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Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.37 no.112 São Paulo Jan./Apr. 2020

https://doi.org/10.5935/0103-8486.20200003 

ARTIGO ORIGINAL

 

Modelo de avaliação de transtornos de aprendizagem por equipe interdisciplinar

 

Evaluation model of learning disorders by interdisciplinary team

 

 

Nadja Cristina Furtado BackI; Tatiele dos Santos TelaskaII; Juliana Lautenschlaeger DamariIII; Cláudia Cabral DettmerIV; Sandra Vieira SilvaV; Tatiana Izabele Jaworski de Sá RiechiVI; Ana Chrystina de Souza CrippaVII

IFonoaudióloga, mestranda em Psicologia na Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil
IIPsicóloga, mestranda em Psicologia na Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil
IIIPsicopedagoga, extensionista profissional colaborador do Ambulatório de Transtornos de Aprendizagem (ATA), Curitiba, PR, Brasil
IVMédica oftalmologista, extensionista profissional colaborador do Ambulatório de Transtornos de Aprendizagem (ATA), Curitiba, PR, Brasil
VAssistente social do Centro de Neuropediatria do Hospital das Clínicas (CENEP/HC), Curitiba, PR, Brasil
VIPsicóloga, Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil
VIIMédica neurologista, Professora do Departamento de Pediatria da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Observa-se um aumento progressivo da evasão escolar e do fracasso acadêmico. A demanda por avaliação e diagnóstico sobre questões de aprendizagem está crescendo nos serviços públicos de saúde. Para direcionar os métodos de intervenção e minimizar as dificuldades de aprendizagem, é necessário identificar os fatores que levam ao fracasso escolar e diferenciar as dificuldades escolares. O presente estudo tem como objetivo descrever o modelo de avaliação interdisciplinar realizado no Ambulatório de Transtornos de Aprendizagem (ATA) do Centro de Neuropediatria do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná e relatar três casos avaliados. Os dados apresentados neste estudo baseiam-se em 56 avaliações realizadas em crianças e adolescentes com queixas de dificuldades de aprendizagem, a fim de caracterizar a população atendida, o modelo de avaliação aplicado e as conclusões da equipe interdisciplinar. Nesta amostra, a maior frequência foi do sexo masculino (78,6%), com idade média de 10 anos e 5 meses. As dificuldades escolares foram percebidas em 44,6% dos casos, o transtorno de aprendizagem em 7,1% e outros transtornos em 17,9%. Esses resultados coincidem com outros estudos sobre dificuldades de aprendizagem e demonstram que o modelo utilizado pelo ATA é eficaz para concluir sobre a proposta diagnóstica e de intervenção.

Unitermos: Fracasso Escolar. Diagnóstico Diferencial. Dislexia. TDAH.


SUMMARY

There is a progressive increase of student evasion as well as of academic failure. The demand for evaluation and diagnosis about learning issues is growing up in the public health service care. In order to direct the intervention methods and minimize the learning difficulties is necessary identify the factors that lead to academic failure and differentiate the learning disabilities. The present study aims to describe the interdisciplinary model for evaluation performed at the Learning Disorder Clinic (ATA) of the Neuropediatrics Center at Hospital das Clínicas from Universidade Federal do Paraná and report three evaluated cases. The data presented in this study are based on 56 evaluations performed in children and adolescents with complaints of learning difficulties in order to characterize the population served, the evaluation model applied and the conclusions from the interdisciplinary team. On this sample, the highest frequency was from males (78.6%) aged on average 10 years and 5 months. The learning difficulties was noticed in 44.6% of the cases, the leaning disorder in 7.1% and other disorders in 17.9%. These results are in agreement with other studies about learning disabilities and demonstrates that the model used by ATA is effective to conclude about diagnostic and intervention proposal.

Keywords: Academic Failure. Diagnosis Differential. Dyslexia. Attention Deficit Disorder with Hyperactivity.


 

 

INTRODUÇÃO

O transtorno específico de aprendizagem é uma alteração do neurodesenvolvimento de origem neurobiológica que compromete habilidades específicas de leitura, escrita e aritmética, interferindo significativamente no desempenho escolar do indivíduo, o qual apresentará resultados abaixo do esperado para seu nível intelectual e de escolaridade, mesmo que as condições e o contexto sejam adequados e favoráveis para a aprendizagem1-4.

A dificuldade escolar está diretamente relacionada com um problema pedagógico, por obstáculos com o método de alfabetização3,5, aspectos emocionais, sociais, culturais e econômicos que podem interferir no ato de aprender5, sem a presença de comprometimento intelectual, cognitivo ou linguístico que fundamente o fracasso escolar6.

Estudos epidemiológicos recentes mostram que a taxa de escolarização das crianças entre 6 a 14 anos é de 99,2%7, sendo a maior parte de alunos de escolas das redes municipal e estadual, respectivamente, 68% e 13,6%, nos anos iniciais, e 42,7% e 42,3% nos anos finais8. Apesar da elevada taxa de escolarização, os resultados sobre a adequação entre idade e etapa do ensino fundamental frequentado ainda preocupam, principalmente nas séries finais (11 a 14 anos de idade), que apresentam índices de 85,5%, demonstrando que as crianças entre 6 a 10 anos (95,5%) estão na idade/etapa adequada, mas com o passar dos anos este atraso se intensifica, chegando a 28,2% dos adolescentes no ensino médio8.

