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Revista Subjetividades

Print version ISSN 2359-0769On-line version ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.17 no.2 Fortaleza May/Aug. 2017

https://doi.org/10.5020/23590777.rs.v17i2.5207 

ESTUDO TEÓRICO

 

Interpretando o "sem sentido": um olhar hermenêutico na metodologia psicanalítica

 

Interpreting the "meaningless": a hermeneutical lookin psychoanalytic methodology

 

La interpretación de "sin sentido": una mirada en la metodología psicoanalítica hermenêutica

 

Interpréter les «sanssens»: un regard dans la méthodologie psychanalytique herméneutique

 

 

Josenildo José da Silva (Lattes)I; Zeferino de Jesus Barbosa Rocha (Lattes)II

IDoutor em Psicologia Clínica da Universidade Católica de Pernambuco e Professor na Faculdade de Formação de Professores da Mata-Sul (FAMASUL)
IIDoutor em Psicologia pela Universidade de Paris X. Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Psicologia Clínica da Universidade Católica de Pernambuco

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente artigo foi construído a partir de uma inquietação do autor na busca por justificar a metodologia utilizada em sua pesquisa em psicanálise, como modo de aproximação e releitura de textos de Sigmund Freud. Diga-se, de início, pois, que queremos evitar o que normalmente acontece quando se trata de uma pesquisa estritamente teórica, em que o autor tem a preocupação de apresentar, de antemão, as obras que serão objeto de seu estudo e esquece de mencionar os pressupostos da leitura que efetuará ao longo do seu trabalho. Por acreditarmos, então, na possibilidade de uma aproximação entre a visão psicanalítica e a visão hermenêutica, nos propomos aqui problematizar esta tentativa que denominamos de leitura psicanalítica-hermenêutica.

Palavras-chave: Freud; hermenêutica; psicanálise; metodologia; interpretação.


ABSTRACT

This article was written from a concern of the author while searching for a way to justify the methodology used in his psychoanalysis research, as a way of approximation and interpretation of the texts of Sigmund Freud. First, it is important to mention we want to avoid what usually happens when it comes to a strictly theoretical research, which the author has the concern to present in advance the works that are going to be studied and forgets to mention the presuppositions of reading that are going to be used during the work. Because we believe in the possibility of approximating the sychoanalytical to the hermeneutical vision, we propose the questioning of this attempt, which we call psychoanalytical-hermeneutical.

Keywords: Freud; hermeneutic; psychoanalysis; methodology; interpretation.


RESUMEN

El presente artículo fue construido a partir de una inquietud del autor para justificar la metodología utilizada en su investigación en psicoanálisis, como un modo de aproximación y de releer los textos de Sigmund Freud. Al principio, es necesario decir que queremos evitar lo que suele ocurrir cuando se trata de una investigación estrictamente teórica, donde el autor tiene la preocupación de presentar, de antemano, las obras que serán objeto de estudio y no menciona los presupuestos de la lectura que hará durante su trabajo. Porque creemos, entonces, en la posibilidad de una aproximación e interface entre la visión psicoanalítica y la visión hermenéutica, proponemos discutir aquí esta tentativa que llamamos lectura psicoanalítica-hermenéutica. Sin embargo, aclaramos que no es nuestro objetivo identificar las dos metodologías como si fueran una sola cosa, pero, deseamos a partir de sus especificidades, proponer una comunicación transdisciplinaria y, por lo tanto, una interacción de algunos elementos que les son propios.

Palabras clave: Freud; hermenéutica; psicoanálisis; metodología; interpretación.


RÉSUMÉ

Cet article a pour but justifier la méthodologie mise en place lors d'une recherche en psychanalyse, une manière de se rapprocher des textes de Sigmund Freud et d'en faire une relecture. Nous voulons échapper à ce qui se passe dans les recherches strictement théoriques dans lesquelles l'auteur veut présenter les œuvres qui composeront ses études et il oublie de mentionner les références dont il se sert et qui encadrent sa lecture. Parce que nous croyons à la possibilité de rapprocher la vision psychanalytique à la vision herméneutique, nous nous proposons de mettre en question l'essai qu'on appelle la lecture psychanalytique-herméneutique. Nous éclaircissons, toutefois, que ce n'est pas notre but d'identifier les deux méthodologies comme si elles étaient semblables. Au contraire, à partir de leurs singularités, nous proposons une communication multidisciplinaire et une interaction entre quelques uns de leurs éléments.

Mots-clés: Freud; herméneutique; psychanalyse; méthodologie; interprétation.


 

 

Desde o seu nascimento, a psicanálise travou uma batalha, para se colocar lado a lado com as ciências empíricas. O principal objetivo de Freud, possivelmente influenciado pelo clima do contexto positivista, no qual estava imerso, foi poder oferecer o status de ciência experimental à sua teoria. Paulatinamente, este seu sonho foi se desvanecendo, não como algo frustrante, porém, como constatação de um caminho novo, para se obter a um conhecimento diverso sobre o ser humano em sua constituição psíquica.

Como realizar um estudo científico sério sobre os elementos de uma teoria - a Psicanálise -, rotulada por muitos (lógicos, epistemólogos e filósofos) como uma pseudociência por não seguir os trâmites dos métodos positivos usados até então pelas ciências naturais e encarados como os únicos meios para se chegar ao conhecimento verdadeiro?

A psicanálise, portanto, construiu um caminho próprio para o seu aprofundamento, uma vez que o seu domínio não se restringiu, e nem poderia, à objetividade da metodologia experimental. O seu campo foi e continua sendo o das significações, isto é, o registro que nela se opera é aquele que se refere ao sentido. Neste sentido, afirma Herrmann (2015) "a interpretação psicanalítica mostra ao paciente um tipo especial de sentido, através de suas associações, das ideias que nos comunica: os remanescentes da sexualidade infantil, os processos de recalcamento e outros conteúdos semelhantes" (p. 10). Como mensurar tal realidade? Impossível! É aqui que buscaremos apoio na metodologia hermenêutica, mais precisamente na linha de pensamento de Paul Ricoeur, o qual propôs uma disjunção entre os domínios das significações e o dos fatos, estes últimos identificados com o discurso da objetividade, com o qual, a teoria analítica, forjada a partir da interpretação dos sentidos e das buscas dos significados inconscientes, jamais poderia se identificar.

Num primeiro momento, partindo da etimologia da palavra hermenêutica, tentaremos aprofundar, as características fundamentais de sua proposta metodológica, buscando captar, ao longo da sua história, os elementos que lhes são constitutivos. Para isso, revisaremos de forma muito abreviada alguns pensamentos de Friedrich Schleiermacher, de Wilhelm Diltheye de Georg Hans-Gadamer, que figuram entre os seus grandes pensadores, articulando-os com o pensamento de Paul Ricoeur, tanto em sua continuidade, como também e, mais ainda, como um dos seus principais críticos.

Seguiremos o nosso estudo com alguns esclarecimentos sobre a Teoria Psicanalítica e a sua proposta de entendimento do psiquismo humano. A singular contribuição de Freud para o conhecimento do homem, através de sua descoberta e aprofundamento do inconsciente, passa pela apresentação de um novo olhar científico, divergente daquele que era comum na sua época e também na nossa, mutilados, que estamos, pelo modo parcial de fazer ciência através dos métodos de experimentação das denominadas ciências "duras".

