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Jornal de Psicanálise
Print version ISSN 0103-5835
J. psicanal. vol.49 no.91 São Paulo Dec. 2016
TRADUÇÃO
A ideologia é uma posição mental específica. Ela nunca morre (mas se transforma)1
René Kaës
Psicanalista, analista de grupo, professor emérito de Psicologia e Psicopatologia clínicas, Lyon
Comecei a refletir sobre o que poderia constituir uma abordagem psicanalítica um pouco antes de 1968 e imediatamente após 1968.
Para uma grande parte do mundo, 1968 foi um ano marcante. Ele repôs em ação os processos de transformação das relações sociais e das relações entre as gerações, as diversas formas de autoridade e de poder, as relações entre os sexos e certa liberação na vida sexual. Esse ano, mais uma vez, reinscreveu, de uma forma original, as ações revolucionárias nos espaços coletivos, intersubjetivos e individuais. As pessoas de minha geração e das que se seguiram foram confrontadas, nesses movimentos, com duas formas principais de mentalizações2 que acompanharam esse movimento e lhe conferiram sua especificidade: a tensão entre a ideologia prescritiva, certa de sua visão de mundo, e a utopia indicativa e sonhadora, exploradora das possibilidades.
O ano de 1968 não surgiu sem que premissas o anunciassem e tivessem antes trabalhado as psiques e as sociedades. Em 1965 e 1966, Anzieu e eu pusemos em ação um dispositivo de trabalho psicanalítico sob a forma de dispositivo de grupo, já explorado por Pichon-Rivière, Bion e Foulkes, para citar apenas alguns pioneiros. Por nosso lado, trazíamos outra concepção do que está em jogo no trabalho psicanalítico. A elaboração clínica dessas experiências forneceu alguns conceitos e alguns modelos que tiveram, em seguida, um potencial heurístico bem poderoso, tanto no plano clínico quanto no teórico. Anzieu descobria nisso a ilusão grupal, e eu lançava as bases do modelo do aparelho psíquico grupal. A análise que eu propunha revelava-se sensível a três formas de mentalizações emergentes nos grupos. Eu as chamava "posição" ideológica, posição utópica e posição de mitopoética. Descreverei, mais adiante, o que denominei assim, e como esta abordagem me tornou atento aos efeitos dessas posições nos pacientes que eu recebia em tratamento psicanalítico.
Eu expus minhas observações clínicas e minhas hipóteses sobre essas três "posições" na obra que publiquei em 1980, A ideologia. Estudo psicanalítico. Nessa obra eu desenvolvia a ideia de que, além de suas posições históricas, a posição ideológica é uma disposição permanente do espírito humano, e de que sua manifestação corresponde a constantes psíquicas associadas a contextos sociais bem precisos. A posição ideológica subsiste e se transforma enquanto seus conteúdos se modificam: ela se manifesta, às vezes, sem organização sistemática, mas principalmente sob a forma de núcleos duros e de fragmentos isolados que, em certo momento, se reúnem em novos sistemas ideológicos. Ou seja, a ideologia não se define unicamente por seu conteúdo, mas também por uma posição mental específica e recorrente.
A ideologia, como posição psíquica e coletiva, nunca morre. A posição ideológica se forma cada vez que o espaço psíquico de um sujeito, de um grupo ou de uma instituição é ameaçado em seus fundamentos, em seu conjunto de certezas, em suas crenças e nas representações da causalidade impostas pela visão/concepção de mundo que a justifica.
Assim, três componentes encontram-se associados em uma configuração notável: a Ideia onipotente (que ocupa o lugar de princípio de realidade), o Ideal, que fundamente sua crença, e o Ídolo, que, como uma divindade, os protege e aos quais é preciso servir sem interrupção nem ambiguidade. A fidelidade3 imperativa a esta trindade antessimbólica corresponde à exclusão de qualquer outra forma de pensamento. A ideologia é uma construção sistemática, edificada como defesa contra a dúvida e o desconhecido; ela pretende fornecer uma explicação universal e total segundo um princípio único de causalidade. Eu retomei, revi e completei essa análise em uma obra publicada em 2016, isto é, após uma manifestação importante, violenta e radical da ideologia, tal como ela se exprimiu no terrorismo e nos atentados assassinos perpetrados em todo o mundo desde 2001.4
Não vou refazer o longo e hesitante caminho que caracteriza a pesquisa analítica a partir do ensaio de 1932 sobre a Weltanschauung, ensaio de uma importância de primeira ordem, no qual Freud introduz, por meio da especulação, a questão da consistência psíquica da ideologia no campo do pensamento e da clínica psicanalíticos.
Limitarei minha exposição neste artigo ao que entendo por posição ideológica. Na época em que estabeleci seus limites, esta era uma empreitada muito mais complexa do que parece atualmente. Eu não podia avançar por esse caminho sem estabelecer as condições teóricas e metodológicas necessárias para construir uma problemática psicanalítica da ideologia. E, antes de mais nada, em que essa problemática e os conceitos que a embasam nos apresentam suas relações com os processos e as formações do inconsciente? Como a ideologia funciona no espaço do sujeito singular, no dos vínculos intersubjetivos e no espaço psíquico dos grupos e das instituições? E que tipos de subjetividade a ideologia supõe e mantém? E como ela se transforma? Uma abordagem como essa nunca tinha sido realizada até então.
O campo de minha prática psicanalítica definiu o campo metodológico e epistemológico de minhas pesquisas: o tratamento individual, o trabalho psicanalítico com grupos dotados de um dispositivo estruturado pelos requisitos do método psicanalítico e o acompanhamento de instituições em crise.
Essa prática ampliada levou-me a descrever a existência não de um único espaço de realidade psíquica, mas de três. O primeiro é o do sujeito singular. O segundo espaço é o dos vínculos intersubjetivos que os sujeitos contratam no encontro com um outro ou mais de um outro. O terceiro é o do conjunto que eles constroem, do qual eles são parte constituinte e parte constituída, como um grupo, uma família, uma instituição.
