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Psicologia Clínica

Print version ISSN 0103-5665On-line version ISSN 1980-5438

Psicol. clin. vol.28 no.3 Rio de Janeiro  2016

 

SEÇÃO TEMÁTICA

 

Estratégias de terapias de exposição à realidade virtual: uma revisão discutida sob a ótica analítico-comportamental

 

Virtual reality exposure therapy strategies: a review discussed under the behavior-analytic perspective

 

Estrategias de terapias de exposición a la realidad virtual: una revisión discuto en la perspectiva analítico conductual

 

 

Verônica Bender HayduI; Joseani KochhannII; Elizeu BorlotiIII

IUniversidade Estadual de Londrina (UEL) – Londrina, PR, Brasil
IIUniversidade Estadual de Londrina (UEL) – Londrina, PR, Brasil
IIIUniversidade Federal do Espírito Santo (UFES) – Vitória, ES, Brasil

 

 


RESUMO

A tecnologia de realidade virtual parece trazer vantagens para as intervenções psicoterapêuticas de transtornos de ansiedade como as fobias. Este artigo revisou a bibliografia sobre terapia de exposição à realidade virtual (VRET) de cinco tipos de fobias (agorafobia, aracnofobia, claustrofobia, catsaridafobia, amoxobofia), descreveu os procedimentos terapêuticos e comparou-os com procedimentos usados em psicoterapia analítico-comportamental. Foi realizada uma busca com os descritores therapy, virtual reality, phobia, pelo operador booleano AND, no período de 2006 a 2015. Os estudos que relataram os procedimentos terapêuticos das cinco fobias especificadas foram oito de agorafobia, 10 de aracnofobia, um de claustrofobia, dois de catsaridafobia e dois de amoxofobia. Os procedimentos de tratamento consistiram de sessões de pré-tratamento, exposição à realidade virtual e acompanhamento. A maioria deles (22 dos 23 estudos) relatou um número fixo de sessões de terapia, e em 18 deles a hierarquia de exposição era pré-programada. Os resultados indicam que a VRET e a psicoterapia analítico-comportamental apresentam semelhança na estrutura básica e diferenças na fixação ou não de hierarquias de exposição e na realização ou não de análises funcionais dos comportamentos.

Palavras-chave: realidade virtual; terapia; fobia, VRET; análise do comportamento.


ABSTRACT

The virtual reality technology seems to bring advantages to the psychotherapeutic interventions of anxiety disorders like phobias. This paper reviews the literature about virtual reality exposure therapy (VRET) of five forms of phobias (agoraphobia, arachnophobia, claustrophobia, katsaridaphobia, fear of driving), describes the therapeutic procedures, and compared them with procedures used in behavioral-analytic psychotherapy. A search using the keywords therapy, virtual reality, phobia, was performed using the Boolean operator AND, from 2006 to 2015. The studies that reported the therapeutic procedure of the five phobias specified were eight of agoraphobia, 10 of acrophobia, one of claustrophobia, two of katsaridaphobia, and two of fear of driving. The treatment procedures consisted of preprogramed pretreatment sessions, virtual reality exposure, and follow-up. Most of them (22 of 23 studies) reported a fixed number of therapeutic sessions, and in 18 of them, the exposure hierarchy was preprogrammed. The results show that VRET and analytical-behavioral therapy have similarity in basic structure and differences in fixing or not exposure hierarchies and conducting or not functional analysis of the behaviors.

Keywords: virtual reality; therapy; phobia; VRET; behavior analysis.


RESUMEN

La tecnología de realidad virtual parece traer ventajas significativas a las intervenciones psicoterapéuticas de los trastornos de ansiedad como las fobias. Este artículo revisa la literatura sobre la terapia de exposición de realidad virtual (VRET) de cinco tipos de fobias (agorafobia, aracnofobia, claustrofobia, entomofobia y fobia de conducir) para describir el procedimiento terapéutico adoptado, y compararlos con los procedimientos usados en la psicoterapia analítica-conductual. Se realizó una búsqueda usando las palabras-clave therapy, virtual reality, phobia, con el operador booleano AND, desde 2006 hasta 2015. Los estudios que informaron el procedimiento terapéutico de las cinco fobias especificadas eran ocho de la agorafobia, 10 de la acrofobia, uno de la claustrofobia, dos de la entomofobia, y dos de lo miedo a conducir. Los procedimientos de tratamiento consistieron en sesiones de pre-tratamiento pre-programados, la exposición a la realidad virtual, y el seguimiento. La mayoría de ellos (22 de 23 estudios) informaron un número fijo de sesiones terapéuticas y en 18 de ellos, la jerarquía de la exposición fue pre-programado. Los resultados indican que la VRET y la terapia analítica-conductual tienen semejanza en la estructura básica y diferencias en la fijación o no de jerarquías de exposición y de la realización o no de análisis funcionales los comportamientos.

