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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

On-line version ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.11 no.2 Belo Horizonte July/Dec. 2018

https://doi.org/10.36298/gerais2019110202 

ARTIGOS

 

Estresse em profissionais de enfermagem: importância da variável clima organizacional

 

Stress in nursing professionals: the importance of the organizational climate variable

 

 

Rita de Cassia Corrêa MelloI; Luciana Bicalho ReisII; Fabiana Pinheiro RamosIII

IHospital Evangélico de Vila Velha, Vila Velha, Brasil. E-mail: ritacorreamello@gmail.com
IIUniversidade Federal do Espírito Santo, Vitória, Brasil. E-mail: lucianabreis@hotmail.com
IIIUniversidade Federal do Espírito Santo, Vitória, Brasil. E-mail: fabiana.pinheiro.ramos@gmail.com

 

 


RESUMO

O trabalho de equipes de enfermagem em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) pode ser considerado estressante, conforme literatura da área, já que esses profissionais lidam com situações de alto grau de complexidade. Buscou-se identificar a vulnerabilidade ao estresse e a presença de sintomas de estresse em uma amostra não probabilística por acessibilidade composta por 30 profissionais: enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem de uma UTIN de um hospital público. Os participantes responderam, em uma única sessão de aplicação: a) Questionário Sociodemográfico; b) Inventário de Sintomas de Stress para Adultos; e c) Escala de Vulnerabilidade ao Estresse no Trabalho. Os resultados revelaram que 56,7% da amostra apresentou sinais de estresse, preferencialmente na fase de "resistência" (50%). Houve correlação positiva entre a presença de estresse e a variável "clima e funcionamento organizacional", indicando a necessidade de mudanças no ambiente de trabalho para amenizar os estressores presentes no contexto da UTIN.

Palavras-chave: Estresse. Enfermagem. Clima organizacional.


ABSTRACT

The work of nursing teams in Newborn Intensive Care Units (NICU) may be considered stressful according to the literature since these professionals deal with highly complex situations. The aim of the present paper is to identify the vulnerability to stress and the presence of stress symptoms in a non-probabilistic sample for accessibility composed of 30 professionals: nurses, technicians and nursing auxiliaries of a NICU from a public hospital. The participants answered in a single application session: a) Sociodemographic Questionnaire; b) the Inventory of Stress Symptoms for Adults, and c) Work Stress Vulnerability Scale. The results revealed that 56.7% of the sample presented signs of stress, in major in the "resistance" phase (50%). There was positive correlation between the presence of stress and the variable "climate and organizational functioning", thus suggesting the need of changes in the work environment to settle the stressors in the NICU context.

Keywords: Stress. Nursing. Organizational climate.


 

 

Estresse em Enfermeiros de Unidades de Terapia Intensiva

O estresse tem sido definido como um conjunto de respostas do organismo a um evento ou situação que ultrapassa os recursos que o indivíduo possui no momento para enfrentar, englobando várias dimensões objetivas e subjetivas (Aldwin, 2011). O estresse pode ser considerado um processo, ou seja, uma cadeia de eventos e acontecimentos e não uma reação única, sendo que a resposta fisiológica ao estresse é fundamental para lidar com as adversidades da vida, uma vez que mobiliza recursos para que o indivíduo se afaste do perigo iminente ou o enfrente, aumentando sua capacidade funcional (Donovan, Doody & Lyons, 2013). Quando o estresse é constante ou excessivo, torna-se prejudicial, podendo causar sensação de desgaste mental e físico, acompanhados por falhas intermitentes da memória, apatia, falta de atenção, baixa autoestima e desinteresse pelas coisas que até então davam prazer, comprometendo, assim, a qualidade de vida do indivíduo (Sadir, Bignotto & Lipp, 2010).

