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Jornal de Psicanálise
Print version ISSN 0103-5835
J. psicanal. vol.47 no.86 São Paulo June 2014
TEMA: TRANSMISSÃO DA PSICANÁLISE E REGULAMENTAÇÃO
I Encontro do Instituto e Jornal de Psicanálise: a transmissão da psicanálise e a prática analítica atual
Abertura e apresentação dos trabalhos
Leda Herrmann
É uma grande satisfação para a diretoria do Instituto a realização deste evento, para todo o corpo societário e contando com os colegas do Jornal.
Na organização da Sociedade, o Jornal, como vocês sabem, está alocado no Instituto, então, para a diretoria do Instituto, é mais do que natural trabalhar junto com o Jornal.
Este encontro foi organizado de uma forma não muito comum, pois propusemos um tema para ser debatido ("A transmissão da psicanálise e a prática analítica atual") na forma como o tema foi trabalhado no Encontro de Institutos de Buenos Aires, em novembro de 2013. Convidamos colegas para o debate sem lhes pedir que enviassem previamente seus textos, interessados que estávamos no debate. Alguns dos trabalhos de Buenos Aires vocês receberam anexados ao convite e, outros, no tema, estão no Jornal.
Para insistir no debate, nosso programa de hoje consta de uma primeira parte, que é a apresentação do tema, cabendo a mim fazê-lo pela diretoria do Instituto, e à Marina Massi pelo que o tema trouxe para o Jornal e como o trabalhou. Em seguida abriremos os debates, primeiramente com os nossos convidados. Começaremos por Izelinda Garcia de Barros, que esteve no Encontro de Institutos da fepal em Buenos Aires, a quem pedimos para tomar o ponto de vista dos trabalhos apresentados naquele encontro. Depois, Márcio Giovannetti, que tem a incumbência de debater o tema tal como apresentado pelos artigos publicados no último Jornal.
Começarei pela minha parte: a apresentação do tema pelo Instituto e pela forma como foi discutido no 17º Encontro fepal de Institutos, em Buenos Aires, em novembro de 2013. Depois, a Marina apresentará pelo Jornal.
Este tema, "A transmissão da psicanálise e a prática analítica atual", irá compor, também, a temática do Pré-Congresso Didático já definida, "Realidades e ficções na formação analítica", a ser realizado durante o Congresso Latinoamericano de Psicanálise em Buenos Aires, em setembro próximo.
Para a diretoria do Instituto, esta representa uma oportunidade ímpar para colocar para todo o corpo societário a questão da conjunção da transmissão da psicanálise e a prática clínica atual - esta, a prática analítica, tendo que responder às condições que a contemporaneidade impõe ao mundo em que vivemos, que também impõe ao seu habitante condições peculiares em sua subjetividade; estamos mais fora de nós e mais sozinhos, presos a uma comunicação que, ao nos expor por Facebook ou Instagram, nos isola, sem interlocução, na multidão que formamos para contar onde estamos, o que fazemos.
Essa questão - a conjunção "transmissão" e "prática clínica" -, que é relativa a certa especificidade da transmissão de nosso ofício, nos remete imediatamente a considerações sobre a forma como os institutos conduzem a própria formação que oferecem. Uma pergunta se impõe: preparamos nossos colegas em formação para esta clínica que se atualiza frente ao mundo em alteração e frente às contribuições que nossa disciplina pode lhes oferecer? Quer dizer, a clínica com seus pacientes no século XXI.
Como foi a proposta em Buenos Aires?
Ela nos foi transmitida através de uma comunicação/convite preparada pela então Comissão de Educação FEPAL, coordenada por Norberto Marucco.
A proposta era tentarmos enfrentar com coragem a possível conjunção entre "transmissão da psicanálise" e "prática analítica atual" com todas as implicações compreendidas por ela, esse "e". Nossa tarefa em Buenos Aires teve como suporte os três trabalhos apresentados no painel de abertura do encontro e que vocês receberam com o anúncio deste "Encontro" de Rodolfo Moguillansky, da APdeBA, de Alicia de Lustgarten, coordenadora do ILAP e o meu.
