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Jornal de Psicanálise
Print version ISSN 0103-5835
J. psicanal. vol.48 no.88 São Paulo Dec. 2015
TEMA: ANÁLISE DE GRUPO E GRUPOS EM ANÁLISE
Do squiggle game ao pictograma grupal: a especificidade das cadeias associativas grupais
From the squiggle game to the group pictogram: the specificity of the group associative chain
Del squiggle game al pictograma grupal: la especificidad de las cadenas asociativas grupales
Maria Antonieta Pezo del Pino
Doutora em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo (2014), mestre em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo (2009), analista institucional, supervisora clínico-institucional desde a década de 1980 no Estado e na Prefeitura de São Paulo. mantonietapezo@gmail.com
RESUMO
Este artigo mostra o squiggle game como modelo inspirador para o desenhar produzido com outro no grupo, recurso que a autora denomina "pictograma grupal", que consiste em pedir aos membros para desenharem juntos em uma mesma folha de papel. Apresenta-se o conceito de cadeia associativa grupal e sua especificidade, quando se utiliza como mediador terapêutico o pictograma grupal. O trabalho com grupos instaura processos associativos distintos dos descritos pela psicanálise, no enquadre clássico, devido à presença de vários sujeitos simultaneamente e aos efeitos da interdiscursividade. As cadeias articulam processos inter-relacionados, as associações do sujeito singular e as produzidas intersubjetivamente no grupo. Quando, para além da palavra, se inclui no grupo um mediador terapêutico como o pictograma grupal, o processo associativo apresenta marcas específicas. Entre estas, notamos uma cadeia associativa: de traço para desenho; de desenho para desenho; de desenho para palavra; de palavra para narrativa. No pictograma grupal, aspectos inusitados, impensados incluem-se de maneira semelhante ao lapso de linguagem graças ao trabalho do pré-consciente, do desenhar conjunto e, fundamentalmente, graças aos efeitos da presença múltipla de sujeitos.
Palavras-chave: squiggle game, cadeia associativa grupal, pictograma grupal, mediador terapêutico
ABSTRACT
This article shows squiggle game as an inspiring model for drawing with other individuals in the group; it is a resource that the author calls "group pictogram", which consists in asking the members (of the group) to draw together on the same sheet of paper. This paper presents the concept of group associative chain and its specificity, when the group pictogram is used as a therapeutic mediator. The work with groups generates associative processes that are different from those ones described by psychoanalysis, in its classical frame. The reason of this difference is the simultaneous presence of several subjects, and the effects of interdiscursivity. The chains articulate interrelated processes, the single subject associations, and the associations that were inter-subjectively created in the group. When a therapeutic mediator is included in the group beyond the word (such as the group pictogram), the associative process presents unique features. Among these features, we notice an association chain: from trace to draw; from draw to draw; from draw to word; and from word to narrative. In the group pictogram, unprecedented and unthought aspects are similarly included in the language slip due to the work of the preconscious, the work of drawing together, and primarily due to the effects of the presence of multiple subjects.
Keywords: squiggle game, group associative chain, group pictogram, therapeutic mediator
RESUMEN
En este artículo el squiggle game es tomado como modelo de inspiración para el dibujo producido con otro, en grupo. Ese recurso, que la autora denominó "pictograma grupal", consiste en solicitar a los miembros de un grupo que dibujen juntos en una hoja de papel. Se presenta el concepto de cadena asociativa grupal y su especificidad cuando se utiliza como mediador terapéutico el pictograma grupal. El trabajo con grupos instaura procesos asociativos distintos de los descritos por el psicoanálisis en el encuadre clásico, debido a la presencia simultánea de varios sujetos y a los efectos de la interdiscursividad. Las cadenas articulan procesos interrelacionados entre sí, las asociaciones del sujeto singular y las producidas intersubjetivamente en el grupo. Cuando, más allá de la palabra, se incluye en el grupo un mediador terapéutico como el pictograma grupal, el proceso asociativo presenta marcas específicas. Entre ellas, una cadena asociativa de trazos para dibujos, dibujo para dibujo, dibujo para palabra, palabra para narrativa. En el pictograma, aspectos inusitados, impensados, se incluyen de manera semejante a un lapsus de lenguaje gracias al trabajo del preconsciente, del dibujar conjunto y, fundamentalmente, a los efectos de la presencia de múltiples sujetos.