Finalmente, procuraremos identificar na metodologia hermenêutica, enquanto busca de interpretação e compreensão dos significados profundos dos "textos", aquilo que pode servir como contribuição para a construção de um método específico à Psicanálise, criando, desta forma, um espaço de diálogo entre estas duas áreas de conhecimento, que embora possuam campos determinados e específicos, que nunca poderão ser confundidos, podem, no entanto, colaborarem mutuamente para uma maior compreensão e aprofundamento da realidade humana.

 

A hermenêutica e seu método

A palavra "hermenêutica" (hermenèutik) tem a sua origem na língua grega, e significa o ato de "declarar", "anunciar", "interpretar", "esclarecer" e, por último, "traduzir" algo que se mantem numa condição velada. Significa, portanto, no contexto metodológico, de que estamos tratando, fazer com que alguma coisa se torne compreensível ou que seja levada a uma maior compreensão.

A hermenêutica é representada na mitologia grega pela figura de Hermes, filho de Zeus com Maia. É o deus responsável de comunicar e interpretar aos homens as mensagens dos deuses do Olimpo. Ele é o que sabe e, por isso, detém o poder de revelar as ciências secretas. Sua função o faz assumir um lugar de mediação, ponte entre deuses e homens. Portanto, o espaço privilegiado da interpretação. Hermes é ad utrumqueperitus, 'hábil nas funções' de conduzir seja para a luz ou para as trevas. É considerado aquele que vence e domina a obscuridade, porque sabe tudo e, por esse motivo, pode tudo.

Na narrativa grega de sua origem, já se pode verificar o aspecto fundamental de sua missão de intérprete da verdade, porém, não da verdade em sua totalidade. Quando interrogado por Zeus, seu pai, sobre o episódio do roubo que realizou de parte do rebanho de Apolo, ele negou que tenha sido o autor de tal crime. Uma vez pego em sua mentira, foi forçado pelo senhor dos deuses a se comprometer a dizer sempre a verdade. Hermes concordou, acrescentando, no entanto, que não estaria obrigado a dizê-la por inteiro. Os gregos lhe atribuíram a origem tanto da linguagem como da escrita (Brandão, 2009).

No seu aspecto histórico, a hermenêutica foi uma realidade encontrada já nos inícios da filosofia clássica, tendo em Platão (427 a.C.) um dos seus primeiros idealizadores. Segundo ele, o sentido das coisas não se encontrava nelas mesmas, mas na sua ideia. Na medida, pois, em que as coisas se encontravam mais próximas, ou seja, mais se assemelhavam com o seu protótipo no mundo das ideias, mais adquiriam sentido de ser. Daí, já podemos inferir que, para Platão, o sentido de algo estava fora de sua manifestação material (mundo das coisas). O material, o empírico não se explicava por si mesmo. No entanto, a teoria platônica impôs uma visão dicotômica do mundo, que se apresentava como realidade físico-material (que se vê e se toca) e como realidade metafísica (ideal). Com isso, portanto, Platão indicou também que o sentido que as coisas possuem estava fora do homem que as percebia.

No âmbito científico, o termo hermenêutica foi utilizado tanto pela teologia como pela filosofia, sempre, com a finalidade de descobrir o sentido original dos textos. Foi por meio dela que a ciência bíblica intencionou alcançar uma interpretação correta e objetiva da Bíblia (nos séculos XVII e XVIII). Nesse contexto, a hermenêutica indicou, então, a arte de se interpretar (ars interpretandi) corretamente os textos sacros ou canônicos seja da teologia (hermenêutica sacra), do direito (hermenêutica iuris) ou ainda da filologia (hermenêutica profana). Destacou-se, portanto, neste período devido à sua função auxiliar, uma vez que era sempre chamada quando, durante a interpretação de algum escrito, os estudiosos se encontravam diante de alguma passagem ambígua. Apresentava-se, então, como um conjunto de regras e normas que possibilitavam uma mais autêntica interpretação de textos.

Com Friedrich Schleiermacher (1768-1834), a hermenêutica deu um passo a mais na sua história (Grondin, 2012. Ainda que ele se encontrasse na tradição da arte de interpretar, sua proposta de pensamento fez com que a hermenêutica inaugurasse um novo momento teórico, isto é, ela assumiu uma dimensão mais universal, a qual foi melhor aprofundada por Wilhelm Dilthey (Grondin, 2012).

Scheleiermacher (Grondin, 2012) trabalhou a hermenêutica a partir de sua divisão: como interpretação gramatical, mais referida à uma determinada língua e à sua sintaxe como interpretação psicológica, que identifica, no discurso, a expressão de uma alma individual (do seu autor). Esta última - interpretação psicológica - representou a contribuição original de Schleiermacher (Grondin, 2012), ainda que, posteriormente tenha sido submetida à crítica de Gadamer (2014), o qual viu nesse elemento a possibilidade de se perder de vista a intensão de verdade da compreensão.

Elemento interessante no pensamento de Schleiermarcher (Grondin, 2012) é justamente o fato de não ter restringido a hermenêutica ao papel anterior de um instrumento utilizado de forma secundária e auxiliar diante da incompreensão de certas ambiguidades textuais, mas como um exercício que deve se fazer sempre presente em todo percurso (do início ao fim) da busca que intenciona compreender um determinado discurso. Ela se tornou uma condição sine qua non de todo entendimento, que objetivava a superação do seu contrário, encarado como um perigo potencialmente universal, sempre presente, isto é, o desentendimento. Seguindo esta linha de aprofundamento da teoria de Schleiermacher, Grondin (2012), afirmou que o mesmo é fruto do contexto em que ele vivia, qual seja, o idealismo alemão, o qual afirmava, por sua vez, que somente se pode entender algo, quando se é capaz de apreender a sua gênese. Sendo herdeiro da cultura romântica, na qual se encontrava imerso, Schleiermacher buscava um princípio de unidade contra todos os excessos do determinismo presente nos modelos das ciências naturais.

É por isso que a operação fundamental da hermenêutica ou do entendimento assumiu a forma de uma reconstrução. A fim de bem entender um discurso e de conter a deriva constante do desentendimento, temos que poder reconstruí-lo a partir de seus elementos, como se fóssemos seus autores.

Schleiermacher, segundo Grondin (2012), disse, pois, que "a tarefa da hermenêutica consiste em reproduzir o mais perfeitamente possível todo o processo da atividade de composição do escrito" (Grondin, 2012, p.29).

A hermenêutica atingiu com Schleiermacher uma universalização. Tudo é passível de ser submetido a um processo de entendimento; basta, para tanto, que revele em si alguma "estranheza". Neste sentido, de suma importância ao estudo que ora estamos realizando é a abrangência que ele atribuiu à interpretação e entendimento, próprios ao agir hermenêutico. Segundo esta compreensão, não somente os textos escritos devem ser submetidos ao processo interpretativo, mas este deve ser empregado a todos os fenômenos que objetivam ser entendidos em si mesmos. De acordo com Schleiermacher, citado por Gondrin:

A hermenêutica não deve estar simplesmente limitada às produções literárias; porque eu quase sempre me surpreendo no decorrer de uma conversa familiar fazendo operações hermenêuticas (...); a solução do problema, para o qual buscamos justamente uma teoria, não está de maneira alguma ligada ao fato de o discurso ser fixado para os olhos pela escrita, mas surgirá em todos os lugares onde venhamos a perceber pensamentos ou sucessões de pensamento por meio de palavras. (Grondin, 2012, p.30)

O aprofundamento de Dilthey (Grondin, 2012), enfatizou ainda mais a libetação da hermenêutica de formas engessadas e dogmáticas, transformando-a numa metodologia de significado universal, isto é, não é possível mais distinguir entre os textos que lhe forem submetidos, superando, assim, os rótulos de sagrado ou profano e apresentando-a, pois, como a arte da correta interpretação de todas as fontes escritas. Todos os escritos, então, deverão se submeter não mais somente a uma interpretação gramatical, mas também aos elementos da crítica histórica.

