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Jornal de Psicanálise

Print version ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.48 no.88 São Paulo Dec. 2015

 

HISTÓRIA DA PSICANÁLISE

 

Primórdios: psicoterapia analítica de grupo - A trajetória de uma ideia e de uma práxis

 

 

Odilon de Mello Franco Filho

 

 

 

Introdução

O meu contato com grupos terapêuticos de base psicanalítica data do início da década de 1960. Como paciente e como terapeuta, participei com bastante interesse e empenho nessa atividade que iria significar muito para mim, tanto no plano pessoal quanto no profissional. Nessa dupla condição, fui agente e testemunha daquilo que, no campo da psicoterapia, estava emergindo como um instrumento novo e de muito impacto na época.

Ainda hoje me sinto envolvido nessa atividade terapêutica. O porquê de ter empregado na frase anterior o advérbio "ainda" será esclarecido no decorrer do texto. Esse longo período de convívio com a Psicoterapia Analítica de Grupo (PAG) proporcionou-me algumas condições favoráveis às reflexões que se seguem. Elas trazem a condição ambígua de terem alicerce em uma experiência vivida (uma vantagem) e, ao mesmo tempo, de padecerem de escotomizações próprias de uma visão pessoal (uma desvantagem). Pretendo rever aspectos e fases de um processo cujo arranjo em minha mente pode não ter a precisão da localização temporal (histórica), mas expressa a minha representação desse movimento terapêutico. Não custa lembrar, também, que se trata de uma perspectiva obtida a partir e por meio do processo de evolução observado em terras paulistas. A sua generalização poderá ser mais ou menos cabível, dependendo da questão focalizada. O leitor encontrará dados documentais mais precisos em um minucioso levantamento, intitulado "Esboço histórico da psicoterapia analítica de grupo no Brasil", que integra os Anais do Primeiro Congresso Brasileiro de PAG (1969).

Propositadamente, evitarei, tanto quanto possível, citar nomes de colegas que se envolveram com o processo desde aqueles tempos e que deram inestimáveis contribuições à atividade grupal. Assim fazendo, evito algumas omissões e imprecisões, as quais acabariam não fazendo justiça a todos. Como este texto não pretende ser um "relatório", essas não citações ficam também justificadas.

 

Uma atividade emergente e promissora

A primeira experiência brasileira específica com grupos terapêuticos ocorreu no Rio de Janeiro sob a iniciativa de Alcyon Baer Bahia, em 1951, no Serviço Nacional de Doenças Mentais. Porém, a década de 1960 foi aquela que marcou o boom da PAG em nosso meio. Essa emergência não foi aleatória em relação ao panorama cultural da época; pelo contrário, possui íntima relação com ele, pois estávamos no auge das transformações sociais que marcaram aquela década. A procura de novos valores, a confiança no desabrochar de um homem novo baseado na expressão sem amarras da sexualidade e da afetividade em geral, o enaltecimento das identificações grupais como forma de contestação e apoio às descobertas pessoais, tudo isso (e muito mais) funcionou como um terreno fértil para que as terapias grupais fossem encaradas como avanço para socorrer o ser humano conflitado consigo mesmo e com a sociedade.

O fato de a PAG propiciar uma terapia mais barata que a psicanálise-padrão também foi decisivo para a divulgação e a aceitação do processo. Esse fato foi base de um paradoxo que sempre acompanhou a atividade em pauta. Se, por um lado, a PAG estendia sua força e eficiência em um terreno cultural muito rico (como já citei), por outro, nunca se livrou da pecha de ser uma "psicanálise dos pobres". Isto significava que, em relação aos analistas que empregavam o procedimento individual, os terapeutas da PAG serviam-se de um instrumento de "menor valor". Nesse preconceito, já observamos a presença de uma noção própria das sociedades em que o "capital" mede o valor das coisas.

 

A identidade do processo nas suas raízes

Os dois fatores essenciais que caracterizam o processo são apresentados na própria denominação (PAG): a condição terapêutica ligada à constituição de um grupo e a sua visão/interpretação em um enfoque analítico.

Comecemos pelo enfoque analítico. Inegavelmente, foi a obra Experiências com grupos, de Wilfred R. Bion (cuja primeira publicação ocorreu em 1948, e não como se divulga habitualmente, em 1961),1 que forneceu o referencial-chave analítico para o trabalho em grupo. Um outro texto de Bion, intitulado Dinâmica de grupo: uma revisão (1955), consolidou as ideias do trabalho anterior. A filiação ao trabalho de Bion nesse campo foi tão forte, que até hoje a presença de suas ideias é notada nos trabalhos, nas reuniões e nas discussões sobre grupo. Um desdobramento dessas raízes conceituais foi representado pela obra Psicoterapia del grupo (1957), do conceituado trio de autores argentinos: Leon Grinberg, Marie Langer e Emílio Rodrigué. Em 1959, os mesmos autores lançaram a obra El grupo psicológico, da qual faziam parte textos de outros autores, entre os quais brasileiros. O caráter significativo dessa obra é revelado em seu próprio subtítulo: "Sua aplicação à terapêutica, ao ensino e à pesquisa". A PAG tomava posse de seu campo de ação. A influência das quatro obras citadas foi tamanha, que ambas passaram a ser utilizadas como a "bíblia" da PAG. Curiosamente, o próprio grupo de terapeutas que trabalhavam em PAG passou a apresentar características de um "grupo de suposto básico" (em nível de dependência). Isto talvez tenha desestimulado a pesquisa de outros pontos de vista que avançassem àqueles propostos nas obras citadas. Parece-me que, hoje em dia, esse avanço está sendo possível, o que indica que os terapeutas da PAG estão libertando-se do peso dogmático atribuído a esses trabalhos. Mais uma vez, fica mostrado que a institucionalização de um conhecimento engessa o saber e fecha caminhos.

