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Revista Psicopedagogia
Print version ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.32 no.98 São Paulo 2015
RESENHA
Resenha: as crianças mais inteligentes do mundo: e como elas chegaram lá
Itale Cericato
Psicóloga, Mestre em Psicologia, Doutora em educação: psicologia da Educação, Docente na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Diadema, SP, Brasil
Resenha do livro: Ripley A. As crianças mais inteligentes do mundo:e como elas chegaram lá. São Paulo: Três Estrelas; 2014.
A obra aqui resenhada começou a ser escrita quando a jornalista americana Amanda Ripley cobriu, em 2001, os resultados do primeiro exame do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA, sigla em inglês de Program for International Student Assessment), um teste internacional que avalia competências essenciais na solução de problemas cotidianos entre alunos de quinze anos que frequentam escolas de diferentes países. Naquela primeira edição do PISA, os resultados surpreenderam: a Finlândia, e não outros países até então considerados modelos educacionais, alcançou a primeira colocação. Motivada por esse resultado, Ripley quis saber o que a Finlândia estava fazendo de tão especial e, para tanto, empreendeu uma longa e ampla pesquisa envolvendo estudantes, pais, gestores educacionais e professores.
Naturalmente, assim como todo texto, trata-se de uma obra que não pode ser lida de modo acrítico. Ripley escreve com um claro viés: compreender por qual razão seu país não está no topo do mundo educacional e chamar a atenção das instituições de ensino americanas para isso. Apesar desse direcionamento e embora não se trate de uma pesquisa científica desenvolvida por profissionais da área da Educação, os dados não podem ser desmerecidos, porque despertam interessantes reflexões que se relacionam diretamente com a qualidade da educação escolar oferecida para crianças e adolescentes. Tais dados podem se tornar ainda mais relevantes se pensados em relação com o panorama educacional brasileiro, bastante comprometido, uma vez que nosso país ocupa as últimas posições no PISA.
Para compor a pesquisa, Ripley acompanhou de perto a experiência de três jovens que foram estudar na Finlândia, na Coreia do Sul e na Polônia. Adicionalmente, contou ainda com a participação de duas centenas de estudantes intercambistas que responderam a um questionário pela Internet. A obra se divide em três partes e, em cada uma delas, a autora relata a experiência de um desses jovens em seu respectivo país de destino.
As constatações da pesquisa indicam que o sucesso educacional depende, como não poderia deixar de ser, de uma complexa combinação de fatores. Algumas particularidades foram identificadas entre os países que apresentam elevado desempenho educacional, embora alguns aspectos tenham se mostrado comuns. Dentre esses últimos, três, em particular, despertam a atenção: a participação dos pais no processo escolar dos filhos, a qualidade da formação de professores e a importância atribuída pelo país à educação.
Sobre o primeiro aspecto, cabe assinalar que as crianças com melhores notas são aquelas cujos pais preocupam-se em dedicar-lhes tempo, seja com a leitura diária desde os primeiros anos da escolarização, seja conversando com elas sobre assuntos cotidianos e atuais. Contudo, Ripley destaca que a participação voluntária em eventos e atividades na escola não apresenta nenhuma implicação significativa no aprendizado porque o importante é o que se faz em casa (p.171).
O valor atribuído ao sucesso escolar é outra questão de fundamental importância que se revela, de um lado, pelo prestígio conferido à carreira do professor e, de outro, pelas altas expectativas que se nutrem em relação às crianças. Esse valor incide no segundo aspecto mencionado: a qualidade da formação docente. Nos países com elevado desempenho no PISA, são selecionados para cursarem as faculdades de formação de professor apenas aqueles candidatos que foram considerados bons alunos no ensino médio. Além disso, as instituições de formação são extremamente prestigiosas porque se acredita que os estudantes merecem ser ensinados pelos melhores e mais bem preparados professores do mundo. Na Finlândia, por exemplo, as instituições que não selecionam os melhores candidatos perdem o credenciamento e as verbas governamentais de custeio, como informa Ripley (p.135): "O rigor começa já no início, na hora de ingressar na carreira - que é o momento certo -, e não após anos exercendo a profissão, com complexos sistemas de avaliação criados com o intuito de extirpar os piores profissionais e destinados a desmoralizar todos os demais".
A formação dos professores finlandeses alia a teoria à prática. Durante o processo de formação, os professores estagiam nas melhores escolas públicas do país e são supervisionados por orientadores. Uma vez exercendo a atividade profissional, eles possuem tempo, todos os dias, para observar as aulas dos colegas, para dividir planos de aula e soluções de problemas em uma dinâmica que busca ser facilitada pela maior parte dos diretores de escola: "Não existe melhor maneira de preparar um aspirante a professor para o ensino do que colocá-lo para dar aulas - e depois fornecer a ele uma avaliação criteriosa com comentários e opiniões sobre como melhorar" (p.149).
