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Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.24 no.74 São Paulo  2007

 

RELATO DE EXPERIÊNCIA

 

Psicopedagogia e saúde: reflexões sobre a atuação psicopedagógica no contexto hospitalar

 

Psychopedagogy and health: reflexions about psychopedagogic intervention in hospital

 

 

Neide de Aquino NoffsI; Vivian C. B. RachmanII

IDoutora em Educação, na área de Didática, pela Universidade de São Paulo, mestra em Educação, na área de Supervisão e Currículo pela PUC-SP Clínica e Institucional. Atualmente, é professora e vice-diretora da Faculdade de Educação da PUC-SP, membro e consultora vitalícia da ABPp e assessora institucional
IIMestranda em Psicologia da Educação pela PUC-SP, Psicopedagoga formada pela PUC-SP e Pedagoga formada pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo

Correspondência

 

 


RESUMO

O presente artigo tem o objetivo de sistematizar a experiência de planejamento e intervenção psicopedagógica, elaborada pela supervisora e por alunas do curso de Psicopedagogia da PUC-SP, no setor de Pediatria do Hospital Servidor Público Estadual (HSPE), no período de março do ano de 2004 a dezembro do ano de 2006. Para tanto, é introduzida a história da classe hospitalar nos âmbitos internacional e nacional, bem como a formação do profissional (professor) que atua nesse contexto, procurando situar o leitor em relação ao local e ao sujeito da pesquisa. Em seguida, é retratada a história da classe hospitalar do HSPE, bem como o percurso que a Psicopedagogia da PUC-SP tem seguido na instituição, a partir da verificação de uma grande lacuna existente entre a formação inicial das professoras de classe hospitalar e a demanda apresentada no seu dia-a-dia, fato que sinaliza um espaço de atuação para o psicopedagogo na instituição.

Unitermos: Educação. Serviços de saúde da criança. Educação baseada em competências.


SUMMARY

The object of this paper is to systematize the psychopedagogic planning and intervention elaborated by the coordinator and the students of the Psychopedagogy course at PUC-SP in the pediatric ward of the Hospital Servidor Público Estadual (HSPE) from March 2004 to December 2006. Therefore, the history of hospital classes is introduced in both national and international bounds as well as the professional training of the teachers who will work with these classes, and keeping the reader aware of the place and the subject of the research. In addition, the history of hospital classes at HSPE is shown and so is the path that the Psychopedagogy course at PUC-SP has been through. This new path comes from the consciousness that there is an enormous gap between the professional formation of teachers for hospital classes and the great daily demand, which might be filled by psychopedagogy in hospital classes.

Key words: Education. Child health services. Competency-based education.


 

 

HISTÓRIA DA CLASSE HOSPITALAR

Tratar da história da classe hospitalar não é tarefa simples quando descobrimos que a modalidade de atendimento tem se mostrado dispersa e tem sido realizada de diversas maneiras, no território nacional. De acordo com Fonseca1:

"A insuficiência de teorias e estudos dessa natureza em território brasileiro gera, tanto na área educacional, quanto na área da Saúde, o desconhecimento dessa modalidade de atendimento, não só para viabilizar a continuidade da escolaridade daquelas crianças e adolescentes que requerem internação hospitalar, mas, também, para integralizar a atenção da saúde e potencializar o tratamento e o cuidado prestados à criança e ao adolescente."

De acordo com Sandra Maia Farias Vasconcelos2, em seu artigo sobre classe hospitalar no mundo, "um desafio à infância em sofrimento", essa modalidade de ensino teria começado em 1935, quando Henri Sellier inaugurou a primeira escola para crianças inadaptadas, nos arredores de Paris. A iniciativa foi seguida pela Alemanha, em toda a França, em outros países da Europa e nos Estados Unidos, com o objetivo de suprir as dificuldades escolares de crianças tuberculosas.

Ainda se referindo ao artigo acima, a autora aponta as vítimas da Segunda Guerra Mundial, marco decisório para as escolas nos hospitais, levando ao engajamento de muitos médicos na luta pela oferta do serviço.

Já em 1939 fora criado o CNEFEI - Centro Nacional de Estudos e de Formação para a Infância Inadaptada de Suresnes -, tendo como objetivo a formação de professores para o trabalho em institutos especiais e em hospitais. No mesmo ano, seria criado o cargo de professor hospitalar no Ministério da Educação da França.