Curiosamente, Bion sempre foi o primeiro a alertar para tais riscos, mas parece que a sua obra não escapou desse destino. Nunca foi a sua intenção produzir pensamentos saturantes e acabados, porém escapava-lhe o uso que as pessoas pudessem fazer deles. De qualquer forma, ele não perdia a oportunidade de destacar o fato. Em uma entrevista que Bion concedeu a Anthony G. Banet, publicada em 1976, portanto três anos antes de sua morte e já no período em que não mais trabalhava com grupos, deixou claro que seu pensamento sobre grupos ainda demandava complementação. Assim, falando sobre os supostos básicos que desenvolveu, mencionou-os como válidos, mas fez questão de salientar que ainda era necessário encontrar um método para se chegar a eles. Aqui estava um convite à pesquisa e um aviso de que admitir como válidos os supostos básicos não significava a possibilidade de tê-los acessíveis à interpretação. Creio que, com dificuldade, alertamo-nos para o fato óbvio de que nenhum conhecimento consegue saturar uma experiência.

Passemos agora ao aspecto "grupo" propriamente. Ficou claro, desde o início, que a PAG, em sua versão mais "ortodoxa", pretendia ser psicoterapia do grupo, e não simplesmente psicoterapia em grupo. O próprio título da importante obra argentina citada relembrava essa característica. Isto implicava haver uma teoria que desse conta de explicar a natureza do fenômeno grupal. Além disso, tratava-se de saber qual o alcance de uma terapia que se dissesse dirigida ao grupo. Felizmente aqui, as ideias de Bion prestavam-se enormemente. Para o autor, "grupo" não era uma entidade, mas um ponto de vista. Com isso, ele se alinhava a Freud, para quem não havia diferença entre grupo e indivíduo. Bion enfatizava que o que chamamos de "fenômeno grupal" consistia na captação de algo que já faz parte da mente do homem, independentemente de ele estar reunido ou não com outras pessoas. O "grupo" faria parte de um funcionamento protomental, em uma área em que corpo e mente não se distinguiriam, com registros carentes de simbolização e que, com a cesura do nascimento, só voltaria a se manifestar em condições especiais. Essas manifestações, na vida pós-natal, seriam traduzidas como doença psicossomática ou comportamento grupal. O fato de algumas pessoas estarem reunidas não criaria nada de novo, mas apenas facilitaria a observação do que já existe. Como se vê, essa noção relaciona ao termo "grupo" processos inconscientes muito arcaicos e nada tem a ver com a noção sociológica de grupo comumente conhecida. A singularidade dessa concepção permite conceber o grupo como espaço válido para ações terapêuticas, já que esse "grupo interno" faz parte de cada indivíduo. Nisto reside a riqueza da atividade grupal: a possibilidade da captação de determinados níveis bastante profundos e arcaicos das manifestações inconscientes (pré-simbólicos) e a possibilidade de simbolizá-las. No trabalho de 1955, antes mencionado, Bion salientou seu ponto de vista favorável a considerar o trabalho de grupo capaz de criar um espaço de simbolização, visto que a capacidade de pensar não estaria totalmente impedida, havendo possibilidade, com o trabalho interpretativo, de se passar da configuração de grupo de suposto básico para a de grupo de trabalho. Ou seja, admitia um enorme potencial terapêutico na situação.

 

O "grupo" como conceito apropriado por grupo de suposto básico

Já me referi ao fato de que o próprio grupo de terapeutas de grupo pode comportar-se não como grupo de trabalho, mas como "grupo de suposto básico". Nessa ótica de "grupo de suposto básico", é possível identificar que o referencial bioniano sofreu transformações significativas em suas aplicações.

A primeira dessas transformações foi a que costumo chamar de reificação do conceito. Nessa etapa inicial do trabalho psicanalítico com grupos, a menção ao termo "grupo" extrapolava o conceito psicanalítico referido e o grupo terapêutico era tratado como coisa concretamente existente, em uma vertente sociológica que levava ao que hoje consideraríamos exagero. Assim, o terapeuta evitava chamar os participantes do grupo pelo nome, como se, se o fizesse, estivesse violando a singularidade do processo. Nessa mesma linha, alguns autores propunham a constituição de "grupos fechados" como sendo a fórmula autêntica de trabalho grupal. Ou seja: a atividade terapêutica iniciava-se com um número fixo de pacientes, e estes deveriam manter-se no grupo até o fim, o que ocorria quando se julgava que o "grupo" havia alcançado condições de alta. Em um Congresso Latino-Americano de PAG, um terapeuta uruguaio disse que não admitia receber seus honorários diretamente dos pacientes do grupo. Um deles era escolhido por seus pares para coletar o dinheiro e entregá-lo ao terapeuta. Atitudes como essas não são citadas a título de crítica, mas como testemunho de uma fase desse tipo de atividade.