A cada um desses espaços correspondem formações e processos psíquicos específicos. Por exemplo, a mentalidade de grupo,5 a ilusão grupal, as alianças inconscientes, as funções fóricas de porta-voz, de porta-ideal, de porta-sintoma, os espaços oníricos comuns e compartilhados só se produzem nas organizações dos vínculos entre os sujeitos e por meio deles. Todas essas formações adquirem uma consistência de realidade psíquica inconsciente, própria a cada um desses espaços. É esta especificidade que Freud postulava ao introduzir a ideia da psi-que de grupo em seu estudo de 1920-21, Psicologia das massas e análise do eu. Portanto, meu trabalho consistiu em distinguir esses espaços, em qualificar sua consistência, em compreender como eles se organizam e se articulam entre eles, de acordo com quais aparelhagens, e como eles se diferenciam ou, ao contrário, como eles se superpõem e se confundem.
Uma questão de ordem epistemológica me acompanhou nessas pesquisas e me mantém continuamente atento. Eu a formulo assim: cada um desses três espaços considerado isoladamente produz um "resto a conhecer". É o resultado do recorte metodológico que define o campo considerado, ficando os outros em suspenso - ou em contracampo, em razão do artifício metodológico, já focalizado, que nós utilizamos. Assim, o tratamento nos ensina em que consiste a posição ideológica de um sujeito singular, mas ele não nos ensina nada do que esta posição cria, quando ela é mobilizada e trabalhada em e por um grupo ou uma instituição.
A posição ideológica
O eixo de meu trabalho sobre a ideologia é que ela é seguramente uma concepção-representação do mundo ou de uma parte do mundo, uma Weltanschauung, como indica Freud em seu artigo de 1932. Mas ela é também uma posição.
Eu adotei o conceito de posição ideológica por várias razões. A noção kleiniana de posição designa um momento organizador decisivo nas produções, nos processos, nas relações de objeto, nas angústias e na mentalização, no decorrer da estruturação do psiquismo (1932, 1952). Esse momento não é uma etapa propriamente dita, um estágio ou uma fase na psicogênese, é uma configuração de base recorrente, ele se refere a uma situação que diz respeito à totalidade da vida psíquica.
A pedra angular dessa posição apresentou-se a meu espírito como a confrontação entre a incerteza e a dúvida, e com as angústias paranoicas que as acompanham. Nessas condições a organização cognitiva da ideologia está completamente centrada na questão da causa, única, intangível, irrefutável; a posição ideológica é um dispositivo antipensamento. Nesse sentido, a noção de posição contém a ideia de que ela não se transforma, que ela é estática, mas que ela pode sofrer uma mutação. Existe de fato um processo de ideologização. Mas, uma vez constituída em posição, ela não é mais um processo, mas um antiprocesso.
Do uso desse conceito, eu extraí várias hipóteses de trabalho.
A formação, a consistência e as funções da ideologia comportam traços que a aproximam de certas características da posição paranoico-esquizofrênica e outras da posição depressiva. Uma posição ideológica se forma e se imobiliza cada vez que o espaço psíquico de um sujeito, de um grupo ou de uma instituição é ameaçado. Então, encontram-se associados, em uma configuração notável, as angústias de base, as relações com os objetos ameaçadores, os mecanismos de defesa contra estes últimos, as relações com os objetos protetores e os processos de liberação que pertencem a cada uma dessas posições. Se existem, todavia, afinidades eletivas entre a posição ideológica e as organizações psicopatológicas da paranoia, do masoquismo e da apatia, como sublinhou Micheline Enriquez, por várias vezes (1974, 1984), o sujeito ideológico não se caracteriza a priori por uma estrutura psicopatológica específica.
Da mesma maneira, a ideologia não se caracteriza por um conteúdo particular: uma doutrina política, um dogma religioso, uma teoria científica ou uma filosofia podem funcionar como uma forma de ideologia. Freud já havia sustentado que a psicanálise, reduzida a uma Weltanschauung, a uma visão/concepção de mundo, podia funcionar como uma ideologia.
A observação clínica vai-nos conduzir a outros desdobramentos. Eu me limitarei à apresentação do percurso ideológico em um tratamento psicanalítico; em seguida, lembrarei a emergência da posição ideológica em um grupo.
Nesses dois casos, tentarei demonstrar como a posição ideológica, que era fixa, transmudou-se em outra posição.
Emergência da posição ideológica no tratamento de um adulto
O tratamento sobre o qual vou dizer algumas palavras apresenta dois traços particulares.6 Primeiro: no momento em que ele começa, nenhum indício me faz pensar que meu paciente, Michael, poderia recorrer a uma posição ideológica. Ele parecia gravemente deprimido e falava muito rapidamente da influência que sua mãe tirânica exerce sobre ele. Segundo minha experiência, é raro que sujeitos já presos em uma posição ideológica procurem uma análise. A ideologia os protege, com um custo frequentemente elevado, da consciência de suas angústias persecutórias e de sua depressão. Ocorre, entretanto, que eles procurem a análise, quando a ideologia não os sustenta mais, ou quando não podem mais aguentar suas exigências. A intensa confusão que se segue a uma ruptura de crença e de adesão ideológica os confronta com uma angústia catastrófica ou com o temor de desabamento que se exprime geralmente em graves sintomas somáticos.
Acontece, contudo, no movimento do tratamento, que sujeitos nunca considerados com uma fidelidade manifesta a um sistema ideológico, desenvolvam, e depois abandonem essa posição. Essa foi, sob esse aspecto, a história psicanalítica de Michael: ela foi marcada por uma fase de intensa militância, apoiada por uma ideologia constituída no âmbito de um sindicato de esquerda.
A segunda particularidade dessa cura é que sua conduta me confrontou com o remanescente contratransferencial de minha própria posição ideológica. Quando eu era estudante, militei contra a guerra da Argélia e por sua independência, e depois nos movimentos de 1968. Nesse tratamento, eu me vi como parte interessada de uma aliança inconscientemente defensiva com meu paciente.