Palabras clave: Squiggle game, cadena asociativa grupal, pictograma grupal, mediador terapéutico
Introdução
Winnicott (1953) introduz o squiggle game, ou jogo do rabisco, no espaço da consulta terapêutica, como uma brincadeira que consiste em realizar rabiscos que se tornam desenhos, em que terapeuta e criança brincam em um clima de trocas, busca de sentidos e liberdade. Nessa brincadeira, terapeuta e criança vão construindo rabiscos-desenhos que evocam palavras, lembranças, sonhos, e, simultaneamente, vão se tecendo sentidos e construindo história. Nesse encontro único, lúdico e de compartilhamento de rabiscos, desenhos, palavras, sonhos e histórias, encontra-se a inspiração para construção daquilo que se denomina pictograma grupal.
O pictograma grupal é a produção pictográfica conjunta, que articula traços, desenhos singulares com aquilo produzido conjuntamente, graças a processos associativos e intersubjetivos, que permite simultaneamente intermediar o intrapsíquico com o intersubjetivo e o grupal, a realidade psíquica individual com a realidade compartilhada. O recurso é um mediador terapêutico útil quando se inicia um processo terapêutico, sobretudo quando se vivencia uma situação traumática, difícil de ser nomeada. A experiência grupal com o uso do pictograma grupal permite que os membros vivenciem, elaborem e se apropriem subjetivamente das experiências que não podem ser ditas. O pictograma, como escrita simbólica, vincula as imagens, o sensório-perceptivo, com palavras e sentidos, e introduz elementos inesperados que transmitem um significado a cada um dos membros e ao encontro vincular.
A cadeia associativa grupal, conceito trabalhado e elaborado por René Kaës (1985, 2003, 2007, 2010), descreve as peculiaridades da associação livre no grupo. A associação livre é um dos componentes da regra fundamental da psicanálise, que junto com a atenção flutuante, a transferência e a interpretação permite o conhecimento dos efeitos do inconsciente. Para o autor, o processo associativo no grupo inclui não apenas as associações de cada um dos membros, desde sua singularidade, seu mundo intrapsíquico, mas também aquelas cadeias associativas produzidas intersubjetivamente, ou seja, coassociativamente no encontro grupal. No grupo, a presença múltipla de sujeitos promove uma pluralidade de vozes e uma multiplicidade de formas discursivas. Assim, associações apresentam peculiaridades específicas devido a determinantes intrapsíquicos, intersubjetivos, transubjetivos, grupais e ao duplo eixo temporal, sincrônico e diacrônico.
No contexto do trabalho com grupos, surge a questão para os pioneiros da psicanálise de como poderia ser utilizado em um espaço tão distinto o método psicanalítico, descoberto por Freud ao trabalhar com as histéricas. Quais semelhanças e diferenças podem ser mantidas ou introduzidas quando um conjunto de pessoas se encontra reunido para falar de si. Em síntese: como se interpreta no grupo, a quem se interpreta, a transferência é dirigida para quem, quais conflitos são revividos no espaço de um atendimento em grupo. Nesse contexto, a associação livre pareceu ser um tema deixado de lado, para alguns foi considerada uma interferência, "interrupções" (Wolf, Kutash e Nattland, 1993; Kaplan, 1996) ao processo grupal. Foulkes e Anthony (1957/1964) são os primeiros psicanalistas a apresentar a questão como solução ao dilema da mudança do enquadre que, para diferenciar o processo, descreve a "discussão livremente flutuante". Conceito que condensa a associação "livre" e a atenção "flutuante" e evidencia a especificidade do processo grupal e da associatividade, as associações surgem não só intrapsiquicamente, mas também no interjogo, nas "discussões".
