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Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.23 no.70 São Paulo  2006

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Representações de valores humanos de alunos de 5ª à 8ª séries do ensino fundamental

 

Some human values representations among students from 5th to 8th classes of elementary school

 

 

Maria Aparecida Cória-SabiniI; Valdir Kessamiguiemon de OliveiraII

IProfessora Titular aposentada da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP (SP); Doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo
IIProfessor de Educação Física da Universidade Iguaçu - UNIG; Mestre em Educação pelo Programa de Mestrado em Educação da Faculdade de Educação e Letras da UNIG

Correspondência

 

 


RESUMO

O presente trabalho teve como objetivo criar situações a partir das quais alunos de 5ª à 8ª séries pudessem manifestar suas representações sobre alguns valores humanos: amor e respeito; auto-estima; responsabilidade, união e paz; amizade, entre outros. Foi realizada uma série de atividades tais como debates, dramatizações, discussões sobre programas de TV, recortes de jornais e revistas, etc. Em cada atividade, procurou-se fazer com que os alunos refletissem, discutissem e se posicionassem sobre os valores envolvidos. Ao término das discussões de cada um dos valores selecionados, foi pedido que os alunos produzissem textos relatando sua opinião e sentimentos pessoais. Os dados foram analisados de forma qualitativa.

Unitermos: Educação. Ensino fundamental. Valores sociais.


SUMMARY

The present work proposed activities to students from 5th to 8th classes of elementary school, with the aim to discuss and reflect about the human values involved in each activity, such as love and regard; self esteem; social disparities, union and peace; friendship, among others. The activities included discussions, dramatic representations and argumentations about newspapers, journals clippings, and songs lyrics. At the end of the discussions regarding each selected value, the students wrote a text to report their personal opinions and feelings. The resulting data were submitted to a qualitative analysis.

Key words: Education. Fundamental education. Social values.


 

 

"Aqui, a educação é entendida como um processo seqüenciado de ajuda recíproca para o crescimento pessoal dos indivíduos, para que, a partir de uma abordagem crítica, sejam pessoas que amadureçam sua capacidade integral e que possam, assim, ser úteis para uma sociedade em contínua mudança".

(Sequeiros1).

 

INTRODUÇÃO

A realidade atual que as pessoas estão enfrentando é bastante chocante: além das fronteiras do país e o que se vive no cotidiano, é um mundo sempre pronto a entrar em guerra, a violência está constantemente presente na maioria das cidades brasileiras, é comum o desrespeito à família e aos valores humanos básicos.

Se uma das funções da escola é ajudar os alunos a construírem uma compreensão relativamente coerente da realidade, como fazer isso em meio a tanta violência e intolerância?

Mantoan2, discutindo esse assunto, coloca que a escola deve romper com o sistema tradicional de ensino e desenvolver um processo de aprendizagem que não apenas priorize os conteúdos e o raciocínio lógico, mas também enfatize a afetividade, o sensorial e a convivência grupal. A partir de um clima socioafetivo adequado e por meio de debates, depoimentos escritos e falados, observação e outros processos pedagógicos, os alunos devem ser ensinados a valorizar as diferenças, respeitando os valores de cada pessoa.

O professor deve discutir as representações que os alunos têm dos diversos valores, relacionando-os entre si para que as idéias formem um tecido colorido de conhecimentos "cujos fios expressam diferentes possibilidades de interpretação e entendimento de um grupo de pessoas que atua cooperativamente"2.

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais3, a convivência democrática é algo que se aprende e se ensina. Na escola, é possível desenvolver essa aprendizagem, desde que a participação e o respeito ao outro façam parte do cotidiano. Se for negada aos alunos a possibilidade de exercer essas capacidades, estarão sendo ensinadas a passividade, a obediência cega e a indiferença. Os métodos e as atividades devem propiciar experiências de aprendizagem, nas quais os alunos possam opinar, assumir responsabilidades, resolver problemas e conflitos.