A emergência de uma posição ideológica na análise constitui seguramente uma construção sistemática contrainterpretativa e uma manifestação de resistência que se assemelha, em certos casos, a uma reação terapêutica negativa. Ela põe o psicanalista à prova em sua própria capacidade de manter o processo do tratamento. No decorrer das sessões de controle desse tratamento, descobri que, quando a posição ideológica do analisando é secretamente sustentada pelo analista, então, uma aliança inconsciente é realizada, e o analista encontra, em um pacto denegativo,7 a ocasião para manter fora do campo da análise seus próprios ideais, suas identificações comuns com o analisando. Assim, ele oferece a este último um potente suporte meta-defensivo. As alianças inconscientes que operam em um campo transfero-contratransferencial devem, então, primeiro se desatar no analista.
O primeiro período do tratamento de Michael pontua-se por dois enunciados que vão sustentar a posição ideológica. O primeiro tem a forma e o conteúdo de uma teoria sexual infantil - portanto, uma espécie de delírio organizado - cujos enunciados são os seguintes: só as mulheres têm o poder da fala, pois elas têm um pênis. Se os homens pretendem falar, eles se expõem à castração, eles devem, portanto, não dizer nada e permanecer passivos. "Para eles, é perigoso falar, porque, como eles não sabem, as mulheres lhes cortam a palavra, e eles próprios procuram cortar a palavra das mulheres. Elas foram maltratadas tanto tempo pelos homens. É por isso que o movimento feminista tem todo o seu apoio."
Algumas sessões mais tarde, Michael enuncia uma segunda teoria: "uma mãe onisciente, onipotente, idealizada é também uma mãe que controla os conteúdos corporais e os pensamentos de seu bebê". Ele descreve o que M. Torok (1964) chamou uma mãe "anal". E é exatamente assim que Michael se vê, como uma criança de merda, perseguida por uma mãe cuja influência também é perseguidora. Essas duas teorias realizam para ele uma função de tela ou de cobertura em relação a sua angústia de separação e de castração. Suas teorias "explicam" sua impotência e sua passividade e mascaram as fantasias que as fundamentam, elas lhes atribuem uma causa. A abstração, a pretensão universalista das propostas, a não subjetivação dos enunciados concorrem para formar um sistema fechado e apoiar a onipotência das Ideias, do Ideal cruel e do Ídolo erigido contra o horror da castração. O investimento narcísico-fálico voltou-se contra as próprias ideias. Elas serão utilizáveis como um sistema contrainterpretativo oposto ao trabalho de desligamento da análise e como uma barreira contra o surgimento das associações.
Os enunciados ideológicos ocorrem sempre em lugar de/e contra sua atividade de pensar. Assim que ele restabelece uma atividade de pensamento, a fortiori se ela se apoia momentaneamente na minha, Michael aniquila ou desqualifica o conteúdo e o processo de seu próprio pensamento. Assim que suas associações, na transferência, se aproximam demais do recalque, a posição ideológica corta de imediato o processo associativo.
No decorrer das primeiras sessões, o repetitivo "não sei o que dizer" mantinha um projeto de dizer o que lhe vinha à mente, com o risco de entregar-se ao outro. Mas um enunciado ideológico vinha substituí-lo, fechando qualquer possibilidade de dizer "eu", afastando o sujeito desse dizer. A ideologia, dispositivo antipensamento, faz assim a economia da representação da posição do sujeito em sua fantasia e no enunciado de seu desmentido. A forma do enunciado ideológico: anônimo, circular, autorreferente, universal, abstrato, qualifica a relação específica dos sujeitos com a linguagem na posição ideológica.
Eu direi hoje que a ideologia é um pensamento sem sujeito: ela requer que o sujeito se ausente de seus enunciados. Nenhuma de minhas tentativas para tornar possível a Michael a subjetivação de suas teorias, para articulá-las com os movimentos transferenciais, para sustentar suas associações, conseguirá desencaixá-lo de sua posição de infans em que a ideologia fala por ele, exatamente como falam por ele a Mulher fálica, a Mãe onisciente. A ideologia preenche o vazio. Ela precisa cobrir o vazio. A intrusão inatingível e invasiva de uma "mãe anal", massiva, compacta e conclusiva, foi substituída por uma Weltanschauung que sustenta sua posição ideológica, também massiva e conclusiva. Michael criou na transferência uma resistência vital que lhe permite ser outra coisa além de uma corrente de ar, mas que o mantém ainda "fora de si". Ele tem necessidade de sua ideia, de seu ídolo, de seu ideal, mas mantendo-se no desconhecimento da relação que mantém com eles e com o que eles representam para ele. Enquanto ele está escorado nessa posição, o analista não o pode desalojar desse lugar e do discurso que ele assume ali, desalojá-lo o atacaria em sua muralha, no couro com o qual ele se encouraça (ele engordou, de fato, abandonando a camada de roupas superpostas que usava no verão e no inverno). A ideologia lhe é necessária para que uma ordem do mundo o mantenha unido contra o caos, o absurdo, contra a perseguição e contra a depressão. Sua posição ideológica lhe permite conservar um objeto poderoso que, se o mantém na passividade, o libera momentaneamente de ter de analisar sua posição de sujeito.
Uma segunda fase do tratamento abala a posição ideológica de Michael. A vida fantasmática, o sonho, os lapsos, o processo associativo puderam ser reativados e aceitos por ele, tanto quanto o acesso à polissemia de seu discurso. Ele evoca, pela primeira vez, um passado por muito tempo apagado no discurso materno, o passado militante de seu pai morto durante a guerra e o de seu avô materno. Então, ele adere a um sindicato e adota uma posição radical fundada na certeza que ele extrai da ideologia do partido, próxima da desse sindicato. A manutenção de sua fidelidade à todo-poderosa Ideia me parece, todavia, de um interesse menor que a reviravolta operada nesses ideais. A posição ideológica de Michael se põe doravante sob a fidelidade ao Ideal do Ego e não mais exclusivamente ao Eu Ideal.
