional e segue uma tendência em pesquisas com professores de educação básica no Brasil. A literatura acerca das características dos docentes de ensino básico mostra que as mulheres são as mais presentes nesses segmentos. Uma provável explicação histórica remonta a profissionalização da mulher no Brasil, principalmente a partir da década de 50 do século XX em que eram valorizadas as profissões ligadas à maternagem e ao exercício do cuidado como o magistério e a enfermagem (Almeida & Naiff, 2009; Naiff et al, 2013).
Em relação ao tempo de magistério, 62,1% tem mais de 10 anos de profissão e estão no EJA entre 2 e 10 anos de forma majoritária (85,3%). Portanto, são professoras experientes que atuam no EJA e no ensino regular podendo, dessa forma, ter uma visão comparativa entre as duas modalidades de oferta de escolarização.
Vale ressaltar que o número de 100 professores para a presente pesquisa se deve ao fato desse número permitir uma análise mais fidedigna utilizando a abordagem estrutural das representações sociais. Estudos mostram que com menos de 100 sujeitos utilizando a tarefa de evocação livre, os dados ficam mais instáveis (Wachelke & Wolter, 2011).
Na tarefa de evocação livre efetuada com os 100 professores da EJA encontramos, no provável núcleo central, os seguintes resultados: esforço, trabalhadores, dificuldade e interesse. Esses são, portanto, elementos que positivam e justificam os problemas enfrentados pelos alunos. Essa visão positiva é importante para entender a forma como os professores irão se relacionar com seus alunos. De uma maneira geral, os professores entendem esses alunos como trabalhadores mais do que estudantes e incluem em suas representações sociais elementos positivos em que os alunos são vistos como dedicados e esforçados e que enfrentam dificuldades para se manter nos bancos escolares. Encontramos nos trabalhos de Naiff, Sá e Naiff (2005) e de Waiselfiz (2004) uma relação direta entre exclusão social e baixa escolaridade. Essa realidade é percebida pelos professores entrevistados que organizam suas representações em torno da ideia de que a situação de pobreza que os alunos vivenciam interfere em sua relação com a escola.
Segundo Wachelke e Wolter (2011), o que caracteriza as representações sociais é o fato de serem constantemente negociadas nos grupos através da comunicação. Os alunos são objetos de representação social para seus professores, na medida que estão totalmente incorporados no cotidiano dos mesmos influenciando a identidade social dessa categoria.
No quadrante referente à zona de contraste - quadrante inferior esquerdo que pode estar apontando para uma expressão de grupos minoritários na representação - podemos ver, com força menor o elemento "desinteresse", um dos únicos que compõem a estrutura das representações sociais que trazem um aspecto negativo no entendimento relativo aos alunos. Os elementos "atraso", "oportunidade", "superação" e "tempo-menor" apoiam a ideia de que o alunado do EJA tenha uma especificidade em relação aos alunos da escola regular. Talvez tenhamos um subgrupo entre os professores que atribui as dificuldades enfrentadas pelo aluno do EJA ao seu comportamento desinteressado, como sugere Abric (1994) na interpretação da zona de contraste de uma representação social ao afirmar que a aparição de elementos muito prontamente evocados na zona de contraste pode indicar a presença de um grupo com algumas especificidades dentro do grupo maior pesquisado. No entanto, a representação social da maioria está consensuada em elementos positivos e relacionados a situação socioeconômica, a motivação e as dificuldades que a escola representa na vida desses alunos.
Com relação as perguntas do questionário relativas as diferenças na faixa etária que são encontradas no EJA no que tange à "dedicação", "frequência" e "aprendizagem" encontramos as seguintes colocações dos professores conforme analisamos nos gráficos abaixo.
Em relação à "dedicação", os dados apontam que quanto mais novos os alunos, mais baixa a dedicação na opinião dos professores. A "frequência" dos alunos foi relatada como baixa e regular entre os mais novos, média e boa entre os intermediários e muito boa entre os mais velhos e a "aprendizagem" dos alunos foi vista pelos professores como média e baixa nas faixas etárias; com exceção na de 25 a 40 anos em que um terço dos respondentes afirmou ser boa.
Quando perguntados se o aluno do EJA é igual ao aluno do ensino regular, a grande maioria respondeu que não, conforme identificamos no gráfico acima: esse dado é fortemente explicitado na evocação livre, em que os cognemas - elementos cognitivos elementares compartilhados por um grupo, que dão sentido a um objeto social (Codol, 1969) - que apareceram relacionam diretamente os alunos a sua condição de estudantes tardios, trabalhadores e com dificuldades de manutenção da frequência na escola.