Em seu estudo sobre o atendimento pedagógico-educacional para crianças e jovens hospitalizados, na realidade nacional (1999), Eneida Simões da Fonseca revela que, dentre as classes hospitalares que responderam ao questionário enviado pela pesquisadora, as duas classes com maior tempo de funcionamento situam-se na Região Sudeste, sendo a de mais longo tempo de atuação a classe hospitalar do Hospital Municipal Jesus (hospital público infantil). Essa classe, situada no Rio de Janeiro, teria começado as suas atividades em 1950.

O mesmo estudo revela que, aproximadamente, até o ano de 1980, não havia mais que duas classes no território nacional. Na década de 80, o estudo aponta um significativo aumento para oito classes hospitalares.

Em 1999, ano em que a pesquisadora apresenta esse estudo, é demonstrado que nesse período havia trinta hospitais no Brasil com atendimento pedagógico-educacional para crianças e jovens hospitalizados, distribuídos da seguinte maneira: dois, na Região Norte; três, na Região Nordeste; nove, na Região Centro-Oeste; dez, na Região Sudeste; seis, na Região Sul. Dentre esses, a maioria encontra-se em hospital geral público com enfermaria pediátrica, alguns funcionam em hospitais públicos com especificidades em seus atendimentos (oncologia, ortopedia, cardiologia, dentre outros) e, uma minoria, em hospital privado de oncologia.

A escassez de informações também pode ser notada nos órgãos públicos quando indagados sobre a modalidade de atendimento educacional. A Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo contribuiu com o histórico das classes hospitalares, oferecendo dois documentos:

a. a Lei nº 10.685, de 30 de novembro de 2000, do deputado Milton Flávio, que dispõe sobre o acompanhamento educacional da criança e do adolescente internados para tratamento de saúde;

b. uma lista que contempla os hospitais públicos que oferecem essa modalidade de atendimento, podendo ser percebido um sensível aumento, pois, apenas no estado de São Paulo pôde ser identificado o funcionamento de vinte e duas classes hospitalares, em onze hospitais. Este documento não possui a data de sua realização, entretanto, era o mais atualizado que a Secretaria dispunha no momento.

Ainda que pequeno, o reconhecimento que foi atribuído à importância do acompanhamento escolar de crianças e jovens internados, por meio da lei acima citada, veio ratificar uma prática que vinha ocorrendo e se construindo em algumas unidades hospitalares, como o Hospital Darcy Vargas, o Hospital A.C. Camargo (Hospital do Câncer), o Hospital do Servidor Público Estadual e o Instituto de Infectologia Emílio Ribas.

Além da lei do deputado Milton Flávio, no ano de 2002, o Ministério da Educação, com a Secretaria de Educação Especial, elaborou um documento sobre classe hospitalar e atendimento pedagógico domiciliar (2002)3.

De acordo com o documento, baseado na Constituição Federal, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no Conselho Nacional de Educação, os direitos à educação e à saúde devem ser garantidos e, apontando que:

"(...) segundo a Constituição Federal de 1998 (Art. 196), deve ser garantido mediante políticas econômicas e sociais que visem ao acesso universal e igualitário às ações e serviços, tanto para sua promoção, quanto para a sua proteção e recuperação. Assim, a qualidade do cuidado em saúde está referida diretamente a uma concepção ampliada, em que o atendimento às necessidades de moradia, trabalho e educação, entre outras, assumem relevância para compor a atenção integral." (p.10)

"Com relação à pessoa hospitalizada, o tratamento de saúde não envolve apenas os aspectos biológicos da tradicional assistência médica à enfermidade. A experiência de adoecimento e hospitalização implica mudar rotinas; separar-se de familiares, amigos e objetos significativos; sujeitar-se a procedimentos invasivos e dolorosos e, ainda, sofrer com a solidão e o medo da morte - uma realidade constante nos hospitais. Reorganizar a assistência hospitalar, para que dê conta desse conjunto de experiências, significa assegurar, entre outros cuidados, o acesso ao lazer, ao convívio com o meio externo, às informações sobre seu processo de adoecimento, cuidados terapêuticos e ao exercício intelectual." (p.10/11)

Dessa maneira, o documento conclui que, diante da impossibilidade de freqüência à escola, durante o período de tratamento de saúde ou de assistência psicossocial, deve-se pensar em formas alternativas de organização e de oferta de ensino, de modo a cumprir com os direitos à educação e à saúde, tal como definidos na lei e demandados pelo direito à vida em sociedade.