As imagos maternas deram lugar a uma referência paterna estruturante. A fidelidade à mãe todo-poderosa que até então funcionou como um incorporat inassimilável se decompõe. O tempo da influência materna é retrospectivamente vivenciado e significado como o da usurpação imagética descrita por A. Ciccone: isto é, como "o processo pelo qual uma imago parental (um objeto psíquico do pai ou da mãe) se impõe ou é imposta como objeto de identificação da criança ... e como objeto de identificação para a criança" (Ciccone, 2003, p. 22). O movimento principal desta segunda sequência é a passagem da incorporação e da identificação projetiva à identificação introjetiva. O brilho do objeto ideológico fetiche começa a perder sua fascinação sob o efeito do luto do objeto da idealização primária e da descoberta da função paterna. Essa passagem não pode prescindir da violência cuja ideologia foi, ao mesmo tempo, o continente e o vetor: violência oral e anal, uma e a outra baseadas na angústia que ainda retorna periodicamente, da separação impossível da mãe e do filho, embaraçados em sua inclusão mútua.
No decorrer dessa segunda fase, a tirania do ídolo pulverizou-se no movimento do reconhecimento da castração e da filiação. Esta instalação da ordem simbólica tornou-se possível pela diferenciação dos referentes paterno e materno, das gerações e dos sexos. A "descoberta" do pai e da função paterna esclarece retrospectivamente como sua fraqueza - no desejo da mãe - contribuiu para sustentar a insustentável e demasiadamente dolorosa ereção narcísica de Michael e como a ideologia do segundo período abriu o caminho para seu encontro com a arbitragem, em vez do arbitrário.
A terceira fase do tratamento apoia-se no investimento da figura paterna. Ela compromete-se com o acesso de Michael, em sua dificuldade e precária problemática edipiana, ao reconhecimento da diferença dos sexos. Em consequência, sua posição ideológica vai se transformar, ela assumirá um valor estruturante mais complexo. Ela permite a Michael participar de um corpo de pensamento e um corpo social no qual ele encontra um lugar que sustenta sua identificação com a linhagem paterna.
A posição ideológica em um grupo
Comecei minhas primeiras pesquisas clínicas sobre a ideologia e suas funções individuais e grupais em um grupo de sensibilização à experiência dos efeitos do inconsciente, do qual participei em 1965 com Anzieu. Nosso objetivo era estabelecer um dispositivo de grupo organizado pelas exigências do método psicanalítico. Em nosso espírito, esse grupo devia ser nossa primeira tentativa de compreender as modalidades características do trabalho psicanalítico nos grupos. Portanto, ele estava muito fortemente investido por nós e certamente muito idealizado. Eu tinha me encarregado da organização prática desse grupo e era um dos dois observadores que tomavam notas durante as seções e depois delas, quando nós trabalhávamos com Anzieu nas seções. Publiquei em 1976 o protocolo detalhado das seções e, com Anzieu, o comentário clínico, bem como as hipóteses que começamos a elaborar. Anzieu descobriu ali a ilusão grupal e eu, os primeiros esboços do modelo do aparelho psíquico grupal. Chamei esse grupo de o grupo "do Paraíso perdido", e fiz várias leituras desse trabalho; a última, feita em 2009, é aquela em que analisei a formação das alianças inconscientes que se estabelecem nesse grupo, baseadas em um mecanismo de defesa por negação e clivagem.
Neste artigo, eu me limitarei a destacar os principais movimentos clínicos em que se manifestam as interferências entre os três espaços dos quais falei em minha introdução.
Desde as primeiras sessões do grupo, clivagens e negações instalaram-se contra a angústia de estar submetido ao arbitrário de uma imago todo-poderosa de que Anzieu, uma participante (Leonore) e o grupo são os objetos transferenciais. Ao mesmo tempo, o desejo de ser protegido por essa imago, núcleo de uma idealização intensa, é igualmente intenso. Um discurso se constrói no grupo por associações, ele é compartilhado pelo conjunto dos membros do grupo e exige que seja estabelecida entre os participantes uma estrita obrigação de igualdade, de unidade e de amor. Esta posição ideológica inicial recobre os mecanismos e os objetos inconscientes da clivagem, da perseguição e da idealização. Ela se mantém até o momento em que duas passagens ao ato, uma no grupo e na sessão, outro fora do grupo, durante uma pausa, os desvelam violentamente e quebram a unidade imaginária do grupo.
No momento da passagem ao ato intragrupo, a obstinação, que não cessa de se amplificar desde a primeira sessão contra um participante, Nicolas, se cristaliza nele: roubam seu caderno em que ele anota suas observações. Esta agressão é vista por Anzieu como um ato de castração, que visa tanto Nicolas - que, aliás, consente passivamente neste ato - quanto ele mesmo e os observadores que também tomam notas. O conjunto do grupo fez aliança nesse ataque, mas o conteúdo da aliança permanece inconsciente. O ataque contra Nicolas será interpretado, mais tarde, mas que será tarde demais, como um deslocamento da transferência negativa sobre Anzieu. A ideia é que ninguém ousa atacá-lo diretamente, ele é poderoso e perigoso demais, mas ele é também uma figura idealizada, que é preciso tratar com cuidado, por isso o deslocamento sobre seus substitutos: como notou A. Bejarano (1972), em um comentário sobre esse grupo, a interpretação dessa transferência lateral será tardia demais e sem efeito, pois ela só levará em consideração o conflito edipiano, enquanto o que predomina é o ataque invejoso, o pressuposto de base Dependência e, para alguns, o Ataque/Fuga. A posição ideológica está longe de ser pensada, naquela época, com os conceitos de que dispomos atualmente.