O processo associativo, desde o descobrimento freudiano, prioriza a associação livre verbal, o valor da palavra, do dizer, do entredizer e interdizer verbalmente. Foulkes denomina-o "discussão livremente flutuante", e Kaës, "cadeias associativas grupais". Com base no descobrimento winnicottiano, com o squiggle game verifica-se a existência de processos associativos que ligam não só as palavras e suas reverberações, mas ligam-se traços, rabiscos, desenhos com lembranças, sonhos e, fundamentalmente, com o significado construído conjuntamente pela dupla por meio das palavras. Esse trabalho tem como objetivo explorar, mediante o pictograma grupal, as particularidades das cadeias associativas grupais, quando, no lugar de só falar, pede-se aos membros de um grupo desenhar e dialogar sobre aquilo que os vai surpreendendo, enquanto desenham juntos em uma mesma folha de papel.
O "pictograma grupal" recorre ao sentido que Freud dá à palavra pictograma, como figura que tem o valor de uma palavra escrita, como a forma figurada de conteúdos psíquicos inconscientes reprimidos, recalcados, se manifestarem. No sonho, de acordo com Freud (1901/2011), os conteúdos psíquicos inconscientes se expressam através de "pictografias", figuras que condensam e deslocam conteúdos intrapsíquicos. A potencialidade do pictográfico é resgatada neste trabalho, só que, no lugar de circunscrever-se ao espaço do sonho, do intrapsíquico, o convite é para sonhar junto com o outro e produzir com o outro, ou os outros, uma pictografia grupal no espaço intersubjetivo, interdiscursivo, de uma consulta terapêutica grupal ou familiar.
Destacamos que o squiggle game para a psicanálise atual é um modelo de construção conjunta, intersubjetiva, de associação mútua, de rabiscos que sugerem figuras, de desenhos que evocam palavras, de palavras que convocam lembranças. O que Winnicott expõe é um modelo de "livre associação recíproca" (Phillips, 1988), interanalítico (Green, 1978), de copensar (Widlöcher, 2006/2012), de coassociatividade (Roussillon, 2012). Winnicott mostra a peculiar maneira de reconhecer, "pescar" conteúdos psíquicos por meio do reconhecimento de processos associativos pouco explorados teoricamente, embora detalhe com fina descrição os processos que vai construindo enquanto rabisca ou completa um desenho. Os processos associativos são apresentados ligando rabisco com desenho e desenho com palavra, destacando processos intersubjetivos e transfero-contratransferenciais. Em estudo precedente, Pezo (2009) constata que aspectos inusitados, impensados, se incluem associativamente de maneira semelhante a um lapso, graças ao trabalho do pré-consciente do desenhar conjunto e, fundamentalmente, aos efeitos da presença múltipla de sujeitos.
Do squiggle game ao pictograma grupal
Winnicott, com o modelo do trabalho do squiggle game, mostra que os processos de associar livremente e estar em atenção flutuante se dão de forma entrelaçada, e observa que paciente e analista produzem processos coassociativos. O squiggle game se apropria da sua herança freudiana e dá valor à relação entre o "visual e o verbal", entre a "experiência e a representação", "o histórico e o teórico", estabelecendo linhas de conexão entre esses aspectos (Farley citado por Abram, 2012, p. 419). Widlöcher (2006/2012) destaca dois tipos de transformações: uma construção de uma fantasia construída na experiência interpessoal e o desenvolvimento dessas fantasias a serviço de construções e elaborações do ego e de uma apropriação subjetiva, ou, em outras palavras, para que ela possa acontecer, é importante que "aquilo" que surge seja "encontrado-criado" (Roussillon citado por Chancier e Kalmanovich, 2010/2013, p. 20). O squiggle game, ou jogo do rabisco, e o pictograma são ambos figurações que utilizam elementos pictográficos como forma de representação e linguagem semelhante à escrita. O pictograma grupal se propõe, de maneira semelhante ao squiggle game, a resgatar da herança freudiana o valor da relação entre "o visual e o verbal" e permitir copensar, codesenhar, junto aos membros de uma configuração vincular (casal, família, grupo).