A literatura da área tem demonstrado que profissionais de saúde, particularmente os que trabalham em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), estão em situação de vulnerabilidade para o desenvolvimento de quadros de estresse (Fogaça, Carvalho & Nogueira-Martins, 2010; Guerrer & Bianchi, 2008; Monte, Lima, Neves, Studart & Dantas, 2013; Preto & Pedrão, 2009). Em uma UTI, a rotina de trabalho é marcada pela variabilidade, incerteza e risco, fatores que podem ser desencadeadores de estresse para muitos profissionais; além disso, o excesso de ruídos, o relacionamento com a equipe e a relação com os familiares e pacientes podem ser fontes adicionais de estresse nesse contexto (Applebaum, Fowler, Fiedler, Osinubi & Robson, 2010; Bezerra, Silva & Ramos, 2012; Fogaça, Carvalho, Cítero & Nogueira-Martins, 2008; Paschoa, Zanei & Whitaker, 2007; Rodrigues & Ferreira, 2011).

Em Unidades de Terapia Intensiva Neonatais (UTINs), a equipe enfrenta, com frequência, situações emocionais difíceis: o sofrimento e a fragilidade de um bebê muito prematuro, a morte, os sentimentos de insegurança, a ansiedade dos familiares que fazem parte do cotidiano dos profissionais. Tais situações exigem dos profissionais conhecimentos específicos e atualizados, habilidade técnica, agilidade e sensibilidade (Klock & Erdmann, 2012; Viana et al., 2014). O ambiente complexo de uma UTIN pode contribuir para desencadear o estresse: os recém-nascidos chorosos, a necessidade de informar os familiares do agravamento do paciente ou óbito, atividades administrativas, carência de recursos materiais e humanos, dentre outros elementos que podem sobrecarregar os profissionais (Santini, Costenaro, Medeiros & Zaberlan, 2005). Além disso, a exposição a um contexto de morte eminente de bebês recém-nascidos pode gerar sentimentos de decepção, impotência, culpa, tristeza, luto, perda, e nem sempre o profissional consegue administrá-los (Silva, Valença & Germano, 2010).

Uma parcela significativa dos profissionais que trabalham em UTIs e UTINs é da área de enfermagem (enfermeiros, técnicos e auxiliares), sendo frequente que tais profissionais trabalhem em mais de um emprego (Secco, Robazzi, Souza & Shimizu, 2010). Essa situação é ocasionada por dificuldades de ordem socioeconômicas, uma vez que tal atividade profissional é subvalorizada socialmente e apresenta remuneração insatisfatória, o que termina por obrigar os indivíduos a aumentar a carga horária, fazer mais plantões e trabalhar em jornadas extenuantes, conciliando muitas vezes o trabalho com a dedicação aos estudos, em função das mesmas dificuldades socioeconômicas, o que pode favorecer o desgaste físico e mental (Murassaki, Melo & Matsuda, 2013). Além disso, as responsabilidades desses profissionais são, em muitas situações, mescladas com as mais variadas responsabilidades domésticas, uma vez que a profissão tem se caracterizado historicamente como tipicamente feminina (Bublitz, Guido, Kirchhof, Neves & Lopes, 2015; Ferrareze, Ferreira & Carvalho, 2006; Guido, Linch, Pitthan & Umann, 2011).

O estresse nesses profissionais acaba por gerar, além de alterações físicas, como aumento no cortisol e amilase salivar, alterações de caráter psicológico, como cansaço mental, labilidade emocional, ansiedade, entre outros, podendo desencadear a síndrome de Burnout (Bakker, Le Blanc & Schaufeli, 2005; Cruz & Abellán, 2015; Garrosa, Moreno-Jiménez, Rodríguez-Muñoz & Rodríguez-Carvajal, 2011; Silva & Gomes, 2009). Essa síndrome tem sido definida como um estado físico e psicológico permeado por experiências de esgotamento, decepção e perda do interesse pela atividade de trabalho (Galindo, Feliciano, Lima & Souza, 2012); é mais comum em trabalhadores de setores de prestação de serviço, nos quais se atua diretamente com pessoas e ocorre em situações nas quais as demandas estão para além do esforço físico, mas também no campo subjetivo e afetivo (Borges, Argolo, Pereira, Machado & Silva, 2002).

