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Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.31 no.95 São Paulo  2014

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Espaços psicopedagógicos na escola: legitimados ou urgentes?

 

Psycho-pedagogical spaces in school: legitimate or urgent?

 

 

Franciélins Teixeira Brum; Sílvia Maria de Oliveira Pavão

Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: Discutir as ações do psicopedagogo na intervenção das dificuldades de aprendizagem no espaço escolar.
MÉTODO: Estudo do tipo qualitativo de análise interpretativa, com aplicação de entrevista do tipo semiestruturada com psicopedagogas de diferentes escolas que realizam a intervenção psicopedagógica.
RESULTADOS: A avaliação e o acompanhamento psicopedagógico são processos criteriosos que podem identificar obstáculos do não aprender, encaminhando para o desenvolvimento da aprendizagem. As ações psicopedagógicas destacam-se pela inserção coexistente nas dimensões pessoais, familiares, escolares e sociais.
CONCLUSÃO: A intervenção psicopedagógica nas escolas favorece os processos de aprendizagem, e deveria ser essencial em todas as escolas.

Unitermos: Escola. Psicopedagoga. Aprendizagem.


SUMMARY

PURPOSE: To discuss the actions of the psychopedagogist in the intervention of learning difficulties in school.
METHOD: Qualitative study of interpretative analysis, applying the semi-structured interview with psychopedagogists of different schools that perform psychoeducational intervention.
RESULTS: The psycho-pedagogical evaluation and monitoring are selective processes that can identify the obstacles of not learning and forward to learning development. The psycho-pedagogical actions stand out by parallel insertion in personal, family, school and social dimensions.
CONCLUSION: A psychoeducational intervention in schools favors learning processes and should be essential in all schools.

Key words: School. Psychopedagogist. Learning.


 

 

INTRODUÇÃO

O foco dessa investigação são duas áreas do conhecimento que guardam relação estreita, a aprendizagem e a Psicopedagogia. Aborda-se a atuação de psicopedagogos na escola face aos problemas de aprendizagem.

A atuação psicopedagógica tem caráter interdisciplinar originada pelo entrelaçamento de diferentes áreas do conhecimento, tais como a Psicologia, Psicanálise, Pedagogia, cognitivismo, entre outras decorrentes da abordagem de cada profissional da área, tendo em vista o atendimento dos processos de aprendizagem. Cabe ao profissional com formação psicopedagógica, nomeado de especialista em Psicopedagogia, o papel de entender a aprendizagem em seus limites ou dificuldades e em suas potencialidades, intervindo nos casos que se fizerem necessários. Essa ação vai além de um bom aporte teórico e prático, e pode remeter a uma atuação mais sensível às características do ser humano na sociedade. Decorre dessa compreensão a atuação do psicopedagogo nas formas preventiva e terapêutica, compreendendo os processos do desenvolvimento e das aprendizagens humanas.

Do ponto de vista cultural, o ser humano passa boa parte de seu tempo na escola. Um dos principais estágios de crescimento e desenvolvimento, a infância e juventude, são vividos em uma escola. É na escola que as pessoas aprendem valores e conceitos que muitas vezes os acompanham por toda a vida. Os principais teóricos do desenvolvimento e aprendizagem são categóricos ao afirmar que são estágios cruciais para a personalidade1. Diante disso, percebe-se a escola como um lugar que potencialmente favorece a aprendizagem. Entretanto, nem sempre as aprendizagens tendem a ocorrer com a facilidade desejada ou esperada, e é nesse contexto que se insere a Psicopedagogia, uma área que se caracteriza pelo atendimento à aprendizagem, e por isso se consagrou ocupando um lugar legitimado no interior das escolas. Entretanto, não são todas as escolas que disponibilizam em seu quadro de profissionais um especialista nessa área para o atendimento da aprendizagem ou da não-aprendizagem. Nesse contexto, o problema desta pesquisa foi descrito como: qual é o espaço e o papel do psicopedagogo na escola ao viabilizar estratégias para prevenir e superar as dificuldades de aprendizagem?

A intervenção do psicopedagogo com um olhar atento para as questões que interessam ao bom desempenho escolar conseguem identificar aqueles fatores que podem contribuir na minimização das dificuldades de aprendizagem.