Outra transformação das ideias iniciais, que pode ser mencionada, é uma espécie de competição que se instalou entre terapeutas de PAG e os colegas que realizavam apenas o trabalho analítico individual. A "psicanálise dos pobres" passou a reivindicar não só o seu puro status analítico, como, em algumas condições, advogou a sua superioridade sobre a análise padrão. Os que somente praticavam esta última contra-atacavam sob a alegação de que a PAG era superficial. De ambos os lados, era evidente a ação dos pressupostos narcísicos e competitivos dos grupos de luta e fuga. Talvez se esses dois grupos profissionais pudessem pensar e não atuar, veriam que essa polêmica comparativa perdia sentido, se se dispusessem a ler com mais cuidado o próprio Bion. O trabalho individual e o trabalho grupal (constituição de dupla, em um caso, e constituição de grupo, em outro), para o autor, permitiam pontos de vista diferentes para a observação da atividade mental. Mesmo no trabalho anteriormente citado (1955), quando Bion faz questão de dizer que, em sua opinião, terapia de grupo e psicanálise não são a mesma coisa, em nenhum momento advoga a superioridade de um processo sobre o outro. Talvez essa polêmica não esteja hoje completamente afastada, mas certamente ocorre em um contexto emocional diferente.

 

À procura de um abrigo

Essa questão da validação da PAG diante da psicanálise foi acompanhada de um problema correlato, expresso em nível institucional. Se correspondia à PAG um "nicho" científico explícito e mais ou menos estabelecido, seus terapeutas ainda procuravam, algumas vezes, ter o seu trabalho validado pelos colegas das Sociedades de Psicanálise a que pertenciam. É significativo disso o fato de que, apesar de o i Congresso Latino-Americano de PAG ter-se realizado em 1957 (em Buenos Aires), somente no iv Congresso, realizado em 1964 (em Porto Alegre), é que o evento teve um caráter independente de qualquer congresso de psicanálise. Em âmbito nacional e estadual, a necessidade desse "patrocínio das instituições psicanalíticas" também se repetiu por muito tempo. Em São Paulo, isso foi marcado pela seguinte situação: a Sociedade Paulista de Psicologia e Psicoterapia de Grupo já se havia estabelecido oficialmente (em 1960), tinha reuniões científicas próprias e, ainda assim, seus membros almejavam que nos congressos de psicanálise houvesse uma programação à parte, destinada à apresentação de trabalhos sobre PAG, de autoria dos que pertenciam às duas entidades. A negativa de que esse espaço fosse aberto nos congressos, ou mesmo em reuniões científicas da Sociedade de Psicanálise, ao contrário do que se temia, não prejudicou o movimento de grupo. Pelo contrário, ajudou a reforçar a sua identidade, já que os terapeutas de PAG tiveram de criar espaços próprios para o seu desenvolvimento científico. Hoje se pode tentar interpretar essa procura de um abrigo institucional como um movimento de identificação a um poder reconhecido, em uma fase na qual a "prima pobre" ainda procurava firmar-se em um contexto de grupo de "suposto básico de dependência".

 

Um luto que se transforma em orfandade

Nesse contexto de grupo de dependência, ocorreram fatos importantes no movimento de PAG que vieram a ter consequências marcantes: nossos "pais", iniciadores e modelos não mais atuaram no campo e, consequentemente, deixaram de produzir e comunicar sua experiência. Então, o movimento tornou-se órfão.

Como já foi citado, o pensamento sistematizado de Bion sobre a atividade com grupos teve seu marco inicial em Experiências com grupos (1948) e deu-se por terminado (ou interrompido, melhor dizendo) em 1955, com Dinâmica de grupo: uma revisão. Embora este seja um trabalho extenso, ele faz parte de uma obra de vários autores denominada Temas de psicanálise aplicada. É interessante notar que o título da obra deixa explícito que os trabalhos em pauta referem-se à psicanálise aplicada. Bion, no texto, parece reforçar essa demarcação de território ao afirmar, como já mencionei, que é preciso distinguir PAG de psicanálise. Pode-se dizer que esse texto constitui o "testamento" da experiência de Bion com grupos. Em 1970, publica-se Atenção e interpretação. O valor dessa obra para a PAG reside não na referência direta ao trabalho com grupos (não há uma menção sequer ao chamado "grupo terapêutico"), mas às considerações que faz sobre a relação entre o místico e o grupo, sobre o papel do establishment etc. Nas inúmeras conferências que pronunciou, na década de 1970, Bion fez algumas alusões à dinâmica grupal, porém, não se deteve no tema. Refere-se a ela apenas en passant.