 

Contexto organizacional, estresse e enfrentamento

Dentre os diversos modelos utilizados na literatura para investigar a relação entre estresse ocupacional e saúde, destaca-se o modelo clássico de Karasec (1979) denominado Modelo Demanda-Controle, ainda utilizado em muitas pesquisas (Alves, Hökerberg & Faerstein, 2010). Tal modelo postula a importância de se levar em conta dois fatores correlacionados ao estresse no ambiente organizacional: 1. As demandas colocadas sobre o trabalhador pelo contexto organizacional (isto é, os estressores laborais), e 2. Os critérios que permitem ao trabalhador decidir como responder a essas demandas (amplitude de decisão sobre o trabalho). A combinação desses dois fatores pode gerar quatro tipos de experiências no trabalho (Schmidt, 2013): trabalho com alta exigência (alta demanda e baixo controle); trabalho ativo (alta demanda e alto controle); trabalho de baixa exigência (baixa demanda e alto controle) e trabalho passivo (baixa demanda e baixo controle). Assim, um ambiente com altas demandas (como é o caso das UTIs), associado ao baixo controle do profissional no trabalho, é preditor de estresse psicológico (Pisanti et al., 2015; Woodhead, Northrop & Edelsein, 2014).

Considerar a relação existente entre as demandas de trabalho e as possibilidades de o trabalhador decidir sobre como respondê-las vai ao encontro do que propõe a Política Nacional de Humanização - PNH (Brasil, 2003), que deve estar presente em todas as ações da saúde como diretriz transversal (Brasil, 2001, 2003). A humanização da assistência é entendida pelo Ministério da Saúde (MS) como resultado de mudanças na cultura da atenção aos usuários e da gestão dos processos de trabalho, sendo esse último elemento essencial para que a humanização ocorra (Deslandes, 2004; Mello, 2008).

Avaliar aspectos ligados à organização do trabalho e seu impacto sobre a saúde do trabalhador mostra-se, assim, fundamental na construção de práticas de cuidado mais humanizadas no campo da saúde pública. Segundo Mello (2008), diversos fatores, tais como baixos salários e ausência de planos de carreira, jornadas extensas e grande volume de trabalho, necessidade de mais de um emprego para garantir a subsistência, entre outros aspectos, têm se mostrado como impeditivos aos avanços na direção da humanização. Para alcançá-la, afirma o próprio MS, é "necessário cuidar dos próprios profissionais da área da saúde, constituindo equipes de trabalho saudáveis e, por isso mesmo, capazes de promover a humanização do serviço" (Brasil, 2001, p. 5).

No mesmo sentido, Pasche (2009) afirma que a humanização demanda, dentre outros aspectos, o fomento de redes de valorização do trabalho e do trabalhador. Valorizar o trabalhador implica em incluí-lo nas definições sobre o funcionamento da organização de saúde, descentralizando decisões e aumentando a possibilidade de controle sobre o próprio trabalho e suas demandas, melhorar concretamente as condições de trabalho (remuneração, ambiência, condições para sua realização) e identificar e alterar os elementos e fatores que interferem na produção da saúde do trabalhador (Pasche, 2009).

Adicionalmente, na análise da produção da saúde do trabalhador, destaca-se também o clima organizacional. As organizações se apresentam como um dos importantes cenários em que as relações interpessoais acontecem e o ambiente hospitalar, foco do presente estudo, embora dotado de nuances específicas, preserva a mesma dinâmica das demais organizações. O clima organizacional, definido por Martins, Enumo e Paula (2016) como as percepções do conjunto de indivíduos de uma dada organização sobre seu contexto de trabalho (englobando relacionamento com os pares e com a chefia, características da tarefa, sistema de recompensa e benefícios, condições de trabalho, dentre outros aspectos), pode ser um dos fatores de vulnerabilidade para o desenvolvimento de quadros de estresse laboral (Puente-Palacios, Pacheco & Severino, 2013).

A ambientação interna e os arranjos institucionais existentes nas organizações versus o grau de motivação de cada profissional são elementos importantes para a análise do clima organizacional (Perossi & Aquino, 2013). Seu desequilíbrio está atrelado diretamente aos baixos níveis de engajamento e comprometimento com a excelência no desempenhar das funções, desmotivação, disparidades entre funcionário/organização, bem como com o adoecimento dos trabalhadores e a elevação dos agentes estressores, o que torna o clima organizacional uma importante variável na análise do estresse laboral (Bispo, 2006).