O estudo tem como objetivo geral conhecer a atuação do psicopedagogo na intervenção das dificuldades de aprendizagem no âmbito escolar; e como objetivos específicos, investigar quais são os condutos que os psicopedagogos adotam para diagnosticar as dificuldades de aprendizagem; identificar os principais métodos de intervenção psicopedagógica na escola; apontar a necessidade da Psicopedagogia preventiva nas escolas; e descrever os principais problemas de aprendizagem.

O estudo reveste-se de importância ao ressaltar os problemas da aprendizagem, e a forma como eles podem ser prevenidos, com a atuação preventiva do psicopedagogo no ambiente escolar; ao mostrar o papel do psicopedagogo, o seu reconhecimento na compreensão das dificuldades de aprendizagem, as condutas adotadas para diagnosticar as dificuldades de aprendizagem e também no papel da psicopedagogia preventiva.

Dificuldades na aprendizagem ocorrem por diversos fatores, dentre os quais: biológicos, psicológicos e contextuais (influências ambientais, o ambiente doméstico, o ambiente na escola), entre outros. Em consequência disso, a aprendizagem pode ser compreendida como um processo contínuo do sujeito aprendente em seu contexto histórico e social2. Tais correlações denotam a importância e o dever dos educadores no âmbito escolar, quais sejam: conhecer e valorizar as ações que são desenvolvidas pelos profissionais que atuam diretamente na intervenção dos problemas de aprendizagem3.

Psicopedagogia e seu campo de atuação

O reconhecimento do papel do psicopedagogo face às dificuldades de aprendizagem é o de mediador, na intervenção preventiva ou terapêutica. Posto que aprender é um processo que requer disciplina, motivação e foco nos objetos a serem aprendidos2,3, é fundamental, por isso, que esse profissional da educação possa ter espaço para fazer um trabalho considerando as diversas áreas de conhecimento pelos quais as pessoas em processo de aprendizagem, nas variadas modalidades de ensino, se deparam. Ter conhecimentos específicos das diversas áreas que compõem o campo psicopedagógico favorece a construção de ações e resultados eficientes4.

O psicopedagogo primeiramente tem o papel de investigar o sujeito com dificuldades para aprender, de forma criativa e conforme a faixa etária, a partir disso ele irá poder entender e orientar com base nas suas hipóteses sobre o não aprender5.

A afetividade, o carisma tem valor na intervenção psicopedagógica, pois a pessoa sob intervenção psicopedagógica precisa sentir-se bem acolhida para poder conseguir agir com naturalidade e sem medo.

O psicopedagogo precisa conhecer as formas de classificação dos transtornos mentais e de comportamento, para poder atuar em seu papel de mediador. Esses transtornos são: específicos do desenvolvimento das habilidades escolares; específicos da leitura; específico da soletração; específico da habilidade em aritmética. Outros transtornos do desenvolvimento das habilidades escolares incluem o transtorno do desenvolvimento da escrita expressiva. Registra-se que a maior parte das causas de não-aprendizagem são as de leitura, escrita e matemática2.

O psicopedagogo, para conseguir entender o problema de aprendizagem do sujeito, precisa adentrar o contexto escolar, investigar como ele é ensinado, que tipo de didática é utilizada, como são as relações no ambiente escolar. Em função disso, o planejamento de uma avaliação torna-se imprescindível. Pois, como interpretar a produção do sujeito, que se refere ao material elaborado por ele em conjunto com os elementos do contexto escolar (conteúdos a serem aprendidos, relações com professores e colegas), acrescidos do contexto familiar. Para conhecer esses dinâmicos elementos, o psicopedagogo pode usar de algumas estratégias que favorecem essa investigação e podem garantir a obtenção de achados diagnósticos seguros que permitirão a correta orientação psicopedagógica. Essas estratégias podem ser de diagnóstico, como hora do brinquedo, testes, discurso dos pais, desenvolvimento de ações lúdicas, gráficos, discurso verbal, entrevista com os pais do paciente e o paciente, que pode ser feita com toda a família e individualmente5.