Winnicott segue a proposta freudiana de reconhecer que através da imagem conteúdos psíquicos inconscientes podem ser expostos, como demonstra Freud na sua obra princeps A interpretação dos sonhos (1901/2011). Freud, no Trabalho do sonho, descreve que o conteúdo do sonho é dado através de uma "pictografia, cada um de cujos signos há de se transferir à linguagem dos pensamentos do sonho" (Freud, 1901/2011, p. 285). O sonho, graças ao processo de figuração, deslocamento e condensação, reúne elementos dissímeis em torno de uma figura. A vantagem da linguagem figural é que "termos concretos" se prestam de maneira mais fácil a expressar conteúdos psíquicos, e eles podem ser mais ricos que os "conceituais"; esses termos concretos permitem expor e intermediar conteúdos psíquicos inconscientes. O sonho e o desenho compartilham essa passagem de um registro para outro, de um tipo de linguagem para outro, e ambos intermedeiam essas passagens.
Castoriadis e Aulagnier no livro A violência da interpretação: do pictograma ao enunciado (1975/1997), introduz o conceito de pictograma como representação de uma cena, produto da atividade psíquica própria do processo originário. O funcionamento psíquico é constituído por três modalidades de funcionamento: processo primário e secundário, e introduz um processo anterior, o processo originário. As representações próprias do processo originário são os pictogramas; no processo primário a representação é a fantasia ou representação fantasiada, e no processo secundário é o pensável, ou capaz de ser dito (Castoriadis & Aulagnier, 1975/1997, p. 24). Uma vez instaurados, não há o cancelamento do anterior, eles podem conviver "em espaços diferentes que possuem relações não homólogas entre si, prossegue a atividade que os caracteriza" (Castoriadis & Aulagnier, 1975/1997, p. 24). Inscrições pictográficas surgem tanto no processo primário como no secundário. O "indizível" do pictograma pode surgir por meio de outras representações. O uso de recursos não verbais, plásticos, que incluem o sensório-motor, o corpo, favoreceria esse "indizível" - vivido sensorialmente - a se apresentar sob a forma de um rabisco, um desenho.
Para Anne Brun, a originalidade da proposta de Aulagnier é que a atividade de representação procede de três processos presentes simultaneamente no espaço psíquico. Assim a atividade psíquica passa "da formação (do originário não figurável) à colocação em cena (registro primário) e à significação (registro secundário)" (Brun, 2009, p. 239). O pictograma, o fundo representativo originário, é excluído do conhecimento, mas aquilo que é irrepresentável pode ser ativado. As representações de coisa e de palavra correspondem, na teoria psicanalítica clássica, aos processos primário e secundário. Os desenhos, as produções pictográficas, ativariam esses três registros. Brun (2010) considera fundamental pensar nos fundamentos epistemológicos para o trabalho com objetos mediadores como a pintura e a modelagem e aponta a pertinência da afirmação de Roussillon sobre a necessidade de elaborar uma metapsicologia da mediação. Brun (2010), em Les médiations therapeutiques, constata que poucos psicanalistas estudam os processos de mediação, e que, devido à proliferação de práticas nessa linha, faz-se necessário interrogar os pressupostos teóricos, assim como os fundamentos epistemológicos. De acordo com ela, Roussillon propõe uma teoria dos processos psíquicos e da simbolização nos processos de mediação.