Assim, é fundamental apontar que a Lei Nº 10.685, do deputado Milton Flávio Marques, veio contribuir para a viabilização, do ponto de vista legal, para a articulação entre o hospital e a escola, buscando garantir a oferta de ensino no contexto hospitalar. No entanto, faz-se necessário esclarecer que tal oferta de ensino no ambiente hospitalar deve ser pensada com cautela, pois não pode ser reduzida à mera transferência das práticas do ensino regular ao ensino hospitalar, considerando as diferentes demandas dos diversos alunos-pacientes.

Assim, de acordo com as informações apresentadas, torna-se evidente o progresso que a classe hospitalar tem apresentado no decorrer da história, como, por exemplo, o reconhecimento de sua relevância e a conseqüente ampliação na oferta da modalidade de ensino, passando de apenas duas classes (na década de oitenta) para aproximadamente trinta, no território nacional, no ano de 1999.

 

CONHECENDO A REALIDADE E PLANEJANDO A INTERVENÇÃO: O PSICOPEDAGOGO EM AÇÃO

O trabalho de Psicopedagogia se inicia no HSPE, tendo como intenção o acompanhamento educacional de crianças e jovens internados para tratamento de saúde, baseando-se na Lei Nº 10.685, de 30 de novembro de 2000, do Dr. Milton Flávio Marques, superintendente do hospital na época, e no documento sobre estratégias e orientações sobre classe hospitalar e atendimento domiciliar, elaborado pelo Ministério da Educação com a Secretaria de Educação Especial. De acordo com o documento, retomamos que o tratamento de saúde da pessoa hospitalizada não envolve apenas os aspectos biológicos da tradicional assistência médica à enfermidade, mas também o acesso ao lazer, o convívio com o meio externo, as informações sobre seu processo de adoecimento, cuidados terapêuticos e o exercício intelectual. Assim, diante da impossibilidade de freqüentar a escola durante o período sob tratamento de saúde ou assistência psicossocial, as pessoas necessitam de formas alternativas de organização e de oferta de ensino, de modo a satisfazer os direitos à educação e à saúde, tais como definidos na lei e exigidos pelo direito à vida em sociedade, visando à mobilização de seu processo de aprender.

Dessa maneira, em 2004, buscando atender à demanda da Pediatria da instituição, as alunas do curso de Psicopedagogia da PUC-SP, sob a supervisão da Profa. Dra. Neide de Aquino Noffs, iniciaram um trabalho procurando diferenciar o atendimento pedagógico (classe hospitalar) do psicopedagógico (equipes multidisciplinares).

O trabalho de pesquisa foi iniciado com observações espontâneas e entrevistas com os profissionais da Pediatria (HSPE), em que se buscava conhecer as necessidades reais do setor. Durante o primeiro semestre, houve contato com o responsável pelo Projeto de Humanização, bem como com o diretor da Pediatria.

A classe hospitalar do HSPE passou a funcionar em junho de 2001, em função da própria demanda da instituição. Duas classes passaram a prestar atendimento ao público atendido pela pediatria, crianças e jovens entre 0 e 18 anos de idade, sendo uma das salas responsável pelo atendimento aos pacientes que cursavam Educação Infantil e Fundamental I, e outra para atender à demanda dos pacientes que cursavam o Fundamental II e o Ensino Médio. Estas classes foram assumidas por professoras contratadas para esse fim por meio da Diretoria de Ensino (neste caso, a Centro-Oeste), pertencente à rede estadual de ensino.

Inicialmente, as classes funcionavam junto com a recreação. No entanto, quando a superintendência do HSPE passou a ser conduzida pelo autor da Lei nº 10.685, as classes passaram a funcionar em espaço próprio e adequado.

A classe hospitalar do HSPE, assim como as dos demais hospitais, apresentam significativas diferenças em seu modo de funcionamento em relação à classe regular. Diferenciar classe hospitalar de classe regular foi um desafio a todo grupo de trabalho, assim, psicopedagogos e professores construíram um quadro demonstrando as diferenças; que registramos no Quadro 1*.