Nessa perspectiva, para entender a produção do sujeito e obter esses achados psicopedagógicos, é preciso haver confiança entre paciente e terapeuta e criatividade por parte do psicopedagogo. Em função disso, começar a obter um olhar psicopedagógico e daí em diante saber escutar e interpretar, para poder assim fazer a aplicação do material diagnóstico que por meio dele abrirá caminhos para o entendimento do que está acontecendo com o sujeito, e, aonde e porque a aprendizagem ficou comprometida.

O olhar psicopedagógico interpreta a mensagem do sintoma da não-aprendizagem. O contato inicial para uma avaliação psicopedagógica é um dos momentos mais importantes para se conhecer a pessoa no seu contexto individual e social5. Quando a intervenção é com crianças, os pais, na entrevista inicial, colaboram sobremaneira com dados que configurarão parte das orientações diagnósticas que servirão para a superação das dificuldades de aprendizagem. No caso de adolescentes ou adultos, a entrevista inicial também oferece as mesmas possibilidades de interpretação dos sintomas do não-aprender, desde que realizada com o intuito de coletar os dados necessários à compreensão da não-aprendizagem.

Esse é o grande momento da escuta em que o terapeuta analisa o sujeito, assumindo uma atitude clínica e colocando em prática todos os conhecimentos teorias, saberes, emoções e intuição. Muitas vezes, com a interpretação da entrevista, constata-se que os problemas não se localizam no sujeito, mas o antecedem, ou margeiam as suas condutas, mascarando inúmeros sintomas de não-aprendizagem. É o caso dos problemas relacionados à dinâmica familiar, escolar, ou sociais e culturais.

O diagnóstico psicopedagógico é um processo de investigação, em que o psicopedagogo seleciona os dados e centra-se na investigação do processo de aprendizagem, levando em conta a totalidade e complexidade dos fatores envolvidos nesse processo2.

O diagnóstico ocorre em função da necessidade de uma investigação da conduta do sujeito, dele com a família e também na escola. Em geral, os problemas podem ser em função da instituição que estuda, ou a inibição de pensar, de conhecer, de desenvolver-se, que podem ser mais complicados de serem identificados porque podem estar mascarados num problema familiar2,4.

No diagnóstico psicopedagógico clínico, deve haver levantamento de hipóteses, verificação de potencial de aprendizagem do sujeito, conhecimento do seu envolvimento com a família e escola. O diagnóstico psicopedagógico utiliza instrumentos de sua própria área que envolve diversos saberes e que oferece recursos de áreas diferentes do conhecimento humano para compreender o ato de aprender2.

Para fazer um diagnóstico psicopedagógico, a pessoa não pode ser analisada isoladamente, é preciso explorar com muita sensibilidade os diferentes contextos sociais em que o sujeito em processo de avaliação diagnóstica vive, principalmente a família e a escola.

Um dos métodos do diagnóstico psicopedagógico mais utilizado é a entrevista com a família, o conhecimento da história de vida e as relações com a escola são dados de significativa importância para a compreensão da não-aprendizagem. Também podem ser utilizados outros tipos de instrumentos associados à entrevista, como as provas de inteligência, testes projetivos, avaliação perceptomotora, teste de apercepção infantil, teste de apercepção temática, provas de nível de pensamento (Piaget), avaliação do nível pedagógico (nível de escolaridade), desenho da família, desenho da figura humana, testes psicomotores (lateralidade, estruturas rítmicas) entre outros2,4. Quando o diagnóstico é destinado a crianças, pode-se fazer o uso de recursos lúdicos, tais como jogos, desenhos, brincadeiras para favorecer a manifestação das dificuldades e a compreensão dos sintomas apresentados.

Em geral, com as dificuldades detectadas mais cedo, se evita que elas se intensifiquem e tomem proporções de difícil identificação e intervenção. Cada pessoa desenvolve uma forma de aprender, ou um estilo de aprendizagem com o qual alcança os objetivos. Quando isso não ocorre, surgem as dificuldades de aprendizagem, que são originadas por diversos fatores intra e interpessoais. Nesse contexto, as escolas, enquanto instituições sociais responsáveis pela transmissão dos conhecimentos, precisam aproximar-se da realidade dos alunos para que eles não percam o desejo por aprender.