Para Jares4, desde a educação infantil, é preciso criar estratégias para conscientização dos conflitos e sua resolução por meios pacíficos. Para tanto, podem ser usados textos literários que abordem diferentes conflitos e diferentes modos de resolução, estudos de caso, jogos cooperativos, dramatizações, etc. Essas estratégias devem ser usadas tanto no espaço de sala de aula, quanto no espaço da escola. No espaço escolar, segundo o autor, o aluno não adquire apenas conhecimentos, mas também afetos e desafetos, sentimentos resultantes da convivência diária de indivíduos concretos. Na gestão dos conflitos oriundos dessa dinâmica, a comunidade escolar deve opinar, mostrando os vários aspectos da questão sem, no entanto, tomar partido. Ele salienta, ainda, que não há relações neutras, pois tanto os professores como os alunos são seres humanos com emoções; por isso este é um processo complexo. De acordo com o autor, não se trata de negar as diferenças e os conflitos, mas sim enfren-tá-los de uma forma positiva, ou seja, pacífica.

Um ambiente escolar é um ambiente social ativo, em que os direitos e deveres de um aluno entram em conflito com os direitos e deveres de outro ou do grupo. No entanto, o professor pode tirar vantagens dessas situações como oportunidades de focalizar a atenção dos alunos para temas tais como: direito, justiça, respeito mútuo, etc. (DeVries e Zan5). Para as autoras, as discussões devem ser encaminhadas de forma franca, incentivando os alunos a colocarem seus pontos de vista sobre as questões morais que estão sendo apresentadas, evitando, porém, que a situação se transforme numa preleção do professor para os alunos. O docente deve ser um mediador numa situação em que opiniões divergentes devem ser ouvidas e respeitadas.

Para Sequeiros1, educar para a solidariedade consiste em ajudar crianças e jovens a desenvolverem capacidades que lhes permitirão formar convicções, atitudes e valores a respeito dos outros e de si mesmos.

De La Taille6 afirma que um dos aspectos importantes da discussão sobre o desenvolvimento de valores humanos, e que tem sido negligenciado por muitos, é a dimensão da identidade, definida como um conjunto de "representações de si, ou seja, de imagens que cada pessoa faz e tem a respeito de si mesma".

O desenvolvimento de um sistema de valores, que envolve o respeito aos outros e a si mesmo, é essencial para a formação do ser humano, pois não existe uma única resposta correta para as diversas situações da vida em sociedade. As escolhas são múltiplas, assim como as infinitas situações sobre as quais se deve agir, considerando as diversas possibilidades de respostas em função das diferentes instituições.

Para Freitag7, o indivíduo que vive em sociedade participa de vários grupos, cada qual com um sistema de valores. Este fator leva a pessoa a fazer opções que nem sempre são harmoniosas, pois, algumas vezes, é necessário considerar um valor em detrimento de outro. Portanto, cada um precisa desenvolver critérios de avaliação e julgamento para conviver com valores antagônicos e conflitantes. Esses critérios evoluem e se modificam com o crescimento e o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade.

Dada a importância que têm as representações de si e dos outros, bem como do estabelecimento de relações interpessoais harmoniosas, o objetivo do presente trabalho foi oferecer, a alunos de 5ª à 8ª séries do ensino fundamental, um conjunto de atividades que propiciasse a oportunidade para análise, reflexão e discussão sobre valores humanos.

 

MÉTODO

Participaram da pesquisa 80 alunos da 5ª à 8ª séries do ensino fundamental de uma escola particular do Estado do Rio de Janeiro.