Ele nunca esclareceu devidamente por que deixou de trabalhar com a PAG. Na entrevista a Banet, de 1976, foi-lhe perguntado se tinha prazer em saber que ainda havia muitas pessoas que compareciam a congressos sobre relações de grupo e interessavam-se por suas teorias de grupo. Respondeu: "Em um certo sentido me é indiferente, porque estou fora do trabalho sobre grupos e ainda estou trabalhando muito sobre indivíduos". Mais adiante, ao encerrar a entrevista, Banet volta a questioná-lo sobre o mesmo assunto: teria ele intenção de escrever alguma coisa sobre grupo? Bion responde com sua fleuma e seu laconismo já conhecidos: "Espero vir a fazê-lo, mas, sabe, um dos problemas de hoje é achar tempo. Atualmente, estou muito absorvido com meu trabalho com indivíduos".

Se Bion estava sendo sincero (e não podemos sabê-lo com certeza), então o tempo foi mesmo o seu problema: veio a falecer três anos após essa entrevista ser publicada.

Parece-me exato considerar que a entrevista com Banet representa o último registro das suas ideias sobre grupo. O mérito do entrevistador foi ter dirigido suas questões a Bion de forma a extrair dele o máximo possível de considerações a propósito de grupos. Nessa situação, ele não se fez de rogado e brindou-nos com ideias brilhantes, que enriquecem tudo o que expôs em épocas anteriores. Fica claro que nunca minimizou o enorme potencial heurístico dos grupos para a compreensão da mente. O restante é silêncio...

Em certa ocasião, circulou nos meios psicanalíticos uma versão para esse silêncio: teria sido reflexo da opinião negativa de Melanie Klein sobre a PAG. Como se sabe, Bion foi seu analisando, relacionava-se com ela no ambiente da Sociedade Britânica de Psicanálise e poderia ter desejado não entrar em conflito com ela. Mas isso não parece ser muito provável, considerando-se vários fatores. Primeiro, ele era notadamente cioso da independência de seu pensamento, o que até lhe rendeu muitos aborrecimentos em várias ocasiões. Segundo, deve-se lembrar que Bion analisou-se com M. Klein até 1953, ou seja, em época anterior ao segundo trabalho fundamental que citamos anteriormente (a Revisão, de 1955). Mesmo o falecimento de Klein, em 1960, poderia ter favorecido a criação de um campo aberto para continuar expandindo suas ideias sobre grupo e, se isso não aconteceu, foi por outros motivos. Enfim, essa morte não devidamente explicada pode ter deixado suas marcas no grupo de analistas interessado em PAG. Quais possam ter sido, tentaremos ver mais adiante.

Um episódio correlato também ocorreu no grupo argentino, que deu contribuições notáveis à PAG. A pesquisa que se iniciara com Psicoterapia del grupo (1957) e que prosseguiu com El grupo psicológico (1959) ainda se manteve, mas alimentada pela experiência de outros autores. Embora o tema da psicologia grupal ainda possa ter sido explorado separadamente por Grinberg, Langer e Rodrigué, a PAG não mais surgiu como tema central em suas preocupações científicas. Na Argentina, a perseguição política ocorrida na década de 1970, por conta da ditadura militar, foi um fator importante para arrefecer ou mesmo obstaculizar o movimento grupal. Incomodava os governantes a ideia de pessoas que viessem a se reunir para pensar. Os três autores faziam parte do êxodo de analistas em direção a outros países mais seguros. O interessante é que, embora tivessem, nesses países de destino, a liberdade para produzir o que quisessem, não retomaram a linha específica da PAG. Leon Grinberg tem um trabalho intitulado "Bion's contribution to the understanding of the individual and the group", que integra o livro Bion and group psychotherapy editado em 1985 por Malcolm Pines. Essa é a última referência de que tenho conhecimento sobre um trabalho de Grinberg nessa área. Curiosamente, em um encontro pessoal que tive com ele em Buenos Aires, em 1991, durante um Congresso da Associação Psicanalítica Internacional (IPA) tive oportunidade de lhe perguntar por que tinha deixado de se interessar pela PAG. Ficou alguns segundos em silêncio, depois me olhou nos olhos e disse, com impressionante sinceridade: "Não sei", para mim, foi mais uma morte não explicada.

Mortes não explicadas conduzem a lutos patológicos. No caso da PAG, esse luto especial foi traduzido em uma situação de orfandade científica que, se não foi vivida conscientemente, deixou marcas, sobretudo na evolução conceitual de que o instrumento de trabalho necessitava.

 

A evolução do movimento

As: dificuldades apontadas, porém, se influíram na evolução dos acontecimentos, nem por isso impediram que a PAG atravessasse as décadas de 1960 e 1970 como prática de considerável aceitação. Cientificamente, ela também não estagnou. A reunião das Sociedades de PAG em associações (Associação Brasileira de Psicoterapia Analítica de Grupo foi fundada em 1963) e em federação de âmbito latino-americano, os congressos periodicamente realizados e os trabalhos em publicações especializadas contribuíram para manter a atividade viva.

