Services on Demand
article
Indicators
Share
Revista Psicopedagogia
Print version ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.23 no.70 São Paulo 2006
RELATO DE EXPERIÊNCIA
Princípios e práticas do empreendedorismo: um novo paradigma em educação e em psicopedagogia
Principles and practices of entrepreneurship: a new paradigm in education and psychopedagogy
Clara Geni BerlimI; Fabiani Ortiz PortellaII; Ingrid Schroeder FranceschiniIII; Mônica Timm de CarvalhoIV
IPsicopedagoga, Orientadora Educacional, Coordenadora Educacional do Colégio Israelita Brasileiro, Conselheira Nacional da ABPp e ex-presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia - Seção Rio Grande do Sul.
IIPsicopedagoga, Mestranda da Faculdade de Educação - PUCRS, Professora da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul - UERGS e Presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia - Seção Rio Grande do Sul.
IIIPsicopedagoga, Pedagoga de Educação Especial e 1ª Secretária da Associação Brasileira de Psicopedagogia - Seção Rio Grande do Sul.
IVLicenciada em Letras, Especialista em Gestão Empresarial, Membro da Diretoria do SINEPE/RS, Diretora Geral do Colégio Israelita Brasileiro.
RESUMO
Este artigo indica alguns princípios que podem nascer no cotidiano das práticas educacionais, com o objetivo de criar uma atitude empreendedora nos diferentes sujeitos que fazem parte da comunidade escolar. Apresenta uma proposta inovadora que está sendo construída numa parceria entre o Colégio Israelita Brasileiro e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE/RS), com o apoio da Associação Brasileira de Psicopedagogia - Seção Rio Grande do Sul (ABPp-RS). A Psicopedagogia trabalha com os processos de aprendizagem e suas diferentes formas de apropriação e manifestação. Assim, pode contribuir para a compreensão da singularidade de cada sujeito envolvido nesse processo, considerando suas atitudes, habilidades e competências. O grande desafio da Psicopedagogia, nesse caso, está na articulação da proposta que busca desenvolver o empreendedorismo, das características da instituição-escola e da diversidade dos sujeitos e sua construção de projetos efetivos que envolvam, inclusive, a responsabilidade social.
Unitermos: Psicopedagogia. Aprendizagem. Educação . Empreendedorismo.
SUMMARY
This article points out some principles that can arise from everyday educational practices, in order to develop an entrepreneurial attitude in everybody who is part of school community. It presents an innovative proposal that is being carried out by Israelita School, Brazilian Small and Middle-sized Business Development Service (SEBRAE) and Brazilian Psychopedagogy Association - Rio Grande do Sul Branch (ABPp-RS). Psychopedagogy deals with learning processes and their different forms of acquisition and manifestation. Thus, it can contribute to the understanding of the singularity of each subject involved in this process, taking into consideration his or her attitudes, abilities and skills. The big challenge of Psychopedagogy in this case is to work out the proposal that seeks to develop the entrepreneurship, characteristics of the school-enterprise and diversity of subjects, as well as to put into effect their real projects that also involve social responsibility.
Key Words: Psychopedagogy. Learning. Education. Entrepreneurship.
INTRODUÇÃO
"O empreendedor é uma pessoa que imagina, desenvolve e realiza visões".
L. J. Filion1
Este artigo apresenta alguns princípios do empreendedorismo que podem nascer no cotidiano das práticas educacionais e que contribuirão para um novo paradigma em Educação e em Psicopedagogia. É o relato de uma proposta inovadora que o Colégio Israelita Brasileiro está realizando em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE/RS), com o apoio da Associação Brasileira de Psicopedagogia, Seção Rio Grande do Sul (ABPp-RS).
O Projeto iniciou com um trabalho de instrumentalização da equipe pedagógica, dos professores e das psicopedagogas representantes da ABPp-RS, e a apresentação aos pais e alunos do colégio. O passo seguinte foi a criação do Núcleo Educacional Empreendedor, com o objetivo de criar uma atitude empreendedora nos diferentes sujeitos que fazem parte da comunidade escolar. Para tal, estão sendo realizadas oficinas e palestras de capacitação para grupos de alunos e professores - estes últimos mediadores do processo - sob a orientação do consultor técnico Cláudio Forner, do SEBRAE/RS.