O procedimento empregado foi semelhante àquele descrito por Cória-Sabini e Oliveira8. Em cada série, os alunos foram divididos em grupos com, no máximo, dez estudantes. Foram realizados debates nesses grupos sobre situações envolvendo valores humanos e seus conflitos. Os debates foram semanais e tiveram a duração de uma hora. Foram abordados valores tais como: amor e respeito, auto-estima, amizade, desigualdades sociais, união e paz, responsabilidade e cooperação, honestidade, liberdade e felicidade, responsabilidade, entre outros. A cada mês foram discutidos um ou dois valores. Foram oferecidas de oito a dez atividades para cada valor, ou par de valores, em análise. Ao término de cada mês, foi pedido que os alunos produzissem textos relatando sua opinião e sentimentos pessoais sobre os valores em pauta durante aquele período. As atividades foram realizadas em horários reservados especificamente para isso.

Exemplos de atividades desenvolvidas para os valores amor e respeito, foram oferecidas as seguintes atividades:

• Os alunos deveriam responder oralmente às seguintes questões: O que você ama em você? Quem você ama? Como você fala com quem você ama? Como você trata as coisas de quem você ama? (Foi inserido o meio ambiente).

• Recorte e colagem de gravuras de revistas que traduzissem a opinião pessoal sobre o amor; com a posterior troca, entre si, das gravuras, como presente.

• Cântico das músicas: O amor é uma fogueira e Cativar.

• Discussão sobre o conteúdo das letras das músicas: a mensagem das mesmas.

• Passeio pelas dependências externas da escola para observar a presença do amor na natureza.

• Questionário para entrevistarem os familiares, ou pessoas da comunidade, de forma a saberem a opinião de outras pessoas com relação ao amor.

• Apresentação das respostas recebidas e discussão sobre as mesmas.

• Conversa informal sobre o respeito, respondendo às seguintes perguntas: O que é o respeito para você? Como respeitamos os outros? O que é respeitar a si mesmo? Como você se sente diante de uma nota baixa?

• Criação de uma história, utilizando recortes de gibis, sobre o respeito a si mesmo, aos amigos e à natureza.

• Concurso de pôsteres sobre o tema: Como respeitar o meio ambiente, escolhendo uma das categorias: água, terra, ar, vegetais, minerais e animais.

• Canto do Hino Nacional e discussão sobre a letra do hino.

• Atividade de sensibilização: O amor está dentro de nós.

• Confecção de mural com recortes de notícias que demonstrassem o respeito no cotidiano brasileiro.

• Jogos, brincadeiras e dinâmicas de grupo, entendendo e experimentando o respeito no relacionamento com os colegas.

As atividades referentes aos valores liberdade e felicidade foram as seguintes:

• Atividades em grupos; debates; entrevistas; estabelecimento de metas e ações; montagem de dramatizações pelos próprios alunos; composição de acrósticos, jograis e paródias; confecção de cartazes e murais; utilização de jornais e periódicos para a abordagem dos valores; filmes, músicas, momentos de relaxamento físico e mental.

• Reflexão: Os alunos escolheram seus ditados famosos preferidos sobre liberdade. Em círculo, cada aluno deveria declarar sua citação de uma linha e responder às seguintes perguntas: Qual foi a sensação que você experimentou? Alguns deles repetiram a frase raiz: Eu sinto que tenho sorte de ter a liberdade de... E acrescentaram a sua própria declaração. Outros completaram a frase: Eu queria que todas as pessoas tivessem liberdade para...

• Fazer uma escultura viva sobre liberdade.

• Fazer uma lista de coisas que gostam de fazer e que os tornam felizes. Em grupos pequenos, os alunos deviam partilhar respostas às questões a seguir: Que tipo de coisas você faz sozinho, que o fazem sentir-se feliz? Que tipo de coisas você pode fazer com os outros? Alguém escreveu como ele ajudou alguém mais?

• Desenhar a felicidade, ou fazer colagem de gravuras de revistas.

• Escolher e participar de um jogo para experimentar e expressar a liberdade na realização de pequenas coisas e de decisões em grupo.

Para os valores união e paz, as atividades foram:

• Pesquisar e apresentar aos colegas a história da conquista da libertação de um povo.