Ao serem informadas da internação de um paciente, as professoras procuram inteirar-se acerca do conhecimento sistematizado que o aluno possui, para, dessa maneira, selecionar as atividades para as quais será encaminhado.

É válido esclarecer que, para a realização desse trabalho, as professoras do HSPE contam com a formação em Pedagogia ou magistério e, ocasionalmente, alguns cursos complementares oferecidos por órgãos relacionados à Secretaria Estadual de Educação.

Durante o período de internação, é comum a prática das professoras estabelecerem contato com a escola de origem do paciente, para solicitar o programa curricular, livros didáticos que utilizam, ou, ainda, atividades que são comumente realizadas.

Assim, ao final do primeiro semestre, em reunião com o grupo de pesquisadoras, supervisora e assistente social, decidiu-se que as alunas atuariam nas classes hospitalares e brinquedoteca, desenvolvendo um trabalho formativo junto com seus respectivos profissionais (Garrossino, Hissa, Maschio, Quaglio, 2004)4.

Dessa maneira, a equipe dedicou pelo menos duas horas semanais realizando atendimentos diretos às professoras, que consistiram em estudos por meio de leitura e compreensão de textos, discussão de casos e produção de novos textos a partir da realidade estudada.

No ano seguinte, em 2005, outro grupo de alunas, também sob a supervisão da mesma professora, deu continuidade ao trabalho de formação das professoras da classe hospitalar.

Em um primeiro momento, conheceram e procuraram familiarizar-se com o espaço da Pediatria, que inclui as classes hospitalares e a brinquedoteca, bem como com o serviço de enfermagem e com a assistência social.

No início desse segundo ano, o novo grupo, tendo em mente o que fora realizado no ano anterior, também manteve a preocupação de realizar observações da prática docente em tal contexto, procurando identificar novas demandas dessa situação de aprendizagem ou, ainda, possíveis dificuldades que a professora poderia encontrar.

Nessas situações, observou-se que muitas das crianças que estavam na classe hospitalar ocupavam-se com artesanato (atividade já previamente estabelecida) ou faziam "lições", como a própria professora se refere às tarefas ditas "pedagógicas"**.

Durante esses encontros, buscou-se também verificar o que a professora havia apreendido e se a prática dela havia sofrido modificações. Ao escutá-la, notou-se que conceitos como rotina, organização, planejamento e lúdico não estavam claros, aparecendo de forma confusa em seu discurso, que muitas vezes revelava-se, até mesmo, contraditório.

A discussão acerca de tais impressões nos levou à elaboração de uma intervenção diferenciada, buscando progredir ainda mais em relação ao ano anterior. Dessa maneira, foi apresentada uma proposta baseada no método psicodramático, fundamentado nas idéias de Jacob Levy Moreno5.

A atividade foi dividida em duas vivências muito significativas, sendo uma delas a inversão de papéis, em que a psicopedagoga assumiu a posição de professora e a docente da classe hospitalar incorporou o papel de paciente. Em outra oportunidade, a psicopedagoga assumiu o papel de paciente e, a docente da classe hospitalar, de professora.

Estas experiências foram muito interessantes, na medida em que serviram como ponto de partida para um exercício reflexivo de fundamental importância para o aprender a aprender e para re-significar o aprendido (Garrossino, Hissa, Maschio, Quaglio, 2004). Ao concluir as vivências, foi proposto o registro delas, indagando a professora sobre o que ela pensava sobre o papel do professor, do papel do aluno, da organização do tempo, da atividade que será introduzida ao aluno-paciente (planejamento) e dos objetivos atendidos em tais propostas (ou da ausência destes).

A partir do exercício do registro, a professora pontuou, baseada na sua própria reflexão, elementos muito importantes, como a relevância da sua contribuição no desenvolvimento da autonomia de seus alunos-pacientes. Por meio de uma vivência em que deparou com a possibilidade da escolha de qual atividade desempenharia, dentre algumas possibilidades de linguagens plásticas oferecidas, percebeu a dificuldade de escolher, mas, ao final da proposta, percebeu o aspecto saudável inerente à possibilidade de decisão: o desenvolvimento da independência e da autonomia.