No final do século XIX e início do século XX, períodos marcados sobretudo pela pretensão do pensamento positivista de se impor como único meio de se chegar à verdade das coisas, Dilthey encontrou na hermenêutica, a fundamentação metodológica paras as ciências humanas que aspiravam um lugar respeitável no ambiente científico, o que somente se faria possível, se estas se apresentassem submetidas ao rigorismo de uma metodologia.

De arte interpretativa a hermenêutica passou a ocupar, dentro do espaço do conhecimento humano, o lugar de instrumento metodológico. Todavia, Dilthey (Grondin, 2012) fez com que ela transcendesse esta visão simplista de compreensão metodológica, alcançando o seu terceiro e mais importante momento que foi aquele de uma filosofia universal da interpretação. A ideia central deste seu novo locus foi que "o entendimento e a interpretação não são apenas métodos encontráveis nas ciências humanas, mas processos fundamentais que podemos encontrar no próprio núcleo da vida" (Grondin, 2012, p. 14). Sustenta-se aqui a compreensão de que hermenêutica não é, em primeiro lugar, uma tarefa controlada por procedimentos ou por regras, mas sim, justamente, uma condição do ser humano. Isto é, interpretar é próprio da estrutura humana, um de seus elementos constitutivos. O homem e a mulher compreendem interpretando e interpretam compreendendo. Deu-se, portanto, a passagem de uma hermenêutica utilizada apenas como método de interpretação de textos (religiosos ou profanos) para uma "hermenêutica da existência" possibilitadora do auto despertar de uma filosofia existencial.

Nesta linha de pensamento, é importante que nos detenhamos brevemente no conceito de entendimento, apontado por Dilthey (Grondin, 2012), no desenvolvimento de sua teoria sobre a hermenêutica. Para este autor, a hermenêutica, enquanto metodologia aplicada às ciências humanas foi, sobretudo, uma arte do entendimento. No ato de entender as manifestações externas de uma individualidade histórica, Dilthey (Grondin, 2012) identificou a diferenciação que acontece entre os campos da ciência humana e da ciência exata, esta última muito mais preocupada em explicar os fenômenos e de descobrir suas leis para poder prever, controlar, manipular e dominar o conhecimento obtido.

O entendimento, segundo Dilthey (Grondin, 2012), mais do que uma tentativa de explicação é a busca de sentido e de expressão originária da própria vida. Avançamos, portanto, no desenvolvimento histórico da teoria hermenêutica que, em certa maneira, encontrou um ponto de continuidade na teoria da existência de Heidegger (2006). Com este autor, aconteceu o que os estudiosos denominam de virada existencial da hermenêutica.

Heidegger (2006) partiu do elemento da facticidade do ser. A facticidade refere-se à "existência concreta e individual que inicialmente não é para nós um objeto, e sim uma aventura na qual somos projetados e para a qual podemos despertar de maneira expressa ou não" (Grondin, 2012, p. 38). É uma virada existencial, porque caberá à hermenêutica o cuidado para que o Dansei (ser aí) esteja atento a si mesmo, saia da alienação de si, que normalmente se abate sobre ele. Com isso, a hermenêutica para além de uma simples interpretação de texto, referir-se-á à tarefa de fazer com que o ser desperte para sua própria realidade, rompendo com tudo o que pode vir a aliená-lo de si mesmo.

A teoria heideggeriana terminou, pois, por elaborar uma forte crítica ao pensamento metafísico, identificando neste a causa do esquecimento do ser, isto é, segundo Heidegger (2006) com a metafísica ocidental aconteceu uma submissão à pretensão racionalista, na qual em tudo deve existir "uma razão", incluindo o ser, que se viu apagado em sua dimensão de mistério, em sua originalidade. Caberá à hermenêutica a missão de resgatar esta dimensão do ser enquanto numenou, um ser que se revela, mas que ao se revelar também se vela, por causa da sua inesgotabilidade. A hermenêutica foi o caminho que proporcionou o anunciar (pela linguagem) à existência o sentido do ser. Por isso, o pensamento heideggeriano concluiu indicando a linguagem como "morada do ser", antecipando, desta forma, os possíveis desenvolvimentos da teoria hermenêutica nos seus futuros pensadores.

Outro grande pensador da hermenêutica foi Hans-Georg Gadamer (2014). Na sua obra Verdade e Método (2014), ele, retomando elementos do pensamento de Dilthey (Grondin, 2012) e, ao mesmo tempo, indo ainda mais além, ofereceu uma base sólida às ciências humanas. Já no próprio título da obra se pode vislumbrar a intenção do autor, que se impôs, como questionamento fundamental, o problema da verdade não ser apenas uma questão de método. No esquema metodológico, para se chegar à verdade se faz necessário um distanciamento por parte do observador em relação ao objeto observado. Gadamer (2014) se perguntou se tal caminho é possível de ser seguido na área das ciências humanas, visto que, nelas, o estudioso sempre está pessoalmente comprometido. Entender a verdade não é algo neutro. Pelo contrário, segundo Gadamer (2014), o entendimento é sempre entendimento de si mesmo, pressupõe um engajamento daquele que está entendendo. Portanto, entende-se partindo-se de um determinado lugar. Identifica-se aqui a influência de Heidegger (elemento da facticidade e das antecipações constitutivas) no pensamento de Gadamer (2014).

De acordo com a teoria gadameriana não se pode supor, no processo de entendimento, a ausência da subjetividade. Aqui verificamos o distanciamento entre Gadamer e Dilthey. Este foi visto como alguém que, no afã de oferecer uma solidez às ciências humanas, acabou por se submeter à metodologia restritiva e pseudo-objetiva adotada pelas ciências exatas. Gadamer não foi contra o método como caminho para se chegar ao conhecimento, no entanto, não aceitou que o método fosse apresentado como a única forma de se conhecer a verdade. Ou seja, para ele não se podia negar que existissem outros meios de saber.

Em Verdade e Método, Gadamer (2014) partiu da experiência que se faz no campo da arte. Diante da obra de arte, temos um encontro com a verdade. Neste sentido, amplia-se a noção de verdade, que não pode jamais ser resumida, nem enjaulada nos rigores das leis da metodologia científica. Gadamer (2014) afirmou que "ao lado da experiência da filosofia, a experiência da arte é a mais clara advertência para que a consciência científica reconheça seus limites."

No entanto, faz-se necessário esclarecer que esta concepção da verdade, de que fala Gadamer (2014) não pode ser confundida com uma concepção pragmatista e utilitarista. Tomando o exemplo da arte, podemos afirmar com Grodin (2002), "não é a obra de arte que deve se dobrar a minha perspectiva, mas, ao contrário, minha perspectiva que deve se amplificar, ou até se metamorfosear, em presença da obra" (p.66). Isso significa dizer que a experiência da verdade é uma realidade dinâmica, pois alarga horizontes, rompe com certas estreitezas, as quais, muitas vezes, obstaculizam o autêntico conhecimento do objeto, por limitá-lo, forçando-o a permanecer preso nos parâmetros de uma pseudo-objetividade.

