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Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.39 no.119 São Paulo May/Aug. 2022

https://doi.org/10.51207/2179-4057.20220021 

ARTIGO ORIGINAL

 

Role playing e suas possibilidades no contexto educacional

 

Role playing and its possibilities in the educational context

 

 

Dante OgassavaraI; Jeniffer Ferreira CostaII; Thais da Silva FerreiraIII; Ivan Wallan TertulianoIV; Daniel BartholomeuV; José Maria MontielVI

IPsicólogo e Mestrando em Ciências do Envelhecimento na Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, SP, Brasil
IIGraduanda em Psicologia na Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, SP, Brasil
IIIGraduanda em Psicologia na Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, SP, Brasil
IVGraduado em Educação Física, Mestre em Educação Física pela EEFE-USP; Doutor em Desenvolvimento Humano e Tecnologias pela UNESP - Rio Claro; Professor na Universidade Anhembi Morumbi - Moóca, São Paulo, SP, Brasil
VPsicólogo, Mestre e Doutor na área de Avaliação Psicológica Universidade São Francisco (USF); Professor no Centro Universitário Padre Anchieta, Jundiaí, SP, Brasil
VIPsicólogo, Mestre e Doutor na área de Avaliação Psicológica com ênfase em Saúde Mental pela Universidade São Francisco (USF); Professor na Universidade São Judas Tadeu; Pesquisador do Instituto Ânima SOCIESC de Inovação, Pesquisa e Cultura, São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O processo de aprendizagem tem sido foco de atenção por diferentes profissionais envolvidos nas práticas educacionais. Encontrar uma estratégia efetiva para a maior parte dos alunos é uma busca recorrente. Ao considerar as diferentes peculiaridades do discente, tais como processos desenvolvimentais, familiares, instrumentais, entre outros, é possível deparar-se com diversas características que tornam o processo de aprendizagem algo individual e singular, pois requer estruturas e habilidades básicas que podem auxiliar o desenvolvimento do aluno. Seguindo tais prerrogativas, este estudo versa sobre a possibilidade do role playing como uma estratégia para o contexto educacional. Para isso, este ensaio visou refletir sobre a temática, pautando-se na revisão documental de estudos clássicos e contemporâneos. Com base no arcabouço teórico disponível na literatura em um modelo de revisão narrativa, este estudo expõe a espontaneidade que o brincar com papéis possui em momentos iniciais da vida, durante a infância, e traz à tona possibilidades efetivas para prática no contexto educacional. Os achados observados na literatura destacam que modelos com maior efetividade tendem a ser aqueles os quais as reflexões são mais frequentes por parte dos alunos. Os facilitadores no processo do aprender demonstram perpassar a ideia de aprendizagem centrada em experiências, desta maneira, a estratégia de role playing apresenta-se como uma forma de cumprir esta prerrogativa ao facilitar a flexibilidade cognitiva e emocional do aluno por intermédio de um instrumento adaptado às demandas contextuais e experienciais, que podem ser observadas no contexto educacional.

Unitermos: Aprendizagem. Educação. Ensino. Desempenho de Papéis.


SUMMARY

The learning process has been the focus of attention by different professionals involved in educational practices. Finding an effective strategy for most students is a recurring search. When considering the different peculiarities of the student, such as developmental, familiar, instrumental and other processes, it is possible to come across several characteristics that make the learning process into something individual and singular, as it requires basic structures and skills that can facilitate the learning process. student development. Following such prerogatives, this study deals with the possibility of role playing as a strategy for the educational context. For this, this essay aimed to reflect on the theme, based on the documentary review of classic and contemporary studies. Based on the theoretical framework available in the literature in a narrative review model, this study presents the spontaneity that role playing has early in life, during infancy, and brings to light effective possibilities for practice in the educational context. The findings observed in the literature highlight that models with greater effectiveness tend to be those in which reflections are more frequent on the part of students. With that, the facilitators in the learning process demonstrate to permeate the idea of learning centered in experiences, in this way, the role playing strategy presents itself as a way to fulfill this prerogative by facilitating the student's cognitive and emotional flexibility through an instrument adapted to contextual and experiential demands, which can be observed in the educational context.

Keywords: Learning. Education. Teaching. Role playing.