Além desse aspecto, a professora pôde verificar que a atividade que lhe fora proposta envolvia um objetivo, um planejamento e que, acima de tudo, desenvolveu, predominantemente, as habilidades do aluno-paciente, deixando os conteúdos para um plano secundário. Ao final dessa proposta, a própria professora menciona: "Para desenvolver uma atividade na classe hospitalar é importante que o professor tenha claro qual o objetivo ao aplicar a atividade". A psicopedagogia lidou com a modalidade de aprendizagem e ensinagem, considerando o paciente como sujeito de sua aprendizagem, respeitando suas limitações (por estar internado), mas valorizando suas potencialidades, competências e habilidades.

Estes princípios do trabalho psicopedagógico contribuíram para que as atividades não se transformassem em um simples passatempo e sim em atividades de aprendizagem significativa e integrada ao cotidiano.

Assim que os termos "objetivo" e "planejamento" foram esclarecidos e reconhecidos como fundamentais para as atividades a serem pensadas para os alunos, gradativamente, foi possível introduzir a conversa sobre as competências e habilidades, que já haviam sido introduzidas nas vivências, bem como a identidade dos atores envolvidos no processo.

Antes de iniciar a discussão sobre as habilidades e competências, indagou-se à professora sobre o que significava para ela o trabalho com habilidades e competências, a partir do que já fora esclarecido no ano anterior, de sua própria experiência pessoal e do que o grupo acreditava considerando os esclarecimentos de José Maria Martinéz Beltrán6. Segundo o autor, as competências seriam contempladas em um conteúdo específico de formação dos alunos. Essas, por sua vez, seriam dimensões do desenvolvimento pessoal do aluno que é objeto da educação escolar e que serviriam para determinar o âmbito e as finalidades educativas propostas em cada etapa. Tais competências seriam organizadas nas categorias:

Cognitivas: relacionadas ao desenvolvimento mental do aluno;

Afetivas: relacionadas aos elementos emotivo-motivacionais e que se consideram como o dinamismo da aprendizagem e da formação da pessoa;

Motores: relacionadas ao desenvolvimento sensorial do esquema corporal;

Comunicativas: relacionadas ao desenvolvimento da inter-relação pessoal, da expressão e comunicação, do uso de códigos da linguagem para assegurar-se quanto às experiências, aos valores e aos conhecimentos;

Inserção Social: integração participativa e crítica no meio sociocultural.
O desenvolvimento dessas competências habilitaria os indivíduos para:

Compreender a informação, os dados, as instruções;

Organizar a informação, compará-la, classificá-la, analisá-la, extrair dela mais informações por meio da dedução lógica;

Comunicar seu pensamento no resultado de suas representações, chegar a sínteses pessoais, dominar o pensamento lógico que denote a chegada à fase das operações formais.

Tendo apontado tais esclarecimentos, iniciou-se a leitura do Currículo Nacional do Ensino Básico - Competências Essenciais7, elaborado

pelo Ministério da Educação de Portugal. Tal exercício mostrou a definição que especialistas na área de Língua Portuguesa acreditam ser relevante desenvolver em nossos alunos em termos de competências essenciais de modo geral e, especificamente, nas áreas de língua portuguesa e matemática, em toda a educação básica.

A leitura foi feita de maneira cuidadosa, esclarecendo termos e definições, às vezes, não compreendidos e, ao final de cada uma das áreas, oferecemos à professora um repertório de atividades para que ela pudesse selecioná-las e organizá-las em uma pasta, podendo oferecê-las aos alunos-pacientes. Paralelamente, elaboramos as modalidades de aprendizagem utilizadas no atendimento, bem como a percepção de emoções, angústias, frustrações dos elementos envolvidos diretamente neste processo.

Ao final do semestre, tivemos a oportunidade de realizar uma avaliação em que indagamos a professora sobre aspectos positivos e negativos que observou durante nosso trabalho no decorrer do ano, como segue (com suas palavras):

• "Oferta de material 'rico' e atualizado";

• "Identificar a prática na 'teoria' apresentada";

• "Foi bom trabalhar a leitura de textos e entender, por meio deles, as habilidades e competências";

• Os textos de matemática - Currículo Nacional para o Ensino Básico (Ministério da Educação de Portugal) e Resolução de Problemas - Cândido, Diniz e Smole8 (2000) permitem desenvolver vários aspectos - atenção e concentração - em uma mesma atividade";

• Trabalhamos o COMO - referindo-se à oferta de um bom repertório de atividades (pastas de língua portuguesa e matemática);

• A oportunidade de autoconhecimento (contribuição nossa à avaliação);

• Articular conhecimento-indivíduo-contexto qualifica o nosso trabalho, bem como respeitar o momento da doença sem perder de vista a saúde (contribuição nossa à avaliação).