Uma segunda passagem ao ato precede uma sessão no decorrer da qual é reafirmada com violência a exigência de igualdade e de unidade. Durante o almoço, a garçonete do restaurante foi rudemente repreendida e humilhada por um participante identificado com Nicolas: para justificar seu ato ele explica que a "serviçal" queria, por comodidades de serviço, dispersar os participantes em torno de duas mesas. O grupo não aceitou, e ele foi o executor do desejo inconsciente do grupo de agredir essa mulher/serviçal.
Havia a exigência de "igualar as relações", de "nivelar as diferenças, os altos e baixos" entre todos, negar a diferença das gerações e a diferença entre os homens e as mulheres, com certeza, mas também as "pequenas diferenças" entre os participantes. A posição ideológica encontra assim uma dupla base em uma aliança que repousa, ao mesmo tempo, sobre a negação dessas diferenças e sobre a negação da inveja. A aliança defensiva inconsciente que sela esta posição ideológica não se desfará antes que outro regime de pensamento se instale ali.
Após o incidente com a garçonete/"serviçal" do restaurante e, antes que comece a sessão seguinte, alguns participantes desenharam um navio a giz sobre um quadro-negro. A unidade do grupo é, de imediato, reafirmada, e o barco é a figuração disso, para a maioria dos participantes. O desenho é, todavia, objeto de várias leituras: para uns se trata de um barco de apaixonados vogando em direção à Ilha de Creta, para outros, é um barco de empesteados, para outros ainda, uma desventura. Portanto, a imagem recebe várias interpretações, mas todos estão de acordo em afirmar que o barco é "esse lugar frágil e protetor quando o mar está enfurecido". O perigo que plana sobre o grupo e, em especial, sobre alguns participantes é assim evocado.
Alguma coisa mudou graças a essa figuração imagética que dá início a uma primeira fase de simbolização, que virá pôr em palavras o recurso a narrativas míticas. Os desenhos são comentados, as representações de coisas apelam a representações de palavras; as fantasias de desejo e os perigos internos ao grupo tomam forma e se figuram em uma superfície de projeção onde se traçam o desejo de amor e de unidade, as defesas contra a exclusão e, sempre, a perseguição, a peste e a desventura.
A metáfora naval se desenvolvera após esta sessão: mas, em vez de ser como planos fixos, sucessivos, os desenhos vão se animar enquanto se transformam, eles entrarão em uma nova fase do processo de simbolização. O barco cujo mastro porta o pavilhão amarelo, cunhado com um coração (pictograma paradoxal: o amor é a peste), torna-se o barco das cruzadas vogando em direção à Terra Santa a ser reconquistada; depois, novamente, o barco dos amantes embarcados para Creta. A peste e o amor inicialmente foram equivalentes, confundidos, tornados idênticos pela inversão paradoxal, depois eles se diferenciaram e se articularam graças a um trabalho de pensamento sobre a causalidade; o amor que une pelo excesso, na imposição e na influência, é isso a peste, a desventura. Um participante lembra a frase atribuída a Freud, quando chegou aos Estados Unidos em 1910 - "eles nem imaginam que nós lhes trazemos a peste" -, e ele associa a ideia de que a psicanálise é a peste, ela é uma doença infecciosa gravemente patogênica que requer possantes dispositivos de defesa para que possam prevenir-se e reforçar as "resistências". Quanto ao barco das Cruzadas, que leva o pavilhão do Sagrado Coração para ir reconquistar a Terra Santa das origens, ele metaforiza a aliança ofensiva8 que selou sua posição ideológica.
Nós chegamos à penúltima sessão: ela é marcada por um sentimento muito forte de fracasso diante da iminência da separação. A angústia depressiva se atenua à medida que se exprimem as emoções agressivas e o temor de que o fracasso e a morte do grupo tenham sido uma realização dos participantes. No intervalo, os participantes desenham no quadro uma ilha paradisíaca: nesse paraíso, um homem e uma mulher estão nus, separados um do outro pela Árvore do Conhecimento, na qual está a serpente-Anzieu. A mulher não tem braços.
A última sessão é uma sessão de comentários e de interpretações do mito do Paraíso perdido e de alguns aspectos do funcionamento do grupo. As associações comentam o mito da Gênese, apontam a representação das diferenças e dos conflitos, da proibição e da transgressão, mas não se discute, ou muito pouco, a inveja mortífera e o primeiro assassinato fraticida. Mesmo se certos elementos necessários ao trabalho de simbolização estão reunidos (por exemplo, uma função de contenção que associa a função de continente e a função de transformação), mesmo se objetos até agora não transformados, enigmáticos e persecutórios, fabricados por uma máquina antipensamento, encontram um espaço intersubjetivo, depois grupal, para se transformar; e mesmo se o início de uma posição mitopoética se abre para uma expressão menos angustiada dos fantasmas arcaicos, das imagos aterrorizantes e relações com os ideais, com as ideias todo-poderosas e com os objetos fetichizados, entretanto, a interpretação das defesas acionadas contra as angústias primitivas terá sido tardia demais e finalmente insuficiente.
As sessões param aí, mas eu quase não me espanto de ficar sabendo que, em seguida, o grupo, que eu chamarei de "Paraíso perdido", se reunirá durante alguns meses, realizando assim o desejo de Leonore, sustentando com ela a ilusão de se manterem unidos. Os participantes acreditarão escapar assim da finitude e da ferida narcísica das diferenças, pequenas e grandes.
Por não terem sido suficientemente analisadas, e a tempo, em sua dimensão de resistência, as transferências idealizantes manterão as alianças defensivas (o pacto denegativo) e finalmente o triunfo do ilusório na ideologia de um grupo que não pôde consentir em uma perda, qualquer que ela fosse, em razão de não ter podido elaborar uma posição depressiva: o Paraíso não foi perdido, ele sobreviveu como figura da perda impossível.
O último ato do grupo é também um acting. Todas as passagens ao ato desse grupo convergem para esse objetivo: agir para não pensar nas angústias que suscitam o encontro com o estranho, o desconhecido, a diferença. A ideologia lhes dá uma legitimidade ofensiva em sua própria violência e, ao mesmo tempo, ela aponta para seu fracasso, na medida em que ela falha em sua função defensiva.