O prestígio dos professores também se mostra em termos salariais, embora exista controvérsia quanto à relação entre salários altos e qualidade de ensino. É evidente, no entanto, destaca Ripley, que remunerações mais elevadas contribuem para atrair para a docência professores com formação mais sólida, além de mantê-los no emprego por mais tempo. Assim, o salário dos professores nos países com êxito educacional é similar aos salários pagos a outros profissionais com formação equivalente.
A importância social atribuída pelos países à educação - terceiro aspecto mencionado por Ripley - mostrou-se uma questão cultural. Por exemplo, ao passo que as crianças americanas dedicam boa parte de seu tempo a atividades esportivas, as sul-coreanas estudam doze horas por dia, todos os dias úteis da semana.
"Nos Estados Unidos, os esportes ocupavam um papel central na vida dos estudantes e na cultura escolar, o que não se via na maioria das superpotências educacionais [...]. Em muitas escolas dos Estados Unidos, os esportes incutiam liderança e persistência em um grupo de alunos, ao mesmo tempo que privavam todos eles da concentração e dos recursos necessários aos estudos. A lição a se tirar não era que esportes e educação não poderiam coexistir, mas sim que esportes nada tinham a ver com educação". (p.185)
Embora o exemplo sul-coreano seja apresentado pela autora como um modelo que produz sucesso educacional, considera-se necessário avaliá-lo com cuidado. Primeiramente porque o sucesso dos estudantes decorre, basicamente, de sacrifícios desumanos concretizados em numerosas horas de estudo. São estudantes que passam o dia inteiro na escola e ainda enfrentam uma jornada noturna em escolas preparatórias semelhantes ao que no Brasil chama-se "cursinho pré-vestibular". Frequentar essas escolas preparatórias, no entanto, depende do poder aquisitivo de uma família que possa pagar por elas. Tanto esforço se justifica porque ingressar em uma boa universidade na Coreia do Sul significa garantia de bom emprego e salário. Dessa forma, a preparação dos estudantes para o ensino superior é um compromisso não só individual, mas familiar. Vale observar, todavia, que todo esse esforço privado - isto é, do indivíduo e da família -, o qual pode parecer o indício de um sucesso, decorre, na verdade, de um fracasso tanto das políticas públicas educacionais quanto das próprias escolas públicas. O foco e o rigor com que se considera a educação são pontos diferenciais, sem dúvida, mas os exageros cometidos em nome disso devem ser observados com atenção.
Ainda em termos culturais, de modo geral, Ripley evidencia nos países pesquisados a motivação, a persistência e a autodisciplina dos estudantes como características importantes para o alcance dos resultados desejados: "Por diferentes razões culturais e históricas, a maior parte dos países mais inteligentes do mundo parece entender a importância da resiliência acadêmica" (p. 311). Isso significa dizer que as crianças podem cometer erros para que depois retomem o trabalho porque, assim, acredita-se, elas desenvolvem autonomia, persistência, integridade e sabem trabalhar com afinco, arcando com as consequências de seus atos.
Nos países estudados por Ripley, tratar a educação com rigor implica uma postura de não deixar nenhum estudante para trás, ou seja, alunos mais pobres possuem mais professores que se debruçam sobre eles ao menor sinal de dificuldades com a aprendizagem, demonstrando que acreditam no potencial de melhora do desempenho de todos. Possuir uma dificuldade de aprendizado é considerado, nesses países, algo passageiro e não pejorativo porque altas expectativas são nutridas em relação a todos. Ripley afirma que as pessoas levam a educação a sério, porque a escola é séria e é séria porque todo mundo concorda que é assim que deve ser (p.290).
Por fim, trata-se de uma obra cuja leitura vale para todos os que se interessam pela qualidade da educação que se produz no Brasil. A pesquisa de Ripley tem o mérito de sistematizar o que fazem as superpotências educacionais, muito embora não se possa dizer que esses achados sejam desconhecidos da escola brasileira porque as temáticas levantadas pela autora americana circulam em nossos meios, seja no âmbito da pesquisa científica, seja no âmbito das políticas educacionais. O problema é que não nos basta somente conhecer o que fizeram outros países na busca por uma educação de excelência. Falta ao Brasil, antes da adoção de qualquer medida, eleger a educação como prioridade nacional, a exemplo do que fizeram os países estudados por Ripley, uma vez que medidas educacionais tendem a ser mais bem sucedidas quando implementadas em conjunto e no contexto de uma combinação de ações.
Endereço para correspondência:
Itale Cericato
Rua Jaci, 164 - apto. 164 - Chácara Inglesa
São Paulo, SP, Brasil - CEP 04140-080
E-mail: italecericato@hotmail.com
Artigo recebido: 12/8/2015
Aprovado: 16/8/2015
Resenha realizada na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Campus Diadema, Diadema, SP, Brasil.