A dificuldade escolar pode ocorrer entre 15 a 20% das crianças no primeiro ano escolar e este índice pode aumentar ao considerar os seis primeiros anos4. Estima-se que 5 a 15% das crianças com idade escolar apresentam transtorno específico de aprendizagem, e suas consequências funcionais são negativas ao longo da vida, como: baixo rendimento escolar, altas taxas de evasão escolar, altos níveis de sofrimento psicológico e riscos para redução da saúde mental1.

O insucesso escolar exige a integração entre os serviços de saúde e educação através das políticas públicas9, pois leva à discrepância entre idade/ano escolar e pode estar relacionado à evasão escolar, que, apesar de estar diminuindo no ensino fundamental, ainda apresenta altos índices no ensino médio, com 11,2%8. Atualmente, já existem políticas públicas que beneficiam a infância, no âmbito federal e estadual, porém ainda há grandes desafios a serem enfrentados. As neurociências podem contribuir nesse sentindo fornecendo argumentos que ampliam ações para a proteção à criança e ao adolescente10, colaborando na fundamentação de práticas pedagógicas que têm sucesso e sugerindo intervenções mais eficientes considerando o funcionamento cerebral4.

Estudos têm demonstrado a múltipla etiologia do insucesso escolar: disfunção do sistema nervoso central; metodologia de ensino; contexto familiar e social11-15 e destacam que a abordagem interdisciplinar se faz necessária, pois permite que as informações obtidas sejam compartilhadas e todos os aspectos que podem influenciar na aprendizagem sejam analisados4.

A compreensão de que dificuldades para aprender não implicam necessariamente em um transtorno específico de aprendizagem é primordial para o direcionamento de intervenções com a criança, a escola e a família3. Por isso, é importante agilizar o processo avaliativo e de diagnóstico para que as medidas interventivas mais adequadas, que consideram as limitações e, principalmente, as habilidades do sujeito, possam reduzir o impacto do transtorno na vida diária da criança3,6.

A avaliação interdisciplinar possibilita uma investigação global dos aspectos biopsicossociais do desenvolvimento e da aprendizagem, permite a redução dos erros de compreensão da situação, garante a confiabilidade do diagnóstico e que as intervenções sejam fundamentadas em práticas adequadas para cada indivíduo9.

O crescente número de artigos, na literatura nacional, que descrevem diferentes organizações entre os profissionais para o diagnóstico dos transtornos de aprendizagem, reforçam a importância da atuação da equipe interdisciplinar nesta população12,16-18.

O objetivo deste artigo é apresentar o modelo de avaliação interdisciplinar implementado no Ambulatório de Transtorno de Aprendizagem (ATA) do Centro de Neuropediatria do Hospital das Clínicas (CENEP-HC) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e estudo de três casos com os resultados obtidos, demonstrando o diagnóstico diferencial.

 

MÉTODO

Foi realizada uma pesquisa de retrospectiva por meio da análise das informações obtidas nas avaliações realizadas no ATA, no período de setembro de 2016 a novembro de 2018, a fim de caracterizar a população atendida e as conclusões da equipe interdisciplinar. A apresentação dos casos avaliados e analisados pela equipe ilustra o funcionamento do ambulatório.

O Ambulatório de Transtorno de Aprendizagem (ATA) é um núcleo especializado em assistência, ensino e pesquisa. Foram adotados os procedimentos éticos e empregado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aos responsáveis pelas crianças atendidas pela equipe interdisciplinar, os quais leram, concordaram e assinaram quando iniciaram o processo de avaliação. Assim, as informações apresentadas no banco de dados são provenientes de responsáveis que aprovaram o uso dessas informações para fins de pesquisa científica (protocolo CAAE 82569517.6.3001.0096).

O ATA atua no Centro de Neuropediatria do Hospital das Clínicas (CENEP-HC) e tem como objetivo a realização de avaliações para definição de diagnósticos, encaminhamentos e intervenções em reabilitação, com qualidade, baixo custo e alta velocidade.

O atendimento gratuito é realizado em equipe interdisciplinar, com profissionais de seis áreas de atuação: Neuropediatria, Serviço Social, Neuropsicologia, Psicopedagogia, Fonoaudiologia e Oftalmologia.

A população atendida é encaminhada pela Rede de Atenção Básica ao serviço especializado de Neuropediatria do CENEP-HC, que, ao identificar a queixa de dificuldade escolar, encaminha para o ATA.

Os critérios de inclusão abrangem crianças e adolescentes com idade entre 6 anos e 0 meses e 15 anos e 11 meses; estar regularmente matriculados no ensino fundamental, em escolas públicas de Curitiba, PR, e região Metropolitana; queixa principal de dificuldade escolar, de atenção ou hiperatividade. Os critérios de exclusão são: possuir avaliação completa e/ou acompanhamento em todas as áreas oferecidas pelo ambulatório; diagnóstico de deficiência mental (Quociente de Inteligência menor que 70) e falta de comprometimento familiar com o andamento do atendimento.

A elaboração dos protocolos de avaliação de cada área é analisada e modificada por toda equipe, com a definição dos principais aspectos a serem avaliados em cada especialidade, com o intuito de integrar as avaliações, para agilizar o processo. Os profissionais atendem a população de forma rotativa, de modo que os escolares são avaliados por todas as áreas durante quatro semanas. Na quinta semana, a equipe se reúne e, em conjunto a partir dos dados obtidos em cada área de atuação, conclui o diagnóstico, as intervenções necessárias e realiza a devolutiva à família com as orientações e encaminhamentos necessários. A Figura 1 ilustra as etapas de atendimento que serão descritas a seguir.