Associação livre no grupo
Concordamos com a afirmação de Roussillon (2010, 2013) sobre o escasso interesse no âmbito psicanalítico pelo estudo de temas como o inconsciente e a associação livre. Esse panorama não é diferente quando se trata do dispositivo grupal, como apontava Kaës (1985) na década de 1980. Em revistas, anais e periódicos sobressaem relatos de experiências grupais em diversas linhas teóricas. Priorizam-se grupos selecionados por faixas etárias, psicopatologias, situações de risco, comunidades específicas, grupos sociais, entre outros. A relevância na exposição dessas experiências mostra a utilidade do dispositivo grupal e serve de modelo para produzir e reproduzir novas práticas. Os processos associativos no grupo, assim como outras questões teóricas foram pouco abordadas, como se elas tivessem uma relevância secundária.
Segoviano (2012) afirma que uma das maiores dificuldades para os psicanalistas que iniciaram o trabalho com grupos - Bion, Foulkes, Pichon-Rivière - foi serem aceitos pela "psicanálise oficial". A centralidade do intrapsíquico no meio psicanalítico fez com que alguns desses autores buscassem subsídios não na obra de Freud, mas em outros campos do conhecimento (teoria da Gestalt, antropologia, ciências sociais) para compreender alguns dos fenômenos observados no grupo. As questões que nortearam essas primeiras indagações foram: de que maneira o método psicanalítico descoberto por Freud poderia sustentar um trabalho com grupos; como abordar no grupo aspectos como a história do indivíduo, o Édipo, a transferência, a interpretação; e, finalmente, se se trata de uma psicanálise ou de uma "aplicação" da psicanálise. De fato, é notório, por exemplo, que Bion, após escrever o livro Experiência com grupos (1961), não desenvolveu mais sua teoria e hipóteses. Para Segoviano (2012), novos paradigmas, novas patologias e mudanças sociais levaram a psicanálise a "se permitir inventar e hospedar novas práticas, produzir novas hipóteses e situações aptas para colocá-las à prova" (p. 2).
Foulkes (1957) escreve que pode ser que no futuro possa ser considerado como psicanálise o trabalho com grupos, como uma "psicanálise multipessoal". Afirmação esta que remete ao conflito de fidelidade apontado por Segoviano e a necessidade de alguns princípios psicanalíticos serem revistos. Entre eles, a prevalência do mundo intrapsíquico, o valor e o lugar do meio ambiente, o reconhecimento do outro para a constituição da subjetividade, a criação de um terceiro espaço, a exclusividade do binário, da causalidade, do determinismo, a consideração de aspectos como a descontinuidade, a superposição de espaços. As contribuições de autores como Winnicott, Aulagnier, Bernard, Puget, Kaës, entre outros, são importantes para sustentar mudanças e dar um suporte psicanalítico ao trabalho com grupos. Puget (2013) aponta para a falta ainda de uma "escuta de problemáticas referidas à potencialidade de um espaço entre dois e o que implica ir pertencendo a diferentes conjuntos simultaneamente" (p. 1, itálico da autora).
Bernard (1994/2006) considera necessária uma ruptura epistemológica que percorresse em sentido inverso o caminho que Freud havia inaugurado com a psicanálise. Aspectos como o pré-verbal, a dramática do corpo, que antecedem a palavra e que surgem no grupo e produzem uma mistura dessa linguagem com a comunicação verbal. Desde esse ponto de vista, é um desafio ao trabalho com grupos encontrar os elos associativos entre ambos os tipos de comunicação. Se desde a psicanálise padrão o verbal tinha uma prioridade e era o ponto de partida da associação livre, no grupo o pré-verbal passa a ter um papel fundamental (Bernard, 1994/2006). E, nesse sentido, um desafio ainda maior seria reconhecer esses elos associativos, quando se introduz mediadores terapêuticos que utilizam outras formas de comunicação, como o pictograma grupal aqui proposto.