Afinal, o que significa empreender? Quais são as características de um empreendedor? Como criar uma educação empreendedora? Como a Psicopedagogia pode contribuir neste projeto?
Empreendedorismo é uma prática, é a criação, é a inovação e a conseqüente transformação da realidade. São atitudes e idéias para desenvolver novas maneiras de fazer as coisas. É a busca da realização de um sonho, de um projeto de vida. É perceber uma oportunidade quando os outros enxergam o caos. Tão simples e, ao mesmo tempo, tão complexo! O diferencial está no simples fato de que, a partir das habilidades e competências geradas pela atitude empreendedora, podemos oportunizar formas alternativas para atender às necessidades emergentes, ou ainda, poder antecipar situações a partir da análise crítica do cotidiano e suas vicissitudes, operando na transformação do espaço social.
Para Peter Drucker (1998), os empreendedores não causam mudanças, mas exploram as oportunidades que as mudanças criam na tecnologia, na preferência dos consumidores, nas normas sociais, etc2.
O conceito de empreendedorismo utilizado por Dolabela refere que "o empreendedor deve ser visto como alguém que oferece valor positivo para a sociedade e não deve ser encarado apenas como forma de enriquecimento pessoal. Deve ser direcionado para o desenvolvimento social, fazer com que as pessoas sejam incluídas e o país tenha mais condições de viver"3.
Desse modo, nossa pretensão é formar pessoas que, a partir dos seus sonhos, possam agir e, com suas ações, realizar a transformação da realidade, ampliando as oportunidades e o bem-estar social.
De acordo com o SEBRAE e a Agência Brasileira de Desenvolvimento Socioeconômico-ABASE, "empreendedor é o indivíduo que possui ou busca desenvolver uma atitude de inquietação, ousadia e proatividade na relação com o mundo, condicionada por características pessoais, pela cultura e pelo ambiente, que favorece a interferência criativa e realizadora no meio, em busca de ganhos econômicos e sociais"1.
Sendo assim, pode-se dizer que a ação empreendedora é, por um lado, fruto do desenvolvimento da sociedade e, por outro, é agente de desenvolvimento pessoal e social, visto que contribui ao introduzir inovações e criações.
Empreendedores querem mais do que a maioria das pessoas. Com propósito de suas realizações pessoais, buscam projetos alternativos, inovadores, diferentes e ousados. Têm atitude propositiva, procuram deixar a sua marca, fazer a diferença, mantendo sempre os princípios de ética e comprometimento. Segundo Filion4, "empreendedor é uma pessoa imaginativa, caracterizada pela capacidade de fixar metas para si e alcançá-las. Ele manifesta perspicácia para detectar oportunidades e aprende com este tema, tomando decisões de risco moderado, mas sempre com o objetivo de inovar".
A atitude empreendedora exige a delimitação de metas e o planejamento das ações e estratégias para atingilas, a visualização do futuro. Realizar um projeto exige que se considerem os riscos e desafios, sem esquecer dos aspectos sociais e coletivos, sabendo articular, criar, comunicar, enfim, liderar.
Encontramos suporte para esse novo paradigma no Relatório de Jacques Delors - UNESCO5, que propõe uma síntese dos pontos fundamentais da existência humana e da sua continuidade com dignidade, sabedoria, respeito às diferenças e reforço dos talentos inatos do indivíduo.
Está fundamentado nos quatro pilares básicos da educação ao longo de toda a vida:
a) aprender a conhecer - aprender a aprender para beneficiar-se das oportunidades oferecidas;
b) aprender a fazer - no âmbito das diversas exigências sociais;
c) aprender a viver juntos, a conviver - realizar projetos comuns e preparar-se para gerir conflitos;
d) aprender a ser - agir com autonomia, discernimento e responsabilidade pessoal.
Trata-se, portanto, de ver o ser humano como um ser potencialmente criativo, com habilidades e competências; enfim, com condições de buscar o novo pelo seu próprio interesse e necessidade.