O afastamento voluntário dos autores, pioneiros mais conhecidos, gerou a orfandade mencionada, mas foi, em parte, suprida por outros nomes, que, já nessa época, chamavam a atenção pela qualidade de suas produções. Além de Wilfred Bion, autores ingleses como Siegmund Poulkes e H. Ezriel já eram conhecidos. Dos Estados Unidos, eram conhecidos Samuel R. Slavson e Paul Shilder. Da escola francesa, vinham os trabalhos de Didier Anzieu e René Kaës. Também devem ser lembrados Elliot Jaques e Kurt Lewin. A produção local brasileira era igualmente significativa, centrada não na publicação de livros, mas na apresentação de relatos em congressos. Este é um pormenor que deveria ser objeto de reflexão.

Em termos práticos, a PAG encontrava abrigo, basicamente, nos consultórios e nas instituições psiquiátricas ou psicoterápicas. Essas circunstâncias criavam diferenças que devem ser mencionadas. Nos consultórios, os grupos "heterogêneos" predominavam, ou seja, aqueles em que o perfil psicológico dos integrantes era o mais variado possível, não havendo uma meta comum explí cita a ser atingida, proposta como tarefa de cura do grupo. Semelhantemente ao trabalho psicanalítico, tratava-se de uma proposta aberta ao desenrolar associativo e interpretativo. A unidade do grupo, nessa forma heterogênea, não é dada pelas características ou pelos sintomas previamente apresentados pelos participantes, mas por uma tarefa mais geral. Já nas instituições, predominavam os grupos "homogêneos". A seleção dos integrantes obedecia ao tipo de trabalho que a instituição oferecia à comunidade. Assim, formavam-se grupos de alcoólatras ou de portadores de outras entidades clínicas específicas, de mães, de casais, de estudantes, de adolescentes, de profissionais; egressos de faculdades (professores, médicos, enfermeiros, assistentes sociais etc.). O trabalho com grupos homogêneos corresponde ao que se pode chamar de trabalho de aplicação dos conceitos da PAG e já era objeto de atenção da obra El grupo psicológico, citada anteriormente. Os "grupos operativos", desenvolvidos por Enrique Pichón-Rivière já na década de 1940 (na Argentina), são um exemplo consistente dessa modalidade de trabalho centrada em uma tarefa específica.

Em São Paulo, com as dificuldades existentes para obter o abrigo institucional, a PAG desenvolveu-se com vigor nos consultórios, e, em decorrência disso, a forma dos grupos heterogêneos foi a predominante durante o seu apogeu. Não obstante, na segunda metade da década de 1960, ocorreu a instalação de serviços de terapia de grupo de orientação analítica em duas importantes clínicas psiquiátricas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e a do Hospital do Servidor Público Estadual. Obviamente, os grupos formados eram homogêneos.

No plano técnico, a PAG também apresentava variedade na maneira de estruturar o trabalho proposto. Assim, em relação à frequência das sessões, adotava-se o esquema de uma ou duas sessões semanais, com duração de uma hora cada, ou uma hora e meia. Alguns grupos contavam com um observador silencioso, que discutia com o terapeuta, após as sessões, o seu desenrolar. Havia também a forma de terapia, na qual dois terapeutas, com igualdade de atribuições, encarregavam-se do trabalho interpretativo. Desenvolveu-se ainda um esquema de terapia associada, em que os pacientes participavam tanto de um grupo quanto de uma terapia individual, podendo esta ser ou não com o mesmo terapeuta. Em uma outra forma de grupo, eram programadas quatro ou cinco sessões semanais, cabendo aos pacientes frequentar livremente quantas delas desejassem, de modo que a configuração das presenças nas sessões nunca era a mesma.

Em nosso meio, não obtive registro da formação de grupos fechados. Todos de que tenho conhecimento eram abertos, ou seja, a entrada e a saída de membros podia ocorrer a qualquer momento. Não havia, portanto, algo equivalente a uma "alta" do grupo como um todo.

Embora existissem essas variações técnicas, havia um consenso de que se devia privilegiar a interpretação da fantasia grupal, captada como emergente das várias situações vividas. Integrá-la na rede conceitual dos supostos básicos de Bion era a meta almejada, a qual dava ao trabalho a condição de psicanalítico.

Vale também mencionar algo a respeito da PAG como instituição. Em São Paulo, a Sociedade Paulista de Psicologia e Psicoterapia de Grupo foi fundada em 1960. Os seus membros eram, na maioria, psicanalistas ligados à Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Durante muitos anos, ela funcionou sem um Instituto que se incumbisse formalmente de preparar novos terapeutas de grupo. Este só surgiu posteriormente, funcionando com um corpo diretivo e docente próprio, bem como com regras curriculares. Essa defasagem entre a fundação da Sociedade e a instalação de seu Instituto talvez tenha sido responsável por parte das dificuldades com que a instituição deparou para o seu desenvolvimento, visto que a preparação de novas gerações de terapeutas ficou comprometida por um certo tempo. Outro fato que merece registro é que, em sua história, a Sociedade de grupo modificou seus estatutos e sua denominação, pelo menos em duas ocasiões. De certa maneira, isso pode indicar tanto uma certa capacidade para mudar, atendendo a uma dinâmica vivida, quanto pode significar um árduo caminho na busca de uma identidade não consolidada. A sua denominação atual é Sociedade Paulista de Psicoterapia Analítica de Grupo.

