SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.51 issue95Are we wilder in the face of the new?The recreating of the winnicottian mother: the threatened spontaneous gesture author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

article

Indicators

Share


Jornal de Psicanálise

Print version ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.51 no.95 São Paulo July/Dec. 2018

 

INTERFACE COM A CULTURA

 

Thirteen reasons why: suicídio em adolescentes

 

Thirteen reasons why: suicide in adolescents

 

Thirteen reasons why: suicidio en adolescentes

 

Thirteen reasons why: le suicide chez les adolescents

 

 

Gina Khafif Levinzon

Psicanalista, doutora em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo (USP), membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP) e professora do curso de especialização em Psicoterapia Psicanalítica (CEPSI) da Universidade Paulista (Unip). São Paulo. ginalevinzon@gmail.com

 

 


RESUMO

Tomando como ilustração o enredo da série televisiva Thirteen reasons why, este trabalho discute o suicídio em adolescentes. O universo psíquico do adolescente é examinado, assim como sua relação com as fantasias e motivações possíveis para o suicídio. Levantam-se questões como de que forma distinguir o que é manifestação da crise de adolescência e o que é sinal de patologia grave que pode levar ao suicídio. A necessidade de ouvir o adolescente e compreender sua linguagem própria é enfatizada, assim como a ajuda multidisciplinar a ser realizada nesses casos.

Palavras-chave: suicídio, morte, adolescência, angústias psicóticas


ABSTRACT

Taking as an illustration the plot of the television series "Thirteen reasons why", this paper discusses suicide in adolescents. The psychical panorama of the adolescent is examined, as well as its relation with the possible fantasies and motivations for suicide. Questions arise as to how to distinguish what is a manifestation of the crisis of adolescence and what is a sign of serious pathology that can lead to suicide. The need to listen to teenagers and understand their own language is emphasized, as well as the multidisciplinary help to be carried out in these cases.

Keywords: suicide, death, adolescence, psychotic anxiety


RESUMEN

Tomando como ilustración la trama de la serie televisiva Thirteen reasons why, este trabajo discute el suicidio en adolescentes. El universo psíquico del adolescente es examinado, así como su relación con las fantasías y motivaciones posibles para el suicidio. Se plantean cuestiones como de qué forma distinguir lo que es manifestación de la crisis de adolescencia y lo que es signo de patología grave que puede llevar al suicidio. La necesidad de oír al adolescente y comprender su lenguaje propio es enfatizada, así como la ayuda multidisciplinaria a ser realizada en esos casos.

Palabras clave: suicidio, muerte, adolescencia, angustias psicóticas


RÉSUMÉ

Prenant comme illustration l'intrigue de la série télévisée Thirteen reasons why, cet ouvrage traite du suicide chez les adolescents. L'univers psychique de l'adolescent est examiné, de même que sa relation avec les fantasmes et les motivations possibles du suicide. Des questions se posent quant à la manière de distinguer ce qui est une manifestation de la crise de l'adolescence et ce qui est un signe de pathologie grave pouvant conduire au suicide. L'accent est mis sur la nécessité d'écouter l'adolescent et de comprendre sa propre langue, ainsi que sur l'aide multidisciplinaire à apporter dans ces cas.

Mots-clés: suicide, mort, adolescence, angoisse psychotique


 

 

A série televisiva Thirteen reasons why (Yorkey, 2017), lançada recentemente, estimulou debates acalorados, principalmente entre adolescentes, seu principal público-alvo. O enredo baseia-se na história de uma jovem, Hannah Baker, que comete suicídio. Antes de morrer, ela grava treze fitas cassete contando os motivos de decepção, desespero e de descrédito em relação à vida e às pessoas.

No primeiro episódio, Clay Jensen, um garoto tímido do ensino médio, encontra na porta de sua casa um pacote misterioso contendo treze fitas cassete. Ao ouvi-las se dá conta de que elas contêm uma narração feita por Hannah relatando os treze motivos que a levaram à decisão de se matar. A sua voz avisa, já de início: "Espero que você esteja pronto, porque vou lhe contar agora a história de minha vida. Mais especificamente, por que minha vida acabou. E se você está ouvindo essas fitas, você é uma das razões do porquê".