Desde o título da obra, Gadamer (2014) apontou para o objeto central de sua teoria hermenêutica, isto é, a verdade é interpretação e não reflexo, espelho do que se percebe na realidade. Gadamer (2014) rompeu com a antiga visão de verdade, como uma pura e simples adequação entre o pensamento e a realidade objetiva. Cada experiência de verdade não deve ser nunca pensada como uma atitude de modelar-se aos princípios do método objetivo e descritivo da ciência positivista, a qual afirma que o resultado de suas pesquisas é baseado numa pretensa neutralidade daqueles que investigam. Segundo Gadamer (2014), não existe uma suspensão da subjetividade do investigador. Por isso, não se pode prescindir da linha da interpretação hermenêutica que, identifica, em toda a busca da verdade, também do método positivista, uma realidade carregada de subjetividades, interesses, ideologias, histórias, etc.

Gadamer (2014), portanto, por meio do seu aprofundamento teórico da ciência hermenêutica conferiu às ciências humanas, ou ciências do espírito, uma certa liberdade frente àquela premissa que dizia que o conhecimento somente poderia acontecer partindo-se do método aplicado nas ciências exatas. A ciência humana, portanto, começou a reivindicar para si uma forma outra de cientificidade, diferente daquela defendida pela "objetividade e neutralidade" postulada pela ciência da natureza.

Deu-se, pois, uma transformação na maneira de ver a verdade, pois, como já mencionado anteriormente, esta não pôde mais ser tida como simplesmente adequação, representação do objeto externo de maneira objetiva e neutral, mas se apresentava agora como uma experiência verdadeira, que faz com que o sujeito cognoscente seja transformado, seja mudado em sua realidade interior. Gadamer (2014), neste sentido, enfatizou como fundamental o elemento do diálogo, pois será a partir dele, que se poderá chegar a um acordo sobre uma possível conclusão satisfatória acerca da verdade do objeto. Quando, então, nos colocamos diante do objeto externo, numa atitude de busca de conhecimento, trazemos conosco todo um patrimônio, constituído por experiências diversas, marcado por uma cultura específica, condicionado mesmo pela estrutura da linguagem que nos é própria.

Finalmente, passamos à visão hermenêutica de Ricoeur (1969; 1977), tido como um dos seus grandes teóricos. Ricoeur (Grondin, 2012) foi e ainda é considerado um dos filósofos mais influentes do século XX, o que se pode comprovar pela vastidão de sua obra. Ele se pôs no caminho percorrido por Gadamer e Habermas (Grondin, 2012), embora seu pensamento se apresente também como uma elaboração crítica da teoria hermenêutica destes.

Ricoeur (1969) fez uma distinção na teoria hermenêutica. Segundo o seu pensamento, ela se distingue em dois tipos, isto é, a hermenêutica da confiança e a hermenêutica da suspeita. Não se deve, no entanto, pensá-las de maneira cindida, mas em conjunto, ou seja, a hermenêutica da confiança "é aquela que se apropria do sentido tal qual ele se dá à consciência na expectativa de orientação" e a da suspeita é "aquela que se distancia da experiência imediata do sentido para reconduzi-la a uma economia mais secreta" (Grondin, 2012, p. 94).

A hermenêutica da confiança vai ao encontro do sentido tal qual este se revela ao entendimento, à consciência; e, assim, ela busca uma verdade mais profunda que se dá para além de sua expressão atual. Opondo-se a ela se coloca a hermenêutica da suspeita, a qual vem como que questionar este sentido revelado. Para esta o sentido que se oferece na experiência pode ser enganador, uma deformação, um erro e, portanto, deve ser visto com cuidado e dentro da possibilidade de reconstrução. Esta última linha de pensamento da hermenêutica se põe justamente num caminho não de explicação do fenômeno, como acontece, nas ciências da natureza, mas numa perspectiva de entendimento.

Ricoeur (1969), no entanto, não privilegiou nenhum dos extremos, seja da hermenêutica da confiança, seja daquela da suspeita. Para ele, as duas estratégias de interpretação deviam caminhar juntas, sem que uma se sobrepusesse à outra, mas, com iguais direitos na busca de alcançar a verdade. É preciso conservar um sentido aguçado tanto com relação às "objetivações", como também diante das "construções de sentido".

Nos seus escritos, Ricoeur (1969; 1997) revelou uma verdadeira paixão pelo ser humano, pela existência e, portanto, pelo desejo de conhecer a si mesmo. A finalidade principal do conjunto de sua obra foi a interpretação do homem contemporâneo. Para isso, mostrou-se disposto a ir às mais variadas fontes. Suas perguntas e questionamentos foram feitos sempre a partir desta preocupação do conhecimento e da apropriação da existência na primeira pessoa, ou seja, de um envolvimento de quem investiga e, também, da preocupação de se manter um respeito por aquilo que não pode ser dito, porque permanece como incognoscível, sem possibilidade de se conhecer. A esse respeito, vale a pena reproduzir aqui o que escreveu Fonseca, (2015), estudiosa da obra de Ricoeur, quando se referiu à sua teoria hermenêutica:

A hermenêutica de Ricoeur não consiste tanto na construção/captação do sentido dos símbolos, dos mitos e das metáforas, num primeiro momento, pelo seu excesso de sentido ou pelo seu potencial de sentido, ou seja, porque contêm sempre mais sentido do que aquele que exprimem verbal e literalmente e por isso mesmo necessitam de ser interpretados, e, posteriormente, sobre a narrativa, na qual salienta o seu carácter inventivo e criador, mas no esforço efectivo de compreensão de nós próprios e do mundo. É que a narração permite a compreensão de nós próprios numa dimensão temporal, isto é, histórica, mas, mais que isso, permite a compreensão de nós próprios na nossa historicidade. (Fonseca, 2015, p. 3)

A reflexão hermenêutica de Ricoeur (1969; 1997) é como que entrelaçada pela fenomenologia da existência. Ele mesmo disse que ela pode ser encarada como um seu "enxerto". Enxerto este que, embora acontecido tardiamente, proporciona ao método fenomenológico uma necessária e profunda renovação. A hermenêutica, neste sentido, tornou-se um adjetivo que representou uma qualificação à fenomenologia, enquanto elemento que a ajudou a retomar a estrada das objetivações como algo obrigatório para que se dê o conhecimento de si. Ricoeur (1969) insistiu, então, na questão do sentido presente no conhecimento de qualquer ente que seja, um sentido que num primeiro momento pode se manifestar dissimulado, escondido, empoeirado e que precisa ser conduzido à luz, o que acontece através da hermenêutica. Caberá, pois, ao método hermenêutico, compreendido como interpretação, a tarefa de desvendar, ainda que sem esgotar o que está presente no sentido da realidade que se quer conhecer. Afirmou, portanto, Ricoeur que

A interpretação, diremos, é o trabalho de pensamento que consiste em decifrar o sentido escondido no sentido aparente, em desdobrar os níveis de significação implicados na significação literal; mantenho assim a referência inicial à exegese, isto é, à interpretação dos sentidos escondidos. (Ricoeur, 1969, p. 14)

Foi, então, na busca de compreensão do sentido que Ricoeur (1969) desenvolveu as duas linhas de sua hermenêutica, ou seja, a da confiança, em que se acolhe o sentido proposto ao entendimento como tal e no qual percebe revelada uma verdade mais profunda que será amplificada e explorada pela hermenêutica e a outra, a hermenêutica da suspeita, que diante deste mesmo sentido põe em confronto uma atitude de desconfiança, evitando, assim, que se enfraqueça a interpretação, relegando-a, desta forma, à armadilha do método positivista das ciências da natureza.