A avaliação Neuropediátrica identifica a queixa de dificuldade escolar e as possíveis causas clínicas e/ou neurológicas que possam interferir na aprendizagem2. Os fatores de risco biológico, tais como: alterações genéticas, metabólicas, infecciosas, sindrômicas, má-formação, alterações de hábitos, lesões encefálicas adquiridas, doenças degenerativas que comprometam o sistema nervoso central, características do sono, infecções nas vias aéreas superiores, entre outras. A semiologia envolve a anamnese, o exame físico e o exame neurológico.

Na anamnese são obtidas informações sobre a queixa principal, história da doença atual, história mórbida pregressa, história mórbida familiar, história familiar de epilepsia ou outra doença neurológica, antecedentes gineco-obstétricos, desenvolvimento neuropsicomotor, condições e hábitos de vida, medicações em uso, informações sobre o período de alfabetização e história acadêmica atual. Durante o exame físico, avalia-se o estado geral, peso, estatura, perímetro cefálico, condições da pele, aparelho cardiovascular, aparelho respiratório, palpação abdominal e verificação de membros.

No exame neurológico são verificados aspectos cognitivos, psiquismo, crânio, nervos cranianos, motor (força), tônus, trofismo, reflexos profundos, reflexos superficiais, sensibilidade, marcha, equilíbrio, diadococinesia e fundo de olho. Após a avaliação, podem ser solicitados exames complementares, como exames laboratoriais, eletroencefalograma, tomografia computadorizada, ressonância magnética ou outro que se julgar necessário para a diferenciação e conclusão diagnóstica2.

A avaliação do Serviço Social contribui com o processo analisando o contexto familiar numa visão ampla da realidade social, conhecendo a realidade e as interações do indivíduo no contexto em que está inserido19. Nesta modalidade de avaliação é fundamental um olhar direcionado aos problemas sociais que podem influenciar no processo de escolarização da criança com dificuldades de aprendizagem, identificando os fatores de risco social.

Os instrumentais técnico-operativos20-22 utilizados são: entrevista social, observação, encaminhamentos, acompanhamento social, relatórios, fichas de entrevista, questionário de Caracterização do Sistema Familiar e o "Estudo Socioeconômico - Um instrumento Técnico-operativo", instrumento construído por profissionais da área do Serviço Social e validado para a construção de protocolo de Serviço Social implantado na área da saúde hospitalar em prontuário eletrônico do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC-USP)23. Essa avaliação favorece ao profissional traçar o perfil dos sujeitos, identificando fatores de risco e proteção.

A avaliação Neuropsicológica é relevante no processo avaliativo das dificuldades escolares, pois identifica quadros clínicos caracterizados sobre as bases anatomofuncionais do cérebro, e fornece subsídios para investigar a compreensão do funcionamento intelectual da criança, promovendo a instrumentalização de diferentes profissionais e uma intervenção eficiente24. O foco da investigação são as funções cognitivas, tais como: memória, atenção, linguagem, funções executivas, raciocínio, motricidade e percepção, bem como as alterações afetivas e de personalidade. A avaliação é realizada por meio da aplicação de uma bateria de testes psicométricos com o objetivo de identificar o rendimento cognitivo funcional, a partir do conhecimento de suas relações com o funcionamento cerebral25.

É utilizado o Protocolo de Avaliação Neuropsicológica Breve Infantil (PANBI) contendo: Escala Wechsler de Inteligência (WISC-IV)26; Figuras Complexas de Rey - Teste de Cópia e Reprodução de Memória de Figuras Geométricas Complexas27, Teste dos Cinco Dígitos - FDT28 e Bateria Piaget-Head de Orientação Direita-Esquerda29. Conforme um dos critérios de exclusão, quando é identificado o déficit intelectual (QI <70) ocorre o encerramento do atendimento interdisciplinar e a devolutiva aos pais é realizada pelo profissional da Psicologia, que realiza as devidas orientações e encaminhamentos.

A avaliação Psicopedagógica visa compreender o processo ensino-aprendizagem, ou seja, como o sujeito aprende, verificando a compatibilidade entre faixa etária, ano escolar e desempenho acadêmico e identificando os reais motivos que levam aos obstáculos e as dificuldades que transcorrem durante este processo2. É realizada num período de uma hora com a utilização dos seguintes instrumentos: Diagnóstico Operatório de Piaget30, Teste de Compreensão Leitora de Textos Expositivos31; Sondagem de escrita e habilidades matemáticas32.

A avaliação Fonoaudiológica ocupa um papel fundamental para o diagnóstico diferencial diante dos problemas de aprendizagem, pois o processamento fonológico, além dos níveis semântico, morfossintático e pragmático da linguagem, são requisitos fundamentais para a compreensão e diferenciação dos quadros relacionados às dificuldades de leitura e escrita6. O objetivo da avaliação é investigar a linguagem oral, processamento fonológico e aspectos auditivos que possam estar interferindo no processo de aprendizagem. É realizada num período de duas horas com a utilização dos seguintes testes: Teste Infantil de Nomeação33; Teste de Consciência Fonológica por produção oral33; Teste de Nomeação Rápida de figuras e dígitos; Discriminação de Sons, Leitura de palavras34; Repetição de Pseudopalavras35; Audiometria tonal limiar, audiometria vocal e bateria de testes comportamentais para avaliação do processamento auditivo central: teste dicótico de dígitos36, teste de dissílabos alternados - SSW36, Masking Level Difference - MLD37, Gap in Noise - GIN38 e teste de padrões de frequência - PPS39.