Uma a uma, as fitas descrevem os desencontros e desventuras da adolescente, que sofreu bullying e vários tipos de violência por parte dos outros adolescentes que a rodeiam. Cada lado da fita é dedicado a uma pessoa que, de alguma forma, teve parte em sua decisão de deixar a vida. Ela deve ouvir todas as fitas e em seguida passá-las à pessoa presente na fita seguinte à sua. Caso essas instruções não sejam seguidas, cópias dessas fitas ficarão públicas. "Você está sendo vigiado", avisa a voz de Hannah Baker. Ela está morta, mas parece onipresente no efeito devastador que seu legado causa nas diversas pessoas com quem se relacionava.

A primeira fita mostra a quebra de confiança no rapaz de quem gostava, Justin, que a beija numa certa noite, mas divulga uma foto sua, ambígua, entre os outros estudantes, insinuando que haviam feito sexo e que Hannah "era uma garota fácil".

A seguir, um suposto amigo, Alex, a põe numa lista com o apelido de "a melhor bunda da turma de calouros" e a expõe, dessa forma, a uma reputação de promiscuidade e a assédio sexual por outros colegas.

Sua melhor amiga, Jessica, passa a acreditar que Hannah a traiu e que é responsável pelo término de seu namoro com o amigo que a pôs na lista. A amizade com ela termina de modo dramático para Hannah, pois havia até então uma grande identificação entre elas.

Um colega, Tyler, dedica-se a tirar, sem permissão, fotos íntimas de seus companheiros e a publicá-las no jornal da comunidade estudantil. Ele flagra inadvertidamente Hannah num momento de carícias com outra colega em sua casa, Courtney, ao tirar fotos das duas espreitando a janela do quarto de sua casa. A foto é publicada sem o rosto das garotas, mas todos suspeitam que se trate de Hannah.

Courtney, de quem Hannah estava se aproximando, fica muito temerosa quanto à possível revelação de sua homossexualidade e se afasta. Chega inclusive a alimentar boatos sobre Hannah para despistar as dúvidas de todos sobre sua própria sexualidade.

Hannah se desculpa por incluir Clay Jensen nas fitas. Ele é o rapaz por meio de quem o espectador acompanha a narrativa de Hannah. Ela admite que ele foi a melhor pessoa com quem se relacionou e lamenta não ter podido se aproximar mais dele.

Eles quase chegaram a ter um relacionamento sexual, mas ela interrompeu a relação e o mandou embora, por estar se sentindo ainda conectada emocionalmente ao rapaz por quem tinha se apaixonado.

As decepções e situações invasivas com os colegas vão se sucedendo. Hannah testemunha o estupro de Jessica. Esta última estava inconsciente, embriagada, e a violência sexual ocorre com a anuência do namorado da amiga, justamente o rapaz por quem Hannah tinha se apaixonado. Posteriormente, Hannah também é estuprada pelo mesmo garoto, capitão da equipe de futebol da escola. O sofrimento é imenso, mas ela não consegue esboçar nenhuma reação. Fica evidente sua absoluta falta de recursos para fazer face aos desafios do viver.

Por fim, Hannah decide procurar ajuda e recorre ao conselheiro da escola. A desconfiança em recorrer a esse auxílio fica evidente na decisão da adolescente em gravar a conversa sem que o terapeuta soubesse. Ela menciona brevemente sua dúvida sobre continuar vivendo e pede-lhe que a ajude a pôr o estuprador na cadeia.

Como é difícil provar que o rapaz a estuprou, ele lhe sugere que ela siga com sua vida, que vá para algo novo. Ela esperava, no fundo, que ele a convencesse a não se matar, que não desistisse de ajudá-la. Sai da sala do conselheiro de modo abrupto e fica esperando, sem sucesso, que ele a siga e a traga de volta.

Finalmente, a cena do suicídio é mostrada de forma crua e dramática. Hannah dirige-se A sua casa, entra na banheira cheia de água e corta seus pulsos, deixando-os na água. Dessa forma a ferida não se fecha e o sangue escorre até sua morte. Quando os pais chegam do trabalho, encontram-na inerte na banheira, sem vida.