Palabras clave: realidad virtual; terapia; fobia; VRET; análisis de conducta.


 

 

A ansiedade está cada vez mais presente na vida das pessoas conforme divulgado na mídia em geral. É comum notícias de pessoas que deixam de cumprir tarefas devido a fobias: que se dizem incapazes de realizar exames de concursos ou entrevistas para vagas de emprego, que não dirigem por conta do alto nível de ansiedade gerado pelo trânsito, entre outras dificuldades (Varella & Ceribelli, 2010). As dificuldades não se limitam ao contexto do trabalho, mas também aos da vida social, acadêmica e familiar, nos quais se pode observar que a ansiedade costuma ser um aspecto bastante negativo da interação dessas pessoas com seu meio. As respostas de fuga (que eliminam ou diminuem a intensidade de estímulos incondicionais) e de esquiva (que eliminam ou diminuem a intensidade de estímulos condicionais) prevalecem em seu padrão comportamental (Zamignani & Banaco, 2005). Quando o comportamento emocional envolvendo ansiedade se caracteriza dessa forma, ele pode ser descrito como um "transtorno de ansiedade", sendo razão para a indicação de tratamento psicológico ou psiquiátrico, dentre eles o da terapia de exposição, incluindo a exposição à realidade virtual.

Do ponto de vista psicológico, mais especificamente, da Análise do Comportamento, a ansiedade é definida como "um conjunto de estados corporais eliciados por estímulos aversivos que perturba ou desintegra o desempenho operante no sentido de mudar a probabilidade do operante na situação de perigo que indica a ocasião de um dano eminente para o organismo" (Hessel, Borloti, & Haydu, 2011, p. 284). Para esses autores e também para Gongora (2003), a ansiedade está ligada a dificuldades específicas de cada indivíduo e, portanto, seu critério diagnóstico é relativizado de acordo com o contexto e a cultura na qual cada um está inserido. No DSM-V (American Psychiatric Association, 2013), por sua vez, a ansiedade é definida como a antecipação apreensiva de um perigo futuro acompanhado por um sentimento de disforia ou por sintomas de tensão. Nele, transtornos de ansiedade, como as fobias, são caracterizados com os mesmos critérios para qualquer pessoa.

As diferentes conceituações de ansiedade clínica favorecem diferentes tipos de tratamentos, dentre eles os farmacológicos e os psicológicos (os últimos são muito relevantes nos casos de fobias, sendo os primeiros indicados apenas nos casos de fobias incapacitantes, quando os clientes não responderam aos últimos; Baldwin et al., 2005). Para os analistas do comportamento, o processo psicoterapêutico implica no controle de variáveis que contribuem para a aquisição de comportamentos que levam o indivíduo a uma atuação adequada ao seu ambiente e extinção de comportamentos que o impedem de fazer suas tarefas cotidianas de maneira apropriada (Zamignani & Banaco, 2005). A análise funcional do comportamento é a ferramenta por meio da qual são identificadas as relações estabelecidas entre os eventos do ambiente (antecedentes e consequentes) e o comportamento dos indivíduos. Qualquer variável introduzida, retirada ou alterada nas circunstâncias pode modificar toda a relação. Em um processo psicoterapêutico, inicialmente procura-se identificar as variáveis que produzem e mantêm o comportamento com o objetivo de, posteriormente, selecionar estratégias que possam alterar essa relação.

No decorrer do procedimento psicoterapêutico algumas etapas podem ser identificadas e podem ser desenvolvidas de diferentes formas de acordo com o modelo de intervenção adotado pelo terapeuta (e.g., Hayes, 1987; Kohlenberg & Tsai, 2001). De uma forma geral, seguem-se basicamente quatro etapas: (a) aliança terapêutica; (b) avaliação funcional, que consiste em descrever o que faz com que o cliente se comporte da forma que o faz; (c) mudança, que se refere ao estabelecimento e a prática do que o cliente pode fazer para conquistar o que almeja, como fazer análises funcionais, enfrentar os estímulos temidos e desenvolver comportamentos alternativos que substituem a fuga e a esquiva; e (d) manutenção da mudança, caracterizada pelas estratégias de monitoramento de bloqueio da fuga e da esquiva e de emissão de comportamentos alternativos. A aliança terapêutica e a análise funcional permanecem em todo o processo.