A avaliação Oftalmológica é realizada com o intuito de verificar a via de entrada visual, com a investigação de erros refrativos, estrabismo, ambliopia ou qualquer outra alteração de causa ocular. A percepção visual e suas vias de saída, como o cérebro processa a informação visual e suas diferentes áreas, também é verificada a fim de descartar qualquer alteração visual que possa interferir na aprendizagem. Os instrumentos utilizados na triagem e avaliação oftalmológica40,41, são: escala de Snellen, escala de Jaeger, exame de motilidade ocular, avaliação de convergência medida com régua específica para verificação do ponto próximo, teste de titmus - estereopsia e teste de cores - tabela de Ishihara. Para a avaliação da percepção visual, utiliza-se o Developmental Test of Visual Perception: DTVP-342.

Após as avaliações com todos os profissionais, ocorre a reunião interdisciplinar, quando os casos são analisados pela equipe interdisciplinar do ambulatório, considerando todas as informações obtidas nos protocolos de avaliação de cada especialidade. O diagnóstico é baseado nos critérios propostos pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5)1. Nesse momento também é redigido o relatório, determinando qual é o encaminhamento para o caso e o agendamento com os responsáveis para a entrega dos resultados.

A devolutiva da avaliação aos responsáveis é realizada por um dos profissionais que participou do processo avaliativo, com explicação detalhada de todos os aspectos envolvidos na avaliação, informações referentes às intervenções sugeridas e esclarecimentos de eventuais dúvidas. Um relatório da equipe interdisciplinar com o descritivo de todas as avaliações realizadas, contendo identificação, procedimentos, resultados de cada avaliação, conclusões e encaminhamentos necessários é fornecido aos responsáveis com uma cópia para ser entregue à escola.

 

RESULTADOS

Foram realizados 56 atendimentos no período de setembro de 2016 a novembro de 2018, sendo que 78,6% eram do gênero masculino e 21,4% do gênero feminino. A idade variou entre 6 anos e 1 mês e 14 anos e 11 meses (média 10,54 e desvio padrão (DP) 2,42), com QI médio de 83,64 pontos (DP=11,86, mínimo 62 e máximo 116 pontos). Em relação à escolaridade, destes, 16,1% estavam cursando o 2º ano, 19,6% o 3º ano, 12,5% o 5º ano, 17,9% o 6º e 17,9% o 7º ano do ensino fundamental.

Considerando as características da amostra quanto à idade materna, a mínima foi de 23 anos e a máxima de 54 anos (média=35,56, DP=6,64). Os dados sobre a escolaridade materna apontam que 35,7% das mães concluíram o ensino médio, 8,9% cursaram o ensino médio, mas não concluíram e 12,5% completaram o ensino fundamental II.

Atendendo aos critérios de exclusão, 14 sujeitos foram excluídos (7 com deficiência intelectual) e 3 ainda estão em processo de avaliação. Dessa forma, a amostra foi formada com 39 sujeitos, distribuídos em três grupos: dificuldade escolar (n=25, 44,6%), transtorno de aprendizagem (n=4, 7,1%) e outros transtornos (Transtorno de Déficit de Atenção, Transtorno do Espectro Autista e Transtorno de Linguagem, n=10, 17,9%). A descrição da amostra está na Tabela 1.

A Tabela 2 sumariza as conclusões diagnósticas dos sujeitos avaliados.

 

DISCUSSÃO

A análise dos dados demonstra a prevalência do gênero masculino (78,6%) em relação ao gênero feminino (21,4%) na amostra geral, corroborando com os dados da literatura e de outros ambulatórios que atuam com as dificuldades escolares e que indicam a ocorrência maior dos transtornos de aprendizagem no sexo masculino1,12,17,18.

Apesar da literatura apontar que a escolaridade parental, principalmente a materna, apresenta impacto no desenvolvimento cognitivo das crianças através de fatores como a organização do ambiente em que esta está inserida e experiências maternas com estimulação cognitiva, variação de estímulos, assim como qualidade de estimulação43, os dados obtidos na amostra demonstram que 50% de mães concluíram ensino médio e/ou ensino técnico e superior.

Um número expressivo de encaminhamentos ocorreu no início do processo de alfabetização, nas séries iniciais (2º ano - 16,1% e 3º ano - 19,6%), assim como os dados destacados por Lima et al.12. Entretanto, o maior número de encaminhamentos foi dos alunos que frequentam o 6º e o 7º ano (17,9% de cada ano escolar), o que pode ser justificado pelas informações relatadas nos estudos epidemiológicos recentes que demonstram maior inadequação idade/etapa escolar a partir da segunda etapa do ensino fundamental8.

As conclusões obtidas após a discussão com a equipe interdisciplinar também estão de acordo com os dados da literatura1, sendo que foram identificados 44,6% como dificuldade escolar, 7,1% transtorno específico de aprendizagem e 17,9% outros transtornos.