Discussão dos resultados
A educação pública de qualidade é atualmente um dos maiores pontos de pautas de reinvindicações populares. O Brasil avançou muito no acesso inicial das crianças na escola, como mostram os altos índices de matricula (98,2% das crianças em idade escolar), mas esbarra na manutenção. Temos atualmente um fracasso escolar, não mais gerado pela repetência ou retenção somente. Estas vem sendo gradativamente contornadas com a organização em ciclos, aprovação automática ou outras lógicas pedagógicas, e também pelos programas de renda mínima atrelados a frequência. Temos atualmente um fracasso dentro da escola, que irá gerar o abandono na juventude, a não aprendizagem de conteúdos mínimos e, como consequência a dificuldade de inserção no mercado de trabalho. Os "nem-nem" são reflexo de uma série de condições que afetam a juventude brasileira, em especial a necessidade imediata de geração de renda e a dificuldade de conclusão da educação formal.
Mazzotti (2010) salienta que nem sempre o professor consegue utilizar o que aprendeu visto que esse saber não o auxilia em sala de aula. Em se tratando da Educação de Jovens e Adultos, os resultados mostram que os professores tem uma percepção do seu aluno condizente com a realidade e especificidade do mesmo. No entanto, as formas de mudar essa realidade nem sempre estão postas na mão desse profissional.
A utilização do referencial teórico das representações sociais permitiu visualizar os aspectos psicossociais que dão sentido a forma como os professores compartilham crenças, sentimentos, conhecimentos sobre seus alunos. De uma maneira geral há um posicionamento positivo dos professores em relação a seus alunos. No entanto, as representações sociais apontam para uma visão desses alunos como diferentes dos alunos do ensino regular, necessitando, nesse sentido, de uma abordagem educacional diferenciada que leve em conta o fato de serem trabalhadores, terem menos tempo para se dedicar aos estudos e mais dificuldades a serem enfrentadas.
Segundo Gadotti (2007, p. 39), "o aluno adulto não pode ser tratado como uma criança cuja história de vida apenas começa. Ele quer ver a aplicação imediata do que está aprendendo". Ou seja, sua aprendizagem deve de alguma forma de consonância com a realidade que está vivendo e os projetos de futuro que constrói. Romão (2007) argumenta que:
é a perda da funcionalidade que provoca a evasão, a repetência, o desinteresse, a apatia do alunado, mormente entre jovens e adultos que trazem para as relações pedagógicas uma série de experiências, vivências e saberes construídos na luta cotidiana pela sobrevivência, sem falar da incorporação da ideia de que os conteúdos e habilidades a serem adquiridos servem apenas para responder as avaliações propostas. (p.69)
Nesse sentido, Penha (2009) defende a ideia de que deveria haver uma pedagogia voltada para a realidade dos adultos, também chamada de andragogia e que todas as etapas, inclusive a avaliação escolar, deveriam ser redefinidas e adaptadas a essa especificidade. Assim, aliada a percepção dos professores, teríamos uma lógica pedagógica condizente ao que se espera para esse segmento da educação (Di Pierro, 2005; Di Pierro, Joia e Ribeiro, 2001).
Considerações finais
A discussão sobre a escola como agente de inclusão ou exclusão social fica mais evidente quando nos deparamos com os dados censitários do IBGE que apontam para uma relação diretamente proporcional entre escolaridade e inserção no mercado de trabalho (IBGE, 2005).
Parte das causas da exclusão escolar tem raízes no próprio sistema de ensino, ditadas por inúmeras razões, dentre as quais: à inadequação dos currículos, à deficiência na formação inicial e continuada dos professores, às avaliações equivocadas que insistem em responsabilizar o aluno pelo seu próprio fracasso e que terminam por se não estimular, pelo menos permitir o abandono precoce da escola. Mas também passam pela sobrecarga do professor, muitas vezes visto como polivalente, tendo que atender a demandas diversificadas para as quais não teve formação; os baixos salários oferecidos; a violência em sala de aula (Machado, 2008). Não ficam de fora os problemas para além dos muros escolares como falta de planejamento familiar, gravidez precoce e necessidade de geração de renda imediata.
Não poderíamos deixar de assinalar a importância do professor para o aluno assim como a forma como o professor vê e acredita no potencial que o discente terá com o processo ensino-aprendizagem que está a ocorrer. Ressalta-se também a contribuição da Teoria das Representações Sociais no entendimento de fenômenos da área da educação já que ao produzir representações sociais nos preparamos para um comportamento condizente. Dessa forma, conhecer as representações sociais de professores sobre seus alunos se investe de potencial no apoio a discussões e ações em prol da melhoria da educação, e no caso específico, na educação de jovens e adultos.
Referências
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Recebido em: 27/10/2013
Aceito em: 23/12/2014
1 Contato: lunaiff@hotmail.com
2 Entendemos "Fracasso escolar" como o processo de retenção e abandono de estudantes no Brasil. Tratamo-lo entre aspas de forma a acentuar a ideia que essa é uma construção social moldada pela conjuntura social e cultural em que se manifesta. (Patto,1999)
3 Idade apropriada para cada ano escolar/série da Educação Básica, mesmo considerando as distorções escolaridade/idade nas chamadas classes multisseriadas (Educação Infantil até seis anos; Ensino Fundamental até 14 anos; Ensino Médio, conforme a LDB n. 9.394/96).
4 Ensino regular como definido na LDB n. 9.394/96, em seu Art. 21: "A educação escolar compõe-se de: I - educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio; II - educação superior".