Uma educação empreendedora deve oportunizar espaço para a criatividade e a iniciativa. Deve prever espaços que valorizem a possibilidade do sonho e a capacidade de projetar o futuro. Como não existe apenas um caminho, cada escola deve procurar conhecer o seu entorno social, as características peculiares da comunidade escolar, reavaliar seu projeto político pedagógico e, a partir daí, construir um currículo que proponha conhecimentos e desenvolva habilidades, competências e atitude empreendedora.
De acordo com Forner6, o estudo do empreendedorismo "é complexo, influenciado não só pelas capacidades, atitudes e considerações pessoais, como também pelo ambiente institucional e pelo padrão de oportunidades predominante na sociedade".
O principal objetivo do Projeto Ação Empreender é criar, a partir de uma metodologia específica, um ambiente propício para o desenvolvimento do empreendedorismo nas diferentes etapas de escolaridade do Colégio Israelita Brasileiro. Nessa proposta, serão trabalhadas as características do empreendedor e do processo de empreender, buscando o "desenvolvimento de um aluno com espírito crítico e postura empreendedora, que invista no autoconhecimento e disposto a "aprender a aprender, e a transformar o entorno social na perspectiva do bem comum".
Pensar em educação empreendedora no século XXI exige uma análise crítica da contemporaneidade e uma fundamentação teórica que dê conta das exigências do mundo atual: novas tecnologias, políticas de inclusão, descobertas científicas, diversidade de linguagens, pluralidade de ações, rapidez da informação. Apesar do ser humano possuir uma incrível capacidade de adaptação e criação, somente uma extraordinária mudança nos princípios e práticas da educação poderá atender essas novas exigências.
Considerando esses elementos, o consultor do projeto6 propõe uma metodologia com as seguintes abordagens:
a) interacionista - porque reconhece que sujeito e objeto de conhecimento são organismos vivos, ativos, abertos e em constante troca com o meio ambiente;
b) sociocultural - porque o "ser" se constrói na relação e o conhecimento é produzido na interação com o mundo físico e social, a partir do contato do indivíduo com a realidade, com os outros, incluindo, aqui, sua dimensão social e dialógica, inerente à própria construção do pensamento;
c) construtivista - porque o conhecimento é entendido como um processo em permanente construção;
d) sistêmica - porque o processo de conhecimento é compreendido como um todo integrado, cujas propriedades fundamentais têm sua origem nas relações entre suas partes, constituído de subsistemas que se interrelacionam formando uma rede em que estes estão interligados e são interdependentes.
Afirma, também, que haverá "uma permanente interação entre a teoria e a prática e que a construção dos conhecimentos refletirá o estímulo a atitudes investigativas com e entre os sujeitos envolvidos: alunos, professores, psicopedagogos e empreendedores".
Competências selecionadas para percorrerem o currículo, da Educação Infantil ao Ensino Médio:
a) conceber a visão ao longo prazo;
b) perceber e agir sobre as oportunidades;
c) apresentar persistência;
d) comprometimento com o trabalho contratado;
e) ser capaz de buscar informações;
f) planejar sistematicamente;
g) usar de estratégias de poder;
h) apresentar autoconfiança.
O Projeto prevê a criação de uma comunidade empreendedora composta pelos técnicos da Escola e das Psicopedagogas da ABPp/RS, facilitadores, alunos, familiares e empresários, cujos representantes formarão o Núcleo de Empreendedorismo. Será competência do Núcleo, "disseminar esse tema no Colégio, articular a aprendizagem, acompanhar a docência empreendedora, aglutinar as ações voltadas ao empreendedorismo e interagir com os pais e o ambiente externo"6.
Inserida no Núcleo de Empreendedor, a Psicopedagogia, que trabalha com os processos de aprendizagem e suas diferentes formas de apropriação e manifestação, contribuirá para a compreensão da singularidade de cada sujeito envolvido nesse processo, considerando suas atitudes, habilidades e competências.
O grande desafio da Psicopedagogia está na articulação da proposta, que busca desenvolver o empreendedorismo, perceber as características da instituição-escola e a diversidade dos sujeitos e a construção de projetos efetivos que incluam a perspectiva da responsabilidade social.