Chama a atenção a impossibilidade de a adolescente pedir ajuda aos pais. Estes são pegos de surpresa, sem nenhum conhecimento anterior da situação desalentadora em que sua filha estava. Tentam encontrar explicações para o cenário terrível no qual ela padecia de um sofrimento silencioso e devastador.

Todos se perguntam: o que poderiam ter feito para evitar tudo isso?

Essa é a indagação que fazemos quando lidamos com adolescentes que apresentam estados graves de desalento ou de danos importantes contra eles mesmos.

A repercussão dessa série foi marcante, especialmente nas garotas. Uma adolescente por mim atendida contou-me todo o enredo em sua sessão de análise e estava extremamente transtornada com o efeito que tinha lhe causado.

Ela mesma havia realizado algumas tentativas de suicídio no passado, e o que a impactou foi o sofrimento da personagem. Lembrava-se de seu próprio sofrimento e do limiar tão perigoso a que havia chegado.

Uma mãe, muito preocupada com o efeito do seriado em suas filhas, assistiu a todos os episódios ao lado delas. Fez questão de ressaltar para elas que Hannah Baker era uma pessoa muito fraca e que poderia ter reagido de outra maneira às intempéries e aos desafios na relação com o outro. Segundo suas palavras, "Hannah Baker é uma tonta!".

Nessa mesma linha, outra paciente adolescente comentou com raiva a saga da personagem principal: "Ela estava se vingando de todos com sua morte. Esse comportamento era ridículo! Por que se vingar dessa maneira? E coitados dos pais, como ela podia ter feito aquilo com eles? Ela não tinha pensado em ninguém, só nela! No fundo era muito egoísta!".

Uma adolescente, muito perturbada com a questão da morte e da violência contra si, alertou-me: "Não deviam mostrar uma cena de suicídio dessa forma! É perigoso!".

Afinal, como entender as fantasias e os atos de suicídio na adolescência? Como discriminar os casos graves que necessitam de ajuda premente? Este trabalho tem como objetivo abordar essas questões, considerando a configuração afetiva do adolescente e suas possíveis motivações para comportamentos de risco. O enredo da série Thirteen reasons why será utilizado como ilustração para essas observações.

 

O universo psíquico do adolescente

A adolescência é uma fase de desenvolvimento em que aspectos essenciais de uma pessoa são adquiridos. Nesse período, formam-se pilares essenciais da personalidade, como o sentimento de identidade própria e a progressiva discriminação entre o que é seu e o que liga o sujeito às pessoas que estão à sua volta.

Segundo Levisky (1998), a adolescência é a busca de si, numa transição da identidade infantil para a adulta. As características da passagem pela adolescência dependerão das experiências infantis da pessoa, de suas relações afetivas primárias, das características de sua iniciação na vida social, da elaboração das fantasias edípicas, de suas angústias e temores revividos próprios dessa fase e revividos a partir das experiências infantis.

Como afirma Winnicott, "muita coisa permanece guardada no inconsciente, e muito não é conhecido simplesmente porque ainda não foi experimentado" (1965/1993, p. 117). A pergunta a se fazer na adolescência é: como essa organização preexistente do ego reagirá ao aumento de pressão do id nessa fase? Como ficará a personalidade do jovem? Como poderá lidar com seu novo poder de destruir ou matar, poder que anteriormente não existia e não complicava os sentimentos de ódio na infância?

A relação com o corpo e com o ímpeto potencializado da sexualidade representam um desafio para o adolescente. Ele possui agora um corpo adulto que precisa ser incorporado a uma imagem de si em constante mudança. Não sabe ainda com clareza se será heterossexual ou homossexual.

Segundo Rassial (1999), a adolescência pode ser comparada a um momento de loucura. Muito rapidamente, os jovens apresentam estados de mente que poderiam corresponder a um diagnóstico de borderline, estado-limite. Corpo, identidade, integração são questões semelhantes às levantadas pelas psicoses.

Além da sexualidade aflorada e do crescimento físico, o adolescente deve lidar com a aquisição de força real. Sua violência passa a ter um novo sentido, já que, se exercida sem controle, poderá provocar danos até irreversíveis.

Para Winnicott (1968/1999), na adolescência há uma suscetibilidade extrema à agressão. Ela se mostra na forma de suicídio ou na forma de busca da perseguição, que é uma tentativa de sair da loucura de um sistema persecutório delirante. Há o risco de que a perseguição seja provocada, numa tentativa de evasão da loucura e do delírio.