 

Tempos de dificuldades

Toda instituição nasce de uma crise e desenvolve-se em crises. Nos tempos iniciais, as crises sinalizam as fases do desenvolvimento e da consolidação. O que destacarei, a seguir, não são as dificuldades no crescimento do movimento de PAG, e sim uma tendência registrada para declinar sua difusão e sua importância.

Não é fácil localizar com precisão quando se iniciou esse período de dificuldades. Parece, contudo, que pode ser notado já a partir do início da década de 1970.

Quais os sinais do declínio da atividade da PAG em nosso meio?

• diminuição da demanda por terapia na linha de PAG;

• aumento do interesse por outras formas de terapia grupal;

• diminuição do número de profissionais que mantiveram atendimento como terapeutas de PAG;

• diminuição da demanda por formação de terapeutas na linha de PAG;

• diminuição da produção científica sobre grupos, em abordagem psicanalítica, enquanto cresce a produção sobre casais e família, geralmente sob diferentes abordagens (sistêmica etc.);

• retração no funcionamento das instituições de PAG.

Não é tarefa fácil estabelecer relações causais para esses fatos. O que tentarei é pôr em discussão algumas questões que podem servir à guisa de fatores que devem ter influído nas transformações mencionadas. Elas não esgotam o assunto, não respondem a boa parte das interrogações a respeito desse declínio, o que, aliás, é uma dificuldade com a qual deparam todos os colegas que se propõem a investigá-lo. A discussão dessas questões não obedecerá aqui a nenhuma ordem hierárquica de importância, sendo que cada leitor interessado poderá estabelecer a sua.

 

Esgotamento dos modelos conceituais

Embora tenha havido esse esgotamento, é difícil avaliá-lo diante dos demais problemas apresentados pela PAG. Não é difícil, porém, relacioná-lo, pelo menos em parte, àquela "orfandade" já mencionada. Entre nós, havia uma grande dependência teórica das ideias expostas por Bion e desenvolvidas pelo trio de autores argentinos (Grinberg, Langer e Rodrigué). O afastamento realizado por eles em relação à prática grupanalítica estancou uma importante fonte de reflexões que, se substituída parcialmente, jamais o foi com a mesma eficácia de adesão que anteriormente se verificou. O "grupo de dependência" formado em torno dessas ideias teve dificuldade para superar a orfandade não explicada. Com isso, quero dizer que a causa mais básica desse esgotamento estaria nas dificuldades emocionais dos grupoterapeutas, as quais acabaram impedindo a superação do luto mencionado e o revigoramento dos modelos empregados.

Enquanto a PAG parecia "dar certo", enquanto ela tinha boa aceitação social, não se sentiu a necessidade de atualizar continuamente as teorias subjacentes à prática. Mais uma vez aprendemos que, quando uma teoria é "boa demais" e parece conter um campo explicativo muito abrangente, ela obscurece dados importantes da experiência. Foi o que aconteceu com o manejo feito das ideias de Bion. Por exemplo, prestava-se atenção à ocorrência dos supostos básicos, mas a sua investigação no plano conceitual não progredia. Convém salientar que o próprio Bion tinha consciência do fato de que suas ideias exigiam aprofundamento e desenvolvimento. Na entrevista a Banet, ele advertiu que o conceito de suposto básico requeria ainda uma ampla elaboração e que uma abordagem de grupo "deveria ter os próprios métodos para representar o próprio suposto de base em atividade". Mais adiante, Banet faz uma espécie de provocação. Ele opina que tem a impressão de que Bion considera o seu trabalho, sobretudo o livro Experiências com grupos, somente como um início, mas que outras pessoas o consideravam uma obra definitiva. Bion é enfático e não deixa margem a dúvidas, respondendo: "Seria, na verdade, uma pena. O livro não é o ponto de vista definitivo, e exorto aqueles que estão trabalhando com grupos a fazer com que ele se torne superado o mais rápido possível". Em um trecho seguinte da entrevista, Bion volta à carga sobre esse assunto: "seria ridículo permitir à 'teoria de Bion' funcionar de um modo rígido, como um molde (clichê), porque isso bloquearia o crescimento do indivíduo e dos indivíduos que compõem um grupo".

Seria errôneo, porém, admitir que essas questões fizeram estancar, definitivamente, a investigação em PAG na esteira das propostas de Bion. Um exemplo de desenvolvimento teórico que prossegue e que se expande é representado pelos trabalhos e pelas publicações do grupo italiano de analistas que acolheu, com vigor, as ideias de Bion e foi responsável pelas conferências que ele realizou na Itália, onde estava radicada a sua filha Parthenope. Refiro-me a autores como Neri, Correale, Fadda, Bernabei, Gatti, Cotugno e outros.

Em uma outra vertente, sem ligação central com as ideias de Bion e com vinculação a R. Kaës, citamos os trabalhos atuais de M. Bernard, M. L. Hoste, D. Kordon, M. L. Cao, L. Edelman, M. Segoviano, todos na Argentina. Em Portugal, encontramos a obra de E. L. Cortesão, C. V. Dinis, J. Azevedo e Silva, M. R. Leal, A. G. Ferreira, L. Manso Neto, M. Etelvina Brito, entre outros.