Sua função não se encontra delimitada a priori. Será construída a cada momento do processo, buscando uma interlocução teórica e prática em favor da aprendizagem em empreendedorismo, como princípio de transformação e avanço na formação dos sujeitos envolvidos. Essa inserção se dará por meio da construção de ambientes de aprendizagem, que oportunizem aprender a pensar sobre as diversas situações e compreender a realidade, não como um produto pronto e acabado, mas como algo que pode ser transformado. Nessa direção, a abordagem psicopedagógica opera como uma aventura criadora que exige dos alunos aprender a criar, a mudar, a agir e a (re) agir.
O psicopedagogo pode contribuir, ainda, no auxílio aos alunos no que se refere à capacidade de "aprender a ser" e "aprender a aprender", escutando, acolhendo, mediando interativamente, e permitindo que eles busquem superar as condições que os inibem no ato criativo. Requer o desenvolvimento de estratégias de intervenção e construção a partir das especificidades do grupo, provocando a transformação verdadeira no compromisso do saber ser e do saber fazer, promovendo a possibilidade de autoria e autonomia de pensamento. É possível antecipar que a Psicopedagogia está vinculada às formas de aprendizagem, ao reconhecimento do objeto de estudo, do interesse e da curiosidade dos envolvidos - alunos e/ou professores.
Morin (Apud Cruz), assim, colabora para compreender a ativação da inteligência e da curiosidade7:
"[...] existe uma relação direta entre o conhecimento e a ativação da inteligência geral. Esta tese remete ao princípio de que a ação pedagógica, ação do homem sobre o homem, portanto, ato intencional, deve beneficiar a disposição inata da mente na elaboração e resolução de problemas essenciais, ao mesmo tempo, em que instiga e ativa a inteligência geral. Este processo pressupõe o livre exercício da curiosidade, fenômeno mais ativo e desenvolvido na infância e adolescência, que, infelizmente, os espaços educativos formais e não-formais tratam de extinguir em vez de cultivá-lo".
Uma tarefa desafiadora será, identificar as características empreendedoras dos alunos, a inquietude daqueles que desejam novas possibilidades e orientar pais e professores para reconhecer e estimular essa capacidade realizadora.
Em conjunto com a equipe pedagógica, pesquisaremos, também, estratégias de ensino que possam colocar em evidência o potencial empreendedor, propondo perspectivas e rumos. Além disso, pretende-se qualificar a ação institucional, criando uma cultura empreendedora, comprometida com o fazer da escola, tanto no processo de execução quanto na obtenção de resultados.
Desde a educação infantil ao ensino médio, serão integrados ao currículo conteúdos e práticas para desenvolver competências empreendedoras, com propostas que comporão a base do futuro empreendedor.
REFERÊNCIAS
1. Site: Disponível em: <http://educacao. sebrae.com.br>. Acessado em 9 jun. 2005. [ Links ]
2. Site: Disponível em: <http://www.fic.br>. Acessado em 17 jun. 2005. [ Links ]
3. Site: Disponível em: <http://empregos. com.br>. Acessado em 09 jun. 2005. [ Links ]
4. Aprender a empreender. Programa Brasil empreendedor. SEBRAE. Fundação Roberto Marinho. [ Links ]
5. Delors J. Educação um tesouro a descobrir. UNESCO. São Paulo:Cortez;2003. [ Links ]
6. Forner C. Projeto empreender. Desenvolvimento de metodologia e bases de aplicação do Colégio Israelita Brasileiro. Não publicado;2005. [ Links ]
7. Cruz MW. Saberes epistêmicos -solidários. A formação humanizadora de educadores e de educadoras emancipatórios para a escola e para além da escola: por uma sociedade de utopia. Porto Alegre;2002. [ Links ]
Correspondência:
Clara Geni Berlim
Associação Brasileira de Psicopedagogia - Seção Rio Grande do Sul
Avenida Plínio Brasil Milano, 388/203
Cep - 90520-000 Porto Alegre - RS - Brasil
Tel: (51) 3343-9943
E-mail: claraberlim@uol.com.br
Artigo recebido: 12/10/2005
Aprovado: 28/03/2006
Trabalho realizado numa parceria entre o Colégio Israelita Brasileiro e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE/RS), com o apoio da Associação Brasileira de Psicopedagogia - Seção Rio Grande do Sul (ABPp-RS).