A abordagem psicanalítica grupal iniciada na década de 1920 e 1940 foi dividida, de acordo ao destinatário da interpretação, em duas linhas: 1) prioriza-se a interpretação dirigida a cada indivíduo, sendo beneficiado o restante dos componentes, graças aos processos de identificação. Trata-se de uma psicanálise individual em grupo; o tratamento é dirigido para abordar a dinâmica intrapsíquica de cada um dos componentes, embora se reconheça que o grupo, em si, tem efeito terapêutico ao analisar o indivíduo. Kaplan e Sadock (1996) recomendam utilizar a associação livre de maneira seletiva, não sendo sempre considerada como "interrupções"; no entanto, alertam para reconhecer quando ela é oportuna e que "nem é possível, nem conveniente associar livremente em todo momento" (p. 138, itálico da autora). 2) interpreta-se o "grupo" considerado como um "todo", e não os indivíduos. Considera-se que todas as comunicações são produzidas por uma "psique de grupo". Dentro dessa corrente de trabalho, importantes contribuições foram realizadas por autores como Bion, Foulkes e Pichon-Rivière. Foulkes e Anthony (1957/1964) são os primeiros psicanalistas a considerar as comunicações do grupo equivalentes às associações livres de um paciente. Alguns outros fenômenos descritos por Foulkes, como o de ressonância, mostram de que maneira se produz no grupo um encadeamento de sentimentos, reverberando em cadeias os sentimentos e as sensações compartilhadas pelos membros do próprio. Parece muito pertinente dizer aqui que esse conceito antecede ao da intersubjetividade, e que Foulkes se antecipa aos desenvolvimentos dessa teoria (Hakeem, 2008).
De acordo com Nitzgen (2013), Foulkes reconhecia no processo grupal as associações livres como autointerpretações de processos conscientes e inconscientes; a interpretação, para Foulkes, tem dois eixos: um horizontal (produzido por e entre os membros do grupo), que corresponde às "associações, reações ou respostas", e outro vertical, conduzido pelo coordenador do grupo. Todas as interpretações "cobram sentido no fundo comum do significado, a rede de comunicação, a matriz do grupo" (Foulkes, 1980, p. 5, itálico no original). O grupo, para Foulkes, "associa, responde e reage como um todo". Em um momento é um membro do grupo que fala, em outro, é outro, mas em todo momento está presente à sensibilização de uma "rede transpessoal", outro conceito foulkesiano. O grupo, nesses termos, opera como "um todo interconectado", os "indivíduos também se destacam", mas "suas fronteiras" não são as mesmas da pessoa física (Foulkes e Anthony, 1964/1970, p. 136).
De acordo com o método psicanalítico o processo de associação livre é priorizado, no entanto, ao mudar o enquadre ele é posto em questão, para aqueles que interpretam a cada um dos indivíduos no grupo, associar livremente surge como uma "interferência". De outro lado, no modelo interpretativo do grupo como um todo, ou não se menciona o associar livremente no grupo, ou se empresta uma "subjetividade" ao grupo como um todo, afirmando que as associações são produzidas por uma matriz grupal, uma "rede transpessoal" própria de "um todo interconectado" (Foulkes e Anthony, 1957/1964)
A regra fundamental da associação livre no grupo é preservada para a escuta dos dizeres e não dizeres dos membros. A pluralidade de discursos, a interdiscursividade, o entrelaçamento de palavras, olhares, lugares, mímicas e gestos apresentam, na situação grupal, algumas peculiaridades que o conceito de cadeia associativa grupal apresentada por Kaës (1985) permite discriminar e reconhecer: os efeitos, obstáculos, resistências e elementos facilitadores para a associação livre se instalar no grupo.