Algumas constantes da posição ideológica nos grupos
Fiz o levantamento de algumas características constantes nos grupos em que a posição ideológica se formou:
A confrontação dos participantes, geralmente desde a primeira sessão, com angústias associadas à posição paranoico-esquizofrênica, com o despertar de situações traumáticas que permanecem em êxtase, com fantasias de uma catástrofe ou de um acidente original, caótico, ameaçador. Uma falha precoce no enquadre atualiza e geralmente fixa essa ameaça que se instala no sentimento de uma urgência.
A pregnância de uma imago arcaica paterno-maternal, combinada ou clivada, onipotente, aterrorizadora e idealizada, controladora e sedutora.
A idealização da potência fálica e o reverso persecutório dessa idealização; a instalação de uma influência buscada e temível entre os participantes e exercida por um entre eles, depois pelo grupo em seu adjacente ou por uma parte dele.
A aplicação de uma aliança inconsciente defensiva e em certos casos perversa,9 para ligar o grupo no recurso a diferentes mecanismos de defesa, entre os quais predominam a clivagem, a negação e o desmentido.
A fantasia de uma cena primitiva sádica ou de "pais combinados", com as angústias paranoicas associadas à proximidade sexual sádica.
A supervalorização narcísica do saber e a abstração, que se supõe deva garantir o controle daquela, são elementos defensivos importantes das medidas empregadas para lutar contra a catástrofe, a falha, a dúvida, a incerteza sobre a causalidade e a perseguição.
O desenvolvimento de uma temática igualitária nos grupos é quase constante, em relação à urgência de um controle sádico-anal das pulsões parciais, assim como o domínio sobre os objetos abstratos, portanto, manipuláveis ao preço da clivagem, da negação ou do desmentido da realidade.
Finalmente, a construção de um dispositivo grupal de atribuição imperativa de participantes nos papéis instanciais, nas figurações fantasmáticas ou imagoicas. Esta atribuição pelo grupo encontra autoatribuições congruentes entre os participantes. Esta dupla delimitação assegura a tripla exigência que permanece imutável e coalescente: a ideia, o ideal e o ídolo, no grupo como na psique de cada um.
Mais precisamente, eu sustento a ideia de que não há grupo sem ideologia e que nós não podemos estar em grupo sem estar ou ter estado na ideologia. Também não há mais ideologia individual que não seja apoiado no grupo. Ou seja, existe uma coextensividade dinâmica entre ideologia e grupo; a ideologia cria o grupo, como o grupo é o espaço de sua construção.
A ideologia não realiza, todavia, as mesmas funções entre os indivíduos e nos grupos. Meu ponto de vista leva em consideração os indivíduos no processo grupal, pela razão de que o processo grupal é, de maneira geral, um elemento determinante da organização e do funcionamento psíquico do sujeito. É por isso que a função da ideologia deve ser considerada e tratada do ponto de vista no qual o grupo funciona, como um metassistema em relação aos sistemas ideológicos dos sujeitos. A ideologia mantém o metassistema10 grupal no interior de cada um entre eles. Escolhendo situar minha análise na articulação entre o processo psíquico e o processo grupal, penso poder chegar ao âmago das gestões interferentes entre o grupo, o indivíduo e certas dimensões do campo social.11
Para fundar a posição ideológica na abordagem psicanalítica
No início deste artigo, eu me interroguei sobre o interesse em desenvolver o conceito da ideologia no campo dos objetos teóricos e práticas da psicanálise. As pesquisas que desenvolvi levaram-me a considerar que é importante distinguir a ideologia como posição crente dos sujeitos do inconsciente e a ideologia como formação impessoal, transubjetiva, coletivamente construída, fundadora do campo da crença no conjunto social. O conceito de posição ideológica foi para mim uma forma de pensar a complexidade e a recorrência dos processos e das formações psíquicas que compõem sua consistência e suas funções. Com esse conceito podemos explorar a parte da realidade psíquica que dá sua consistência a uma posição ideológica e analisar de quais conteúdos psíquicos ele se encarrega e a quais interpreta.
Tal abordagem rompe com as concepções pejorativas e negativas da ideologia. Eu me junto aqui ao que dizia A. Green em 1969: trata-se para nós de "tirar a ideologia deste gueto no qual ela foi mantida tanto pela transcendência religiosa quanto pelo pensamento marxista. É incontestável que seu papel se reduz a um sistema de representações; é necessário restituir sua função em relação às instâncias do desejo". Incluí-la como forma - deformada, travestida - do desejo inconsciente é a condição principal para que ela se deixe trabalhar como uma formação do inconsciente.
Mas há, ainda, outra coisa: a análise da relação de um sujeito singular com a ideologia coletiva da qual ele é parte interessada e parte constituinte em razão de seu pertencimento ao conjunto social põe em relevo o que eu chamo de funções metafísicas da ideologia. Entre essas funções metafísicas, as alianças inconscientes desempenham um papel de primeiro plano.
As alianças inconscientes na posição ideológica
Propus esse conceito para dar conta da gênese e dos efeitos do Inconsciente nas formações e nos processos dos vínculos intersubjetivos. As alianças inconscientes são uma das principais formações da realidade psíquica que organizam e caracterizam a consistência dos vínculos que se estabelecem entre vários sujeitos, nos casais e nas famílias, nos grupos e nas instituições. Cada um entre nós tem necessidade do outro para realizar aqueles de seus desejos inconscientes que são irrealizáveis sem o outro e reciprocamente. Essas alianças têm como objetivo manter recalcado, rejeitado, negado ou apagado aquilo que, em cada um dos sujeitos de um vínculo, pode pôr em perigo esse vínculo. Mas esse objetivo duplica-se com outros objetivos, estes últimos individuais: as alianças sustentam o que cada um, por sua própria conta, deve recalcar, negar ou rejeitar. O acordo que resulta disso é, em geral, inconsciente e este acordo inconsciente é coconstitutivo do Inconsciente de cada um. Desta forma, as alianças inconscientes participam da estruturação da vida psíquica de cada sujeito, tendo como sujeito o Inconsciente, sujeito dessas alianças. Por estrutura e por função, as alianças inconscientes estão, portanto, destinadas a produzir do Inconsciente e a permanecer inconscientes. Os efeitos dessas alianças são observáveis na formação do sujeito do Inconsciente.