Os pais também podem colaborar com a aprendizagem dos filhos, ao observar o comportamento e atitudes dos filhos tais como lentidão para executar tarefas, expressão difusa do pensamento, desinteresse pela escola, baixo rendimento, repetências, dependência exagerada da professora ou dos pais para realizar as tarefas escolares, entre outros. Essas manifestações são fortes indícios de não-aprendizagem, indicando o acompanhamento psicopedagógico. Daí decorre a importância da psicopedagogia preventiva, que focaliza os pais com um olhar mais crítico, eles podem detectar alguns dos problemas dos filhos e buscar as orientações adequadas na própria escola, antes que tais problemas sejam naturalizados no contexto familiar e escolar.

Os problemas de aprendizagem começam em geral a se manifestar por volta dos seis anos, período que coincide com o processo de alfabetização. Exames físico, visual e auditivo devem ser realizados caso haja suspeita de alguma deficiência sensorial. Os aspectos relativos à coordenação motora, as trocas na linguagem oral, entre outros, também precisam ser investigados, pois são fatores externos que podem alterar e afetar a situação de aprendizagem em qualquer período do desenvolvimento.

Nessa investigação, o psicopedagogo procura compreender globalmente a forma da pessoa aprender e o que está impedindo a aprendizagem. O que é percebido pela própria pessoa ou pelos outros que a rodeiam é algo chamado de sintoma que revela algo4. O sintoma se manifesta na personalidade em contato, interação com o meio social onde o sujeito está inserido.

Muitas vezes a pessoa poderá demonstrar um comportamento para alguns considerado estranho ou inapropriado em determinada escola, turma ou professor e em outra escola isso pode não ocorrer. Esse comportamento, possivelmente, esteja associado a algum fator relevante que origine ou potencialize a dificuldade para aprender. Isso deve ser investigado atentamente pelo psicopedagogo no processo diagnóstico.

Subsequentemente a essa investigação inicial, e sempre levando em consideração as diferenças individuais e contextuais do sujeito, podem ser orientados e encaminhados procedimentos psicopedagógicos que sejam constituídos de parâmetros externos e internos e identificados de modo amplo, como: aspectos culturais, socioeconômicos, familiares, escolares, outros inerentes aos anteriores e ao próprio desenvolvimento do sujeito2.

Escola: espaço de compreensão das dificuldades de aprendizagem?

A escola é organizada com uma gestão que possui setores predefinidos de direção, vice-direção, coordenação, professores, sala de atendimento psicopedagógico para os alunos. A gestão escolar é uma construção social na história da educação, que nas últimas décadas vem sendo modificada por meio das políticas públicas da educação, que suscitaram transformações que passaram a incentivar mudanças na gestão das escolas a partir da autonomia e a qualidade6.

Toda a organização de uma escola depende de uma gestão que atenda aos interesses e necessidades desse lugar, pois a gestão também acontece por conta de um currículo que deve atender ao público que recebe além de conteúdos programáticos e disciplinares, porque a gestão deve analisar a escola como um todo. A escola tem a função de desenvolver sujeitos com capacidade de democratização, autônomos, reflexivos e participantes.

Nas escolas, a gestão e o currículo tem um papel importante, pode-se dizer um papel primordial, pois é a partir deles que se estrutura a escola e as pessoas que nela vivem. Todo o currículo é embasado na construção social dos sujeitos, razão pela qual a gestão da escola e, consequentemente, do currículo escolar tem sua preponderância. A gestão faz o papel de mediadora, construtora, articulando o currículo conforme as demandas da sociedade. É na escola que são percebidas as necessidades dos alunos, e toda a gestão tem compromisso da identificação e encaminhamento das necessidades de aprendizagem dos alunos6.

São muitas as manifestações das dificuldades de aprendizagem, e várias as possibilidades de intervenção. A Psicopedagogia contribui para o desenvolvimento e a aprendizagem dos alunos, pois quando o professor detecta algum problema relativo à aprendizagem poderá encaminhar para a orientação psicopedagógica, quando esse serviço for ofertado pela escola7-9. Com o psicopedagogo o aluno poderá ter uma atenção específica e, assim, minimizar os problemas na aprendizagem que podem ser de ordem institucional ou da ordem que constitui um sintoma, afetando os níveis de inteligência, o desejo, o organismo, o corpo7.