A partir das palavras da professora e de nossa avaliação, identificou-se como avanço em 2005: uma melhor compreensão acerca das habilidades e competências; a oferta de um considerável repertório de atividades de língua portuguesa e matemática para as professoras, mostrando o COMO desenvolver as habilidades e competências de seus alunos-pacientes. Assim, a Psicopedagogia atuou em prol das modalidades de aprendizagem.

Concomitantemente à intervenção realizada com as professoras, o grupo, a partir de uma solicitação da assistente social, que se preocupava em integrar em um único instrumento as informações essenciais do paciente, visando à agilidade do trabalho dos profissionais envolvidos no tratamento dele, ao localizarem facilmente as informações de que necessitariam, desenvolveu uma ficha informativa sobre o paciente da Pediatria, e uma outra ficha específica para a classe hospitalar. Estas, por sua vez, contemplavam uma sondagem inicial das habilidades e competências que a criança já apresenta ao ser internada e os objetivos a serem atingidos durante sua internação, baseando-se no Currículo Nacional para o Ensino Básico e nas expectativas da escola que o indivíduo freqüenta.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A oferta da educação nas classes hospitalares tem sido gradativamente ampliada, como demonstrado no histórico realizado no início. Reconhecido como um direito da criança e do adolescente internados, simultaneamente ampliando o conceito de aprendizagem e possibilitando que esta ocorra no ambiente hospitalar, o governo estadual, por meio das Secretarias Estaduais de Educação, tem canalizado esforços para tornar a prática cada vez mais reconhecida. No entanto, a formação do profissional que atua nesse contexto, o professor, parece não ter evoluído paralelamente ao crescimento do número de classes hospitalares.

Com formação em Pedagogia ou magistério, as professoras esforçam-se para atender a um público diversificado e com necessidades particulares. Ao buscarem a formação continuada para tentar suprir a carência de sua formação inicial em relação à demanda da instituição, as professoras, muitas vezes, desanimam, pois boa parte dos cursos procuram abranger assuntos gerais, para atender às necessidades de grande parte do quadro de professores da rede estadual de ensino. Assim, além de permanecerem com suas dúvidas, continuam sem interlocutores para compartilhar suas indagações e angústias.

Dessa maneira, ao identificarmos a lacuna que existe entre a formação inicial e as necessidades com que as professoras deparam na rotina da classe hospitalar, verificamos a possibilidade do exercício da Psicopedagogia, na medida em que o psicopedagogo pode oferecer uma formação específica a esses profissionais, contribuindo para uma construção que articule conhecimento e formação pessoal, dando maior ênfase ao último elemento. Em relação ao primeiro (conhecimento), esse profissional poderá contribuir para a formação e atuação do docente da classe hospitalar, levando-o a refletir sobre seu papel, que não pode ser definido como de professor de sala regular de ensino (considerando as particularidades deste tipo de ensino apresentadas no Quadro 1), devendo ensinar todos os conteúdos determinados no currículo de cada escola, e nem de professor particular, que responde às dúvidas e às necessidades de cada aluno, mas, sim, como professor de classe hospitalar. Este, por sua vez, deve estar alinhado às necessidades de sua clientela, como qualquer outro docente, mas também às Competências e Habilidades Essenciais sustentando em um conjunto de princípios e valores necessários à qualidade de vida pessoal e social de todos os cidadãos.

Ao alinhar-se ao currículo baseado em competências e habilidades, o professor de classe hospitalar desprende-se da "obrigatoriedade" de ter de ensinar, por exemplo, os conteúdos das áreas específicas e passa a se comprometer com o desenvolvimento de valores que almejem:

"A construção e a tomada de consciência da identidade pessoal e social; a participação na vida cívica de forma livre, responsável, solidária e crítica; o respeito e a valorização da diversidade dos indivíduos e dos grupos quanto às suas pertenças e opções; a valorização de diferentes formas de conhecimento, comunicação e expressão; o desenvolvimento do sentido de apreciação estética do mundo; o desenvolvimento da curiosidade intelectual, do gosto pelo saber, pelo trabalho e pelo estudo; a construção de uma consciência ecológica conducente à valorização e preservação do patrimônio natural e cultural; a valorização das dimensões relacionais da aprendizagem e dos princípios éticos que regulam o relacionamento com o saber e com os outros." (Currículo Nacional do Ensino Básico - Competências Essenciais, s/d, p.15)