Outra variável relevante para a análise das relações entre estresse e contexto organizacional é a satisfação no trabalho: avaliação subjetiva do trabalhador sobre em que medida o trabalho é benéfico ou prejudicial para seu bem-estar (Melo, Barbosa & Souza, 2011). Uma das maiores causas de insatisfação nos profissionais de enfermagem está relacionada às condições de trabalho e a um ambiente de muita pressão, o que potencializa o risco da instalação do estresse, podendo comprometer o exercício profissional adequado (Furtado & Araújo Júnior, 2010; Melo et al., 2011; Wisniewski, Silva, Évora & Matsuda, 2015). Em um estudo de revisão com mais de 100 artigos, Lu, Barriball, Zhang e While (2012) encontraram que a satisfação no trabalho de enfermeiros que atuavam em ambiente hospitalar estava ligada às condições de trabalho, ao ambiente organizacional e ao estresse no trabalho, mostrando as inter-relações entre essas variáveis.

O estresse e os eventos adversos da vida, no entanto, nem sempre trazem consequências negativas para a saúde física e mental dos indivíduos; pois, a depender de quais estratégias de enfrentamento (coping) o indivíduo utiliza, pode conseguir restabelecer o equilíbrio na relação com o estressor (Aldwin, 2011). As estratégias de enfrentamento são recursos comportamentais e cognitivos utilizados pelo indivíduo para se autorregularem em uma situação estressante (que pode ser percebida como ameaça ou desafio), englobando ação, emoção e orientação motivacional (Ramos, Enumo & Paula, 2015).

As estratégias de coping adaptativas utilizadas por enfermeiros podem reduzir a vulnerabilidade ao estresse (Teixeira et al., 2015), funcionar como fator de proteção para o desenvolvimento da Síndrome de Burnout (Garrosa, Rainho, Moreno-Jiménez & Monteiro, 2010), além de atuar positivamente na satisfação com o trabalho (Golbasi, Kelleci & Dogan, 2008). Assim, pode-se diminuir o estresse ocupacional com ações focadas no indivíduo, por meio da adoção de estratégias de enfrentamento mais eficazes, por exemplo, ou com intervenções focadas na organização, atuando sobre os estressores ocupacionais a fim de minimizá-los (Roberts & Grub, 2014). Tais ações podem ser desenvolvidas por profissionais da Psicologia, que devem atuar nesse contexto.

A partir do exposto sobre as relações entre o estresse e o ambiente de trabalho em Unidades de Terapia Intensiva, o presente estudo teve como objetivo principal identificar a presença de sintomas de estresse em uma amostra de 30 profissionais de enfermagem de uma UTIN. A presença de estresse foi correlacionada aos dados sociodemográficos, como a jornada de trabalho semanal e o tempo de experiência/atuação, além de dados do próprio ambiente de trabalho, como clima organizacional, pressão no trabalho e infraestrutura e rotina. A metodologia utilizada teve caráter quali-quantitativo, como se verá a seguir.

 

Método

Participantes

A pesquisa foi realizada em um hospital público do município de Vila Velha/ES, na Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal (UTIN), e contou com a participação de 30 profissionais de enfermagem sendo: sete enfermeiros, 22 técnicos, e um auxiliar de enfermagem. A equipe de enfermagem desta UTIN contava com pouco mais de 50 profissionais. A amostra selecionada para a pesquisa foi não probabilística por acessibilidade. Todos os profissionais de enfermagem que trabalhavam na UTIN do hospital há, pelo menos, seis meses foram convidados a participar da pesquisa (critério de inclusão na amostra).

Procedimento de coleta de dados

O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos da Universidade de Vila Velha e, após sua aprovação, a coleta de dados teve início, sendo realizada em três dias, entre os meses de agosto e setembro de 2013. Os participantes foram selecionados por meio de convite individual, sendo realizado durante o horário de trabalho dos participantes, no próprio hospital. Após o esclarecimento dos objetivos do estudo, os profissionais que aceitaram participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme as normas éticas de pesquisa vigentes (Conselho Nacional de Saúde, 2012). Em seguida, foram aplicados os instrumentos padronizados (individualmente ou em grupos de até três pessoas), durante a jornada de trabalho dos participantes e com a presença do pesquisador, que fornecia as instruções necessárias e aguardava pelo tempo que os sujeitos necessitassem para concluir suas respostas.