• Escolher uma música para que todos cantassem em conjunto (união de vozes).

• Passeio pelo bairro para observar que a cooperação deve estar presente para a obtenção de um produto final.

• Observar a cooperação numa partida de futebol: por exemplo, quando um jogador marca um gol é auxiliado por toda a equipe.

• Manifestar três desejos, a partir do seguinte: Vocês acabaram de soltar um gênio de uma garrafa e têm direito a três desejos, um para si, um para a família e outro para o mundo inteiro. Quais seriam eles? Discutir, em grupo, para ver se alguns tiveram desejos parecidos.

• Contornar, numa folha, as mãos do colega do lado, depois recortar as duas mãos e, em cada um dos dedos, escrever uma qualidade importante para haver união.

• Com recorte e colagem, montar um painel respondendo à seguinte pergunta: Onde há necessidade de união para atingir um resultado comum?

• Fazer um minuto de silêncio dedicado à paz no mundo antes do início das aulas.

• Canto das músicas: Depende de nós, de Ivan Lins, A paz, de Zizi Possi e Te ofereço paz, de Valter Pinne, para reflexão e discussão sobre as letras das mesmas.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Uma das mais ricas fontes de expressão da sensibilidade do aluno, bem como do seu parecer sobre as aulas de Valores Humanos, foram as redações que eles periodicamente apresentaram, tecendo suas críticas, comentários e fazendo sugestões.

Foram analisados os depoimentos dos alunos obtidos em 116 redações. A análise desses depoimentos foi qualitativa para conhecer o tipo de aluno/pessoa com quem o professor está lidando - sua origem familiar, seus problemas pessoais, suas preocupações, angústias, ansiedades, prazeres e alegrias, os quais, na maioria das vezes, não são percebidos pela escola, mas influenciam de modo intenso a conduta discente.

Constatamos que, praticamente em todas as redações, os adolescentes desenvolveram os temas a partir de sua realidade cotidiana.

Por exemplo, com relação à consciência das desigualdades sociais e às conseqüentes carências materiais, o teor dos depoimentos foi semelhante aos que se seguem:

"Todo mundo tem seus erros e também não adianta pensar só em mim. Existem muitas outras pessoas que querem o que eu tenho: comida, agasalho". (6ª série)

"Quando estou na aula de relaxamento eu penso nesses mendigos, com frio, que não têm nada para se protegerem, nas ruas. Para nós, que temos tudo em casa, agasalhos, esses mendigos devem sofrer muito". (7ª série)

As desigualdades das classes sociais e suas conseqüências na qualidade de vida podem ser compreendidas e discutidas de forma inteligente por muitas pessoas. Porém, isto não significa que elas estejam dispostas a renunciar suas posições para favorecer os outros.

De La Taille6 afirma que a valorização do que é privado é importante, porém o homem contemporâneo está se tornando tão individualista que o espaço do que é público já não lhe desperta interesse. O olhar público tornou-se irrelevante, porém a vida cidadã consolida-se neste olhar.

Numa sociedade em que os valores são predominantemente individualistas, o indivíduo dificilmente desenvolve espontaneamente uma forte consciência das injustiças e das desigualdades sociais. Nesse caso, a escola tem um papel importante em sua formação, pois as experiências e conhecimentos nela vivenciados passam a desempenhar uma função relevante no desenvolvimento social e afetivo dos alunos.

Com relação ao tema amor e respeito, a maioria das redações retratou as relações dos alunos com seus familiares.

Muitos alunos relataram uma família amorosa, bem estruturada, aberta ao diálogo. São adolescentes que declararam ter, no espaço doméstico e no convívio com parentes e amigos, um referencial de afetividade, de segurança e conforto físico e emocional.

"Hoje eu moro com meu pai e minha madrasta que eu chamo de mãe e que amo como se fosse realmente minha mãe, junto com a gente mora minha avó e minha irmã. Vivo muito, mas muito bem e me considero a adolescente mais feliz do mundo".