O pensamento hermenêutico de Ricoeur (1969) intentou sempre uma conciliação entre estas duas categorias - confiança e suspeita - daí podermos entender a sua constante ligação e aprofundamento com as teorias daqueles que julgava serem mestres da suspeita e com os quais era preciso manter uma postura de diálogo (elemento fundamental em seus estudos), um diálogo respeitoso e proporcionador do crescimento do conhecimento e da aquisição da verdade, que nunca poderá ser encerrado numa determinada vertente.

Na busca contínua de melhor entender o homem, Ricoeur (1969) utilizou a ciência hermenêutica como uma forma de interpretação e de instrumento para desvendar-lhe o sentido. Sabendo, ele próprio, no entanto, que essa tentativa nunca poderia ter fim, nem se esgotaria, pois o conhecimento do ser humano se dá sempre de modo indireto "por meio daquilo que deixa impregnado em sua produção, não necessariamente de modo consciente" (Franco, 1995, p. 48). Seguindo esta linha de pensamento, Ricoeur (1969) enfatizou a necessidade de aprofundar o estudo do mito, do símbolo e, posteriormente, da linguagem, como mediações para se alcançar uma melhor compreensão do homem. Percebe-se já aqui o interesse de Ricoeur por Freud e pela psicanálise.

Através dos seus estudos sobre a linguagem, Ricoeur (1969), pouco a pouco, ampliou a noção de texto, que agora, não deverá mais ser visto como a simples escrita, mas como tudo aquilo que vela e revela algum sentido oculto, algum significado. A linguagem é o lugar, onde o ser humano mora e, por meio dela, se constrói e reconstrói o mundo no qual ele se encontra imerso. O interesse, portanto, de Ricoeur (1969) pela linguagem se deu porque ele a percebeu como o caminho que vela e revela a existência mesma do ser humano. Foi, portanto, por meio da linguagem que aconteceu o aprofundamento de sua ciência hermenêutica.

O método utilizado na teoria hermenêutica de Ricoeur (1969) foi o da relação dialética e dialógica. Ele esteve sempre buscando a mediação dos contrários e identificando possíveis pontes que possibilitassem o diálogo entre posições antagônicas. A linguagem foi a proporcionadora desta realidade dialógica. Ela expressa a riqueza que constitui a presença humana no mundo. Por meio dela acontece a atribuição de significado e, mais profundamente ainda, por meio dela nos lançamos nesta busca "interminável" de compreender o significado do significado.

Em Ricoeur (1977), a pergunta e o questionamento foram categorias sempre presentes e consideradas fundamentais para que o diálogo pudesse acontecer e se forjasse algo de novo. O sentido presente que se revela é acolhido, porém não como ponto de chegada e exaurimento da busca, mas como ocasião de retomada do caminho. Revela-se, então, como apoio de novas descobertas e aqui se encontra a suspeita. Há uma dimensão misteriosa na verdade que se apresenta à nossa frente. Poder-se-ia até mesmo dizer que cada verdade que se manifesta, não é, de fato a verdade, mas simplesmente uma nuance desta verdade sempre maior que não se deixa enjaular por nenhuma concepção, conceito, nomenclatura. Ela está sempre além, no depois, no amanhã, embora tenha se encarnado no que está diante de nós, ainda que não de maneira plena.

O conflito se apresentou, portanto, como um aspecto fundamental da hermenêutica de Ricoeur (1977). As interpretações nunca poderão ser encaradas como premissas fechadas sobre si mesmas, como verdades absolutas e inquestionáveis, mas, pelo contrário, como ocasiões de novas interpretações porque se referem a uma realidade de dimensões inesgotáveis que é o ser humano. Ele é prenhe de sentidos, que estão sempre nascendo e enriquecendo a humanidade. O conflito aqui é o que faz crescer, o que estimula sempre para frente e que, simultaneamente, vai de encontro à estagnação, à inércia que, por sua vez, representa o impedimento de novos futuros, de novas configurações nas mais diversas situações humanas, da poeticidade da vida. A dimensão do conflito, enfim, pressupõe a abertura a todas as possibilidades e potencialidades da vida humana, sem cair, no entanto, na ingenuidade dos relativismos, e, ao mesmo, sem se fechar em qualquer dogmatismo que se apresente como afirmação absoluta.

 

O método Psicanalítico

Hoje mais facilmente se aceita a importância da psicanálise em comparação com as resistências sofridas por ela no início do seu desenvolvimento, quando foi duramente criticada e combatida. Com mais frequência a psicanálise é considerada um instrumento indispensável de colaboração em uma variedade de áreas teóricas e práticas. Sem dúvida alguma, a descoberta do inconsciente tornou-se uma referência obrigatória para muitos que se empenham na busca de um entendimento mais profundo da psique humana.

Se quisermos saber o que é a psicanálise, devemos nos reportar à definição que nos foi dada pelo próprio Freud. Ele, assim a definiu:

Psicanálise é o nome de um procedimento para a investigação de processos mentais que são quase inacessíveis por qualquer outro modo, um método (baseado na investigação) para o tratamento de distúrbios neuróticos e uma coleção de informações psicológicas obtidas ao longo dessas linhas, e que gradualmente se acumula numa nova disciplina científica. (Freud, 1923/1996c, p.253)

Junta-se a esta definição de psicanálise o sentido que o próprio Freud atribuiu à arte da interpretação "à qual compete a tarefa, por assim dizer, de extrair do minério bruto das associações inintencionais o metal puro dos pensamentos recalcados" (Freud, 1904/1996a, p. 238). Praticamente toda a vida do indivíduo, por ele verbalizada, é objeto passível do método da interpretação (as ideias do paciente, seus sonhos, suas ações sem intenção, lapsos, equívocos...).

É importante destacar que à medida em que Freud (1923/1996c) aprofundou as suas descobertas acerca da dimensão inconsciente da vida psíquica do sujeito, sobre a qual este sujeito não possui domínio e nem controle imediato, ele foi também forjando uma forma através da qual pôde vir a ter acesso aos seus conteúdos. O que está em consonância ao que ele se propôs que foi justamente a acessibilidade ao material que estava no inconsciente, devido ao recalcamento.

A psicanálise, pois, revelou ao ser humano a sua condição de não ser "senhor de sua própria casa". Esta descoberta foi equiparada à descoberta realizada por Copérnico (passagem do geocentrismo ao heliocentrismo) e à teoria da evolução elaborada por Darwin, as quais, de certa maneira, representaram, para os estudiosos, divisores de água, promotores de uma mudança nos paradigmas até então tidos como únicos e corretos dentro dos esquemas científicos (Freud, 1917/1996b). Embora o termo inconsciente não seja uma descoberta exclusiva da teoria psicanalítica e já faça parte de alguns estudos anteriores aos de Freud (1923), foi com a psicanálise e com os aprofundamentos freudianos que se constituiu não só como conceito operativo, mas como sistema de nossa vida psíquica regido por processos primários que lhe são próprios (Freud, 1917/1996b). Jankélévitch (citado por Loureiro, 2002) escreve que "a concepção de inconsciente apareceu então [no início do século XIX] como uma reação contra o racionalismo do século precedente, contra seu abuso da lógica e das explicações fundadas no senso comum" (Loureiro, 2002, p. 40). Outras definições e visões de inconsciente podem ainda ser encontradas no período anterior ao aprofundamento realizado por Freud na psicanálise. Por exemplo, o inconsciente enquanto uma instância transcendente ao sujeito, ou como um lugar de conhecimento, de sabedoria e poder; ou ainda, uma visão de inconsciente como uma "consciência segunda" que, em dados momentos da vida do sujeito, poderia assumir o seu comando (Andrade, 2000; Loureiro, 2002).

