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Jornal de Psicanálise

Print version ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.51 no.94 São Paulo Jan./June 2018

 

EDITORIAL

 

Editorial

 

 

Ana Clara Duarte Gavião

Editora. jornaldepsicanalise@sbpsp.org.br

 

 

Com os temas "a escrita psicanalítica" e "sonhos", trabalhados em 2017, procuramos afinar a sintonia com as bases metapsicológicas do modelo de mente da psicanálise, destacando a capacidade humana de simbolização e o desenvolvimento da linguagem verbal, sob o paradigma dos sonhos enquanto processos de pensar secundariamente – com o efeito de algum grau de censura e resistência – os pensamentos oníricos latentes, agregando sentidos à autopercepção emocional.

Com o tema do presente número – "Pesquisa psicanalítica" –, pretendemos abordar mais diretamente as sutilezas da prática clínica, que sabemos ser indissociável da atitude investigativa. A epistemologia psicanalítica e o valor terapêutico da psicanálise têm a ver com a construção intersubjetiva de conhecimentos, cuja fonte primordial encontra-se na intimidade da relação analítica.

A extensão do método para apreender sentidos intersubjetivos em set tings não convencionais, ou nas variadas manifestações humanas, culturais, artísticas e políticas, individuais ou coletivas – a chamada "clínica extensa" –, pressupõe um ponto de partida localizável na confiabilidade científica da metapsicologia psicanalítica, construída clinicamente por Freud e grandes autores que o seguiram.

Como integrar a dimensão intuitiva, tão fundamental à função psicanalítica que tem como principais instrumentos de investigação os fatores da própria personalidade do analista, seus próprios sonhos, não-sonhos, pontos cegos, enfim, sua pessoa "real", com a dimensão científica ou de validação dos conhecimentos que construímos?

Nas primeiras seções, a conversa com Roosevelt Cassorla e Ricardo Trinca e a entrevista com Mark Solms tratam dessas questões de maneira próxima e numa perspectiva multidimensional: clínica, científica, artística, acadêmica, teórica, metodológica, institucional, social, mercadológica etc. Foi uma feliz coincidência a visita do presidente do Comitê de Pesquisa da IPA, Mark Solms, justamente nesse momento da edição deste número do Jornal sobre o tema, trazendo informações de bastidores da troca de gestão do Comitê, e a meta científica contaminada por tendências políticas, como é frequente em grupos institucionais. Nessa entrevista, Solms relata como procura resgatar a dimensão científica, em sua acepção mais clássica, visando abertura ao diálogo interdisciplinar e a inserção mais efetiva da psicanálise no campo da saúde:

A indústria farmacêutica tem enorme poder e propaganda a seu favor, e os terapeutas cognitivo-comportamentais têm grande vantagem sobre nós, uma vez que estão cerca de vinte anos a nossa frente, no que diz respeito à pesquisa. (p. 55)

A seção temática nos traz um interessante panorama que permite visualizar desde as paradoxais funções do método psicanalítico, como apreensão de sonhos, validação, publicação, com Cassorla, até a observação de bebês como formação técnica para o contato do analista com os próprios sonhos, com Maria Aparecida Angélico Cabral, passando por reflexões metapsicológicas e sobre a interlocução interdisciplinar, com Paulo Duarte Guimarães Filho e Cinthia Jank. Modelos de pesquisa acadêmica de orientação psicanalítica são trazidos por Mariângela Mendes de Almeida e coautores, revelando a fecundidade com a qual psicanalistas e pediatras podem dialogar. Walter Migliorini também nos relata um projeto acadêmico com a AMF e as repercussões positivas no atendimento à comunidade.

Vemos que o campo de pesquisa da psicanálise é amplo, o que significa que a análise do analista ocupa uma posição central para apropriação metodológica, por favorecer a descoberta e a formulação de conceitos conectados com a percepção das experiências emocionais, prevenindo elaborações intelectualizantes e desvitalizadas, com reduzido potencial transformador.

Na seção "Diálogo com um jovem colega" encontram-se dois artigos representativos de linhas de pensamento sobre a formação psicanalítica na SBPSP, apresentados no xxvi Congresso da Febrapsi (2017) pelas duplas Carmen Mion e Ana Vannucchi, que abordam o mundo em transformação, e Marilsa Taffarel e Maria da Penha Zabani Lanzoni em seu cuidadoso percurso epistemológico em torno da interpretação. Os artigos da "Aula inaugural" também se ocupam de questões da formação, assim como nos temas livres as autoras se voltam à mente do analista como instrumento técnico. Vale conferir a resenha, bastante oportuna a este número.

O vértice intuitivo pode ser visto em curiosas aproximações artísticas ao método psicanalítico, nas seções da "AMF" e "Interface com a cultura". Notícias de O Manuscrito de 1931, de Freud, nos são dadas pela própria tradutora, Elsa Susemihl, coincidentemente a seu recente lançamento.

O valor científico da psicanálise sempre foi subestimado em grande parte do meio acadêmico, provavelmente devido a seus efeitos revolucionários, que evidenciam certa onipotência implícita nas metodologias positivistas, que pretendem manter sob controle a inevitável influência de variáveis rebeldes associadas ao inconsciente do pesquisador.

Poderíamos dizer que, em parte, os ataques à cientificidade da psicanálise se devem a dificuldades dos próprios psicanalistas de dialogarem com outras áreas do conhecimento e da saúde, de maneira mais aberta e criativa?

Celso Antônio Vieira de Camargo, parceiro neste projeto temático, ilustra essas questões com a foto reproduzida a seguir, antes de seu editorial. Celso propõe desdobramentos e aprofundamentos preciosos para introduzir as reflexões sobre pesquisa que se seguem.

 

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