As características descritas podem ser observadas com clareza na série Thirteen reasons why, como uma ilustração do mundo adolescente. Encontramos os jovens em pleno exercício de sua imaturidade. A sexualidade aflorada está no centro de seus interesses. As relações amorosas muitas vezes são fugazes e estão sujeitas a angústias edípicas e pré-edípicas.

Hannah Baker se apaixona por um rapaz, Justin, mas ele ainda não está pronto para ter uma relação madura. Ele procura aprovação e admiração do grupo, ao mentir sobre ter se relacionado sexualmente com ela de forma completa. Sua autoestima depende do olhar do grupo, mesmo que isso seja conseguido por meio de ilusões e atuação.

Tyler é tomado por seus impulsos voyeuristas e se dedica a flagrar com sua máquina fotográfica os momentos íntimos de seus colegas e divulgá-los para todos. Ele divide com o grupo a responsabilidade pelos seus impulsos exacerbados. Torna-os, assim, socialmente aceitos e até valorizados.

A amiga de Hannah, Jessica, rompe a amizade com Hannah ao imaginar um triângulo amoroso no qual esta última seria o pivô do rompimento com seu namorado. Sua suscetibilidade aos boatos envolvendo Hannah ou à lista em que foi eleita como a "melhor bunda" mostram a insegurança de Jessica quanto à sua possibilidade de formar um casal amoroso estável.

Os estupros realizados pelo capitão do time de futebol denotam com clareza a violência do impulso sexual, descontrolado e arrasador. A sexualidade é usada como descarga destrutiva, não como forma de elo com o parceiro amoroso. Nesse caso, estamos já no campo da patologia, no qual a delinquência e a violência ultrapassam o limiar do equilíbrio razoável.

E o que dizer de Hannah Baker? Sua sexualidade também está aflorada. Apaixona-se "pelo cara errado", como diz uma amiga sua no seriado. Será coincidência? Seria uma forma de pôr um freio externo a impulsos assustadores, difíceis de controlar? Aquele que gosta dela, Clay, será afastado "no momento H" de uma relação sexual, de forma a não consumá-la.

Hannah se lembra nesse momento de todos os abusos e decepções que sofreu. Fica claro que o que se refere a seu corpo e aos impulsos sexuais está carregado de persecutoriedade. Além disso, o sentimento de confiabilidade no outro está seriamente abalado.

Hannah se vê envolvida momentaneamente em carícias físicas com Courtney, que depois a repudia quando as duas são fotografadas furtivamente por um colega. Courtney se via aterrorizada com a divulgação de sua homossexualidade, que escondia ferrenhamente de todos. Hannah, por sua vez, não demonstrou ter um lado homossexual dominante, mas talvez estivesse movida pelo interesse da colega, com quem gostaria de estreitar a amizade.

A questão da escolha de gênero paira sobre jovens que se sentem como "um caderno de rascunhos" no que se refere à definição sexual. Sentem-se impelidos a experimentar a bissexualidade, mas ao mesmo tempo essa liberdade é ameaçadora. Eles estão às voltas com o irromper de forças instintivas intensas, muitas vezes de difícil controle, e por outro lado se deparam com o medo de não serem aceitos pelos amigos, familiares e pela sociedade de modo geral.

Surpreende-nos a passividade com que a personagem principal, Hannah, vive suas desventuras. Ela é denegrida, desprezada, traída, violentada. Deparamo-nos com uma jovem que reprime sua agressividade de modo intenso. Hannah não pode brigar, revidar, reagir. Ela o fará de maneira arrasadora por meio de sua morte, de suas fitas acusadoras, do ataque a si mesma. O suicídio poderá ser entendido, em parte, como forma de vingança e retaliação a um mundo sentido como extremamente persecutório.

 

O suicídio no adolescente

O tema do suicídio em adolescentes tem estado em destaque já há algum tempo. Prova disso são as produções como a série Thirteen reasons why, e o Jogo da baleia azul (consiste em um jogo macabro pela internet que impõe desafios para o adolescente até chegar ao suicídio). Na verdade, a suscetibilidade dos jovens a condutas perigosas e autodestrutivas é algo que pode fazer parte dessa fase de desenvolvimento.