Foi nesse contexto que se destacou a importância da interpretação no conjunto da psicanálise e da sua colaboração como método investigativo diante do material apresentado na clínica. Ainda que não se possa afirmar sua ligação direta com a metodologia hermenêutica, podemos, no entanto, identificar fortes elementos de semelhança, sobretudo no que se refere à busca de compreensão do que está sendo apresentado pelo paciente e, ao mesmo tempo, à busca de atribuição, ou melhor, de descoberta de sentido de tudo aquilo que é revelado no processo analítico. A esse respeito, escreveu Conte:

Interpretar, para Freud, então, é recorrer do consciente ao inconsciente os caminhos que resultam na produção do fenômeno. Deutung, deste modo, uma explicação, uma aclaração, que determina sua bedeutung, sua significação. A arte de interpretar é a técnica que consiste em comunicar ao paciente algum sentido sobre o que é produzido a partir do inconsciente. Interpretar não tem como objetivo um sentido único e final de compreensão, senão uma visão possível acerca de um objeto. (Conte, 2013, p. 3)

Verifica-se, então, de acordo com a citação acima, como o caminho psicanalítico se relaciona com o que é proposto na metodologia da hermenêutica: a busca de um possível sentido, que leve em consideração várias nuances próprias ao que se revela no objeto (a fala do paciente através de suas associações livres), bem como ao que se propõe interpretá-lo (ao conteúdo latente nas falas), uma vez que este não se neutraliza no processo da análise que se está por construir. A semelhança entre os campos se dá também quando a busca deste sentido não tem como finalidade exaurir a compreensão do objeto que se está elaborando, até porque existe um claro reconhecimento da não possibilidade de um tal alcance.

Na ciência hermenêutica, como na psicanálise, é constitutivo o elemento da ampla revisão, ou seja, é uma constante que está em contínua busca do novo. Sem dúvida, esta atitude é consequência da realidade mesma que perfaz o objeto de sua pesquisa, o humano. Ele não pode "ser dito", mas ele "se vai dizendo" (mesmo quando não verbalizado pela palavra) e, portanto, vai-se revelando sempre com aspectos diferentes, inauditos e surpreendentes. Não é, então, algo inesperado que a hermenêutica e a psicanálise, ciências do sentido, estejam permanentemente em atitude de revisão, de suspeita, de dúvida, uma vez que se debruçam sobre algo inacabado por constituição. O ser humano é um ser faltoso e, como tal, não dito de modo cabal, mas dito existencialmente como dito-dizendo, dito-fazendo, dito-revelando e, sobretudo, dito-velando-se.

Quando faz uso de elementos do método hermenêutico, a pesquisa psicanalítica revela que existe outra forma de se construir conhecimento que não somente aquela indicada pela metodologia positivista, utilizada pelas ciências exatas. Ainda que, em seus inícios, Freud tenha tentado enquadrar sua teoria nos liames da exatidão, da prova, da experiência, da comprovação segundo o modelo do paradigma positivista do seu tempo. Outra coisa que a psicanálise explicita, quando utiliza esquemas da hermenêutica é que não se pode falar univocamente de algo que em sua natureza mesma é polissêmico. A variedade de sentidos presente no tecido humano é parte de sua riqueza sem a qual ele não pode ser o humano que é; ser complexo, multímodo-multifacetado, ser obscuro, porque não findo.

No entanto, faz-se necessária que se esclareça, que os possíveis elementos a serem utilizados serão daquela visão hermenêutica que se aproxima muito mais da via da suspeita do que da outra que se põe na linha da confiança do sentido revelado pelo objeto. Ainda que, na pesquisa em psicanálise estaremos continuamente, como Ricoeur (1977), navegando entre as duas sendas da confiança e da desconfiança, ou seja, nos debruçamos sobre o que é dito, perguntando-nos a propósito do significado do que é dito e considerando todos os elementos que fazem parte deste dito.

Não poderia ser diferente, quando estudamos textos de um autor como Freud, cujo pensamento encontra-se em constante evolução e revisão. Ao ler o conjunto de sua obra, constatamos que ele esteve sempre abandonando uma ideia na qual se fiava, por outra que acabava de lhe surgir. Porém, logo depois, retornava àquela primeira, ainda que esta chegasse mesmo a parecer um tanto paradoxal. É um pensamento em espiral: alcança-se um novo nível, depois, retorna-se a outro, um pouco inferior, para lançar-se, de novo, um tanto mais acima. De acordo com Quinodoz,

A leitura do texto original nos faz perceber também a que ponto a obra de Freud estimula nossas próprias reflexões e evoca outras e constitui verdadeiramente uma obra "aberta" no sentido de eco... Freud escreve como um explorador que descobre paisagens desconhecidas, anota suas impressões de passagem, faz um esboço em seu caderno e, às vezes, se detém por mais tempo para armar seu cavalete e fixar a paisagem em uma obra-prima. (Quinodoz, 2007, p.11)

A impressão de que a psicanálise é uma ciência em crescendo é algo peculiar a todos os que estudam com seriedade a obra freudiana. O próprio Freud deixou entrever em muitos momentos que não pensou, falou ou escreveu de forma cabal. Pelo contrário, afirmou ele, em uma entrevista, que "a psicanálise, pelo menos, jamais fecha a porta a uma nova verdade" e, mais adiante, ao mesmo jornalista: "Eu sou apenas um iniciador. Consegui desencavar monumentos soterrados nos substratos da mente. Mas ali onde eu descobri alguns templos, outros poderão descobrir continentes" (Entrevista concedida ao jornalista americano George Sylvester Viereck, em 1926/2010). Há, pois, uma clara indicação de que não nos podemos fechar, enquanto pesquisadores da Psicanálise, em verdades pré-estabelecidas, ainda que tenham sido herdadas do seu próprio fundador.

A história da psicanálise, portanto, é a trama de uma ciência em desenvolvimento progressivo e em espiral, como mencionado anteriormente, porque está sempre refazendo conceitos, definições e se reinterpretando. Com certeza, um dos elementos que propiciou esta realidade dinâmica foi o fato de Freud ter assumido a clínica como fonte de sua teoria, por isso, denominada de Teoria Clínica. Ele foi consciente de que ela jamais poderia permanecer fechada em si mesma, pois cada indivíduo é singular em sua história, nas revelações de seus conflitos pessoais, em sua subjetividade, aspectos estes que se integram à experiência do analista, sujeito com singularidade também específica, particular e às tramas construídas a partir dessas histórias no setting.

Neste contexto, é que acreditamos que a metodologia hermenêutica sobressai como um instrumento de grande contribuição para a psicanálise como ciência que busca uma compreensão sempre maior de seu objeto de trabalho que é a subjetividade humana em relação, em construção e em contínua mudança.

