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Reverso

Print version ISSN 0102-7395

Reverso vol.43 no.82 Belo Horizonte July/Dec. 2021

 

DISCURSOS

 

Discurso do término da gestão 2017-2021: bordejar, bordando, andando...

 

 

Guiomar Antonieta Lage

 

 

Boa noite, a todas e a todos!

O que escrever? O que dizer? O que falar? Quando depois de uma gestão de 3 anos e 6 meses à frente do CPMG, junto com a Diretoria Executiva. E nesse aposteriori vários momentos vêm à mente. Vários pensamentos.

Gostaria de dizer que nada seria possível sem o trabalho conjunto com a Diretoria Executiva.

Quero agradecer:

À nossa querida vice-presidente Eliana Rodrigues Pereira Mendes, nos assessorando sempre com o seu saber, seu carisma e sua experiência;

À diretora da secretaria Maria Auxiliadora Toledo Garcia Freire, com sua escuta afiada e suas anotações precisas de nossas reuniões;

À diretora científica Maria de Lourdes Elias Pinheiro com o seu grande percurso na psicanálise, sua experiência;

À nossa diretora de comunicação e divulgação Scheherazade Paes de Abreu, que chegou com inúmeras novidades técnicas e ideias novas, sempre nos atualizando;

À Délia Rodrigues Frazão, que foi incansável no seu trabalho frente à diretoria administrativa e agora Otacílio José Ribeiro, nestes últimos 6 meses, com um ótimo trabalho;

À competente comissão da Reverso, na pessoa de sua coordenadora, Maria Mazzarello Cotta Ribeiro;

À comissão da jornada, através de sua coordenadora Vanessa Campos Santoro;

À Marisa de Lima Rodrigues, que esteve à frente da clínica de psicanálise;

À Maria Helena Libório Barbosa Mello, no seminário livre;

À Yvonne Louise Coulaud Muzzi e as suas realizações na biblioteca, cheias de afeto que nos alegraram muito, ressignificando o melhor em cada um de nós;

Ao colegiado dos coordenadores de seminários, nas pessoas de Maria Carolina Bellico, Maria Pompéia Gomes Pires e Eliana Monteiro de Moura Vergara;

À comissão da linha de conversação, criação da pandemia, constituída por Juliana Caldeira Borges, Maria Carolina Bellico, Maria Mazzarello e Paulo Ceccarelli, que fizeram um ótimo trabalho!

À nossa competente secretária Adriana Bastos, que nos assessora e realiza um excelente trabalho;

À nossa bibliotecária Marta Almeida, que cuida tão bem da nossa querida biblioteca;

Aos candidatos em formação, um dos motivos da existência da nossa instituição no seu trabalho de transmissão da psicanálise;

Enfim, a todos vocês sócios, que nos elegeram e confiaram no nosso trabalho. A gestão 2017-2021 se concretizou e agora finda, com os seus acertos e desacertos.

A todos os nossos profundos agradecimentos.

There is a crack, a crack in everything.
That's how the lights gets in.

Há uma rachadura em tudo.
É assim que a luz entra.

Versos da canção Anthem,
do músico, cantor e poeta canadense Leonard Cohen

Ando atravessada, ando atrás, ando versada, ando em despedidas, ando, quem sabe, em pedidos?

Ando fechando portas e abrindo outras... Ando viva, apesar da vida!!!

Nestes tempos, precisamente no início da pandemia, quando a angústia se instalou e o tempo do não sair de casa aumentou o tempo, quis pôr em dia, tarefas que me esperavam, há um longo tempo!

Devo esclarecer, sou de uma família de trabalhadores manuais, de costureiras, cerzideiras, bordadeiras, doceiras, crocheteiras... Fui para outros campos...

Gosto muito de toalhas de mesa, toalhas bordadas, toalhas brancas com bico de crochê ou com rendas e tinha separado uma que gosto muito. Foi minha irmã que fez, fazendo conjunto com os panos da despensa. É uma toalha pequena, toalha da mesa da cozinha, branca de adamascado de algodão, com bico de crochê e ela encontra-se bem usada.

Não sei o queria fazer com a toalha, com o bico... Remendá-los? Recuperá-los? Queria bicar, dizer o quê? E isso ficou imperativo, num movimento pulsional, mesmo que dentro de mim eu dizia a mim mesma: por que não um tecido novo? O tempo é tão precioso, para investir em uma toalha tão desgastada. Mas não parei, precisava bordejar a toalha, repará-la, refazer o bico, novas linhas...

E desse bico linear, com seus pontos e laçadas contadas, pois, para fazer crochê e dar certo,

há que contar os pontos;

há que medir a linha;

há que apertar os pontos,

há que folgar os pontos.

Receitas, matemáticas...

Mas insisto nessa empreitada. Esse trabalho virou uma companhia, reencontro com as mulheres da minha infância, da minha vida, cosendo tecidos, histórias, comidas, afetos... Pensaram que parei por aí? Não. Encontrei alguns pequenos furos, buracos nesse tecido já tão vivido... E tentei cerzir. Não ficou bom ... E a toalha continuava sem graça, sem luz...

Fui nos meus guardados, heranças da minha mãe, da minha avó e nada....Mas

encontrei um resto da renda com flores, que tinha aplicado no meu vestido para o casamento da minha filha. É um pedaço lindo de renda de seda, cara de afeto e de custo. Recortei as flores da renda e fui aplicando sobre os puídos, as frestas, os buracos, bordejando os buracos... bordando sobre... colocando flores, vida nova, nesse tecido já tão esgarçado... Fui fazendo sem planejar. Fui cobrindo de rendas, de outra linguagem... E qual a surpresa? A toalha virou outra, remoçou, espelhou-se. Está com outra cara, florida. Está linda, com roupa de domingo!!!

Bordejar, bordando, andando.

E nesse refazer, nesse repetir, nessa insistência, novos caminhos vão surgindo na toalha, nesse bico, nesse bicar de refazer novas possibilidades, agora não mais com a agulha de crochê, agora com a agulha puxando a linha e a linha puxando a agulha. Artesanias.

E descubro que posso fazer o ponto que quiser:

O ponto que der,

O ponto possível;

O ponto cheio;

O ponto vazio;

O ponto paris;

O ponto de nós;

O ponto final.

E posso até alinhavar...

Há rachaduras, fissuras. E a luz entra. Deixo-a entrar, me aquecendo nesse momento tão singular e difícil, como "quentar" fogo à beira do fogão de lenha, num dia de chuva ou frio, junto com as pessoas queridas e comidas afetivas.

Que possamos ter e ser toalhas, que cobrem, recobrem, desnudem, fazem véu, protegem e possibilitem encontros-rachaduras, que produzem afetos, luz para tempos sombrios.

E que o CPMG e a psicanálise possam ser luz, transmissão e invenção de novas toalhas, de novas linguagens, apesar de e com as rachaduras!!!

Desejo à Diretoria 2021-2023 um trabalho profícuo, apostando na e com a psicanálise.

There is a crack, a crack in everything.
That's how the lights get in.

Há uma rachadura em tudo.
É assim que a luz entra.

É assim que a vida insiste!

Obrigada!!!

 

Guiomar Antonieta Lage
Abril de 2021

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