A cadeia associativa grupal
Algumas mudanças epistemológicas precisam ser pensadas para dar conta das peculiaridades da associação livre no grupo. Cabe destacar alguns conceitos que contribuem para esse objetivo: uma mudança da prevalência teórica da relação de objeto para uma teoria do vínculo; uma conceptualização da intersubjetividade desde a psicanálise; uma leitura da étayage, ou escoramento, como múltiplo e reticular; o trabalho do pré-consciente no grupo; e o conceito de polifonia. A teoria do vínculo vem romper a prevalência de um mundo dividido entre o interno e o externo, uma teoria da relação de objeto essencialmente fantasmática. A realidade se impõe como uma externalidade presente com a "mãe suficientemente boa", o outro winnicottiano tem uma presença verdadeira, viva, potencialmente capaz de apoiar, assegurar, suster e/ou largar, derrubar o sujeito. O outro, portanto, não é objeto da fantasia ou do mundo interno. Winnicott é um dos pensadores que descentralizam o predomínio do mundo intrapsíquico. O sujeito do vínculo é um outro que o precede ou antecede e que está ali antes mesmo da constituição do indivíduo como sujeito. A lógica do vínculo e da interseção dos espaços comporta inclusão e exclusão, conjunção e disjunção. No vínculo há algo comum, compartilhado e diferente.
As cadeias associativas estariam traçadas por processos de entroncamento ou articulação como os descritos na constituição do sujeito. O trabalho do pré-consciente que o grupo suscita é outro aspecto a ser considerado, já que algumas representações inconscientes que não haviam encontrado uma via de acesso para o pré-consciente "podem devir disponíveis e utilizáveis" (Kaës, 2007/2010, p. 191) graças ao trabalho com o outro, ao vínculo e ao encontro intersubjetivo. As cadeias associativas grupais facilitariam o processo de recuperação e transformação do pré-consciente. O trabalho associativo permitiria a transformação, metabolização e simbolização de conteúdos reprimidos, recalcados ou forcluídos. A pluralidade e a intensidade das solicitações pulsionais das demandas dos membros do grupo ativariam essas instâncias.
Do tsunami ao surto psicótico
Trata-se de um primeiro encontro de supervisão com os técnicos e enfermeiros de um hospital psiquiátrico. Uma vez realizada a proposta, cada um dos membros toma posse de um pedaço da folha e realiza o próprio desenho; desse modo, visualiza-se um telefone, uma flor, uma rosa, uma margarida, uma onda gigante que se destaca pelo tamanho no espaço da folha, em outro canto uma casa com plantações. Uma vez convidados a falar algo sobre seus desenhos, cada um deles vai sugerindo uma maneira de apresentação própria, como se precisassem mostrar de que maneira podem ser identificados: "Gosto de rosa, a rosa me lembra de como às vezes a gente pode ser como ela, ter espinhos e, outras vezes, ter a beleza da flor", "Essa flor me traz a calma, como eu gosto ser calma", "Gosto de margaridas", "Eu gostaria que a gente pudesse se comunicar, por isso fiz um telefone", "Esta é a casa da minha infância". Ao falar sobre a onda gigante, alguns membros do grupo parecem se mobilizar, surgem elementos associativos à seguinte cadeia: "Uma onda enorme", "Um tsunami" (as pessoas falam simultaneamente do ocorrido associado ao Japão). A seguir, o desenho da casa é "Ele é um sítio com um lago". Enquanto fala desse "sítio", alguns colegas riem: "A casa dos teus sonhos", "Isso ali não é um lago". Outro, dando gargalhada, divertindo-se, diz: "Isso é um 'pântano', não um lago" . Rapidamente, a "onda gigante" que lembra o "tsunami" da tragédia no Japão faz com que vários dos membros do grupo falem quase que simultaneamente do acontecido no Japão, das cenas da televisão. Enquanto isso, também ocorre algo semelhante quando falam do sítio. Segue-se simultaneamente uma série de associações e falas: do acontecido, do pântano, da destruição. Nesse momento, comentamos: "Quanta coisa para falar, está difícil acompanhar, parece uma confusão" e "Esse tsunami parece provocar algo tão violento, capaz de desmoronar as pessoas". Pouco depois de um silêncio, um dos membros fala de uma experiência recentemente acontecida com um paciente, vivida de maneira semelhante ao "tsunami", do momento do "surto", e comenta: "Estava eu no momento de estar com os pacientes ao ar livre, depois do almoço, e, de repente, eu não vi, mas fui atingido por uma pancada com um galho enorme, e era o Fábio que do nada me bateu com um galho que tinha caído da árvore". E os colegas acrescentam: "Eu tratei de segurar", "Eu não estava nesse dia", "Foi um horror", "A gente controla para que não haja nada que corte ou com ponta". Outro diz: "Mais um galho caído!" Nesse momento, comentamos: "Parece que aqui é como um tsunami, 'pântano', não se espera e acontece, como se nos pegasse desprevenidos, uma situação caótica, talvez como muitas que vocês vivem aqui". Isso permite trabalhar a possibilidade de serem alvos de uma agressividade vinda do paciente; o pouco valor que parece ter a opinião deles.