A teoria psicanalítica, rompendo com o paradigma positivista e pseudo-objetivante das ciências exatas, tende a construir um caminho (= método) que lhe é próprio, uma metodologia que se constitui de acordo com a sua intenção de compreender sem pretensão de exaurimento do conhecimento do humano. Ela intenta, pois, uma compreensão, enquanto sentido do "sem sentido" e, para tanto, se coloca diante do sujeito que lhe está adiante desarmada e, ao mesmo tempo, "contaminado" de histórias, de leituras, de significações, de influências culturais as quais, ainda que não possam determinar, não poderão jamais ser postas de lado, como se nenhuns valores possuíssem. Eis, pois, aqui também, aquilo que Ricoeur (1977) tão bem expressava como o encontro entre os dois tipos de hermenêuticas, isto é, a da confiança do sentido objetivo que se está dando e a da suspeita, da desconfiança, que impede todo e qualquer engessamento em verdades "já dadas", pré-determinadas.

Na busca de entendimento (atribuição de significado) da história do sujeito, a interpretação ocupa um lugar de relevada e, por que não dizer mesmo, de imprescindível importância. Por meio dela, o analista e o analisando tecerão caminhos novos, ressignificando as falas, os acontecimentos, as fantasias de um e de outro e, simultaneamente, serão desconstruídas algumas verdades, tidas até então como absolutas, porque verdadeiramente condicionantes da vida e proporcionadoras de intensos sofrimentos psíquicos.

 

A contribuição da hermenêutica para a pesquisa em psicanálise

Quando nos propomos utilizar na pesquisa psicanalítica elementos da metodologia hermenêutica, não foi senão por encontrarmos neste caminho uma alternativa aos métodos quantitativos, ainda hoje tão preponderantes nos meios científicos, contudo, profundamente estéreis no que se refere aos estudos em psicanálise, que finalizam um olhar despretensioso e, paradoxalmente, esperançoso (dentro da perspectiva do cuidado) acerca da condição subjetiva humana em construção.

A pesquisa psicanalítica, quando especificamente teórica tem a mesma perspectiva de entendimento e compreensão objetivados na clínica psicanalítica: encontrar sentidos, significados em atitude de confiança e de suspeita. Confiança, enquanto confirmação da lógica do pensar de Freud, porém, também de suspeita, porque acreditamos nos sentidos a serem descobertos, aprofundados e mesmo confrontados, uma vez que nos encontramos frente a uma ciência que está sempre crescendo. A Psicanálise é também a forjadura do "estranho", portanto, nela (nos textos de Freud) muito ainda se tem por ser construído. Ao integrar elementos do método hermenêutico, intentamos o alargamento da compreensão da teoria psicanalítica freudiana, partindo de conceitos construídos pelo próprio Freud, o que possibilita uma releitura de algumas de suas afirmações. A respeito dessa opção de interface da psicanálise com a hermenêutica, é bastante interessante o que afirmou Cavalcanti:

A questão da possibilidade dessa compreensão mais geral nos remete ao que se pode chamar de "círculo hermenêutico", que se inicia no momento em que o pesquisador ou intérprete começa com "a antecipação projetante do sentido e prossegue com a articulação dialógico-dialética de sujeito e objeto". Isto é, a finalidade de um texto pode deixar de ser o reconhecimento objetivo do sentido buscado pelo autor... Vista no sentido heideggeriano, ela suscita um processo de abertura, com possibilidade de sofrer impacto no encontro com o diferente, potencializando marcas deixadas pela sua passagem. (Cavalcanti, 2002, p. 1)

Chama a atenção o aspecto de uma "compreensão mais geral" que se começa a formar a partir da inserção do pesquisador, que, como verdadeiro intérprete, ou melhor ainda, como um mediador, numa relação dialógica consegue descobrir e até conceber novas vias, novos elementos na obra do autor estudado. É, de fato, um caminho novo que se desbrava para além daquele já presente na intenção do autor ao escrever o seu texto, mas que se encontra como gérmen no intérprete-pesquisador e, também, na situação que se cria por ocasião da pesquisa (podemos falar aqui de um "terceiro").

Schleiermacher, segundo Grondin (2012), provocou uma universalização do texto (aqui entendido como o objeto de pesquisa), quando identificou nele a presença de algo como que "estranho". Escreveu, então, Grondin que "o discurso de outros, mesmo que seja meu contemporâneo, encerra sempre um momento de estranheza. A primeira condição da hermenêutica é, efetivamente, que algo de estranho deve ser entendido" (Grondin, 2012, p. 30). É a dialética da proximidade e da distância. Estão em jogo na mencionada metodologia em conflito dinâmico e, portanto, enriquecedor o sentido propriamente dito do que está sendo aprofundado na pesquisa e que pode ser constituído pela intenção do autor e o sentido a ser construído pela própria realidade da pesquisa que se constitui de vários elementos, entre os quais podemos destacar o conhecimento prévio do pesquisador (sua facticidade, tradição, intenções), o contexto atual em que acontece o referido estudo e as demandas que recaem sobre ele, as expectativas que se tem em relação ao tema estudado.

Veja-se, então, que são muitos os aspectos que devem ser levados em conta no espaço que busca integrar elementos da psicanálise e da hermenêutica. No entanto, apesar da amplitude e universalidade a que esta visão pode nos levar, não estamos interessados senão naquele aspecto que nos ajudará na questão da aplicabilidade de elementos da metodologia hermenêutica no processo da pesquisa e da interpretação em psicanálise.

O pensar hermenêutico, pois, nos interessa enquanto nos proporciona a atitude de conduzir a obra - em nosso caso, o texto freudiano - à sua meta, isto é, àquele momento no qual ele pode ser compreendido em "todo" o seu significado, tanto no que se refere ao intencionado por Freud, como nas diferenças que, embora já presentes, tornar-se-ão latentes por ocasião do ato de rebuscar do "pensador-pesquisador". A hermenêutica, pois, será o instrumento que propiciará à Psicanálise a "fabricação do estranho", com uma maior facilidade e agilidade.

Dentro da perspectiva de uma metodologia hermenêutica, seja ela de qual base teórica for, sempre vamos encontrar a categoria da interpretação como locus privilegiado para a efetivação do processo de criatividade com responsabilidade (vale ressaltar), enquanto, momento de descoberta de sentidos e atribuição de novos significados, estes baseados nas necessidades e vivências do pesquisador em questão, como também nas demandas despertadas pelo objeto estudado no contexto em que acontece a pesquisa. Reportamo-nos, neste momento de nossa reflexão, ao que Gadamer (2014) denomina de "fusão de horizontes", isto é, o autêntico diálogo travado entre o intérprete e a obra, a que se propõe interpretar. Há um sentido na obra, segundo ele, que será apreendido mediante a realidade do mundo do intérprete. Caberia aqui um aprofundamento do elemento da linguagem, o que não nos será possível pelo pouco espaço que possuímos e também por não se constituir o nosso objetivo fundamental. Porém, vale ressaltar que, segundo Gadamer (2014) e outros pensadores da hermenêutica, a língua se constitui em instância imprescindível para que aconteça esta relação dialógica, este encontro de ideias diferentes que se respeitam como interlocutores legítimos e que se escutam reciprocamente, permitindo-se tocar e, consequentemente, serem transformados.