Existem diferentes formas de colocar o indivíduo em contato com o estímulo temido em situação psicoterapêutica, caracterizando formas de exposição com características próprias: in vivo, imaginária ou virtual (Carvalho, Freire, & Nardi, 2008). Na exposição in vivo (in vivo exposure – IVE), o contato com os estímulos temidos é feito no ambiente natural em que o indivíduo está presente. Na exposição imaginária, o participante imagina que está no ambiente narrado pelo terapeuta. Na exposição à realidade virtual (virtual reality exposure – VRE), o contato com os estímulos temidos é feito por meio de ambientes criados com recursos de informática. Esses recursos envolvem hardwares e softwares devidamente programados, por meio dos quais são gerados ambientes tridimensionais sintéticos, denominados, genericamente, realidade virtual (virtual reality – VR). Esses ambientes podem envolver estímulos captados do ambiente não virtual, criando a chamada realidade aumentada (augmented reality, AR).

Os cenários ou ambientes virtuais para a exposição na psicoterapia são construídos de maneira a promover senso de presença, a sensação de estar em um determinado ambiente, quando se está em outro. A VRET (virtual reality exposure therapy) acontece em contexto clínico de forma gradual e segura, permitindo medir a ansiedade por meio de indicadores fisiológicos (sudorese, frequência cardíaca, resposta galvânica da pele e outros) e/ou verbais (relato do senso de presença e da intensidade da ansiedade). Ela proporciona, de acordo com Carvalho et al. (2008), a habituação em relação ao estímulo temido, a oportunidade para o enfrentamento e para a emissão de comportamentos adaptativos alternativos.

A VRET apresenta algumas vantagens, como: (a) o indivíduo não é exposto ao julgamento social, já que a exposição acontece em ambientes privados; (b) as situações perigosas, como acidentes de trânsito, são evitadas; (c) a economia, em alguns casos, como no caso da fobia de voar, é promovida; (d) a aliança terapêutica positiva é permitida, uma vez que o terapeuta é capaz de mediar o tempo e a intensidade da apresentação dos estímulos temidos, controlando o enfrentamento para que ele aconteça de forma gradual e sistemática (Botella et al., 2004; Riva, 2005). Por outro lado, conforme apontaram Botella et al., há algumas desvantagens, como o custo dos softwares e dos equipamentos necessários, as dificuldades dos terapeutas no manuseio desses equipamentos e a falta de flexibilidade para individualizar os programas de acordo com características peculiares do tipo de fobia e de cada indivíduo. Apesar disso, a VRET tem sido considerada uma estratégia eficaz de psicoterapia, aceita por médicos, psicólogos e pelos indivíduos diagnosticados com transtornos fóbicos. Sua eficácia foi destacada por vários autores (e.g., Botella et al., 2007; Carvalho, Freire, & Nardi, 2010) e existe uma tendência de a VRE tornar-se cada vez mais frequente nos tratamentos de fobias. Os ambientes virtuais vêm se tornando cada vez mais realísticos e totalmente controláveis. No entanto, ainda há a necessidade do aperfeiçoamento dos recursos tecnológicos e dos procedimentos de intervenção, conforme destacaram Carvalho et al. (2010).

A VRET é iniciada com sessões de psicoeducação, seguidas, nessa ordem, pelas de bloqueio dos comportamentos de fuga e de esquiva, de estabelecimento de comportamentos alternativos, de discussão sobre as mudanças comportamentais conquistadas durante o procedimento e de estratégias de manutenção dessas mudanças após a intervenção (cf. Botella et al., 2007; Juan et al., 2006; Riva, 2005; Robillard, Bouchard, Fournier, & Renaud, 2003). A racional teórica dos procedimentos executados durante a VRET nos estudos sobre a ansiedade, de forma geral, é comum às etapas da terapia cognitivo-comportamental e da terapia analítico-comportamental. Entretanto, de forma específica, os procedimentos de ambas podem variar. Quanto à VRET, ainda não há consenso em relação à forma de sua aplicação, no que diz respeito à adequação do tempo da exposição, intensidade dos estímulos para a exposição, customização de softwares para cada fobia e maneira de conduzir a exposição no decorrer do procedimento terapêutico. Tal falta de consenso permitiu investigar como se caracterizam os procedimentos terapêuticos dos estudos em que foi realizada a VRET no tratamento de fobias e quais as semelhanças e/ou diferenças deles com o modelo de intervenção analítico-comportamental. Assim, o presente estudo visou: (a) fazer uma revisão bibliográfica de estudos que usaram realidade virtual (VR) como estratégia terapêutica de cinco tipos de fobias específicas (agorafobia, aracnofobia, claustrofobia, catsaridafobia e amoxobofia); (b) descreveu os procedimentos da VRET a partir desses dados da revisão; e (c) comparou-os com procedimentos usados em psicoterapia analítico-comportamental. Após as descrições do método, do resultado e da discussão, seguem-se as conclusões de modo a fundamentar outros estudos e, provavelmente, potencializar as intervenções psicoterápicas que venham a utilizar a VRET.