Aqui observamos uma sequência das cadeias associativas: "tsunami" "pântano", "surto psicótico", agressividade do paciente, "tsunami da experiência profissional" da enfermagem, vulnerabilidade perante o surto psicótico. A sequência confirma que as cadeias enlaçam desenhos (onda gigante) com palavras (tsunami), e palavras que constroem narrativas compartilhadas e comuns; sequências sincrônicas de elementos, encadeamentos de experiências, atos, sentimentos que permitem elaborar e perlaborar no grupo as diversas situações, sobretudo as traumáticas, vivenciadas no dia a dia pelos profissionais. A experiência permitiu falar, compartilhar e reconhecer sentimentos, medos, dificuldades singulares e compartilhadas.
Considerações finais
De acordo com o método psicanalítico, a atenção flutuante, prerrogativa do analista, perpassa paralelamente a indicação do analisando de associar livremente. Winnicott, com o modelo do trabalho do squiggle game, mostra que ambos os processos se dão entrelaçados, podendo se observar que, entre paciente e analista, processos coassociativos são produzidos. Consideramos surpreendente, nesse sentido, que, embora Foulkes pareça não se ter dado conta da sua importância, ele condensa esses dois processos em um só, ao nomear o que acontece no grupo como "discussão livremente flutuante", conceito que articula processos que se dão entrelaçados na intersubjetividade. Quando se trabalha com um grupo, talvez fique mais evidente que não se trata de um analista em "atenção flutuante" e um paciente "associando livremente" no grupo: os processos associativos se dão entretecidos em uma relação intersubjetiva.
Quando se introduz um mediador terapêutico como o pictograma grupal, o processo interdiscursivo está composto por um discurso que inclui outras manifestações que não são apenas a cadeia ou série de palavras, frases que servem para expressar verbalmente o que se sente ou o que se pensa. O discurso de um ponto de vista comunicacional inclui os traços, os rabiscos, os desenhos, os processos pré-verbais, gestuais. De acordo com esse princípio, as cadeias associativas grupais incluem uma pluralidade de discursos interagindo, manifestados por meio de olhares, gestos, traços, rabiscos, desenhos, figuras, composições pictográficas, palavras, entre outros, que constroem uma trama ou narrativa peculiar. Os desenhos, assim como as palavras, vão compondo uma polifonia de sentidos e significações coconstruída no encontro vincular.
O uso do pictograma grupal promove cadeias associativas grupais específicas, construídas graças ao recurso pictográfico e figurativo, enquanto os membros desenham, parecem ir reconhecendo na produção coletiva elementos que facilitam apropriação subjetiva de conteúdos psíquicos inconscientes e pré-conscientes, transformações que acontecem enquanto desenham, rabiscam e dialogam entre si.
O material apresentado mostra a sequência de algumas cadeias associativas que permitem reconhecer não só as particularidades e singularidades, como também os laços entre os membros, entre eles e com a instituição, a tarefa do cuidado, o medo do enlouquecimento, do sentimento de pouca contenção institucional, situações vividas como se "desfundassem".
Referências
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Recebido em: 1º/6/2015
Aceito em: 9/6/2015