"No que tange à formação pessoal em que o psicopedagogo pode contribuir para os docentes de classe hospitalar, vale destacar a realização de um trabalho pessoal, instrumentalizando estes profissionais para lidar com pessoas internadas, em que descobrir o sadio seria seu ponto de partida para mantê-lo saudável no enfrentamento de seu adoecimento ou recuperação e, quando necessário, saber lidar também com a perda relacionada à construção do conhecimento escolar que o paciente-aluno realiza durante sua internação9".

Assim como a formação inicial, a formação continuada também poderia ser desempenhada pelo psicopedagogo no contexto hospitalar, na medida em que este tem a "sensibilidade de perceber a realidade de 'escutar' e 'olhar', possibilitando um 'falar' psicopedagógico, aliados a um conhecimento específico de processos de ensino e aprendizagem (...)" (Noffs10, 2003, p.24).

 

REFERÊNCIAS

1. Fonseca ES. Atendimento pedagógico-educacional para crianças e jovens hospitalizados: realidade nacional. Brasília: MEC/INEP;1999. p.5-25.         [ Links ]

2. Vasconcelos SMF. Classe hospitalar no mundo: um desafio à infância em sofrimento. Universidade Estadual do Ceará. (s/d) [citado em 7 nov. 2005] Disponível em URL: http://www.reacao.com.br/programa_sbpc57ra/sbpccontrole/textos/sandramaia-hospitalar.htm        [ Links ]

3. Ministério da Educação (MEC) - Secretaria de Educação Especial. Classe hospitalar e atendimento pedagógico domiciliar: estratégias e orientações. Brasília:MEC/ Secretaria de Educação Especial;2002.         [ Links ]

4. Garrossino VC, Hissa M, Maschio C, Quaglio R. Projeto de trabalho - Estágio supervisionado em Psicopedagogia Institucional na Pediatria do IAMSPE sob a orientação da Prof. Dra. Neide de Aquino Noffs. São Paulo: PUC-SP;2004.         [ Links ]

5. Moreno JL. Fundamentos do psicodrama. São Paulo:Summus;1983.         [ Links ]

6. Beltrán JMM. Enseño a pensar. Madrid: Editorial Bruño;1995.         [ Links ]

7. Ministério da Educação de Portugal. Currículo Nacional do Ensino Básico - Competência Essenciais. Disponível em URL: http://www.dgidc.min-edu.pt/public/compessenc_pdfs/pt/LivroCompetenciasEssenciais.pdf        [ Links ]

8. Cândido P, Diniz MI, Smole KS (orgs.). Coleção de matemática de 0 a 6 - resolução de problemas. Porto Alegre:Artes Médicas Sul;2000.         [ Links ]

9. Rachman VCB. Entre habilidades e competências: como pode ser pensada a atuação do psicopedagogo no ambiente hospitalar [Monografia]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo;2006.         [ Links ]

10. Noffs NA. Psicopedagogo na rede de ensino: a trajetória institucional de atores-autores. São Paulo:Elevação;2003.         [ Links ]

 

 

Correspondência:
Neide A. Noffs
Rua Diana, 715 - 05019-000
Tel.: (11) 3670-8023
E-mail: nnoffs@terra.com.br
Vivian C.B. Rachman
Rua Cônego Eugênio Leite, 873 - 05414-012
Tel.: (11) 8291-8289
E-mail: virachman@uol.com.br

Artigo recebido: 12/05/2007
Aprovado: 24/06/2007

 

 

Trabalho realizado no Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE), São Paulo, SP.
* Maschio C, Hissa M, Quaglio R, Garrossino V. 2004. Inspirado na leitura de Fuckner MA, Faraco LG. Geografia para escolares hospitalizados. Florianópolis:UFSC;2004
** Acredito que, neste momento, em se tratando de um relato, não cabe a discussão sobre o que é pedagógico, se as atividades que esta professora oferece são conteudistas ou se, de fato, desenvolvem competências e habilidades

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