A conclusão a que se pode chegar é que a investigação em PAG não estancou e, por isso, não podemos atribuir a esse fator as dificuldades que a sua difusão vem apresentando.

 

Esgotamento de um modismo

Mencionar aqui a questão do "modismo" não significa, em absoluto, considerar a PAG, em si mesma, como tal. Ela possui alicerces conceituais e metodológicos suficientes para se situar além desse terreno passageiro; por isso, a minha menção a modismo refere-se à representação social que a PAG possa ter tido. De fato, a ampla aceitação que ela teve, tanto por parte dos profissionais psicoterapeutas quanto por parte dos pacientes, coincidiu, como já referi, com uma condição sociocultural, ideológica, de uma época que acentuava muito os valores da grupalidade como modo de afirmação e expressão da identidade. Existia, portanto, um terreno favorável à aceitação de uma forma de terapia em grupo. Discutir os seus problemas emocionais em grupo equivalia, para as pessoas envolvidas, a estar participando de um movimento ideológico no qual todas as formas de repressão individual e social eram questionadas e desmistificadas. Assim, a participação em uma terapia de grupo era uma fantasia de participação política no questionamento do establishment.

Com as transformações sociais e culturais que se seguiram, os movimentos ideológicos foram perdendo o seu poder de atração, e o desejo manifesto de grupalidade passou a expressar outros conteúdos, outras fantasias. A fragmentação dos níveis de apreensão da realidade (a tendência da chamada Pós-Modernidade) fez com que se procurasse um grupo por novos motivos, sendo todos marcados pela especificidade de objetivos ligados ao pragmatismo de resultados e praticamente preocupações ideológicas contestatórias. No plano clínico, isso foi traduzido pelo maior interesse na formação de grupos homogêneos, que se afastam das propostas iniciais (dos grupos heterogêneos) de serem abertos ao desconhecido da pesquisa sobre o inconsciente. O que predomina é uma grupalidade de interesses específicos em questões do tipo: "como parar de fumar (ou beber)?"; "como parar de comer tanto?"; "como vencer o pânico?"; "como superar o medo de sexo?".

Ainda no plano da observação dos modismos que envolveram a imagem da PAG, vale citar algumas distorções folclóricas criadas a respeito do acontecer grupal em um consultório (e aqui não se trata especificamente da imagem da PAG, mas das terapias grupais em geral). Passou a circular entre o público uma visão "hollywoodiana" do processo grupal, como se ele fosse o equivalente a um strip-tease mental, durante o qual os participantes (por vezes em altos brados) denunciavam, mutuamente, os disfarces e as mentiras em que viviam. Em uma versão menos branda, o grupo terapêutico também era considerado como palco de "liberações" sexuais que não ficavam apenas no plano verbal. Não é difícil concluir como tais distorções podem ter contribuído para comprometer a confiabilidade no processo grupal.

Parece que o modismo existiu também por parte dos terapeutas que aderiram ao trabalho de PAG. A minha experiência em São Paulo é indicadora de algo nessa linha. A segunda geração de terapeutas de PAG, em boa parte, não prosseguiu como tal, sendo que alguns passaram a se interessar pelo psicodrama; outros voltaram a realizar unicamente um trabalho individual. Se o movimento de PAG prosseguiu, se a formação de outras gerações de terapeutas continuou, isso se deve ao esforço e à determinação dos pioneiros locais. Surpreendentemente, não se vive aqui a reprodução do luto e a orfandade observados no plano da relação com os "mentores" internacionais.

Não pretendo esgotar as explicações do que levou a diminuir a demanda por PAG com base na consideração dos modismos. Alguns fatos, tais como a vitalidade ainda observada no âmbito do psicodrama, introduzem mais ângulos a serem investigados.

 

Mudanças políticas no cenário nacional

Em vários países da América Latina, os regimes ditatoriais foram, certamente, os responsáveis pelas dificuldades enfrentadas para o prosseguimento da PAG nos padrões iniciais. O receio de que as reuniões grupais terapêuticas fossem tomadas como acobertamento para "atividades subversivas", o fato de alguns terapeutas serem conhecidos, em outros níveis de atividade social, como opositores ao regime e o exílio forçado a que alguns tiveram de recorrer contribuíram para comprometer a continuidade do trabalho, com o consequente esvaziamento da oferta e da demanda clínica. No Brasil, o panorama político durante a ditadura militar instalada a partir de 1964 não influiu no movimento de PAG da mesma forma ou intensidade que na Argentina e no Uruguai, por exemplo. Pode-se dizer que, de maneira geral, se dificuldades ocorreram, elas não chegaram a ter influência nos rumos futuros da prática.

 

Problemas econômicos

É claro que, em períodos de recessão econômica, a capacidade de as pessoas custearem uma terapia, mesmo grupal, também entra em crise. No âmbito econômico, seria de se esperar que, entre todas as formas psicoterápicas existentes, as terapias grupais fossem as menos afetadas por essa condição, visto que representam uma opção acessível para um maior número de segmentos sociais, mas na prática isso não ocorre. O esvaziamento da demanda em PAG, quando o poder aquisitivo cai, parece que se dá na mesma intensidade que outras terapias, mesmo quando estas são mais dispendiosas.