 

Método

Três etapas foram desenvolvidas para atingir os objetivos deste estudo. A Etapa 1 consistiu em uma busca booleana de publicações com os seguintes descritores: therapy (terapia), virtual reality (realidade virtual) e phobia (fobia). As combinações feitas foram: phobia and virtual reality, therapy and virtual reality, e therapy and phobia and virtual reality. A busca foi realizada nas seguintes bases de dados: IEEE and IET Electronic Library_VDE VERLAG Conference Proceedings, Mary Ann Liebert, PUBMED, Web of Science, PsycNET, Scielo, PePSIC, EBESCO e SAGE. O período da busca correspondeu a janeiro de 2006 a setembro de 2015, tendo sido considerados artigos publicados em alemão, espanhol, francês, inglês e português. A Etapa 2 consistiu na leitura dos títulos obtidos a partir da busca, excluindo os registros cujos títulos permitiam verificar tratarem-se de: (a) estudos teóricos, de revisão e meta-análises; (b) estudos de tratamento de outras fobias diferentes de agorafobia (medo de lugares abertos, de estar na multidão, lugares públicos ou de deixar lugares seguros), aracnofobia (medo de aranhas), catsaridafobia (medo de baratas), amoxofobia (medo de dirigir) e claustrofobia (medo de ambientes fechados e que geram confinamento); (c) estudos de psicoterapia com procedimentos que não eram VRET; (d) estudos de tratamentos farmacológicos; e (e) estudos de terapias feitas online. Quando o título não permitiu fazer essa verificação, foi feita a leitura do resumo. Os resumos dos registros selecionados a partir da leitura dos títulos também foram lidos. Além dos resultados da busca feita nas bases de dados, foram consultadas as listas de referências dos artigos de revisão ou de meta-análises encontrados ao se fazer essa busca. No final, fez-se download dos arquivos dos artigos completos, procedeu-se a leitura dos procedimentos e selecionaram-se os estudos empíricos que continham a descrição dos procedimentos da VRET. A Etapa 3 consistiu da tabulação e análise dos dados.

 

Resultados

A busca nas bases de dados e nas listas de referências de artigos de revisão e de meta-análises encontrados nessas bases de dados resultou em 641 registros. Dentre esses registros, 618 foram excluídos: 611 por não atenderem aos critérios de seleção; dois, por não terem sido encontrados; e, na fase de leitura dos procedimentos, cinco, por não descreverem o procedimento psicoterapêutico. A Figura 1 apresenta o fluxograma do procedimento de seleção dos registros e dos artigos, bem como os resultados obtidos: os 23 artigos selecionados e incluídos na revisão.

 

 

Na Tabela 1 estão os números de identificação (Id) das referências selecionadas, a citação de autoria e ano de publicação, e os dados de caracterização geral dos estudos, com identificação do número de participantes, o número sessões de pré-tratamento (pré-VRE), o número de sessões de VRE, a duração geral das sessões, a duração da exposição aos cenários virtuais e o intervalo obedecido para a realização das sessões de acompanhamento (follow-up). Atenderam aos critérios do presente estudo: (a) oito estudos que descrevem procedimentos terapêuticos para agorafobia (Botella et al., 2007; Gonzalez-Lorenzo et al., 2011; Malbos Rapee, & Kavakli, 2010; Malbos, Rapee, & Kavakli, 2011; Peñate, Pitti, Bethencourt, de la Fuente, & Gracia, 2008; Pitti et al., 2008; Quero et al., 2013; Villa-Martin, Botella, García-Palacios, & Osma, 2007); (b) 10 estudos para aracnofobia (Bouchard, Côté, St-Jacques, Robillard, & Renaud, 2006; Bouchard, St-Jaques, Robillard, & Renaud 2007; Côté & Bouchard, 2009; Lass-Hennemann & Michael, 2014; Michaliszyn, Marchand, Bouchard, Martel, & Poirier-Bisson, 2010; Piercey, Charlton, & Callewaert, 2012; Shiban, Brütting, Pauli, & Mühlberger, 2015; Shiban, Pauli, & Mühlberger, 2013; Shiban, Schelhorn, Pauli, & Mühlberger, 2015; St-Jacques, Bouchard, & Belanger, 2010); (c) um estudo para claustrofobia (Malbos, Mestre, Note, & Gellato, 2008); (d) dois estudos para catsaridafobia (Botella, Breton-Lopez, Quero, Banos, & Garcia-Palacios, 2010; Wrzesien et al., 2015); e (e) dois estudos para amoxofobia (Beck, Palyo, Winer, Schwagler, & Ang, 2007; Mühlberger, Bulthoff, Wiedemann, & Pauli 2007).