Instrumentos

Os instrumentos adotados para a realização da pesquisa foram:

1. Questionário de Dados Sociodemográficos: instrumento de análise quali-quantitativa elaborado para esta pesquisa, visava ao levantamento de variáveis que caracterizavam o perfil socioeconômico dos participantes bem como dados relativos à vida profissional (com campos para preenchimento livre). Além disso, esse instrumento investigava a satisfação com a profissão, a satisfação com o trabalho, a valorização profissional e a relação com os colegas de trabalho. Assim, nas perguntas: "Está satisfeito com sua profissão?", "Está satisfeito com as condições de trabalho?", "Possui boa relação com os companheiros da UTIN?" e "Sente-se valorizado em sua área de atuação?" os participantes poderiam responder "sim", "não" ou "parcialmente".

2. Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp - ISSL (Lipp, 2005): constitui-se de uma escala validada e padronizada para a população brasileira que avalia a presença (ou ausência) de sintomas de estresse, sendo aprovado para uso pelo Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (Satepsi) do Conselho Federal de Psicologia e, por isso, de utilização exclusiva por psicólogos devidamente inscritos em um Conselho Regional de Psicologia (CRP), o que foi atendido neste estudo. O ISSL é composto por 53 itens, nos quais o respondente assinala a presença de sintomas físicos (F) e psicológicos (P) de estresse em três momentos: últimas 24 horas (F1 e P1), última semana (F2 e P2) e último mês (F3 e P3). O inventário identifica a presença do estresse em quatro fases: alerta, resistência, quase-exaustão e exaustão, que são indicadoras da gravidade e da persistência do estresse, bem como o tipo de sintoma predominante: físico ou psicológico (Lipp, 2000).

3. Escala de Vulnerabilidade ao Estresse no Trabalho - EVENT (Sisto, Baptista, Noronha & Santos, 2007): analisa a vulnerabilidade do indivíduo diante da existência de agentes estressores no ambiente de trabalho. Apresenta 40 afirmações que descrevem situações no ambiente de trabalho potencialmente geradoras de estresse, solicitando ao respondente que as avalie por meio de escala do tipo Likert, classificando a intensidade de determinado aspecto do trabalho por sua ocorrência: 0 - Nunca, 1 - Às vezes, ou 2 - Frequentemente. A pontuação total é obtida pela soma dos itens assinalados pelos indivíduos, podendo variar entre resultado mínimo (zero ponto) e máximo (80 pontos). Por fim, o instrumento possibilita a interpretação dos dados por meio de três dimensões: "clima e funcionamento organizacional", "pressão no trabalho" e "infraestrutura e rotina". Quanto maior a pontuação nas dimensões, maior a vulnerabilidade ao estresse ligado ao trabalho. Os resultados finais de cada dimensão avaliada pelo instrumento são definidos como: inferior, médio inferior, médio, médio superior e superior.

Procedimentos de análise dos dados

Os resultados dos instrumentos padronizados foram obtidos procedendo-se a correção de cada um conforme orientações do manual de aplicação e correção (Lipp, 2005; Sisto et al., 2007), enquanto os dados do questionário sociodemográfico foram analisados de forma qualitativa e quantitativa. Em seguida, os dados foram analisados estatisticamente pelo programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS) 17.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, USA), sendo feita a correlação dos dados do ISSL com algumas das variáveis sociodemográficas e com os dados da EVENT, por meio do teste estatístico correlação de Spearman, adotando-se p<0,05 (Barbetta, 2010).

 

Resultados

Em relação à caracterização dos participantes, 99% eram do sexo feminino e 50% tinham mais de um vínculo empregatício. A idade dos participantes variou de 24 a 63 anos, com média de 35 anos. Quanto ao estado civil, 47% dos sujeitos eram casados, 30% solteiros, 16% divorciados e 7% viviam em união estável. A média de experiência de trabalho dos participantes foi de 7,5 anos; sendo o mínimo de 1 ano e o máximo de 25 anos de experiência na função. Em relação à jornada de trabalho a qual estavam submetidos esses profissionais, o questionário revelou uma média de 57,8 horas de trabalho semanal, sendo o mínimo de 40 horas e o máximo de 96 horas por semana.