Esse panorama, se realmente ocorre, contradiz, em parte, uma das razões históricas pelas quais se tem justificado a difusão da PAG: a de ser uma forma economicamente viável para que os enfoques psicanalíticos pudessem estar à disposição de práticas psicoterápicas acessíveis a um grande número de pessoas.

A situação da oferta profissional em psicoterapia também tem a ver com o que estamos tratando, pois nas últimas décadas aumentou o número de profissionais em psicoterapia. Jovens recém-saídos dos bancos acadêmicos, com um pequeno investimento em uma formação específica no campo, oferecem atendimento psicoterápico individual, cerca de uma vez por semana, cobrando honorários inferiores aos cobrados por grupoterapeutas de linha analítica, os quais tiveram de passar por uma análise pessoal e um longo período de formação. O resultado é que, para o eventual paciente, a opção por um trabalho individual nesses moldes fica mais barata que por um trabalho grupal como o de PAG. Esses fatores não podem passar despercebidos na problemática que estamos enfrentando.

 

A questão do apoio e do abrigo por parte das instituições psicanalíticas

Se, entre nós, os terapeutas de PAG queixaram-se da falta desse apoio e se isso influenciou nas direções que o movimento tomou, não significa que temos de justificar nossas dificuldades na base desse argumento. A contraprova disso está no que aconteceu em países como a Argentina e o Uruguai. A estreita e até histórica vinculação entre as respectivas sociedades de psicanálise e as de PAG não impediu que fossem observados problemas e crises semelhantes aos nossos. O argumento em pauta não resiste à crítica mais aguda.

 

Considerações finais

As questões aqui reunidas e comentadas são apenas algumas pistas na elucidação da trajetória de um corpo de ideias e da prática que convencionamos chamar de "psicoterapia analítica de grupo". A identidade desse trabalho pode suscitar ainda muitos outros debates.

A proposta de balizar o caminho pelo qual a PAG instalou-se e floresceu entre nós torna-se uma tarefa desafiadora para qualquer estudioso do campo. Por isso, tais considerações apenas recolhem marcas de um caminho cheio de entrecruzamentos e surpresas. Tenho consciência de que muitas afirmações feitas carecem de rigor e de comprovação documental para aspirarem ao nível de exatidão que um trabalho acadêmico poderia conter. No entanto, esta não foi a minha intenção e talvez nem esteja ao meu alcance.

Ao longo da elaboração deste texto, senti-me, por vezes, emocionado, como quem estava falando de si mesmo, tal o grau de identificação que tenho com essa história. Isso talvez seja significativo de algo importante. Para os colegas da minha geração e para alguns que me antecederam, trabalhar e operar na perspectiva da PAG representava um investimento valioso e profundo, que deixou marcas importantes em nossa identidade e na maneira de encararmos a própria psicanálise. Creio que este é o legado mais precioso a ser oferecido às gerações posteriores de terapeutas. Resgatar esse espírito é tão importante quanto superarmos as dificuldades apontadas. Tal afirmação deixa óbvio que alimento desejos e esperanças de que a PAG ocupe o lugar de respeito que merece no contexto das psicoterapias grupais; é claro que não será como antes. Um certo romantismo que cercou a prática e, por que não confessar?, uma idealização messiânica do processo necessitariam ser retificados, bem como o método aprimorado.

A PAG, como corpo teórico alicerçado em uma clínica, é um patrimônio que, sobrevivendo a modismos e adesões superficiais, está aí para ser aproveitado e transformado; por isso, não podemos descartá-la nem desperdiçá-la. Tais considerações levam-me a fazer uma analogia com aquela peça de Pirandello: "Seis personagens à procura de um autor". A PAG é uma ideia (ainda) brilhante, uma preconcepção, como diria Bion, à procura de um líder, um gênio, ou um "grupo", que venha a "pensá-la" e transformá-la (de novo) em uma ideia operativa fértil. Oxalá esse momento já tenha chegado e, talvez, esta coletânea de trabalhos reflita isto.

 

Nota

O autor deseja consignar e agradecer aqui a colaboração preciosa dos Drs. Nelson Poci, Waldemar José Fernandes e Antônio Carlos Eva no levantamento de vários dados históricos referidos no texto.

 

Referências

Banet, A. G. (1995). Entrevista com Bion, Ide, 26, 17- 25.         [ Links ]

Rossi, A. B. (1999). Evolución de la psicoterapia analítica de grupo (APU 1955·1998). Rev. Uruguaya de Psicoanál., 89, 185-208.         [ Links ]

Zimmermann, D., & Bertoni, M.(1968). Esboço histórico da psicoterapia analítica de grupo no Brasil. Congresso Brasileiro de Psicoterapia Analítica de Grupo, 1. Porto Alegre. Anais... (s.n.), 41-55.         [ Links ]

 

 

1 Este texto fundamental apareceu, pela primeira vez, como parte da publicação Human Relations, vol. 1 (3 e 4) e vol. 2 (1 e 2), Londres, 1948.

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