Segundo Cassorla (2000), o suicídio é resultado de um interjogo patológico que envolve fantasias inconscientes decorrentes de interações complexas entre pulsões, ansiedades e defesas. Este autor descreve o "comportamento suicida" como tudo aquilo que leva a processos autodestrutivos, desde o suicídio exitoso individual até as sabotagens e os conluios autodestrutivos, que não levam necessariamente à morte.

O comportamento suicida é influenciado pela interação sociedade-adolescente. Ao estudar adolescentes, verificou-se que 12% haviam praticado um ato suicida em algum momento de suas vidas. Metade deles não procurou assistência médica. Isso pode dar indícios de que tais comportamentos, de pouca gravidade médica, fazem parte dos conflitos da adolescência (Cassorla & Smeke, 1997).

Para Rassial (1999), podemos distinguir dois tipos de tentativa de suicídio. Uma delas consiste em pôr em ato uma demanda neurótica, mais especificamente, histérica. O outro tipo consiste em passagens psicóticas ao ato, seja por automatismo mental, seja como consequência de um raciocínio delirante.

Diversos autores se dedicaram a estudar as motivações possíveis dos jovens para o suicídio. Garma (1937/1948) ressalta o papel da perda de um objeto libidinoso de importância vital para o sujeito. Há nesses casos uma identificação com o objeto perdido e com seu destino.

A enfermidade psíquica na qual é mais seguramente intenso o desejo de suicídio é a melancolia. Em seu primoroso artigo Luto e melancolia, Freud (1914/1980) mostra como as autoacusações do melancólico são, na verdade, acusações a um objeto externo introjetado em seu ego.

A agressividade do indivíduo contra o objeto é voltada para si, contra a parte identificada com ele. Esse mecanismo pode ser de intensidade tal que resulta, em alguns casos, em comportamentos suicidas. Seria uma forma de matar o objeto dentro de si, mas à custa do fim da própria vida.

Sabemos que o adolescente está sujeito a diversos lutos: a perda da infância, do corpo infantil, dos pais idealizados, entre outras perdas. A possibilidade de elaboração desses lutos dependerá das bases de sua personalidade construídas até então. Se seu desenvolvimento psíquico não foi saudável o suficiente, poderá desembocar em dificuldades extremas em lidar com esses sentimentos.

Diante de situações de sofrimento, dor e desespero, ele poderá ansiar por um "estado de Nirvana", evocação de um mundo paradisíaco onde não há dor, apenas paz, que seria encontrado na morte.

O suicídio pode ocorrer também como fuga de ansiedades psicóticas insuportáveis. O adolescente, nesses casos, tenta silenciar o inimigo atormentador que sente que está em algum lugar de sua mente e em seu próprio corpo. A tentativa de suicídio, nesse caso, é um sinal de colapso (breakdown) e pode conter indícios de movimento em direção a patologias psíquicas graves (Laufer, 1996).

O corpo sexualmente maduro aparece para o adolescente como uma incógnita que frequentemente é entendida como algo errado, perigoso. Muitos se sentem anormais - são gordos demais, baixos demais, têm seios grandes ou pequenos demais, genitais fora de tamanho aceitável, e assim por diante. Os sentimentos de vergonha e humilhação ficam à espreita como possíveis fantasmas assustadores.

Para Bronstein (2009), o impacto das mudanças corporais pode levar o adolescente a identificar uma parte de seu corpo como "má" ou "errada". Ele projeta nela seus aspectos rejeitados e não amados, que com o suicídio são concretamente removidos. Essa autora salienta que estar morto tem um significado específico para cada adolescente que tenta o suicídio. Pode indicar a busca de uma imortalidade narcísica que desafia a noção do finito vinculada à sexualidade.

No adolescente, as fantasias infantis e os desejos onipotentes se confrontam com a realidade de modo especialmente desafiador. A passagem do tempo é sentida como excessivamente rápida ou lenta, dependendo do momento. A morte idealizada teria como um de seus objetivos promover a saída da linha do tempo, do relógio de um crescimento que anda assustadoramente, sem parada para respirar.