O questionário de dados sociodemográficos também indicou que 56,7% dos profissionais estavam "satisfeitos" com a profissão, enquanto 3,3% "não estavam satisfeitos" e 40% estavam "satisfeitos parcialmente". Na relação com os colegas, 100% dos avaliados revelaram ter boa relação com os colegas de trabalho. No que se refere à satisfação com as condições de trabalho, 63,4% dos participantes estavam "parcialmente satisfeitos"; 23,3% estavam "satisfeitos" e 13,3% "não estavam satisfeitos". Dentre os 30 profissionais avaliados, 46,67% "não se sentiam valorizados" em sua área de atuação, enquanto 36,66% "se sentiam parcialmente valorizados" e 16,67% "se sentiam valorizados".

Em relação ao estresse, conforme avaliado pelo ISSL (Lipp, 2005), 43,3% dos participantes não apresentaram estresse, enquanto 56,7% apresentaram estresse, conforme as fases obtidas pelo instrumento, que podem ser vistas na Tabela 1.

A fase de resistência, experimentada por 50% da amostra, se caracteriza pela persistência dos agentes estressores e pela tentativa do organismo de restabelecer o equilíbrio, ocorrendo aumento na produção de cortisol. Se os fatores estressantes persistem em uma escala de frequência ou intensidade, haverá um decréscimo na resistência da pessoa e ela passará à fase de quase-exaustão, identificada em 6,7% dos participantes; nessa fase as defesas do organismo começam a ceder, ocorrendo diminuição da imunidade e favorecendo o aparecimento de doenças. Não existindo alívio para estresse por intermédio da remoção dos estressores ou pelo uso de estratégias de enfrentamento, pode-se passar para a fase de exaustão, que não foi experimentada por nenhum participante desta amostra (Lipp, 2005).

A análise detalhada dos resultados do ISSL (Lipp, 2005) indicou predominância dos seguintes sintomas: "sensação de desgaste físico constante", indicado por 70% da amostra; "cansaço excessivo", apontado por 63,3% dos participantes; "cansaço constante" e "tensão muscular", ambos, atingindo o percentual de 56,7% da amostra, o que aponta para a predominância de sintomas físicos na manifestação do estresse nessa população.

No que se refere ao fator "clima e funcionamento organizacional" da Escala EVENT (Sisto et al., 2007), 83,4% da amostra apresentou pontuação na escala superior; já nos fatores "pressão no trabalho" e "infraestrutura e rotina", 96,7% da amostra apresentou resultado superior para ambos. O fator "pressão no trabalho" é caracterizado, por exemplo, pelo acúmulo de trabalho, responsabilidade excessiva, prazo para realização de trabalho e ritmo acelerados, enquanto o fator "infraestrutura e rotina" está relacionado, por exemplo, a salários atrasados, dobrar jornadas, equipamentos precários e mudanças na rotina do trabalho, dentre outros. Já o fator "clima e funcionamento organizacional", se refere a questões relacionadas à chefia e aos superiores, plano de carreira e remuneração, e ambiente físico inadequado para o trabalho. A Tabela 2 apresenta os resultados obtidos com a Escala EVENT (Sisto et al., 2007).

As variáveis: tempo de experiência, jornada de trabalho semanal e vulnerabilidade ao estresse (de acordo com as três dimensões da Escala EVENT - clima e funcionamento organizacional, pressão no trabalho, e infraestrutura e rotina) foram analisadas por meio da correlação de Spearman com a presença de estresse, avaliada pelo ISSL. Os resultados indicaram a existência de correlação positiva entre o fator "clima e funcionamento organizacional" e a presença de estresse (p=0,016); não sendo encontradas correlações significativas para as outras variáveis analisadas.