Principais problemas de aprendizagem escolar

Na compreensão e forma de classificação dos problemas de aprendizagem, pode-se utilizar o Manual de Classificação dos Transtornos Mentais e do Comportamento - CID 1010.

As causas dos problemas escolares são multifacetadas e guardam relações entre os transtornos do desenvolvimento da linguagem, leitura, escrita, cálculo e aspectos comportamentais9. Os transtornos escolares podem ser avaliados por profissionais especializados e por meio de instrumentos específicos. Para tanto, recomenda-se o uso de provas aplicadas individualmente para avaliar o desenvolvimento intelectual para a correta identificação do problema e suas formas de intervenção. Muitas vezes o problema pode estar relacionado à gestação ou observado quando a criança está nos primeiros anos pré-escolares, a identificação nem sempre é uma tarefa fácil e depende da colaboração das pessoas que convivem com o sujeito com dificuldades na escola e em casa.

A classificação dos principais problemas de aprendizagem, visando melhor identificação e encaminhamento das pessoas afetadas nas suas aprendizagens escolares, são apresentadas como: transtorno de linguagem expressiva; transtorno específico do desenvolvimento das habilidades escolares; transtorno específico de leitura; transtorno específico do soletrar; transtorno específico de habilidades aritméticas8-11.

 

MÉTODO

Pesquisa com abordagem qualitativa do tipo exploratória, tendo em vista o foco da investigação. Os dados encontrados no campo são uma possibilidade de conseguir não só uma aproximação com o que se busca investigar, mas também poder construir um conhecimento dessa realidade12. A pesquisa exploratória tem por finalidade a descoberta de teorias e práticas, a elucidação de fenômenos, a obtenção de alternativas, ao conhecimento científico consolidado, ela proporciona familiaridade com o problema, tornando-o mais claro13,14.

Esse estudo foi realizado em três escolas particulares de uma cidade do interior do estado do Rio Grande do Sul-RS, com cerca de 270 mil habitantes. Foram sujeitos desse estudo os psicopedagogos que trabalham nessas escolas que aceitaram fazer parte do estudo. O período de realização da coleta de dados compreendeu o mês de janeiro do ano de 2013.

Para definição da amostragem, inicialmente foi realizado um levantamento em todas as 21 escolas particulares da cidade, para verificar se a escola dispunha, em seu quadro permanente de pessoal, de profissionais na área da Psicopedagogia. Esse profissional deveria ter o curso de especialização em Psicopedagogia Institucional e Clínica, bem como desenvolver seu trabalho psicopedagógico com os alunos do Ensino Fundamental e Médio.

Optou-se pelo levantamento em escolas particulares, pois na rede pública municipal e estadual não existe contratação ou concurso público para o atendimento psicopedagógico, sugerindo, assim, que esse profissional, mesmo atuando em alguma dessas escolas, não tivesse essa função regulamentada na instituição que trabalha.

Após essa verificação, foi realizada consulta à Direção da escola, verificando a possibilidade de estabelecer contato com o psicopedagogo da escola, e somente após, foi feito o convite ao profissional. Com esses critérios de seleção da amostra, apenas três escolas fizeram parte do estudo.

Os sujeitos que integraram a população amostra foram convidados a participar do estudo respondendo a uma entrevista. Posteriormente à avaliação do Comitê de ética, foi agendou um horário e local para a realização da entrevista direcionada ao psicopedagogo, bem como foi entregue e recolhido o termo de consentimento livre esclarecido.

A entrevista foi realizada nas dependências das escolas em que os psicopedagogos trabalham. Os três principais indicadores previamente estabelecidos para o desenvolvimento dessa entrevista, e que também serviram para a análise dos dados, foram nomeados: Psicopedagogia na escola; Psicopedagogia na vida dos alunos atendidos e de suas famílias; Psicopedagogia na atividade profissional e pessoal do psicopedagogo.