 

 

Verifica-se na Tabela 1 que em todos os estudos foram realizadas sessões pré-VRE, em número que variou de um a três. O número de sessões de VRE variou de um a oito. O número de participantes nos procedimentos de VRET variou de 1 a 60, quase sempre adultos (apenas nos Estudos 5 e 21, os participantes eram crianças e adolescentes com idades entre 8 e 15 anos). Nos Estudos 3, 7, 12, 13, 14, 16, 17 e 21, havia participantes adicionais, por serem estudos que tinham delineamentos de grupos. Esses delineamentos envolviam grupos controle sem medo ou fobia (Estudo 13), grupo com tratamento por meio de terapia de exposição in vivo e/ou cognitivo-comportamental (Estudos 3, 12, 14, 17, 21) e grupo com tratamento farmacológico (Estudos 7, 14 e 16). Alguns desses estudos (Estudos 3, 12), tinham ainda participantes designados para um grupo colocado em lista de espera.

O tempo de sessão variou de 30 a 90 minutos, sendo a duração da exposição à VR propriamente dita variou de 5 min 30 s (3 blocos de 110 s – Estudo 13) a 2 h 55 min (Estudo 23). Nos Estudos 4, 5, 6, 8, 12, 13, 19 foram programados intervalos de 5 min entre os blocos de exposição para reduzir os efeitos colaterais. Em 17 dos 22 estudos foram realizadas de uma a três sessões de acompanhamento (follow-up) em períodos que variaram de uma semana a 12 meses.

Na Tabela 2 pode ser observado que em todos os estudos foi realizada uma avaliação inicial (geralmente na primeira sessão) e uma avaliação final (na última sessão de tratamento ou na de follow-up) por meio de escalas e/ou outros instrumentos. Esses instrumentos incluíram inventários/questionários que avaliaram o medo e a fobia específica, além de escalas de ansiedade, de depressão e de esquiva.

 

 

As sessões de psicoeducação foram realizadas em todos os estudos, de forma geral com o objetivo de explicar ao participante o porquê de ele se comportar da forma como fazia, descrever as características da ansiedade e da fobia, oferecer instruções gerais sobre o procedimento ao qual o participante seria exposto durante as sessões e/ou familiarizá-lo com os equipamentos utilizados. Em 7 dos 23 estudos, as sessões de psicoeducação incluíram pré-exposição à RV (pré-VRE), que tinha como objetivo a familiarização com a situação de imersão em ambientes virtuais. Nesses casos, foram usados cenários neutros. Em 6 dos 22 estudos foram realizados os treinos das habilidades de relaxamento, de atenção às sensações corporais e/ou de respiração para o participante ser capaz de desempenhar essas habilidades durante as sessões posteriores. Em apenas 5 dos 22 estudos foram coletadas informações com os participantes para elaboração de uma hierarquia de cenários a ser utilizada durante a VRE. No entanto, em 18 deles, os cenários foram programados para permitir a introdução gradual dos estímulos/cenários temidos, em termos de número e de complexidade. Essas hierarquias eram programadas com dados de estudos anteriores. Nos Estudos 1 e 4, os participantes podiam escolher durante a exposição a que cenário queriam se expor, como do menos para o mais ansiogênico.

Em 18 dos 22 estudos foi medido o nível de ansiedade durante as sessões de VRE, o que, de forma geral, foi o relato por meio da SUDS (Subjective Units of Distress Scale), que consiste em atribuição de uma nota (comumente de 0 a 10) ao nível de ansiedade sentido em um dado momento. A escala para a nota e o intervalo de tempo em que o participante relatava o nível de ansiedade foi instruído nas sessões de pré-VRE. O registro foi feito durante a exposição em intervalos regulares ou no início e final da sessão. Além do registro do nível de ansiedade, em 9 dos 23 estudos foram aplicados instrumentos para avaliar aspectos do comportamento na relação com o simulador, como o senso de presença e os efeitos colaterais da exposição (cybersickness).