Minhas pesquisas sobre as alianças inconscientes começaram em 1971, quando me interessei pela emergência da posição ideológica nos grupos e nas instituições. Na época, eu tinha estabelecido que não é possível ser ideólogo, ou crente, sozinho: a sustentação da crença do Outro, de mais-de-um-outro, é necessária, é exigida contra a dúvida, a incerteza e o exame de realidade. A comunidade de crença e de adesão a uma Ideia onipotente, a um Ideal absoluto e a um Ídolo preservador da morte faz manter o corpus ideológico em sua unidade e o conjunto social que liga cada um a cada um. Eu descobria então que alianças inconscientes são constitutivas da posição ideológica e que elas têm como funções principais assegurar nossa capacidade de não pensar e de manter, por identificações narcísicas baseadas na negação e na clivagem, a coesão imaginária conjunta do Ego de seus sujeitos e do conjunto que eles formam.
Distingui vários tipos de alianças inconscientes: alianças estruturantes, alianças defensivas e ofensivas, alianças alienantes e patológicas. Analisei em detalhes o contrato e o pacto narcísicos, a aliança dos Irmãos, a aliança simbólica com o Pai, o contrato de renúncia à realização direta dos objetivos pulsionais, o pacto denegativo, a negação em comum, o pacto perverso.
São essencialmente as alianças defensivas e ofensivas que são mobilizadas na formação e na manutenção da posição ideológica. Prevalecem aí os mecanismos de defesa por negação e clivagem. Nos grupos, quando essas alianças não são suficientemente analisadas, e a tempo, em sua dimensão de resistência, as transferências idealizantes manterão as alianças defensivas (o pacto denegativo) e finalmente o triunfo do ilusório. Foi o que aconteceu no grupo chamado de "Paraíso perdido": esse grupo não pode consentir em qualquer perda, por não ter podido elaborar uma posição depressiva: o Paraíso não foi perdido, ele sobreviveu como figura da perda impossível.
A emergência de uma posição ideológica na análise constitui seguramente uma sistemática construtiva, contrainterpretativa e uma manifestação de resistência que se assemelha em certos casos a uma reação terapêutica negativa. Ela põe à prova, no psicanalista, sua própria capacidade de manter o processo do tratamento. No decorrer de minha quarta análise, eu descobri que, quando a posição ideológica do analisando é secretamente sustentada pelo analista, então uma aliança inconsciente é concluída, o analista encontrando em um pacto denegativo a ocasião de manter fora do campo da análise seus próprios ideais, suas identificações comuns com o analisando. Ele oferece, assim, a este último, um potente suporte metadefensivo. As alianças inconscientes que operam então no campo transfero-contratransferencial devem, em primeiro lugar, se desatar no analista. Esse trabalho de desvinculação é uma das razões para a presença do analista de controle.
As alianças inconscientes (em especial, o contrato narcísico, os pactos denegativos, a comunidade de renúncia à realização direta dos objetivos pulsionais), são formações psíquicas bifaces. Como os ideais comuns, os significantes compartilhados e as metadefesas, elas garantem o fundamento do pertencimento ao conjunto e uma parte das identificações dos sujeitos, o apoio da fala de certeza e a legitimação de sua função do Ideal etc.
As funções metapsíquicas dessas formações bifaces obtêm seu valor e, por assim dizer, sua necessidade do que elas realizam nos espaços psíquicos comuns e compartilhados e na psique de cada sujeito. Quando eu tenho que enfrentar uma posição ideológica em um grupo, ou em uma instituição, meu objetivo não é seguramente denunciar essa posição, mas tentar compreender como se estabeleceu e como funciona esta posição nas relações que cada sujeito singular mantém com e no conjunto plurissubjetivo ao qual ele se associa, e este conjunto com cada sujeito.
Eu não perco de vista o sujeito no grupo e fico atento ao sujeito no que ele é sujeito do grupo. Penso que nós não podemos entrar sozinhos na ideologia. A posição ideológica de um sujeito não se define somente por sua organização defensiva, por suas identificações e seus ideais, para a estrutura de seu Ego, em sua relação com a realidade psíquica e com a realidade do mundo exterior. A posição ideológica de um sujeito caracteriza-se pelo apoio que ele busca e que ele encontra neste conjunto, e pela retomada que ele efetua do discurso ideológico do conjunto, para construir sua própria posição, de acordo com sua estrutura e com sua história. Nós podemos assim qualificar a posição ideológica do sujeito por sua tripla fidelidade, de natureza fundamentalmente narcísica, à Ideia, ao Ideal, e ao Ídolo.
No livro que acabo de publicar sobre a Ideologia (Kaës, 2016), 35 anos após o primeiro, ponho à prova as hipóteses que acabo de expor a propósito das ideologias radicais que remontam ao fundamentalismo, o integrismo e o racismo. A obsessão da pureza do grupo, da etnia, do sangue, da raça, do Ideal, do Ídolo e da Ideia é a constante de um imperativo absoluto, do qual Tânato é o mestre. A ideologia radical repousa em um projeto de imortalidade carregada e sustentada por um grupo. É por isso que o dispositivo psicanalítico de grupo é particularmente adaptado ao trabalho de desligamento das amarras alienantes que prendem às ideologias radicais.