 

Considerações Finais

Finalmente, o que dizer ainda sobre esta busca de integração entre estes dois campos metodológicos reveladores, ao mesmo tempo de profundas semelhanças e também de grandes diferenças, dadas as suas especificidades? Esclareçamos, mais uma vez que não é intenção deste artigo destruir as fronteiras, legítimas, que existem e persistem, apesar das proximidades entre os dois campos de saberes. Pelo contrário, realçamos a mútua ajuda que uma e outra podem se conceder reciprocamente quando, rompendo pré-conceitos e divisões mesquinhas, e, mantendo suas identidades, se embrenham na identificação dos significados presentes nos seus objetos de estudo, e, simultaneamente, nas descobertas de possíveis e novos sentidos que poderão vir a se configurar como fruto e resultado de seus estudos feitos com seriedade e responsabilidade.

A teoria psicanalítica e, portanto, a pesquisa em psicanálise não nutre a falsa pretensão de abarcar o todo do objeto de seu estudo. Assim como a técnica psicanalítica se constrói no espaço da "falta" que se deixa entrever na fala do sujeito em análise, a teoria que brota deste lugar não poderia ser diferente, ela se forja a partir da "hiância", isto é, do espaço vazio, da ausência da palavra objetiva, da lacuna "constitutiva" do humano. É este lugar que favorece a interpretação hermenêutica, portanto, a identificação de sentidos e a forjadura de novos endereçamentos existenciais. O espaço criativo no qual a interpretação se instala é o que permite que aconteça a "fabricação do estranho" (Figueiredo, 1994).

Esta expressão utilizada por Figueiredo (1994), em um seu artigo sobre o método em psicanálise (notas sobre a hermenêutica negativa), quer indicar justamente este momento que surge do encontro do intérprete com o texto. É um "terceiro" que se apresenta entre os sentidos já dados, objetivos e a estranheza causada pelo texto no hermeneuta-interpretador. É no momento de desfamiliarização que brota, simultaneamente e, até podemos afirmar, paradoxalmente a possibilidade de criação. Figueiredo (1994) aponta, portanto, a semelhança da metodologia hermenêutica com a psicanálise, na linha do que ele denomina de hermenêutica da criação de sentidos e não simplesmente de uma reprodução do que já está no texto de maneira objetiva. Os hermeneutas-intérpretes, segundo o mesmo autor, se apresentam como aqueles que "são primordialmente os emissários que transmitem (ou transportam) uma mensagem para os que ainda não puderam ter acesso a ela, deixando a estes a tarefa de dar prosseguimento à atividade decifrativa" (Figueiredo, 1994, p. 17). Destaca-se, pois, nesta perspectiva hermenêutica o papel do texto em si, mas também, e, diga-se de igual importância, o elemento do hermeneuta e daqueles que, por meio dele - mensageiro, portador - terão acesso ao conteúdo da mensagem. Configura-se, portanto, como um profundo e intenso processo de produção criativa, decorrente do encontro entre várias subjetividades.

Figueiredo (1994) apresenta, seguindo esta linha de pensamento, dois tipos de leituras: aquelas chamadas de sistemáticas e próximas e as outras ditas próximas e desconstrutivas. Interessa-nos aqui, o que ele afirmou sobre a leitura desconstrutiva:

Parte de uma posição até então subdimensionado na tradição hermenêutica, a saber, de que o texto seja outro para si mesmo. Seu fundamento é a afirmação da precedência e prevalência da marca diferencial sobre a essência. Entende a diferença como fator constituinte dos sentidos; a identidade se constituindo sobre esse campo descentrado, ambíguo e móvel. (Figueiredo, 1999, p. 4)

Segundo Figueiredo (1994), o texto possui sentidos marginais que vem à tona no momento em que ocorre esta desconstrução, o que possibilita a revelação de outros sentidos e favorece à criação de tantos outros, consequências das articulações intra e intertextuais que surgem a partir das tensões destes desdobramentos desconstrutivos. Junta-se a esta perspectiva a contribuição de Laplanche e Pontalis (1998) sobre a metodologia em psicanálise. Laplanche e Pontalis (1998) indicam como elemento fundamental o aspecto do fazer o texto trabalhar a partir da absurdidade de seus detalhes, dos esquecimentos nele inerentes e, finalmente, dos seus deslocamentos. Com isso, se deseja percorrer a obra em todos os seus sentidos, o que somente se torna possível na medida em que dele - do texto - nada se deve omitir ou privilegiar aprioristicamente. O "novo" poderá surgir diante de possíveis problemáticas que emergirão como fruto desta atitude metodológica.

Faz-se necessário, pois, insistir uma vez ainda mais, que a metodologia em psicanálise se aproxima daquela adotada na hermenêutica contemporânea, sobretudo devido a este elemento da possibilidade de não objetividade, isto é, o conhecimento e a compreensão do objeto que nos propomos estudar é realizado dentro de um processo que considera a impossibilidade de uma neutralidade fria e estéril e, portanto, que favorece uma desconstrução.

Também é preciso enfatizar que, nesta perspectiva, aquele que pesquisa, carrega consigo uma singularidade, uma memória cultural, uma formação, uma história que, sem sombra de dúvida o condiciona desde o momento de sua escolha pelo objeto que estuda, até mesmo nas possíveis construções que fará sobre este mesmo objeto. Mas, atenção! Esta condição não o enfraquece em sua pesquisa ou, como frequentemente se escuta, o "contamina" (= sinônimo de falta de seriedade objetiva) nas suas descobertas. Pelo contrário, podemos afirmar que toda esta realidade existencial do pesquisador enriquece e acrescenta à pesquisa a possibilidade de percepção de aspectos diversos, de acordo com o ponto de vista adotado e com as condições que são específicas de cada estudioso. Aquilo, portanto, que o pesquisador possui no "antes" da pesquisa (sua tradição) lhe possibilita dialogar com os seus achados e, partindo desse diálogo ou encontro intersubjetivo (para utilizar os termos gadameriano e ricoeuriano), ser-lhe-á possível no confronto das diferenças percebidas e respeitada - cada qual é cada qual - construir novas diferenças em nível de experiência e também de teoria científica.

Finalmente, hermenêutica e psicanálise, na verdade, se apresentam como uma outra visão de mundo. De certa forma, podemos afirmar que são constitutivas de um paradigma diferente no espaço científico pelo fato de proporcionarem uma nova atitude frente à sociedade e ao humano. Atitude de abertura, propiciadora e provocadora de um ambiente criativo, que não impede, pelo contrário, impele à forjadura de rumos dantes não percebidos, mas que agora se impõem como legítimos e, até mesmo, necessários de serem apreciados e trilhados, porque possibilitam uma mais ampla e completa, ainda que não absoluta, compreensão do ser humano em sua manifestação atual. Com isso, não se tem a intenção de negar a dimensão objetiva dos sentidos queridos pelo autor ao escrever, ou ainda, do sentido presente na fala do sujeito (escrita e fala aqui são vistos como sinônimos de textos), porém, ressaltamos que a admissão destes"ditos" sentidos não significa ser indiferentes aos tantos outros significados despertados na situação de análise e de pesquisa.

 

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Endereço para correspondência:
Josenildo José da Silva
Email: josenildo71@hotmail.com

Zeferino de Jesus Barbosa Rocha
Email: zeferinorocha@uol.com.br

Recebido em: 07/01/2016
Revisado em: 19/01/2017
Aceito em: 12/03/2017

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