O procedimento terapêutico durante as sessões de VRE, em 18 dos 23 estudos, envolveu intervenções verbais para que o participante observasse e/ou enfrentasse o cenário ou objeto da fobia e se concentrasse em suas sensações corporais. Além disso, foram usadas técnicas cognitivo-comportamentais, como a reestruturação cognitiva e/ou o desafio cognitivo. Nos Estudos 1 e 23 foi feita a modelação dos comportamentos de enfrentamento, com a demonstração, pelo experimentador, do que o participante deveria fazer. À medida que ele se expunha ao estímulo/cenário fóbico, era encorajado a interagir com o ambiente virtual até que o nível de ansiedade diminuísse. Em alguns dos estudos com pequenos animais, como baratas ou aranhas (Estudos 2, 15, 23), foi utilizado o recurso da realidade aumentada, que consistiu em expor o participante repetidas vezes aos animais de forma não vivenciada no ambiente natural (por exemplo, permitir que a barata ou a aranha andasse sobre a mão dele projetada no cenário virtual).

Nos Estudos 14, 16 e 21 foi realizada uma combinação de VRE e IVE durante o procedimento terapêutico: no Estudo 14 as três primeiras sessões foram de pré-tratamento, as 4a, 6a, 8a e 10a sessões foram de IVE e as 5a, 7a, 9a e 11a sessões foram de VRE; no Estudo 16, um dos grupos foi submetido apenas à IVE e o outro grupo foi submetido a quatro sessões de VRE e a quatro sessões de exposição in vivo hierarquizadas; no Estudo 21, um grupo de participantes foi submetido a cinco sessões de IVE e outro a quatro sessões de VRE e a uma sessão de IVE. Além da exposição durante as sessões de intervenção descrita nesses estudos, em dois dos 23 estudos (Estudos 1 e 16), os participantes foram orientados a se expor aos estímulos fóbicos em casa. Por outro lado, nos Estudos 5, 10 e 11, os participantes foram instruídos a evitar a exposição in vivo em casa, durante o período em que o estudo estava sendo conduzido. Ainda com relação à exposição in vivo, constatou-se que, nos Estudos 18 e 19, os participantes receberam uma sessão de IVE extra após a coleta de dados.

Nos Estudos 3, 10, 11, 17 e 22 com participantes com agorafobia, foram usados recursos de realidade virtual que permitiam simular sensações corporais similares às experiências em ataques de pânico (estímulos auditivos, como os de palpitação cardíaca e de dificuldade de respiração, e/ou visuais, como a visão dupla e desfocada). No Estudo 17, a simulação de sensações corporais foi a variável experimental manipulada, sendo comparado um grupo com estímulos induzidos por RV e outro com estímulos induzido por exercícios respiratórios e sinestésicos. Em três dos oito estudos com participantes com agorafobia (Estudos 7, 14, 16), os pesquisadores optaram por manter medicação psicoativa para todos os participantes com acompanhamento psiquiátrico (nos Estudos 7 e 16, a medicação foi, inclusive, manipulada para dois grupos, sendo analisada como variável independente: Paroxetina versus Venlafaxina).

Em 8 dos 23 estudos, foi realizada uma discussão sobre o que foi vivenciado durante a exposição e realizada a prevenção da ocorrência/recorrência. Além disso, nos Estudos 5 e 6, os participantes foram orientados para que procurassem se expor ao estímulo temido em casa, após o término do estudo. Os aspectos abordados nas sessões de prevenção à ocorrência/recorrência não foram descritos na maioria dos estudos, exceto no Estudo 22. Nesse estudo houve uma sessão específica para a prevenção da ocorrência/recorrência, com revisão da evolução do tratamento, discussão das técnicas utilizadas, previsões acerca de riscos futuros e de como agir nessas situações e o terapeuta reforçou o esforço do participante no processo terapêutico.

Nos Estudos 4 e 5, os participantes ficavam durante 15 min após a finalização da sessão na clínica para evitar cybersickness (vertigens e dificuldade de locomoção após submissão à sessão de VR). Apenas no Estudo 22 o participante foi orientado a fazer registro em casa dos episódios em que teve reações fóbicas, no entanto esses dados não foram descritos ou analisados. De forma geral, nos estudos foi sempre relatada a preocupação dos pesquisadores com o fato de os participantes apresentarem níveis de ansiedade bastante altos ao entrarem em contato com o estímulo temido.

 

Discussão

De forma geral, a estrutura dos procedimentos de intervenção na VRET divide-se em sessões de pré-tratamento, tratamento e pós-tratamento, o que permite uma comparação com a estrutura da terapia analítico-comportamental. Partindo do pressuposto de que nessas sessões espera-se que sejam alcançadas a aliança terapêutica, a avaliação, a mudança/ação e a manutenção da mudança, é possível analisar e questionar aspectos relativos ao desenvolvimento dessa estrutura nos estudos revisados.