Assim, a análise dos dados demonstra que os protocolos utilizados pela equipe interdisciplinar são eficientes, corroborando com os dados apontados na literatura, nos quais os profissionais interligam suas práticas, respeitam as práticas dos outros e trocam informações. Com objetivos comuns de equipe, reuniões regulares para a troca e partilha de informações, coesão, cooperação e comunicação entre os diferentes membros da equipe, permitindo o trabalho mais centrado nas necessidades da família e reconhecendo as limitações de cada uma das áreas, ou seja, que pode haver solicitações para as quais cada uma das especialidades tem limites ou dificuldade em responder de modo completo44.

Ciasca et al.3 destacam que, diferentemente da dificuldade escolar, que pode ser identificada na escola com um professor capacitado e com condições para desenvolver seu trabalho, o transtorno de aprendizagem exige uma equipe de diagnóstico especializada com vários profissionais em diferentes áreas de atuação, saúde, educação, assistência social, entre outras.

O diagnóstico é uma importante etapa da atuação interdisciplinar, porém é necessário destacar que a devolutiva e a orientação aos pais e à escola é fundamental para que a intervenção terapêutica, proposta após o diagnóstico, ocorra de forma satisfatória9.

Cosenza & Guerra4 destacam que somente uma perspectiva transdisciplinar poderá permitir o progresso do conhecimento e acreditam que a educação pode se beneficiar dos conhecimentos neurocientíficos para a abordagem das dificuldades escolares e suas intervenções.

Nesta mesma perspectiva, Franco44 defende que na prática transdisciplinar o foco da equipe é a criança no seu contexto, vai além da relação entre as disciplinas e visa um conhecimento do mundo menos fragmentado, que não seja linear e unicausal. O conhecimento é partilhado para além dos limites da disciplina e cada profissional precisa saber um pouco mais sobre as especificidades de cada área. O foco principal está nos objetivos da família e naquilo que decorre da identificação das necessidades, recursos e apoios necessários e conduz à definição desses objetivos. A avaliação é elaborada pelos diferentes membros de forma compreensiva e global em conjunto com a família, sendo que a família participa ativamente em todas as fases do processo.

A seguir serão descritos três casos atendidos no ATA como exemplo do trabalho realizado e do diagnóstico diferencial, seguindo algumas características do perfil da criança com Transtorno de Aprendizagem (TA): maior incidência no gênero masculino (como a amostra foi pequena, no caso de TA tivemos 50% para cada gênero); baixa incidência (representou 7,1% da amostra); envolve fatores cognitivos, sociais, fisiológicos, funcionais; podem apresentar dificuldades na soletração, memória, escrita com produção lenta, dificuldade de copiar, leitura com pouca fluência e omissão ou trocas de letras, dificuldades na matemática e sinais neurológicos como: movimentos repetitivos e dificuldade na lateralidade3.

Caso 1 - Dificuldade Escolar

Menino, 10 anos e 11 meses, 5º ano do ensino fundamental.

Neuropediatria: Exame neurológico sem alterações significativas.

Serviço Social: Reside com os pais que são casados há 28 anos (mãe 47 anos, auxiliar de serviços gerais; pai 52 anos, metalúrgico) e o irmão gêmeo (10 anos, 6º ano do ensino fundamental). Tem dois irmãos casados (28 e 25 anos) e um sobrinho. A irmã casada mora nos fundos e o irmão auxilia na educação dos meninos. Os pais referem bom relacionamento familiar, não apresentando maiores problemáticas. Residem em casa própria, 2 quartos, divide o quarto com o irmão.

Neuropsicologia: De acordo com os dados sugeridos pela avaliação, encontram-se conservadas as funções receptivas visuais, funções expressivas verbais e motoras, relativas à coordenação motora global. Não apresenta déficits no controle inibitório (percentil 50) e flexibilidade cognitiva (percentil 75). As funções alteradas são: habilidade visoconstrutiva e de integração dos processos intelectuais como o índice verbal (médio-inferior- 84), perceptual (médio-inferior- 88), de processamento (médio-inferior- 83) e QI total (83- médio inferior). Também, encontram-se gravemente alteradas as funções integrativas de orientação de lateralidade, uma vez que se caracteriza como indefinida, e discriminação direita/esquerda; de regulação relativa ao planejamento e de memória visual.

Psicopedagogia: Durante a avaliação psicopedagógica, mostrou-se desmotivado e inseguro em algumas situações, entretanto, realizou todas as atividades propostas sem resistência. Sua atenção oscilou durante a execução das atividades distraindo-se constantemente com conversas paralelas em outras salas de atendimento. Referente à leitura, não fez antecipações e ativação do conhecimento prévio sobre o conteúdo. Na leitura oral utilizou predominantemente rota lexical, no entanto, necessitou mediação para resgatar, organizar e estruturar as ideias de forma sequencial e identificar ideias básicas. Na expressão escrita revelou trocas, principalmente, de natureza ortográfica- regras e memória: apoio na oralidade (us-os; bunitos-bonitos; nu-no; entãoto-entanto) e junções (emeigos- e meigos).

Na matemática, realizou corretamente cálculos envolvendo operações de adição e subtração, multiplicação de três dígitos por dois dígitos e divisão simples.

Para a avaliação da estruturação cognitiva, foram utilizadas as provas operatórias de Piaget. Apresentou capacidade de conservação apenas nas atividades de pequenos conjuntos discretos e líquido, nas demais provas (massa e peso), oscilou na contra-argumentação. Na atividade de dicotomia apresentou coleção justapostas e, mesmo após mediação, não utilizou cores e formas como critérios. Na atividade de seriação realizou através de tentativas empíricas, ou seja, apresentou uma seriação realizada intuitivamente por comparações sucessivas. Falta-lhe um esquema antecipatório e um método sistematizado esperado para sua idade e escolaridade. Tais dados indicam que apresenta raciocínio lógico-matemático típico de crianças que estão em transição para o estágio de desenvolvimento denominado de Operatório-Concreto, estando, portanto, aquém do esperado para a sua idade cronológica e nível de escolaridade.