Especificando um pouco mais, constatam-se alterações na prática analítica atual que confluem para a denominada psicoterapia psicanalítica. Isto está no texto do convite, coloco exclamações e dúvidas nessa frase e no meu trabalho, abordo isso, questiono o porquê de psicoterapia psicanalítica, o porquê de se fazer essa distinção.
Podemos pensar as alterações na prática como devidas a injunções de características do mundo contemporâneo. O mundo em que vivemos está marcado pela comunicação virtual e acelerada, de modo que contribui para alterações no desenho das relações humanas marcadas pela rapidez e simplificação e em que se mostra a prevalência da ação sobre o pensamento. O homem do mundo onde vivemos tem muita dificuldade para debruçar-se sobre o conhecimento de si mesmo. Altera-se a subjetividade nos dias de hoje.
São contribuições trazidas à nossa disciplina por autores e pensadores psicanalíticos a partir de meados do século XX que levam também a alterações técnicas e de enquadre.
Diante dessas constatações, uma pergunta: como pode estar sendo afetada a própria transmissão da psicanálise, principalmente no que concerne à formação analítica?
Dois pontos foram considerados para responder a essa questão - resposta esta que ficou em aberto.
O primeiro: a formação analítica que corresponderia à aprendizagem e um certo modo de pureza para aprender a escutar a vida e o funcionamento psíquicos precisa tomar em consideração a análise clássica, não mais como aplicada a todos ou indicada sempre.
Segundo, enfrentar, no âmbito dos institutos, com a coragem que merece, o problema do ensino desta particular prática analítica, sem deixar de lado nossa referência fundamental, a cura clássica.
Uma primeira consideração final já aparece no próprio convite ao encontro: "há uma inegável urgência que se apresenta, se não em atuar, pelo menos em pensar no melhor modo de assumir essas práticas que, inevitavelmente, já são nossas".
Para concluir, queria contar a vocês (quem leu os textos anexados já se inteirou) que um dos trabalhos apresentados, o da Alicia Leisse de Lusgarten, coordenadora do ILAP, Instituto Latino-americano de Psicanálise, nos informa da possibilidade, tornada viável pela FEPAL e pela IPA, da transmissão da psicanálise a distância com a constituição há dez anos desse instituto. A constituição do ILAP vem na linha da mesma experiência que se iniciou no final dos anos 1980 na IPA, com a organização da transmissão à distância no Leste Europeu e, posteriormente, no Oriente.
O ILAP é uma resposta para uma particularidade da transmissão, a que pode se viabilizar à distância contemplando profissionais que, por viverem em locais em que os grupos psicanalíticos surgem - quase de forma espontânea -, não têm a chance de se constituírem como grupo de formação.
Essas são as notícias de Buenos Aires, passaremos agora para as considerações do Jornal com a Marina Massi.
Marina Massi
É um prazer estar aqui, agradeço à Leda pela oportunidade, muito importante para nós do Jornal de Psicanálise, de fazer parceria e ter esse espaço junto ao Instituto.
Gostaria de contar a vocês como foi rica a discussão dentro da equipe editorial, o caminho percorrido a partir da escolha do tema, até a seleção dos artigos que nos foram enviados.
Atualmente, quando decidimos um tema para um número, fazemos uma pesquisa bibliográfica e, a partir daí, levantamos os trabalhos importantes já escritos, que serão lidos e discutidos por nós. É desse processo que surge o eixo de referência para a equipe pensar o número.
Neste número aconteceu algo interessante: pedimos à Vera Sevestre - bibliotecária da SBPSP - que fizesse um rastreamento sobre o termo "transmissão", e ela nos disse o seguinte:
Transmissão não é um conceito psicanalítico. Esse termo é bastante utilizado em trabalhos que abordam o ensino de psicanálise, a difusão da psicanálise ou formação psicanalítica. Dos dicionários de psicanálise disponíveis em nosso acervo (os melhores já publicados) nenhum inclui o verbete ensino ou transmissão de psicanálise. No Aurélio ou Houaiss: Ato ou efeito de transferir, transferência.