 

Discussão

Tal como apontado em outros trabalhos da literatura nacional e internacional, este estudo identificou que a enfermagem é uma profissão predominantemente exercida por mulheres (Teixeira et al., 2015; Bublitz et al., 2015; Viana et al., 2014; Cruz & Abellán, 2015), que apresentam jornadas de trabalho extensas, o que aumenta sua exposição a riscos de saúde (Murassaki et al., 2013; Secco et al., 2010). Em relação à satisfação, a maior parte dos profissionais afirmou estar satisfeita com a profissão, ao passo que a satisfação com as condições de trabalho foi baixa, se comparada à satisfação com a profissão, mas condizente com outros estudos da área (Melo et al., 2011; Wisniewski et al., 2015).

Apesar de mais da metade da amostra ter apresentado estresse (56,7%), esse percentual parece estar abaixo do obtido em outros estudos da literatura da área, que apresentaram maiores proporções de profissionais de enfermagem com estresse, avaliados pelo mesmo instrumento (ISSL) ou por outros. Ferrareze et al. (2006), por exemplo, em uma amostra de 12 enfermeiros de unidade de terapia intensiva, encontraram 66,7% dos trabalhadores com sinais de estresse no ISSL, sendo que todos estavam na fase de resistência. Guerrer e Bianchi (2008), por sua vez, em uma amostra de 263 enfermeiros atuantes em UTIs, encontraram 60,1% com nível médio e alerta para estresse, avaliado pela Escala Bianchi de Stress. Uma das hipóteses que poderia explicar o menor nível de estresse entre os participantes desta pesquisa poderia ser o uso de estratégias de enfrentamento adaptativas por parte dos enfermeiros, diminuindo sua vulnerabilidade ao estresse. No entanto, o uso de tais estratégias não foi avaliado na presente pesquisa.

As estratégias de enfrentamento podem ser eficazes no sentido da diminuição dos sintomas psicológicos do estresse (Ramos et al., 2015). Quando nos referimos aos sintomas físicos, entretanto, percebe-se que a capacidade de adaptação é limitada pelo próprio organismo, que acaba por apresentar desgaste referente ao tempo e ritmo de trabalho impostos pela profissão. Esse aspecto pode ser notado nesta pesquisa, quando se observa a predominância de sintomas físicos do estresse na população estudada, evidenciando o desgaste físico a que estão sujeitos esses profissionais, que trabalham, em média, quase 60 horas semanais.

A análise da EVENT (Sisto et al., 2007) indicou que todos os fatores tinham escores elevados, sendo que nas dimensões "pressão no trabalho" e "infraestrutura e rotina", 96,7% dos entrevistados obtiveram classificação superior para a vulnerabilidade ao estresse, indicando a presença de estressores laborais classificados nessas dimensões. Contudo, quando os dados da EVENT são correlacionados com os dados do ISSL (Lip, 2005), o fator "clima e funcionamento organizacional" é o único em que se identifica a presença de correlação significativa. Esse resultado sugere que os profissionais de enfermagem da UTIN tornam-se mais vulneráveis ao estresse em função de fatores como ambiente físico inadequado, chefes despreparados, falta de oportunidade de progresso no trabalho, falta de perspectiva profissional, impossibilidade de dialogar com a chefia, não ser valorizado, salário inadequado para a função, função pouco conhecida, dentre outros aspectos.

Tais fatores podem aumentar a vulnerabilidade dos profissionais com relação aos agentes causadores do estresse, podendo levar ao adoecimento e comprometimento de seu desempenho no exercício de suas funções, constituindo-se, assim, em barreiras para a consolidação da PNH (Brasil, 2003), tal como apontado anteriormente. Esses resultados são coerentes com outros estudos da literatura da área; Monte et al. (2013), por exemplo, em um estudo com 22 enfermeiros de unidade de terapia intensiva pediátrica, encontraram como fatores mais estressantes entre essa população as condições de trabalho para o desempenho das atividades do enfermeiro, seguido de atividades relacionadas à administração de pessoal. Silva e Gomes (2009), por sua vez, apontaram o relacionamento ruim com superiores, a insegurança profissional e a falta de progressão na carreira como as principais características apontadas pelos entrevistados como sendo geradoras de mal estar nos profissionais de saúde.