"Minha vida não tem tantos problemas assim, na maioria, são problemas que todos passam, como amar uma pessoa e não ser correspondido. Na minha família não há discussões ou brigas, lá o que tem mais é união e paz. E na hora que um tem um problema todos se unem para ajudar com muita conversa e compreensão".

Outros depoimentos, no entanto, relataram problemas referentes às relações afetivas familiares, tais como: a ausência do pai (pela separação do casal ou pela morte), a falta de estrutura familiar, as brigas constantes entre os pais, a violência entre irmãos.

"No meu mundo tem brigas e as desilusões (...). Estou cansada, não agüento mais a pressão e as cobranças. Por fora, sou tudo que uma moça bem educada deve ser, mas por dentro estou explodindo. (...) apenas uma vida, meia sem sentido. Um dia, eu estava num telhado. Eu sabia que tinha coragem para acabar com a minha vida mesquinha".

"Meu pai briga com a minha mãe e às vezes até bate e eu só fico escutando do meu quarto, às vezes, mando eles pararem, mas não adianta, eles continuam brigando. Teve uma vez que ele mandou eu e minha mãe sairmos de casa e ele falou: agora você escolhe, ou sua mãe ou eu. E eu sem dormir direito, só pensando que essas brigas podem até acontecer coisas piores".

Cano9 afirma que é no seio familiar que se formam tanto os seres humanos como os valores que fundamentam a vida social. Ela tanto pode educar para a solidariedade, a justiça e a paz, quanto para a discórdia, a inveja e a desarmonia.

O núcleo familiar é marcado por um movimento dialético de relações afetivas, conflitantes e neutras. É na vivência dessas relações que se constitui a subjetividade de cada um dos seus membros. É do impacto entre a sujeição e a autonomia que a diferenciação é organizada. Nesse sentido, o ambiente familiar é marcado por um jogo afetivo e especulativo onde cada um constrói sua identidade e autonomia.

Embora com menos freqüência, o amor apareceu também na forma de amor romântico:

"Amar é a coisa mais linda que existe entre as pessoas; não é o amor do desejo, mas sim do carinho, da compreensão". (7ª série)

"O amor faz a pessoa crescer, mudar de atitude. A vida é para ser vivida com bastante amor e carinho". (6ª série)

O conceito de responsabilidade, para quase a totalidade dos alunos, envolveu aspectos de sua vida e compromissos diários determinados pela escola e/ou pela família:

"Eu tenho responsabilidades, porque eu sempre me preocupo em ir ao colégio, fazer os exercícios, chegar na hora certa que foi marcada em casa e quando quero sair, aviso para aonde vou". (6ª série)

"Responsabilidades: tomar banho, lavar o banheiro, lavar a louça, arrumar a casa, respeitar os mais velhos, ser mais educado, respeitar os professores, fazer os deveres, prestar atenção, me comportar nas aulas". (7ª série)

Um outro aspecto importante na vida do ser humano, abordado no programa, foi a auto-estima. Enquanto a criança não descobrir, por si só ou com auxílio daqueles que a cercam, o quanto ela é especial, pairam em sua mente, a insegurança e o medo das concretizações.

"Eu me olhava no espelho e ficava falando que eu era ridícula e horrorosa. Depois passei a gostar de mim mesma. Se eu não gostar de mim, quem irá gostar?".

"Eu sempre fui uma pessoa chata, ninguém gosta de mim, meus próprios familiares me acham uma pessoa chata. Fui aprendendo a conviver com os outros e aprendi a gostar de todos. Hoje me sinto mais querida".