Quando essa observação chegou às nossas mãos, a equipe entrou em um processo de reflexão bem interessante, pois percebemos que usamos a palavra "transmissão" de psicanálise já há algumas décadas, como aprendizagem, ensino ou treino. Por quê? Este foi o start para o diálogo com os autores deste número, permitindo-lhes escrever sobre a experiência de sua própria formação.
O trabalho "À moda da casa", da Ana Clara Gavião, é uma reflexão sobre sua experiência, assim como o da Ana Maria Vannucchi e o de Francisco Carlos dos Santos Filho, do Rio Grande do Sul, que não é ligado à Sociedade, trabalha na Universidade e fala da questão da transmissão na universidade.
Esse processo de pensarmos o tema foi interessante, abriu outras perspectivas e levou a equipe a fazer uma longa discussão a respeito do que é específico do ensino, de um aprendizado, de uma passagem e da transferência de um conhecimento.
Será que a própria ideia de transmissão, o termo transmissão, se passasse por um adensamento do conhecimento da psicanálise, não poderia se tornar um conceito? Será que "transmissão" como um conceito nos ajudaria a contar algo que é absolutamente específico do nosso modo de transmitir conhecimento psicanalítico?
Para nós, da equipe, isto pareceu uma conversa importantíssima, sobre algo que não tem uma aplicação imediata, pragmática sobre o Instituto, mas que trata-se de uma reflexão fundamental que poderia ser desenvolvida inclusive por membros da própria Sociedade.
Em uma das nossas seções, a de resenhas, recebemos um livro organizado pelo Ernesto Duvidovich (que dirige o Centro de Estudos Psicanalíticos, CEP) chamado Diálogos sobre formação e transmissão em psicanálise, que traz outra forma de pensar o termo transmissão e fez a equipe se perguntar: Será que os lacanianos, eventualmente, têm uma outra forma de pensar? Será que esse termo significa já conceitualmente algo?
E para nós, como seria? O que significaria?
Eu quis compartilhar com vocês o processo de escolha e elaboração desse tema, pois acho que foi algo que nos acrescentou e pelo qual não esperávamos, mas que surgiu a partir do nosso trabalho e poderá ser um estímulo, uma ideia, a ser desenvolvida por autores da própria SBPSP.
Ao pesquisar autores da nossa instituição, verificamos que existem colegas que já desenvolveram ou bordearam trabalhos neste sentido. Márcio Giovannetti é um desses autores da casa, que pode produzir, dando continuidade a um conhecimento que já existe e avançar ainda mais.
Uma das propostas que surgiu a partir deste número foi a de rastrear melhor esse tema, reunir o que foi produzido na Sociedade ao longo desses anos todos, e trazer uma abordagem crítica histórica e de como isso foi sendo pensado em nossa Sociedade. Parece pouco, mas não é. É um salto grande o Jornal poder ter a função de divulgar e também de permitir que a Sociedade se aproprie daquilo que produz. Isso é algo para qual nossa linha editorial está direcionada no momento.
No editorial do Jornal falo sobre a relação que fizemos entre transmissão, a questão da transferência e o conceito de transferência. No dicionário, esse termo se refere à ideia da transferência de ondas, de rádio etc. Pensamos ser uma abertura para falarmos sobre a transferência psicanalítica e a presença do inconsciente no processo de transmissão.
Claro que a psicanálise pode ser ensinada na universidade, mas qual é o diferencial do Instituto? Talvez pudéssemos pensar a questão da transmissão sob o vértice psicanalítico. E o que seria um vértice psicanalítico? Um dos jeitos de pensar sobre isso é pensar a partir da presença do inconsciente e da transferência.
Não falarei muito, pois creio que o Márcio irá desenvolver melhor esse assunto. Esta é uma apresentação mais geral do que a equipe do Jornal levantou sobre o tema e que está mais bem desenvolvida no editorial. Poderei responder mais questões durante o debate.
Espero que vocês leiam o editorial do número 85!
Leda Herrmann
Obrigada, Marina. Começaremos agora o debate propriamente dito. Passarei a palavra para nossos colegas Izelinda Garcia de Barros, Marcio de Freitas Giovannetti e Berta Hoffmann Azevedo para a apresentação de seus trabalhos.