No que diz respeito às sessões de pré-tratamento, todos os estudos relatados apresentaram sessões com os objetivos de descrever aspectos relativos às características específicas da fobia em questão, instruir aspectos gerais sobre o procedimento terapêutico e aplicar instrumentos para avaliar níveis de ansiedade do participante ao interagir com o estímulo temido. O que pode ser questionado é se apenas duas ou três sessões pré-tratamento são suficientes para que seja construída uma aliança terapêutica segura antes que a exposição comece a acontecer (em geral, na terceira ou quarta sessões as exposições já ocorriam). De acordo com Kohlenberg e Tsai (2001), o número de sessões para estabelecer uma aliança terapêutica varia de acordo com cada situação e o terapeuta deve estar sensível para identificar o momento em que o vínculo está estabelecido e só então iniciar as intervenções relacionadas ao comportamento-alvo. Nos estudos aqui revisados não há relatos de que isso tenha sido feito, pois o número de sessões era, de forma geral, fixo, sendo no máximo três. Nessas sessões pré-tratamento, além de ser feita a psicoeducação, como explicar ao participante o porquê de ele se comportar da forma com o fazia diante dos estímulos fóbicos e caracterizar a ansiedade e a fobia, eram dadas instruções gerais sobre o procedimento ao qual o participante seria exposto durante a intervenção. Além disso, em apenas sete estudos foi descrito que foi feita a familiarização com os equipamentos utilizados por meio de pré-exposição à VR com cenários neutros; e em apenas seis os treinos de relaxamento e/ou de atenção às sensações corporais e de respiração. Ainda nessas sessões foram aplicados os instrumentos de avaliação topográfica da fobia, o que foi feito em todos os estudos. Assim pode-se afirmar que os participantes foram incluídos num processo terapêutico estruturado não tendo sido descritos dados sobre a qualidade da relação entre participante e pesquisador/terapeuta e, tampouco, sobre a realização de avaliações funcionais da queixa clínica (que envolvesse a análise de contingências vivenciadas pelos participantes antes do tratamento, para mostrar a função da fobia).

Após o vínculo e a avaliação inicial (necessariamente, uma avaliação funcional), a fase seguinte de um procedimento terapêutico, de acordo com a fundamentação da Análise do Comportamento, é de mudança/ação. Para isso, a VRE é um recurso que leva o participante a ser colocado em contato com o estímulo/ambiente temido para que ocorra a redução da ansiedade e para que haja oportunidade para a extinção das respostas de fuga e de esquiva (enfrentamento). O número de sessões em que os participantes foram submetidos à VRE nos estudos revisados é pré-estabelecido, entretanto os critérios de avaliação para a duração da exposição não ficam, no geral, claros. Em apenas um dos estudos (Estudo 12) houve variação no número de sessões de tratamento, pois foi adotado um critério de encerramento que consistia em o participante explorar todos os três níveis do programa de VR, enfrentar uma aranha preta grande e relatar níveis baixos de ansiedade. No Estudo 22, que teve apenas um participante, os autores relataram que não foi feita a exposição ao último cenário (estar em um lugar com uma multidão), pois antes dessa exposição o participante já era capaz, por generalização, de enfrentar esse tipo de situação.

No processo clínico analítico-comportamental, a principal preocupação dos terapeutas é analisar as relações funcionais do comportamento-alvo e, a partir das análises, poder optar pela melhor maneira de conduzir o procedimento terapêutico. Conforme destacaram Zamignani e Banaco (2005), quando uma pessoa adota um padrão de comportamento de fuga e esquiva, eliminando estímulos temidos em seu dia a dia, há uma série de variáveis que antecede e que mantém essa forma de se comportar. Essas variáveis podem ser, por exemplo, as do conjunto de estímulos presentes (públicos e privados) que antecedem a ansiedade ou sucedem/mantêm o comportamento de fuga e esquiva como partes do comportamento emocional (e.g., eventos privados do tipo pensar e/ou públicos do tipo social, como a grande atenção recebida por colegas e familiares). Mesmo que sejam identificados os estímulos que antecedem e os que mantêm o comportamento de fuga e de esquiva, os autores alertam que é provável que não se consiga determinar todas as partes do contexto que afetam a emissão das respostas que compõem o comportamento emocional. Nos estudos desta revisão, a principal variável manipulada durante as sessões foi a apresentação graduada de cenários com estímulos cada vez mais ansiogênicos. Variáveis outras, em geral verbais, foram: (a) instruções para relaxamento (em 6 dos 23 estudos); (b) instruções para observação e enfrentamento do objeto fóbico (em 17 estudos); e (c) instruções típicas dos procedimentos de terapia cognitivo-comportamental, como a reestruturação cognitiva, o desafio cognitivo e o incentivo ao enfrentamento (em 17 estudos).