A respeito disso, Flechner (2000) afirma que, em casos graves, o adolescente sente ser indispensável aplicar a imobilidade ante a falha de mecanismos de controle onipotente. Essa imobilidade, no entanto, torna-se um caminho sem retorno no suicídio.

É preciso ressaltar que há uma diferença entre as fantasias de suicídio e a passagem ao ato. Felizmente, na maior parte dos casos, o adolescente apenas "brinca" com a ideia da morte autoinfligida, embora às vezes de modo perigoso.

A relação do adolescente com a família representa o contexto em que todas essas fantasias e angústias são vividas. Famílias muito desestruturadas, instáveis, tornam-se ambientes propícios para o desenvolvimento de patologias que levam à morte. Nesses casos, os sentimentos de ódio e vingança parecem ser um forte agente motivador. Em certos casos, não houve um pedido de ajuda explícito, ou que pudesse ter sido identificado. Diante do acontecimento trágico, restam às pessoas que se relacionavam com o jovem os sentimentos de incredulidade e incompreensão.

Essa é a situação que se delineia no seriado Thirteen reasons why. Os pais de Hannah são surpreendidos pelo seu suicídio. Não têm a mínima ideia do motivo pelo qual a filha recorreu a esse ato extremo.

Em nenhum momento ela permite aos pais saberem das desventuras que se passam com ela e de seus sentimentos de desespero e solidão. As próprias fitas distribuídas após sua morte não são destinadas aos pais, mas aos jovens "causadores" dos infortúnios de Hannah e ao conselheiro que falhou em ajudá-la.

Essa dinâmica é recorrente no seriado. Nenhum adolescente deixa entrever aos pais, professores ou adultos que o rodeiam o que ocorre consigo e com o grupo no qual está inserido. Estaria aí representada a desconfiança do jovem em relação ao mundo adulto? Seria uma menção ao despreparo dos pais em lidar com as angústias e paixões dos adolescentes?

O suicídio de Hannah representa um gesto de vingança contra todos os que sentiu que a atacavam. Nas fitas, há uma espécie de acusação aos supostos causadores de seus infortúnios. Tudo se passa num ambiente de cyberbullying, no qual uma foto, um boato, uma lista comprometedora são divulgados instantaneamente pelo celular e pelas redes sociais.

A falta de privacidade potencializa os efeitos danosos dos boatos. Hannah é acusada de ser "uma garota fácil", que "se relaciona sexualmente com qualquer um", o que não é verdade. Ser considerada "a melhor bunda da turma" parece ser mais ofensivo do que elogioso. Afinal, a sexualidade explícita soa extremamente perigosa. Hannah funciona como depositária das identificações projetivas de seus colegas sobre os temores dos recém-adquiridos "poderes" do corpo.

Sua morte pode ainda ser entendida como o resultado da falência de sua capacidade para pensar e filtrar suas angústias aterrorizantes. A tentativa de livrar-se de seus sentimentos e partir para uma vida sem tensões, representada pela concepção de morte, mais parece uma descarga de elementos-beta, ou seja, sensações brutas, primitivas (Bion, 1962/1966). É um momento de não pensamento, de atuação (acting-out).

Vemos nessa personagem uma falta de recursos dramática para lidar com as intempéries. Não é só a sexualidade que é sentida como algo perigoso, mas também a agressividade, que fica extremamente reprimida. Hannah não pode brigar, reivindicar seus direitos. Com isso, fica desprovida do acesso a uma parte de si indispensável para a vida. Sua agressividade é voltada para ela mesma, num sacrifício brutal e irreversível.

 

Psicopatologia e tratamento

Como distinguir o que é manifestação da crise de adolescência e o que é sinal de patologia grave que pode levar ao suicídio? O adolescente pode expressar em algum momento seu desgosto pela vida e ameaçar pôr fim a ela, mas esse pode ser um evento superficial sem maior gravidade. Por outro lado, também pode ser um aviso de que algo mais sério está por vir e que precisa de ajuda urgente. Num caso ou noutro, levar a sério as queixas ou sinais do adolescente permite que se busque um diagnóstico diferencial e tratamento adequado.

Impõe-se a necessidade de que todos os que se relacionam ou trabalham com adolescentes tenham um olhar atento para indícios de comportamento suicida. Pela resistência a tratar de um tema tão perturbador, ele acaba sendo negado e, dessa forma não pode ser prevenido adequadamente.

