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Perspectivas em análise do comportamento
On-line version ISSN 2177-3548
Perspectivas vol.2 no.1 São Paulo 2011
ARTIGOS
A trava no olho de cada um*
The lock in the eye of each one
João Claudio Todorov
Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB), Brasil
RESUMO
A preocupação com o meio ambiente é cada vez mais generalizada. A questão do aquecimento global hoje envolve disputas entre renomados cientistas, disputas tão acirradas que deixaram o campo acadêmico e invadiram o mundo político. O medo do fim do mundo causado por mudanças climáticas tem sido usado para convencer as pessoas, as empresas e os países a fazerem ou deixarem de fazer coisas, como preservar a Amazônia, separar o lixo, deixar o carro em casa e andar de ônibus, entre centenas de outros comportamentos. Uma consequência do que fazemos agora que só vai acontecer no futuro longínquo causa pouco ou nenhum medo. Se o objetivo é convencer as pessoas a separar o lixo, há argumentos de sobra para serem usados; não precisamos inventar um bicho-papão.
Palavras-chave: meio ambiente, aquecimento global, comportamento.
ABSTRACT
The concern about the environment has become a more and more generalized issue. Nowadays, Global Warming involves strong controversy between renowned scientists, so that consequently, they have left the academic work and gone to the political grounds. The fear for the end of the world, caused by such changes, has been used to persuade people, companies and countries to do things such as, to select the garbage, stop using the car and take the bus and many other attitudes, in order to preserve Amazonia and other spots. A consequence of our acts now, which will take some time yet to show, doesn't cause any or little fear. If the goal is to convince people to select the garbage, there are many reasons to be given; we don't need to make a monster.
Keywords: environment, global warming, behavior
Uma frase ligada a questões de meio ambiente correu o mundo: "Pense globalmente, aja localmente". Considerando a atual preocupação com o efeito estufa, o aquecimento global, entre outros, associações, movimentos e organizações em todo o planeta discutem, reivindicam e sugerem soluções. O assunto é tão quente que deixou as reuniões acadêmicas e científicas para virar questão ideológica e política, envolvendo interesses comerciais.
Há empresas que lucram com a campanha que espalha o medo do fim do mundo (e.g., empresas verdes); outras continuarão lucrando se puderem convencer que o lixo, a poluição e os estragos no meio ambiente que produzem nada tem a ver com o aquecimento global. Os dois lados usam argumentos científicos, em pelejas que levaram até à publicação nos Estados Unidos de um livro intitulado A Ciência como um Esporte de Contato (Schneider, 2009).
Em muitos casos o que se observa é que a preocupação com o global paralisa a ação local. A poluição do ar no município de São Paulo - produzida por motores de carros, caminhões e ônibus - pode ou não estar contribuindo para o efeito estufa na Terra, mas esse argumento não deveria ser necessário para alguma coisa ser feita para resolver o problema. Não é preciso assustar o paulistano com o fim do mundo, mesmo porque ameaças de tragédias que acontecerão no futuro longínquo têm muito pouca importância para as decisões que as pessoas tomam no dia a dia. A poluição do ar tem consequências imediatas para a saúde de todos.
O aquecimento global é uma questão científica complicada. Tranberth e Fasullo (2010) asseguram que não é possível atribuir o extremo rigor do inverno de 2009 nos Estados Unidos à poluição atmosférica, porque os cientistas não têm como fazer as medições adequadas. Uma questão relevante é formulada pelos autores: para onde foi a energia envolvida no aquecimento global? Recentemente, Elderfied (2010) escreveu sobre o efeito que variações na órbita da Terra em volta do Sol têm sobre a quantidade e a distribuição de aquecimento que vêm de fora, em ciclos que oscilam em milhões de anos. Normalmente, os cientistas são treinados a ficar sem resposta para um problema até que alguém encontre um caminho novo para eliminar o impasse. Perguntas que ainda não têm respostas são o coração do ofício de pesquisador. As pessoas em geral não têm esse treino. Quando alarmadas, exigem respostas e escolhem aquelas que lhes parecem mais razoáveis. Essa pressão por respostas pode contaminar até painéis compostos apenas por cientistas escolhidos a dedo, como o da ONU. A situação levou um grupo de membros da Academia de Ciências dos Estados Unidos a publicar um artigo na revista Science defendendo os cientistas (Gleik et al., 2010).
Com uma situação tão confusa mesmo para os pesquisadores, o que fazer? Podemos, pelo menos, começar a nos preocupar com nosso meio ambiente próximo, enquanto eles não chegam a um acordo. A poluição do ar não é um problema sério apenas porque pode afetar o aquecimento global ou abrir mais buracos na camada de ozônio da atmosfera. Ela afeta direta e independentemente o problema mais geral da saúde das pessoas que respiram esse ar. De minha janela no Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB), posso ver o belo céu de Brasília e as cicatrizes representadas por camadas de fumaça preta, produzida pelos 600 mil veículos que chegam ao Plano Piloto todos os dias na hora do rush. Se esses carros, ônibus e caminhões contribuem ou não para a questão que preocupa a ONU, eu não sei. Pelo que li até agora, a resposta é "talvez". Mas sei com certeza que prejudica a saúde de todos os que aqui vivem. Isso é motivo mais do que suficiente para fazer alguma coisa. Não é preciso assustar o povo com o bicho-papão do fim do mundo pelo derretimento do gelo polar.