Fonoaudiologia: Demonstrou expressão verbal espontânea com coerência entre perguntas, respostas e sequenciamento do discurso. Vocabulário expressivo e consciência fonológica com pontuação padrão considerada na média para a faixa etária.

Na tarefa de leitura de palavras precisou 1 minuto e 15 segundos para ler as 70 palavras escritas em caixa alta, com erros em 5 palavras (boxe - "boche"; admirar - "idmirar"; jipe - "chipe"; facão - "façam"; usam - "usa").

Nas atividades de discriminação de sons (20 acertos de 20 apresentações) e repetição de pseudopalavras (38 acertos de 40 apresentações) apresentou desempenho adequado para a idade.

Com relação aos aspectos auditivos, apresentou limiares auditivos dentro dos padrões de normalidade e os testes comportamentais que avaliam o processamento auditivo indicaram dificuldade em integrar o estímulo não verbal ao verbal.

Oftalmologia: A triagem oftalmológica indicou insuficiência de convergência em olho esquerdo, alteração que pode interferir durante a leitura.

Nos testes de Processamento Visual apresentou desempenho abaixo da média na Percepção Visual Geral (integração visomotora, figura fundo, fechamento visual e constância de forma).

Discussão em equipe interdisciplinar: Após a análise dos dados obtidos em todas as avaliações, os profissionais concluíram que a criança apresenta potencial para aprendizagem, com inteligência geral média inferior, com interferência de processamento visual e insuficiência de convergência no olho esquerdo, com defasagens cognitivas e pedagógicas.

Devolutiva para os pais: A mãe compareceu na data e hora marcada. A devolutiva foi realizada pela psicopedagoga da equipe com explicação dos testes realizados e resultados obtidos em cada avaliação. As dúvidas da mãe foram esclarecidas durante a explicação. Para finalizar, foram indicadas as intervenções necessárias e os possíveis locais de atendimento.

Encaminhamentos: Treinamento ortóptico para trabalhar a convergência e atendimento psicopedagógico.

Caso 2 - Transtorno de aprendizagem

Menino, 9 anos e 2 meses, 4º ano do ensino fundamental.

Neuropediatria: Iniciou as atividades escolares aos 2 anos, parou por dificuldades de adaptação, retornando aos 4 anos. Histórico de amigdalite de repetição. Quando entrou no primeiro ano escolar, foi percebida dificuldade escolar e de fala. Neste ano iniciou a leitura pré-silábica, não interpreta textos e não realiza cópia. Ao exame, mostrou desatenção, baixo conhecimento, pouca memória remota, troca de letras (T/D/E). Sem história de reprovação, mas passou por conselho.

Serviço Social: Reside com os avós maternos (avó, 67 anos, avô, 71 anos, aposentados) e irmã de 12 anos, em casa própria, 4 quartos, dorme em seu próprio quarto. Os pais estão separados há 8 anos, após um período de convivência de 6 anos, com contatos esporádicos com a criança. A mãe o visita raramente. O pai está mais presente, auxilia nas necessidades materiais e o leva para sua casa quinzenalmente (pai reside com sua mãe). As dificuldades escolares foram identificadas no 1º ano, quando passou por avaliação no Centro Municipal de Atendimento Especializado (CMAE), encaminhado para Psicologia e Psicopedagogia, sendo acompanhado durante 6 meses. Ótimo vínculo com os avós.

Neuropsicologia: Encontram-se conservadas as funções receptivas relativas ao áudio-verbal e visual; funções expressivas verbais e motoras como habilidade visoconstrutiva e coordenação motora global; funções integrativas de velocidade de processamento (média superior) e QI total (média). Encontram-se alteradas as funções integrativas de orientação temporal, espacial e lateralidade; funções de controle inibitório (percentil 5) e flexibilidade cognitiva (percentil 5), que indicam déficits nessas funções; índices Verbal (médio-inferior- 84) e memória Operacional (média inferior-85).

Psicopedagogia: Na avaliação psicopedagógica mostrou-se inseguro e inibido, principalmente, durante as atividades sistemáticas. Entretanto, não se recusou a desenvolver nenhuma das solicitações. Referente à leitura e escrita, apresentou bastante dificuldade e desempenho aquém do esperado para a sua idade. Antes da leitura, demonstrou insegurança e fez breves antecipações e ativação do conhecimento prévio sobre o conteúdo. Durante a leitura silenciosa, utilizou apoio digital e demorou demasiadamente para concluí-la. Na leitura oral, apresentou leitura fragmentada (com dificuldades na fluência - ritmo e pontuação) e não retomou para melhor compreensão. Apresentou algumas trocas, omissões, acréscimos de letras ou sílabas (pror-por; canto-quatro; corpo-campo; os-as; constimentos-continentes; mior-maior; especiais- espécies; quese-quase). Necessitou mediação para resgatar, organizar e estruturar as ideias de forma sequencial e identificar ideias básicas. Na expressão escrita revelou segmentação e aglutinação das palavras, e trocas, tanto de natureza ortográfica como fonológica: (morsegos-morcegos; menifero-mamífero; voá-voam; posuen-possuem;).