O tratamento, nesses casos, inclui muitas vezes um acompanhamento multidisciplinar, que envolve o psicanalista, o psiquiatra, os profissionais da escola e especialmente a família do adolescente. Antes de tudo, ele precisa sentir que suas angústias estão encontrando eco e que vale a pena ter esperança de viver.

A série televisiva Thirteen reasons why provocou polêmica. Considerou-se, por um lado, que os jovens poderiam ser estimulados ao suicídio como resultado de "contaminação" ou de idealização da heroína, Hannah Baker. Por outro, argumentou-se que era uma oportunidade para que pais, professores e afins pudessem conversar honestamente com os jovens sobre esse tema. De fato, nas sessões de análise por mim realizadas com adolescentes, a história do seriado e o tema do suicídio foram o tema do momento.

Como afirma Winnicott (1965/1993), o adolescente luta para se sentir real, para estabelecer uma identidade pessoal. Ele quer uma "cura" imediata para suas angústias. Ao mesmo tempo, rejeita todas as "curas" que encontra, pois detecta nelas um elemento falso. Ele encontrará soluções quando descobrir o meio-termo, mas isso só ocorre com o amadurecimento progressivo.

O suicídio pode ser entendido como uma forma dramática de procurar a si, de fugir do sentimento de irrealidade, de um vazio avassalador ou da onipresença de objetos ameaçadores.

Há uma gama ampla de motivações possíveis para o suicídio nos adolescentes. Cabe a nós, cada vez mais, aproximarmo-nos deles, "aprender" e entender sua linguagem própria, respeitar sua individualidade e, ao mesmo tempo, intervir quando preciso. E o mais importante, celebrar com eles o quanto a vida merece ser bem vivida!

 

Referências

Bion, W. R. (1966). O aprender com a experiência. In W. R. Bion, Os elementos da psicanálise. São Paulo: Zahar. (Trabalho original publicado em 1962)        [ Links ]

Bronstein, C. (2009). Trabalhando com adolescentes suicidas. Revista de psicanálise da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre, 16(2),279-297.         [ Links ]

Cassorla, R. M. S. (2000). Reflexões sobre teoria e técnica psicanalítica com pacientes potencialmente suicidas: parte 1. Alter: Jornal de estudos psicodinâmicos, 19(1),169-186.         [ Links ]

Cassorla, R. M. S., & Smeke, E. L. M. (1997). Comportamento suicida no adolescente: aspectos psicossociais. In D. L. Levisky (Org.), Adolescência e violência: consequências da realidade. Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Flechner, S. (2000). La clinica actual de pacientes adolescentes em riesgo: um nuevo desafio? Revista uruguaya de psicoanálisis, 92,209-26.         [ Links ]

Freud, S. (1980). Luto e melancolia. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. 14). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1914)        [ Links ]

Garma, A. (1948). El suicídio. In A. Garma & L. Rascovsky (Comps.), Psicoanálisis de la melancolia (pp. 333-367). Buenos Aires: Asociación Psicoanalítica Argentina. (Trabalho original publicado em 1937)        [ Links ]

Laufer, M. (1996). Entendiendo el suicídio: ¿Tiene un significado especial en la adolescência? Psicoanalisis N/A: con niños y adolescentes, 9,152-63.         [ Links ]

Levisky, D. L. (1998). Adolescência: reflexões psicanalíticas. São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Rassial, J. J. (1999). Loucura e adolescência. In J. J. Rassial, O adolescente e o psicanalista (pp. 125-137). Rio de Janeiro: Companhia de Freud.         [ Links ]

Winnicott, D. W. (1993). Adolescência: transpondo a zona das calmarias. In D. W. Winnicott, A família e o desenvolvimento individual. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1965)        [ Links ]

Winnicott, D. W. (1999) A imaturidade do adolescente. In D. W. Winnicott, Tudo começa em casa. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1968)        [ Links ]

Yorkey, B. (2017). Thirteen reasons why (Baseado no livro de J. Asher). Califórnia: Paramount.         [ Links ]

 

 

Recebido em: 12/8/2018
Aceito em: 15/11/2018

Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License