A última etapa de um procedimento terapêutico analítico-comportamental consiste na manutenção de ganhos, isto é, na prevenção de ocorrências/recorrências do comportamento-alvo. Nos estudos desta revisão esse tipo de ação do terapeuta/pesquisador foi especificado em apenas 7 dos 23 estudos, sendo descrita com detalhes em apenas um deles (Estudo 22), no qual, além de se descrever que o terapeuta/pesquisador reforçou os comportamentos do participante que indicaram adesão ao tratamento/estudo, também se descreveu que o terapeuta/pesquisador e o participante conversaram sobre: (a) técnicas utilizadas e resultados alcançados; (b) previsões de situação futuras que envolveriam aumento da probabilidade de ocorrência/recorrência do comportamento-alvo; e (c) formas de como agir nessas situações. Para os analistas do comportamento, é necessário ter evidências de que o participante realmente está apto a interromper o processo terapêutico e prosseguir sua vida com autonomia. Essas evidências acontecem por meio da observação direta de melhoras (in vivo) dentro da sessão e de autorrelatos e relatos de terceiros de objetivos atingidos, e superação fora da sessão dos problemas relatados como queixa clínica pelo cliente. Nos estudos revisados, em apenas 8 dos 23 estudos o participante foi exposto ao estímulo temido no ambiente in vivo, entretanto a avaliação do comportamento do participante nessa exposição não foi descrita. Apesar de os níveis de ansiedade terem diminuído significativamente nas sessões de VRET, na maioria dos estudos (17 dos 23) foi relatado um acompanhamento por meio de reaplicação dos instrumentos de avaliação.

Em suma, os procedimentos terapêuticos descritos nos estudos revisados apresentam as etapas de um procedimento terapêutico analítico-comportamental, mas a falta de descrições detalhadas da maneira de condução dos procedimentos ou dos conteúdos discutidos em cada etapa dificulta a análise dos aspectos qualitativos dos procedimentos aplicados, considerando as funções dessas etapas. Por exemplo, não há como identificar se o vínculo terapêutico foi estabelecido de maneira segura e não há informações sobre como os participantes passaram a aplicar no seu dia a dia o que aprenderam em contexto terapêutico. Defende-se que essas descrições são importantes para se concluir acerca dos resultados da VRET em termos analítico-comportamentais. Por exemplo, poderiam ser avaliadas, para tal conclusão, a frequência com que as pessoas entram em contato com o estímulo temido no cotidiano e a existência de atividades que estão deixando de ser cumpridas devido à manutenção de repostas de fuga e esquiva.

Verifica-se que os artigos revisados atenderam aos objetivos das propostas das pesquisas que os geraram, entretanto, para que derivem protocolos de intervenção úteis da VRET como coadjuvante da terapia analítico-comportamental, seria necessário também que os pesquisadores tivessem descrito com mais detalhes o procedimento psicoterapêutico e a interação cliente/terapeuta. A ausência dessas informações gera indagações sobre o emprego amplo da VRET no contexto clínico analítico-comportamental: quais as evidências para o terapeuta considerar uma aliança terapêutica como estabelecida? Houve momentos em que foi necessário interromper a exposição ao estímulo temido? Por que isso foi necessário? Como as reações de ansiedade foram descritas durante a exposição? Como era avaliada a frequência de exposição ao estímulo temido fora do contexto terapêutico? Como os participantes se comportaram no ambiente exterior à sessão?

Há ainda muita discussão a ser feita antes de submeter à aplicação segura um procedimento terapêutico que atenda com qualidade e especificidade a todos as etapas de uma terapia analítico-comportamental. A VR parece ser uma importante ferramenta a ser integrada à terapia analítico-comportamental, entretanto os analistas do comportamento devem estar sempre preocupados em inserir essa ferramenta num processo mais completo, com base na análise funcional da queixa (no caso, de fobia ou ansiedade). Somente esse processo amplo permite que análises mais específicas sejam feitas para alterar antecedentes e/ou consequentes ao comportamento sob a análise e, assim, e somente assim, modificar formas de interação que favorecerão a melhora do cliente. O planejamento dessas modificações inclui a previsão de formas de avaliar se e como tais modificações ocorrem no repertório do indivíduo na relação com o seu ambiente cotidiano.

 

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Recebido em 11 de fevereiro de 2014
Aceito para publicação em 07 de outubro de 2016

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