Na matemática realizou corretamente apenas cálculos envolvendo operações de adição e subtração simples. Inversão dos números 12-21.

Na investigação do aspecto cognitivo apresentou capacidade de conservação em todas as atividades com utilização de argumentos de compensação. Na atividade de dicotomia realizou inicialmente coleção justapostas, após mediação, utilizou as cores como critério de classificação, bem como, realizou através de tentativas empíricas, as atividades de seriação. Falta-lhe um esquema antecipatório e um método sistematizado esperado para sua idade e escolaridade. Tais dados indicam estrutura cognitiva com desenvolvimento na etapa de transição para o Pensamento Operatório Concreto, aquém do esperado para a idade e escolaridade, com dificuldades, principalmente, em questões vinculadas à classes e relações.

Fonoaudiologia: Demonstrou expressão verbal espontânea com coerência entre perguntas, respostas e sequenciamento do discurso. Apresentou vocabulário expressivo com pontuação padrão considerada alta para a faixa etária. Consciência fonológica com desempenho adequado esperado para a idade. Entretanto, apresentou baixo desempenho nas tarefas de rima, segmentação e transposição fonêmica.

Na tarefa de nomeação rápida de figuras (56 segundos) e dígitos (1 minuto e 39 segundos) apresentou desempenho considerado sob atenção para a escolaridade.

Leu 16 palavras (escritas em caixa alta) em 1 minuto e precisou 3 minutos e 54 segundos para ler as 70 palavras escritas em caixa alta, com erros em 23 palavras (azul - "ajul"; vila - "fila"; boxe - "boche"; noite - "meite"; marca - "marga"; órgão - "órgu"; ouça - "orsa"; mamãe - "manhã"; disse - "dije", entre outras), apresentando desempenho inferior ao esperado.

Nas atividades de discriminação de sons (17 acertos de 20 apresentações) e repetição de pseudopalavras (34 acertos de 40 apresentações) teve desempenho adequado para a idade.

Quanto aos aspectos auditivos, apresentou limiares auditivos dentro dos padrões de normalidade e comprometimento das funções auditivas centrais caracterizado por déficit na análise das propriedades acústicas verbais da fala; com indícios de imaturidade/comprometimento de funções Associativas/Executivas, com déficit em memória de curto prazo e evocação de informações armazenadas.

Oftalmologia: A triagem oftalmológica e os testes de processamento visual indicaram desempenho adequado para a idade.

Discussão em equipe interdisciplinar: Os dados contemplados pela avaliação interdisciplinar indicaram que a criança apresenta Transtorno Específico de Aprendizagem (leitura), com nível intelectual na média.

Devolutiva para os pais: A avó compareceu na data e hora marcada. A devolutiva foi realizada pela fonoaudióloga da equipe com explicação dos testes realizados e resultados obtidos em cada avaliação. Todas as dúvidas foram esclarecidas durante a explicação. Para finalizar, foram indicadas as intervenções necessárias e os possíveis locais de atendimento.

Encaminhamentos: Atendimento psicopedagógico, fonoaudiológico e psicológico.

Caso 3 - Outros transtornos - TDAH

Menino, 10 anos e 9 meses, 5º ano do ensino fundamental.

Neuropediatria: Iniciou a escola com 4 anos e 6 meses, aprendendo as letras com 5 anos, mas com trocas e dificuldade para adquirir a leitura, desenvolvendo aos 9 anos de idade. No exame clínico demonstrou baixo conhecimento, pobre memória e desatenção. Em maio de 2017 pai trouxe a queixa da escola sobre agitação psicomotora, falta de concentração e interesse nas atividades e bullying. Foi iniciado o uso de metilfenidato 20 mg, duas vezes ao dia, com boa resposta.

Serviço Social: A avaliação identificou que a criança reside com os pais (pai, 45 anos, aposentado; mãe, 41 anos, desempregada), que convivem em união estável há 26 anos, e com o irmão (20 anos, estudante/vendedor). Residem em casa própria, 7 cômodos, 3 quartos (a criança tem seu quarto, mas dorme no quarto dos pais). Como rede de apoio, tem os avós maternos e paternos próximos. Família apresenta problemas de saúde (pai e mãe) em tratamento. Na escola refere bom relacionamento com os colegas e professores e frequenta sala de recursos devido às dificuldades. Pai refere que a criança tem se mostrado desmotivada para ir à escola desde o ano passado. Diante desses fatores, família demonstra bom convívio familiar e enfrentamento diante das dificuldades.

Neuropsicologia: A avaliação sugere que as seguintes funções se encontram conservadas: funções receptivas relativas ao áudio-verbal, funções expressivas relativas à coordenação motora global e coordenação motora fina, funções integrativas relativas à orientação espacial e orientação temporal. Encontram-se moderadamente alteradas: funções integrativas relativas à memória visual e habilidade visoconstrutiva; funções integrativas relativas à orientação como lateralidade e discriminação direita/esquerda; Controle inibitório (percentil 5) e Flexibilidade Cognitiva (percentil 5), indicando déficits nessas funções; índices de memória operacional (média-inferior 88), Velocidade de Processamento (média inferior 83) e QI total (média inferior 87).