O conjunto de representações que a criança tem de si mesma é resultante de um investimento afetivo que decorre da força motivadora e dos valores atribuídos à vida. A vergonha é um sentimento penoso de carência de valor, decorrente de um autojuízo negativo, que às vezes pode ser desencadeado pelos juízos negativos alheios. Por outro lado, um autoconceito positivo pode conduzir a um sentimento de orgulho e autoconfiança nas realizações pessoais. Martinelli10 diz que o indivíduo sem auto-estima perde as boas oportunidades que a vida lhe oferece, porque se sente rejeitado e incapaz. A pessoa sem auto-estima é negativa, desconfiada e descrente dos fatos e das outras pessoas.

A escola, como grupo social, oferece experiências que afetam o autoconceito dos alunos. As atitudes dos professores em relação à sua aula, às suas opções metodológicas, à forma de abordar as relações interpessoais, especialmente quando configuradas no respeito à diversidade, podem contribuir para a auto-afirmação do indivíduo ou do grupo.

A violência foi um dos temas que também apareceu nas redações dos alunos.

"Às vezes ligo a TV e vejo só pessoas falando da mesma coisa, a violência. Quando vou dormir tenho pesadelos porque só ouvi falar em violência. Podiam falar de coisas que deixassem a gente mais calma, nada de falar de morte e violência, mas de vida e solidariedade".

"A vida não é fazer o mal para o próximo. Eu acredito que um dia não terá mais violência e poderemos andar sem medo, livres, uns ajudando aos outros. Quem sabe um dia essa violência acaba e os jovens não estraguem mais suas vidas com drogas. Vamos esperar por esse dia".

O ser humano tanto cria ferramentas e objetos que ajudam a construir um mundo melhor, quanto que podem destruir vidas, especialmente quando há ausência de ética. Recentemente, a mídia tem divulgado situações de miséria, fome, abandono, poluição ambiental, guerras e agressões, modelos de atitudes em que a insensibilidade abafa os sentimentos humanos.

A escola deve privilegiar um novo paradigma que promova a cooperação em detrimento da competição, em que a igualdade de oportunidades seja real e não apenas discurso ou retórica, em que os pensamentos e as ações estejam conectados de forma coerente, observando os pontos de vista das outras pessoas que nos cercam. São essas atitudes que estão no cerne da justiça social e da paz mundial.

A amizade foi apresentada, nas redações, como um dos sentimentos mais importantes do ser humano, uma vez que ela envolve compreensão, abandono do egoísmo e o saber lidar com as demais pessoas.

"Para mim a amizade é uma coisa muito importante que marca a nossa vida. Quando você encontra aquele amigo que não vê faz anos, você não sente uma emoção forte? É por isso que eu acho a amizade uma das coisas mais importantes de nossas vidas, porque sem amigos com quem você vai desabafar, dividir suas emoções, conversar?".

"Uma pessoa não nasceu para ficar só e sim para ter amigos, porque uma pessoa sem ninguém não é ninguém".

Nos textos, a amizade é apresentada do ponto de vista das experiências pessoais, considerando o ambiente imediato e concreto: amigo é alguém que nos dá apoio, com quem podemos contar, com quem desabafamos e dividimos emoções.

Martinelli10 comenta que a amizade busca o crescimento mútuo por meio da troca honesta e leal de vivências. A amizade verdadeira é aquela que demanda compreensão das dificuldades pelas quais passa o outro, envolvendo o apoio na dor e na alegria, bem como a crítica objetiva e carinhosa. O amigo não é conivente com os erros ou atitudes negativas e desastrosas, mas valoriza o outro, reconhecendo-lhe os talentos e qualidades.

Esta visão de amizade, no entanto, implica em ter sido atingida uma fase mais avançada de desenvolvimento, quando este sentimento ultrapassa espaço e tempo para tornar-se um conceito mais amplo. Os alunos sujeitos da presente pesquisa são pré-adolescentes ou adolescentes que ainda não adquiriam os processos cognitivos para essa transcendência e é natural que seu conceito seja ainda autocentrado.