A situação em São Paulo é muito pior. As rádios paulistanas adoram informar os quilômetros de congestionamento do tráfego no município. Quanto mais veículos parados, mais frequente é a notícia, certamente porque mais ouvintes estão com seus rádios ligados nessas emissoras. No entanto, junto com a quilometragem das longas filas nas ruas e avenidas, as rádios bem que poderiam divulgar o índice de poluição do ar e sugerir aos cidadãos que desligassem o motor enquanto estivessem parados. Mas, pelo contrário: aqui em Brasília, pelo menos, quando a umidade relativa do ar baixa a níveis quase insuportáveis, não se fala mais neste assunto.
O governo tomou algumas medidas. Substituir o chumbo por metanol na mistura da gasolina produziu algum resultado. O rodízio de automóveis foi outra medida. São iniciativas em um nível muito molar, no caso da gasolina, e com o uso de punição para o comportamento de pessoas (dirigir o carro nas ruas, quando ele deveria permanecer na garagem). O problema é que a punição funciona quando é severa (no caso, o valor da multa) e não pode ser evitada (Todorov, 2001). A multa não é tão grande e pode ser evitada pelos ricos (para os quais ela já não é tão intensa porque seu valor não pesa tanto no bolso), que podem comprar um segundo carro com os números de chapa adequados para alternar com o que fica na garagem. A questão é: o que cada um de nós pode fazer, nessas condições, para melhorar a nossa qualidade de vida no que tange ao ambiente em que vivemos?
Os psicólogos têm trabalhado com essa questão há pelo menos 30 anos ou mais, como atestam os estudos de Burgess, Clark e Hendee (1971), Clark, Burgess e Hendee (1972), Geller, Farris e Post (1973), Kohlenberg e Phillips (1973), Powers, Osborne e Anderson (1973), Chapman e Risley (1974), Hayes, Johnson e Cone (1975), Sanford e Fawcet (1980), Tuso e Geller (1976), além de Willems (1974), por exemplo. Mais recentemente, Bacon-Prue, Blount, Pickering e Drabman (1980), O'Neill, Blanck e Joyner (1980), Winett et al (1982), Van Houten e Nau (1983), Jacobs, Bailey e Crews (1984), Fantino (1985), Hopkins et al. (1986), Timberlake (1993), Nevin (1995), Schroeder, Hovell, Kolody e Elder (2004).
São pesquisas que envolvem desde a coleta seletiva de lixo ao rodízio de amigos no transporte para o trabalho, passando por diversas atividades cotidianas em nossas vidas pessoais e profissionais. No Brasil, uma das publicações mais recentes é a de Delabrida (2010), sobre o uso de banheiros públicos (normalmente, sinônimos de poluição ambiental). Outros trabalhos recentes são os de Diogo (2007) e Günther, Pinheiro e Guzzo (2004). Toda e qualquer organização, seja empresa, escola ou repartição pública, pode e deve tomar medidas (na maioria das vezes, simples) para evitar desperdício e poluição em suas atividades. Para isso, bastaria algum setor ou profissional ficar atento a essa questão o tempo inteiro.
Maneiras de sensibilizar as pessoas para a necessidade de cuidar melhor de seu ambiente existem e os exemplos estão ficando cada vez mais frequentes. Sénéchal-Machado e Todorov (no prelo) mostraram como o comportamento dos brasilienses mudou com relação à faixa de pedestres (Brasília é uma das poucas cidades onde o pedestre é respeitado quando pisa na faixa para atravessar as ruas: os motoristas param para ele passar!). No site www.carrottmob.org, podem ser vistas mais de 80 campanhas de ativismo cívico. Wang (2010) menciona duas campanhas na China: uma referente à construção de 13 represas no Rio Nujiang, outra contra a instalação de uma fábrica de paraxilene perto do centro da cidade de Xianamen. Se os cidadãos conseguem fazer isso num regime político tão fechado como o da China, ninguém mais tem desculpas para não fazer nada.
Referências
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Endereço para correspondência
João Claudio Todorov
Email: joaoclaudio.todorov@gmail.com
SHIN QI 01 Conjunto 09, Casa 11.
CEP: 71505-090. Brasília, DF
Data de submissão em: 04/11/2010
Primeira decisão editorial em: 21/06/2011
Aceito para publicação em: 20/09/2011
* Texto inspirado em artigo publicado no Behavior and Social Issues.