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Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.29 no.89 São Paulo  2012

 

RESENHA

 

Psicopedagogia e psiquiatria: possibilidades de cooperação

 

 

Raquel Tonioli Arantes do NascimentoI; Antonio de Pádua SerafimII

IPedagoga e psicopedagoga pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Doutoranda em Neurociência e Comportamento pela Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
IICoordenador do Programa de Psiquiatria e Psicologia Forense (NUFOR); Docência nos cursos: Mestrado do Departamento de Psiquiatria FMUSP - Disciplina Fundamentos da Psiquiatria na Área Forense; Especialização do Serviço de Psicologia e Neuropsicologia (Avaliação dos Transtornos do Comportamento) e da Residência em Psiquiatria (IPq-HCFMUSP), São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 

INTRODUÇÃO

A Psicopedagogia tem ampliado seu campo de atuação, focalizando cada vez mais o aprendente, ao invés do problema que este apresenta em si. Considera-se o não aprender em diferentes situações do cotidiano, tais como fazer compras, seguir instruções, ter autonomia nos estudos. Assim, em diferentes ambientes - na escola, família e/ou trabalho - esta tem sido a preocupação eminente dos mais diversos profissionais, em especial dos educadores, psicólogos, médicos e psicopedagogos, que buscam compreender as causas da problemática e formas de ter esse processo revertido.

Pode-se afirmar que o campo de atuação no qual a Psicopedagogia se insere é multidisciplinar, uma vez que se faz necessária colaboração e entendimento de diversas áreas para se chegar a um consenso, e, chegando, consiga-se trabalhar de forma conjunta.

Entendendo-se, então, como um campo multidisciplinar, comumente será visto a intersecção de textos em que uma área influenciará outra; ou seja, nos vastos campos de conhecimentos em que se inserem as diferentes áreas, encontrar-se-ão ferramentas importantes para serem compartilhadas e utilizadas. Nesse sentido, serão utilizadas como referência neste artigo o primeiro capítulo do Compêndio de Psiquiatria, de Sadock & Sadock1, cujo título se refere à relação médico-paciente e técnicas de entrevista, e aplicar seus conceitos no campo psicopedagógico, usando a obra de Maria Lucia Weiss - Psicopedagogia Clínica: uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem escolar2.

 

CONCEITOS DA RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE E TÉCNICAS DE ENTREVISTA APLICADOS À PSICOPEDAGOGIA

O primeiro capítulo do livro de Sadock & Sadock1 inicia apontando a importância do relacionamento entre o paciente e o médico, fazendo com que este se torne construtivo para ambos. Precisa haver sintonia entre os personagens que compõem esse cenário, compreendendo a natureza do relacionamento, considerando todos os fatores que o influenciam - o motivo da procura pelo profissional, a família, religião e crenças, entre outros. Os autores trazem, ainda, uma citação de Francis Peabody: "O segredo para cuidar de um paciente é ter consideração por ele"; percebe-se, dessa forma, para que essa relação seja construtiva, uma troca, existe a necessidade da confiabilidade, uma vez que "Os pacientes que sentem que alguém os conhece, compreende e aceita encontram nesta pessoa uma fonte de força".

De igual forma, a Psicopedagogia trabalha para ajudar seus pacientes no encontro de soluções para suas dificuldades; preventiva ou remediativamente, esse profissional constrói ao longo das sessões um relacionamento para que seu processo de investigação seja concluído com sucesso.

Lidar com os pacientes e todos os fatores que o compõem requer comunicação, inter-relacionamento, empatia, e também transferência e contratransferência. O processo de transferência diz respeito às experiências passadas de relacionamentos com outros profissionais, que, inconscientemente, o paciente traz para essa nova relação; a contratransferência é o processo contrário, em que o paciente recebe toda a carga de experiências obtidas anteriormente. Nesse processo de construção do relacionamento e do diagnóstico, portanto, é crucial que se dê espaço à sensibilidade, considerando todos os vieses em ambos os lados.

Outro aspecto que Sadock & Sadock1 traz e se aplica claramente à investigação psicopedagógica é a abordagem biopsicossocial proposta por George Engel3. Nele se inserem uma abordagem integral do comportamento humano e da doença - no caso da Psicopedagogia, o motivo pelo qual se procurou o profissional, a demanda, a queixa, o sintoma. O sistema biológico refere-se à estrutura anatômica macro e micro, e seus efeitos sobre o funcionamento biológico dos pacientes; o sistema psicológico se refere aos efeitos psicodinâmicos, motivação, personalidade, experiência e reação aos sintomas; por sua vez, o sistema social examina as influências culturais, ambientais e familiares que influenciam tanto o processo diagnóstico quanto o de tratamento.

Weiss2, nesse aspecto, traz que esse processo de entendimento do paciente é uma compreensão global da sua forma de aprender, bem como dos desvios que o acometem, sendo necessária uma organização dos dados de seu desenvolvimento biológico, intrapsíquico e social, ressaltando a pessoalidade que esses dados trazem, ou seja, cada pessoa é um ser único, devendo seu caso ser estudado particularmente. O autor alerta, entretanto, que a investigação e a coleta dos dados não devem ser encaradas como a costura de uma colcha de retalhos ou uma justaposição das informações, uma soma; mas sim, a construção do ser em função de alguns parâmetros que definem a qualidade e a quantidade do desvio em relação à sua formação cultural, classe socioeconômica, idade cronológica, exigência familiar, relação entre conteúdos escolares e desenvolvimento das estruturas do pensamento, psicogênese da leitura e da escrita, e o desenvolvimento biopsicológico considerado normal. Dessa forma, como citado por Sadock & Sadock1 o modelo de abordagem biopsicossocial nos proporciona uma estrutura conceitual para lidar com informações desencontradas e serve como um lembrete de que pode haver questões importantes nos aspectos biológicos, psicológicos e sociais.