Interessante destacar que, apesar do alto grau de vulnerabilidade ao estresse indicado pelos resultados da EVENT (Sisto et al., 2007), uma parcela significativa da amostra não apresentou estresse (43,3%), classificação que segundo Lipp (2005) denota ou a ausência total de sintomas de estresse ou sua presença de forma ocasional. Uma das hipóteses que poderia explicar tal resultado, de acordo com o modelo Demanda-Controle (Karasek, 1979), seria a de que os participantes têm controle sobre como responder às demandas estressoras presentes no trabalho no ambiente da UTIN, no entanto, esse aspecto não foi investigado no presente estudo.

Na análise realizada nesta pesquisa, os resultados indicaram não haver correlação entre jornada semanal de trabalho e nível de estresse, ao contrário do que é apontado em outros estudos (Bezerra et al., 2012; Rodrigues & Ferreira, 2011), nem entre tempo de experiência e presença de estresse. Essa última relação foi encontrada por Silva e Gomes (2009), que identificaram associações entre o estresse em 155 profissionais de saúde (70,9% enfermeiros) com até cinco anos de atuação na área e que não tinham estabilidade profissional. Em contrapartida, os profissionais com maior experiência (>15 anos de trabalho) se mostraram menos preocupados com a remuneração e carreira, dando maior valor ao reconhecimento profissional e apresentando níveis mais baixos de estresse (Silva & Gomes, 2009).

Preto e Pedrão (2009), por sua vez, em estudo com 21 enfermeiros de UTI, apontaram que o profissional que tem mais preparo técnico tem, consequentemente, mais chances de controle de situações tidas como críticas, o que corrobora, segundo os autores, para a relação entre maior experiência e menor nível de estresse. A mesma relação também foi analisada em um estudo de Rodrigues e Ferreira (2011) com 235 enfermeiros de unidade de terapia intensiva de um hospital de Portugal, que encontraram níveis de estresse mais elevados entre enfermeiros em início de carreira (menos de 6 anos de experiência profissional). A correlação entre maior tempo de experiência e menor presença de estresse, no entanto, não foi encontrada na presente pesquisa, a despeito do que mostram alguns estudos da área (Guido et al., 2011).

Como esta pesquisa foi realizada com uma amostra não probabilística por acessibilidade, os resultados aqui obtidos não podem ser generalizados para a população composta por profissionais de enfermagem em UTIN, mas são potenciais indicadores de que tipo de relações entre estresse e outras variáveis se fazem presentes nesse contexto, podendo servir como fonte de auxílio aos gestores. Os resultados aqui encontrados são indicadores de que mudanças no ambiente de trabalho podem ser necessárias para amenizar os estressores presentes em um ambiente de UTIN.

 

Considerações Finais

A capacidade de enfrentamento do estresse varia ao longo do tempo, de acordo com o nível de desenvolvimento do sujeito, e pode ser modificada em função da alteração nas demandas do contexto. A implantação de programas de intervenção psicológica, visando à promoção de estratégias de enfrentamento do estresse e com foco na saúde do trabalhador, pode auxiliar os enfermeiros a enfrentarem a vulnerabilidade ao estresse presente em ambientes de UTI, de forma geral.

Nesse sentido, novos estudos poderiam investigar os recursos cognitivos, comportamentais e emocionais utilizados pelos profissionais para lidar com as situações que se constituem como fonte de estresse, resultando em propostas de intervenção. Tais intervenções poderiam permitir que profissionais de enfermagem que estejam em situações de estresse ampliem sua capacidade de gerir demandas, enfrentar estressores e promover modificações em condições ambientais passíveis de alteração, tais como aquelas ligadas às relações interpessoais e gestão do trabalho.

A alteração das condições de trabalho consideradas inadequadas e a promoção da saúde do trabalhador, aumentando sua capacidade de manejo, modificação e enfrentamento de demandas ligadas ao trabalho são aspectos essenciais à consolidação da política de humanização proposta pelo Ministério da Saúde. A consolidação de tal política se traduzirá em uma melhor qualidade de atendimento à saúde do usuário e em melhores condições de trabalho para os profissionais, na medida em que sejam reduzidos os estressores do ambiente de trabalho das equipes de saúde de forma geral, e dos enfermeiros que trabalham em UTIN.

 

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Recebido em: 06/06/2016
Aprovado em: 30/01/2018

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