Psicopedagogia: Na avaliação psicopedagógica a criança estava disposta e realizou todas as atividades propostas. Entretanto, demonstrou que não antecipa ou planifica suas ações, resolvendo-as através de ensaio e erro. Referente à leitura e escrita, apresentou bastante dificuldade e desempenho aquém do esperado para a sua idade. Antes da leitura, demonstrou insegurança e fez breves antecipações e ativação do conhecimento prévio sobre o conteúdo. Durante a leitura silenciosa, utilizou apoio digital e demorou para concluí-la. Na leitura oral, apresentou leitura fragmentada e em raras situações retomou para melhor compreensão. Apresentou algumas trocas, omissões, acréscimos de letras ou sílabas, como também, dificuldades quanto a fluência (ritmo e pontuação). Necessitou mediação para resgatar, organizar e estruturar as ideias de forma sequencial e identificar ideias básicas. Na expressão escrita revelou trocas principalmente de natureza ortográfica.

Na matemática realizou corretamente cálculos envolvendo operações de adição e subtração com recursos e reservas.

Em relação ao aspecto cognitivo, não apresentou noções de conservação em nenhuma das atividades. Na atividade de dicotomia realizou coleções justapostas, bem como, realizou, através de tentativas empíricas, as atividades de seriação. Falta-lhe um esquema antecipatório e um método sistematizado esperado para sua idade e escolaridade (resultados compatíveis a crianças entre 5 a 6 anos).

Conforme os dados obtidos, apresenta estrutura cognitiva compatível com estágio pré-operatório, aquém do esperado para a idade e escolaridade, com importante defasagem acadêmica.

Fonoaudiologia: Apresentou expressão verbal espontânea com coerência entre perguntas, respostas e sequenciamento do discurso. O seu vocabulário expressivo está na média esperada para a faixa etária. Em relação à consciência fonológica, seu desempenho foi abaixo do esperado para a idade, com dificuldade nas tarefas de tarefas de aliteração, rima, síntese e manipulação fonêmica, sendo que não conseguiu realizar as tarefas de segmentação e transposição fonêmica.

As tarefas de nomeação rápida de figuras (52 segundos) e nomeação rápida de dígitos (48 segundos) foram adequadas para a idade e escolaridade.

Leu 70 palavras (escritas em caixa alta) em 2 minutos e 32 segundos, sendo que leu corretamente 25 palavras em 1 minuto (desempenho inferior ao esperado para idade e escolaridade). Das 70 palavras, 24 leu de forma inadequada: exemplos: boxe - "peixe"; vila - "viva"; tigela - "tigre"; letra - "listra"; chegada - "chega"; luzes - "lujes"; porta - "portão".

Nas atividades de discriminação de sons (19 acertos de 20 apresentações) e repetição de pseudopalavras (36 acertos de 40 apresentações) apresentou desempenho adequado para a idade.

Em relação aos aspectos auditivos, apresentou limiares auditivos normais e avaliação de processamento auditivo indicando comprometimento na aquisição das funções auditivas centrais caracterizado por imaturidade/déficit de funções de decodificação auditiva e integração verbal ao não verbal, com indícios de déficit em memória de curto prazo.

Oftalmologia: Os dados da triagem oftalmológica indicaram baixa acuidade visual e alteração na esteropsia.

Processamento visual encontra-se aquém do esperado para a idade, com dificuldade nas habilidades de figura fundo, fechamento visual, constância de forma e cópia.

Discussão em equipe interdisciplinar: Os dados contemplados pela avaliação interdisciplinar indicam que a criança apresenta um Transtorno de Neurodesenvolvimento do tipo Atencional (TDAH) com nível intelectual em média inferior, alteração generalizada de linguagem receptiva, assim como importantes defasagens cognitivas e acadêmicas, associadas a alteração visual.

Devolutiva para os pais: A mãe compareceu na data e hora marcada. A devolutiva foi realizada pela psicóloga da equipe com explicação dos testes realizados e resultados obtidos em cada avaliação. Todas as dúvidas foram esclarecidas durante a explicação. Para finalizar, foram indicadas as intervenções necessárias e os possíveis locais de atendimento.

Encaminhamentos: Manutenção da medicação, acompanhamento neuropediátrico e sala de recursos. Encaminhamento para consulta oftalmológica com o objetivo de uso de óculos. Acompanhamento fonoaudiológico com realização de treinamento auditivo e atendimento psicopedagógico.

 

CONCLUSÃO

O presente artigo demonstrou os protocolos utilizados na avaliação interdisciplinar para o diagnóstico diferencial entre o transtorno de aprendizagem e as dificuldades escolares, e apresentou casos clínicos com a descrição dos achados em cada especialidade, a conclusão e os encaminhamentos realizados pelos profissionais, com o intuito de contribuir com a comunidade científica com um modelo de atendimento interdisciplinar.

Apesar do número reduzido de avaliações, as informações obtidas até o momento com as crianças e adolescentes que apresentam queixas escolares, bem como a descrição dos casos atendidos no ambulatório, demonstram que a atuação realizada pela equipe interdisciplinar no ATA é eficaz e colabora para a definição diagnóstica e proposta de intervenção.

 

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Endereço para correspondência:
Nadja Cristina Furtado Back
Rua Camões, 1198 - Hugo Lange
Curitiba, PR, Brasil - CEP 80040-180
E-mail: nadjaback.nb@gmail.com

Artigo recebido: 10/7/2019
Aprovado: 24/2/2020

 

 

Trabalho realizado no Centro de Neuropediatria do Hospital das Clínicas (CENEP-HC), Curitiba, PR, Brasil.
Conflito de interesses: As autoras declaram não haver.

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