Os atentados de janeiro e de novembro 2015 em Paris relançaram uma reflexão muito mais centrada sobre as manifestações das ideologias assassinas e do terror que eles organizam e legitimam. Nós conhecemos na Europa tais movimentos com a Divisão Armada Vermelha, na Alemanha, as Brigadas Vermelhas, na Itália, a Ação Direta, na França. Recordo esses momentos em meu livro e algumas análises que foram feitas. A questão que formulo é compreender em que condições as ferramentas forjadas no trabalho psicanalítico podem aplicar-se no campo político e social, digamos coletivo, sem incorrer no risco do reducionismo epistemológico. Portanto, tentei compreender se, além daquilo que determina essas manifestações da violência, essas ferramentas podem ser utilizáveis para descobrir os seus processos psíquicos, pelo menos a título de hipóteses de pesquisa. Parece-me que é possível, com a condição de descobrir os julgamentos de valor que apoiam esses atos, quando os sofremos e eles provocam, por sua vez, reações violentas e explicações urgentes. Organizar o terror é o efeito da angústia profunda, que permaneceu impensada diante das mutações que transtornam as certezas de uma sociedade, ameaçam suas crenças, os fundamentos de sua ordem, ofendem os valores e os ideais de cuja religião eles exprimem, com outras instâncias, a permanência. Seria possível dizer que as estruturas e as funções metassociais e metapsíquicas são abaladas. E que, nessas condições, as angústias persecutórias suscitam defesas correspondentes, e, em especial, o terror age em resposta ao terror sentido.
Nessa perspectiva, os constituintes fundamentais da posição ideológica: o ideal, a ideia e o ídolo são mobilizados de um modo que não pode deixar dúvida. Ao contrário, eles cegam com novas crenças, novas alianças, novas concepções da causalidade. Os antigos suportes "meta" radicalizam-se no fundamentalismo, sua função sendo trazer uma resposta unívoca à questão da causa, da origem e do fim. Terroristas e aterrorizados são presos na mesma engrenagem mortífera.
Em face do terror que desintegra a psique e os vínculos, em face da negação massiva e vital do que aconteceu e acontecerá ainda, nossa tarefa é continuar a inventar os lugares em que ela pode ser pensada e as falas que se podem inventar, e inventar as palavras que não expulsem do mundo humanos vivos.
A fantasia da imortalidade legitima a violência assassina e a idealização da morte. Um recente comunicado do daech afirmava: "Nós triunfaremos porque nós estamos do lado da morte". Diante da fascinação da morte, do arrasamento da subjetividade, dos esgotamentos psíquicos, dos quais se nutre o mal-estar desta época, atualmente é nossa tarefa compreender, acolher a aflição que eles suscitam e as ilusões que eles mantêm. Até mesmo a da morte da ideologia. A ideologia é uma posição mental específica, ela nunca morre, mas ela pode se transformar.
Referências
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Recebido em: 28/11/2016
Aceito em: 28/11/2016
Tradução de Marilei Jorge
Revisão Técnica de Maria Auxiliadora Alves Cordaro Bichara12
1 Este artigo é uma versão revista e aumentada de um estudo publicado sob este título na Revue de Psychothérapie Psychanalytique de Groupe (Revista de psicoterapia psicanalítica de grupo), 2016, 67, pp. 11-25.
2 Kaës (2016, p. 40) nomeia "mentalização" o processo de trabalho psíquico formador de mentalidades. Mentalização significa estabelecer ou restabelecer um vínculo entre os pensamentos por meio do trabalho de transformação de um impulso energético que, ao não encontrar satisfação direta, descobre uma via de satisfação nos pensamentos. (Nota do revisor)
3 Traduzimos do original o termo "Allégeance" como fidelidade, mas contendo, ainda, o sentido de ato de obediência e submissão a uma ideia. (Nota do revisor)
4 A respeito desse percurso, cf. a explanação que faço em R. Kaës, 2016, L'Idéologie. L'Idéal, l'Idée, l'Idole. Paris: Dunod, pp. 3-21.
5 O leitor poderá encontrar mais esclarecimentos sobre essas formações e processos psíquicos grupais citados pelo autor em: R. Kaës, Um singular plural: a psicanálise à prova do grupo. São Paulo: Loyola, 2011. (Nota do revisor)
6 Este caso foi objeto de uma primeira publicação em R. Kaës (1988), "La position idéologique dans le processus psychanalytique; une formation de l'Idée, de l'Idéal et de l'Idole", Topique, 42, pp. 261-292. Ele foi desenvolvido em outras publicações e, em especial, em minha obra recente sobre a ideologia (2016).
7 Pacto denegativo, segundo Kaes (2016, p. 40), é um conceito que descreve o que em todo conjunto intersubjetivo está condenado, inconscientemente e de comum acordo, com o recalcamento, a denegação, a recusa, o desmentido, a rejeição e o enquistamento, para assegurar a manutenção dos vínculos, para satisfazer a dupla economia do sujeito singular e a cadeia da qual é membro. O pacto denegativo tem duas polaridades: uma é organizadora do vínculo e do conjunto, a outra é defensiva. (Nota do revisor)
8 Alianças ofensivas se organizam nos grupos para os participantes se atacarem uns aos outros (Kaës, 2009). (Nota do revisor)
9 Aliança perversa para Kaës (2009, p. 136) consiste na recusa da existência da diferença entre os sexos e na castração. O fantasma que a sustenta contra a angústia de castração mantém a clivagem do eu e a crença de que o pênis do pai não tem nenhum papel na vida sexual da mãe e, ainda, que ela o possui (Kaës, 2009, p. 136). (Nota do revisor)
10 O prefixo "meta" indica uma troca de lugar, de condição, de organização e de processos. Implica continuidade e distância (Kaës, 2011). (Nota do revisor)
11 Distingui várias funções da ideologia nos grupos: funções identificatória, de pertencimento, de adesão, de coesão, de coerência e de exclusão, funções de discriminação e de fidelidade, funções defensivas, econômicas, reguladoras e homeostáticas, funções cognitivas (Kaës, 2016, pp. 173-186).
12 Psicanalista, psicanalista de grupo e doutora em psicologia, psicanálise de grupo pela USP.