Os dados coletados e o referencial teórico do estudo foram utilizados para análise. A análise dos dados foi de forma qualitativa15, compreendendo atividades de investigação, que podem ser denominadas específicas ou também podem ser caracterizadas por traços comuns, podendo ajudar o pesquisador a realizá-las, e tendo como objetivo, atingir uma interpretação da realidade no ângulo qualitativo. Na análise qualitativa, a ênfase recai sobre o ser humano, como sujeito no mundo real. Os três sujeitos da pesquisa (psicopedagogos das escolas) não foram identificados. Para utilizar o conteúdo que emergiu das entrevistas se utilizou a expressão: os entrevistados, ou, os sujeitos da pesquisa, sem identificar isoladamente16.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As três psicopedagogas entrevistadas, com idade entre 35 e 61 anos, têm formação em: Educação Especial habilitação em deficientes de audiocomunicação, Educação Especial em deficientes mentais (hoje denominado deficiências múltiplas) e Ciências físicas e biológicas, Pedagogia e Psicopedagogia clínica e institucional. Todas realizaram cursos de aperfeiçoamento em Psicopedagogia Clínica e Institucional, Psicoterapia Cognitiva Comportamental, e uma delas participou de congressos na área da Psicopedagogia. O tempo de atuação na área da Psicopedagogia varia de 4 a 26 anos. Salienta-se o perfil dos psicopedagogos entrevistados, visando ao conhecimento dessas representações nas escolas no âmbito da Psicopedagogia. Observou-se tratar de profissionais com sólida formação e tempo de experiência na área psicopedagógica.

Psicopedagogia na escola

Nas escolas onde atuam essas psicopedagogas, a Psicopedagogia é considerada uma área de atuação muito importante, pois cada uma delas foi contratada devido às concepções filosóficas da escola, no que tange ao acompanhamento da aprendizagem dos alunos e pela demanda de alunos com dificuldades de aprendizagem. Alguns alunos já estavam fazendo acompanhamento psicopedagógico fora da escola, e essa foi uma das razões para que o serviço fosse ofertado na própria escola.

Uma das entrevistadas relatou que na escola onde atualmente atua, antes de ser contratada para realizar o atendimento psicopedagógico clínico, eram os professores com especialização em Psicopedagogia que encaminhavam os alunos para outros serviços e setores da sociedade, pois eles não tinham a função de realizar o acompanhamento na própria escola. Nas três escolas, a Psicopedagogia enquanto área de conhecimento e atuação, é valorizada. O fato de ter uma psicopedagoga que atua frente aos problemas de aprendizagem é crucial para o desenvolvimento de conceitos e valores relativos ao trabalho psicopedagógico.

Os sujeitos da pesquisa, questionados sobre como são diagnosticadas as dificuldades de aprendizagem na escola, responderam que os professores percebem que o aluno tem algum problema de aprendizagem, encaminhando-os para a psicopedagoga, que então realiza uma avaliação específica e adequada a cada caso. Em duas das escolas, são trabalhadas a psicopedagogia preventiva no sentido de orientar os pais e os professores sobre as potencialidades do aprender, e enfatizar a importância do acompanhamento familiar nas tarefas escolares e do processo de aprender, bem como dos métodos de ensino mais ajustados às situações de aprendizagem. Nesse sentido são realizadas atividades tais como: levantamentos exploratórios das dificuldades de aprendizagem e palestras de orientação aos pais e professores.

A Psicopedagogia na vida dos alunos atendidos e de suas famílias

A importância da Psicopedagogia na vida dos alunos atendidos e de suas famílias é destacada, pois por meio das intervenções é que são amenizados os problemas de aprendizagem que em geral são multifatoriais. Quando o psicopedagogo faz a anamnese, é perguntado tudo sobre a história do sujeito desde a gestação, retirada de fraldas, relacionamento com a família. Muitas vezes é solicitado à mãe que traga muitas coisas sobre a vida pregressa e atual como: cadernos, desenhos, tudo o que pode mostrar e revelar algo sobre a vida do sujeito. Outras vezes os familiares, amigos, ou cuidadores são chamados para obter informações relevantes ao processo de aprendizagem. Nem sempre a família colabora nesse processo de investigação.

Sobre a intervenção inicial, as psicopedagogas observam que geralmente o problema de aprendizagem vem associado a fatores da família, porque a família é um grande mistério e nem sempre quer revelar certos problemas porque comprometem e, às vezes, são segredos.