A legitimação de valores e regras de convivência, por um lado, deve ser coerente com os projetos de vida da pessoa, resguardando a identidade e o respeito a si mesmo. Por outro lado, deve articular-se com outros valores, como a responsabilidade social, a solidariedade, o respeito aos outros e ao ambiente, em que o interesse individual, às vezes, se vê superado pelos interesses do grupo. É preciso, pois, que a escola crie oportunidades para que as representações dos alunos avancem no sentido de atingir uma visão de mundo mais ampla.

 

CONCLUSÃO

Os dados obtidos mostraram que os alunos estão conscientes da importância dos valores abordados. Por outro lado, suas representações ainda são características da fase de desenvolvimento dos sujeitos abrangidos na presente pesquisa.

Como as crianças dificilmente compreendem problemas muito abrangentes, é necessário educá-las gradualmente nas questões mundiais e nas respostas solidárias. Isto significa fazer com que nasça, nos jovens, uma consciência ética universalista e se crie um projeto educativo bem elaborado e seqüenciado ao longo das etapas da aprendizagem. Do ponto de vista da opção didática, aprender é um processo complexo que envolve não somente a aquisição de conhecimentos elaborados pelos outros, mas também a aquisição de capacidades, atitudes e valores. Desta forma, o objetivo da aprendizagem escolar deve ser o crescimento pessoal do indivíduo e a aquisição de um sistema pessoal de valores (Sequeiros1).

O lado emocional e humano do aluno nem sempre é considerado pelos educadores. A maioria dos professores mostra estar mais preocupada com o desenvolvimento dos conteúdos de sua disciplina, sem perceber que pode auxiliar na formação integral do estudante como cidadão e ser humano. A afetividade, compreensão e confiança são importantes na conquista do saber, pois tanto os alunos como o professor estão sujeitos a influências emocionais, no decorrer do processo de ensino e aprendizagem. A educação é uma ação que deve ser pautada na formação de conceitos formais, mas também nos sentimentos humanos. Nesse sentido é importante que a escola crie um espaço para trabalhar com valores humanos, conciliando o saber ao sentir.

O estudo mostrou também que a redação pode ser uma rica fonte de expressão da sensibilidade do aluno.

 

REFERÊNCIAS

1. Sequeiros L. Educar para a solidariedade: projeto didático para uma nova cultura de relações entre os povos. Porto Alegre:Artes Médicas Sul;2000.         [ Links ]

2. Mantoan MTE. Ensinando a turma toda. Pátio 2000;20:18-23.         [ Links ]

3. Ministério da Educação - Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: apresentação dos temas transversais e ética. v.8. Rio de Janeiro: DP&A;2000.         [ Links ]

4. Jares XR. Desafio educativo do século XXI: educar para a paz e para a cidadania democrática. Pátio 2002;21:10-3.         [ Links ]

5. Devries R, Zan B. A ética na educação infantil: o ambiente sócio-moral na escola Porto Alegre:Artes Médicas;1998.         [ Links ]

6. De La Taille Y. Dimensões psicológicas da violência. Pátio 2002;21:19-23.         [ Links ]

7. Freitag B. O indivíduo em formação. São Paulo:Cortez;1996.         [ Links ]

8. Cória-Sabini MA, Oliveira VK. Construindo valores humanos na escola. Campinas: Papirus;2002.         [ Links ]

9. Cano B. Ética: arte de viver - A alegria de crescer em família. São Paulo: Paulinas; 2000.         [ Links ]

10. Martinelli M. Aulas de transformação: o programa de educação em valores humanos. Série Educação para a Paz. São Paulo: Petrópolis;1996.         [ Links ]

 

 

Correspondência:
Maria Aparecida Cória-Sabini
Rua Antônio Carlos Montanhês, 325
São José do Rio Preto - SP - Brasil - 15070-550
E-mail: ssabini@netsite.com.br

Artigo recebido: 8/10/2005
Aprovado: 12/01/2006

 

 

Trabalho realizado na Faculdade de Educação e Letras da Universidade Iguaçu - UNIG, Nova Iguaçu, RJ.

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