O terceiro aspecto de compatibilidade entre essas duas áreas - Psiquiatria e Psicopedagogia - diz respeito à efetividade da entrevista; Sadock & Sadock1 e Weiss2 ressaltam a importância que essa ferramenta tem, pois, quando realizada de forma habilidosa, consegue reunir informações para se entender e tratar o paciente. Weiss2, entretanto, faz um adendo no quesito ansiedade. No início do quarto capítulo relata que penetrar no desconhecido gera esse sentimento em ambos os lados - terapeuta e paciente - e que, dependendo da contratransferência, o paciente pode ou não revelar informações relevantes para o bom andamento do processo. Sobre isso, Sadock & Sadock1 trazem em seu capítulo uma tabela bastante esclarecedora sobre as funções da entrevista no diagnóstico (Tabela 1).

O ato de entrevistar, segundo Sadock & Sadock1, é delicado, porque envolve um equilíbrio muito fino entre permitir que sua história se desdobre livremente e obter os dados necessários para o diagnóstico e futuro tratamento. O conteúdo que ela possui é literalmente o que é dito pelo paciente e pelo terapeuta; já o processo é o que acontece entre ambos, o que ocorre de forma não-verbal, sendo imprescindível a atenção do terapeuta a esses sinais manifestados pelo paciente, uma vez que este usa constantemente a linguagem corporal para se comunicar.

Para elucidar o ato de entrevistar, Sadock & Sadock1 sugerem algumas técnicas de condução:

1. Reflexão: nesta técnica há repetição solidária em forma de paráfrase de algo que o paciente já disse; tem como objetivo assegurar a compreensão por ambos - paciente / terapeuta - do tem sido tratado;

2. Facilitação: existe uma cooperação por parte do terapeuta, proporcionando pistas verbais e não-verbais que encorajem o paciente a continuar falando; por exemplo, sacudindo a cabeça.

3. Silêncio: na relação terapeuta-paciente o silêncio precisa ser construtivo em um ambiente acolhedor, permitindo que o paciente se exponha;

4. Confrontação: essa técnica pretende que o terapeuta exponha, de forma não hostil e ofensiva, algo que o paciente não está percebendo ou que ele esteja negando;

5. Clarificação: tenta-se aqui obter detalhes do paciente sobre coisas ditas anteriormente;

6. Interpretação: a técnica de interpretar geralmente ajuda a esclarecer algum aspecto que o paciente não consegue enxergar;

7. Resumo: utiliza-se para que periodicamente o terapeuta disponha de um tempo da entrevista para resumir brevemente o que o paciente disse até o momento;

8. Explicação: explicação do plano de trabalho / tratamento em uma linguagem compreensível;

9. Transição: essa técnica permite que o terapeuta mude o tema/assunto que está sendo tratado, uma vez que todas as informações necessárias já foram obtidas.

10. Autorrevelação: apenas quando necessário pode-se revelar e responder às curiosidades dos pacientes;

11. Reforço positivo: essa técnica permite que o paciente se sinta confortável em dizer algo ao terapeuta; trata-se de encorajá-lo;

12. Tranquilização: a tranquilização honesta pode acarretar no aumento da confiança entre ambos e significar a adesão ao tratamento proposto; entretanto, o contrário, ou seja, a falsa tranquilização, pode atrapalhar o relacionamento, fazendo com que o paciente não aceite o tratamento e a intervenção propostos;

13. Conselhos: essa técnica deve ser aplicada somente depois que os pacientes expuseram livremente seus problemas, de modo que se obtenham dados suficientes para fazer sugestões;

14. Terminando a entrevista: espera-se que o paciente saia da entrevista sentindo-se compreendido, respeitado e acreditando que todas as informações pertinentes e importantes foram transmitidas e entendidas pelo terapeuta.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora estejam em áreas de atuação distintas, a Psiquiatria e a Psicopedagogia atuam de forma complementar; dessa forma, utilizar-se dos recursos e conhecimentos que ambos oferecem é enriquecedor e tem como produto final o aprimoramento do atendimento clínico. Vale ressaltar que a multidisciplinaridade não apenas é imprescindível para atuação do psicopedagogo quanto para o desenvolvimento do paciente/cliente sob seus cuidados. A importância da comunicação e parceria entre as áreas deixa de ser uma casualidade e passa para uma questão de necessidade em benefício daquele que necessita de sua ajuda.

 

REFERÊNCIAS

1. Sadock BJ, Sadock VA. Compêndio de Psiquiatria: ciência do comportamento e Psiquiatria clínica. Porto Alegre: Artmed;2007.         [ Links ]

2. Weiss MLL. Psicopedagogia clínica: uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem escolar. 11ª ed. Rio de Janeiro:DP&A;2006.         [ Links ]

3. Engel GL. The clinical application of the biopsychosocial model. Am J Psychiatry. 1980; 137(5):535-44.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Raquel Tonioli Arantes do Nascimento
Rua Barbara Heliodora, 321 - Vila Romana
São Paulo, SP, Brasil - CEP 05044-040

E-mail: rtonioli@gmail.com

Artigo recebido: 11/7/2012
Aprovado: 30/7/2012

 

 

Resenha realizada na Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP, Brasil.