Evidenciou-se que as psicopedagogas precisam de diálogo com os pais, irmãos, parentes, cuidadores que estejam mais próximos do aluno, para melhor investigação das possíveis causas da não-aprendizagem.

Quando os pais chegam para o acompanhamento psicopedagógico estão geralmente desanimados, outros não demonstram seus sentimentos em relação à aprendizagem do filho, pois não sabem que tipo de problema existe e nem o que pode ter ocasionado. Já o sujeito em avaliação pode ficar confuso, porque não sabe o que está ocorrendo.

Para a compreensão e identificação dos problemas de aprendizagem, as entrevistadas sempre utilizam entrevista com a família do sujeito em questão. Essa entrevista é denominada anamnese, nela pergunta-se tudo sobre a vida da pessoa, por meio dela se poderá seguir um rumo no tratamento. Pode-se investigar, além do paciente e sua família, também a escola, para poder definir se o problema origina-se fundamentalmente na família ou na escola.

Além de investigar a pessoa na família e na sociedade em geral, são realizadas provas específicas, como os testes de inteligência, provas do nível de pensamento, avaliação pedagógica, testes projetivos, testes psicomotores: lateralidade, estruturas, rítmicas entre outros.

A Psicopedagogia do profissional que atende na escola

As psicopedagogas entrevistadas relataram sua trajetória profissional, entre tantos casos atendidos nas escolas que chamaram a atenção, elas relataram alguns, que denotam de forma marcante a importância do atendimento psicopedagógico na vida das pessoas com dificuldades para aprender e na ação do psicopedagogo com essas pessoas.

Uma delas relatou o caso de um menino que na época tinha 7 anos de idade e estudava em uma escola privada. Nasceu aos 5 meses e teve acompanhamento com psicopedagoga e educadora especial a partir dos 7 anos de idade, teve problema motor, um derrame cerebral, e ficou com dificuldade para falar.

Os pais do menino não sabiam que ele estava alfabetizado mesmo estando na escola (infere-se nesse caso, que na escola o menino não recebia a orientação pedagógica acertada), mas a mãe dele começou a perceber que, quando ele pegava as correspondências da caixa, ele sabia exatamente para quem elas se destinavam. Tudo isso foi falado para a psicopedagoga, que fez uma investigação por meio de um teste bastante simples de identificação de figuras e símbolos gráficos. A partir dessa descoberta (que ele já sabia ler), esse menino passou a ter melhor aproveitamento escolar.

A família do menino poderia ter ajudado mais no seu desenvolvimento, pois os pais tinham um excesso de cuidado com ele devido à facilidade de ter infecções por ser prematuro e ter tido um derrame cerebral. Entretanto, parece que, no que se refere à escola, o que era realizado, o que era exigido, tenha sido negligenciado, fato comprovado por ele já ter aprendido a ler. Ele poderia ter tido um maior desenvolvimento e aprendizagem, principalmente de 0 a 3 anos, pois nessa época as crianças podem aprender muitas coisas. O destaque nesse caso é de que foi preciso a intervenção psicopedagógica para que esse olhar atento ao modo de aprender do menino fosse identificado.

Em outro caso, sobre uma menina, com déficit cognitivo, depois de muito tempo de tratamento com a psicopedagoga que vinha fazendo investigações com a família e cuidadores, descobriu-se que ela não se alimentava direito, dormia quase nada, caía da cama, sempre estava com sono. Não dormia bem porque tinha problemas respiratórios e, como não se alimentava, acordava se sentindo fraca, com falta de energia. É importante ressaltar que a menina teve problemas no parto. Ela com 10 anos tinha idade mental de 6 anos. Com a orientação psicopedagógica e identificado esses comportamentos em casa, foi possível melhorar o desempenho e rendimento na escola. Hoje essa menina é adulta, com curso superior concluído.

Em outra situação, a psicopedagoga não relata um caso, mas vários casos que se concentram na procura pelo atendimento psicopedagógico baseado na dificuldade de aprender a ler e escrever. São casos muito comuns, em que as pessoas procuram a Psicopedagogia para se alfabetizar e conseguir um emprego. Qualquer atividade no mundo do trabalho exige o mínimo de conhecimento da língua escrita.

O importante para acontecer o trabalho da psicopedagoga é a parceria da família do sujeito e, se preciso, o acompanhamento de outros profissionais de outras áreas afins concernentes ao problema básico do não aprender. Na maioria das vezes, o problema de aprendizagem está totalmente ligado à família e se torna um grande mistério descobrir. O conhecimento científico e a dedicação do profissional da Psicopedagogia pode ajudar a desvendar o que está escondido.

Esses casos, ainda que apresentados de forma sumarizada, demonstram ações e resultados pontuais que podem incentivar o desenvolvimento do trabalho psicopedagógico nas escolas, o que pretensamente esse estudo buscou realizar.

 

CONCLUSÃO

Ao discutir a Psicopedagogia e os problemas de aprendizagem escolar, salientou-se o papel do psicopedagogo na intervenção das dificuldades de aprendizagem escolar, ao mostrar como esse profissional da área da educação pode favorecer significativamente os processos de aprendizagem escolar por meio das técnicas de avaliação, diagnóstico e intervenção.

Os psicopedagogos podem atuar de forma terapêutica ou preventiva nas escolas, conduzindo a avaliação e intervenção dos processos de aprendizagem, principalmente nas questões de leitura, escrita, linguagem, raciocínio, entre outros. Entretanto, são poucas as escolas que têm em seu quadro de profissionais a área da Psicopedagogia. Naquelas escolas onde existe a atuação desse profissional, quase sempre o processo de contratação é decorrente das necessidades de aprendizagem apresentadas pelos alunos.

É função específica do psicopedagogo investigar e buscar os meios para solucionar ou amenizar os problemas de aprendizagem, inclusive a orientação aos demais professores da escola, sugerindo métodos que possam auxiliar em determinada dificuldade de aprendizagem. Além disso, ele também tem a função de acompanhar e orientar os pais dos sujeitos com dificuldades, compreendendo como a pessoa se posiciona diante da família, da escola, e na sociedade de modo geral.

Essas ações, aplicadas em casos específicos de dificuldades de aprendizagem, mostram ser bastante eficazes, trazendo resultados visíveis no desempenho dos alunos, já que os problemas de aprendizagem apresentam características e sintomas que precisam ser interpretados com base nos dados no contexto familiar e escolar vivenciado por esses alunos. Idealmente a investigação global do aluno, da sua trajetória de vida, e a análise minuciosa desses dados à luz de teorias educacionais, sociológicas e psicológicas trazem apropriadamente o encaminhamento necessário no momento em que surgem os obstáculos de aprendizagem escolar.

Em consequência disso, o papel do psicopedagogo destaca-se por seu caráter interdisciplinar, pois sua intervenção no âmbito escolar alcança dimensões muito específicas do trabalho psicopedagógico, tendo ele que usar ferramentas para avaliar, diagnosticar e intervir, alcançando as dimensões da família (dinâmica, estrutura) e da escola (curriculares, metodológicos).

O trabalho do psicopedagogo em todas as escolas, sejam elas públicas ou particulares, poderia, dado a importância da atuação desse profissional, ser mais bem valorizado no contexto educacional geral, e em todas as modalidades de ensino, sendo marcada por isso, a urgência de ações e políticas públicas que trabalhem no âmbito da prevenção e da promoção da aprendizagem. Muito embora existam registros de iniciativas e ações nessa direção, parece que esse processo precisa ganhar força com o empenho dos profissionais da área, mostrando resultados dos seus trabalhos e denunciado a falta dele no âmbito das escolas onde os problemas de aprendizagem precursoramente se manifestam. Considerar legítimo o trabalho da Psicopedagogia nas escolas, embora verdadeiro, não é a garantia para que ela se efetive.

 

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Endereço para correspondência:
Sílvia Maria de Oliveira Pavão
Rua Portugal, 199
Santa Maria, RS, Brasil
CEP: 97030-490
E-mail: silviamariapavao@gmail.com

Artigo recebido: 21/5/2014
Aprovado: 11/6/2014

 

 

Trabalho realizado na Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, Brasil.