 

 

Introdução

Aprendizagem pautada em experiência

No decorrer da vida, a aprendizagem se constitui como uma parte do processo de adaptação humana, podendo ocorrer em diversos contextos cotidianos, ao contrário do que se pensa ao considerar apenas a educação formal. Desde o princípio, aquele que irá aprender já possui uma bagagem de conteúdos sobre um determinado tema que possivelmente não têm fundamentação ou podem estar incorretos. A aprendizagem ocorre especificamente nesse meio, como um conflito entre o que se sabe e a introdução de novas informações, gerando atrito e demandando que se reflita sobre os conteúdos envolvidos para que sejam elaborados (Kolb, 1984).

Propondo um entendimento sobre o processo de aprendizagem, Kolb (1984) elaborou a teoria da aprendizagem experiencial ao integrar com outros modelos já existentes, porém na sua definição é destacada a importância da experiência para o aprender e propõe que a aprendizagem seja um processo holístico, o qual envolve os conhecimentos prévios do indivíduo, percepções, processos cognitivos e comportamentais. A aquisição de novos conhecimentos é compreendida como um produto do teste contínuo por meio das experiências ao longo da vida, que não são somente complementadas aos conteúdos previamente assimilados, mas também alteram o que já havia sido aprendido, ou seja, a aprendizagem é um movimento contínuo de reaprender.

Ainda, se referindo à aprendizagem experiencial, são indicados quatro tipos de habilidades envolvidas no decorrer da aprendizagem: habilidades para vivenciar a experiência concreta, de observação reflexiva, conceitualização abstrata e experimentação ativa. De forma breve, entende-se que o indivíduo flutua entre os posicionamentos de ação e observação, necessitando de ferramentas para passar por estas situações, a fim de compreender e interpretar fatos, integrar conceitos recém-elaborados e exercitar a sua capacidade de resolução de problemas.

Se posicionar ativamente, aplicando conhecimentos teóricos em contextos reais de atuação profissional é oportuno para o processo de aprendizagem por permitir a familiarização dos estudantes com questões recorrentes da vida profissional, criando experiências significativas para os indivíduos refletirem sobre e, então, se desenvolverem pessoalmente e profissionalmente (Gostelow & Gishen, 2017). Esta vivência foi evidenciada no estudo de Truong et al. (2016), o qual apresentou as percepções de alunos universitários acerca de uma experiência prática em um estágio comum entre eles e, a partir da análise dos dados, pôde-se observar que a ocasião gerou um maior engajamento dos participantes com o seu curso e os instigou a refletir sobre sua futura atuação.

Alguns outros benefícios da exposição às experiências práticas foram evidenciados na pesquisa de caráter qualitativo de Bezerra e Cury (2020), que investigou como psicólogas vivenciaram uma residência multiprofissional em saúde. O conteúdo das entrevistas revelou que a experiência foi proveitosa para a aprendizagem das participantes, pois foi uma oportunidade de testarem seus conhecimentos teóricos. Ao se aproximarem da atuação profissional, as participantes perceberam que desenvolveram uma maior autonomia e uma maior capacidade de adaptação frente aos desafios enfrentados na assistência social. Resultados semelhantes são apresentados por Murgu et al. (2018), no qual os autores discutem as possíveis formas de se aplicar tais conceitos no ensino de broncoscopia. É exposta a inadequação de aulas expositivas como única estratégia educacional disponível por não instigar a participação ativa da audiência e por impossibilitar que as diversas preferências individuais dos estudantes sejam atendidas, o que seria ideal para ser efetivamente educado.

 

Uma revisão de estudos

Em suma, a aprendizagem experiencial pode ser empregada com diferentes métodos, como por exemplo o role playing (Chen et al., 2021), método que será apresentado no presente ensaio. O role playing consiste em uma prática que se utiliza de situações pessoais do cotidiano (simulação) em um ambiente educacional, ou seja, ambiente razoavelmente controlado, para aprendizagem por meio de reflexões assistidas (Abeditehrani et al., 2021).

Considerando o exposto, o trabalho tem a seguinte problemática: é possível assumir que experiências práticas a partir do role playing são ferramentas adequadas para alcançar um aprendizado de maior qualidade? Para atender a problemática, este estudo objetiva abordar os conceitos que permeiam o role playing, como experiências práticas, reflexões e aprendizagem. Diante disso, com o intuito de apresentar e propor posturas acadêmico-profissionais, este estudo visou trazer um direcionamento pautado na revisão de estudos clássicos e contemporâneos, nacionais e internacionais, para que possa justificar a pesquisa e proporcionar um maior raio de atuação acadêmica do conteúdo apresentado.

Assim, este ensaio baseou-se na perspectiva de análise documental sob o desenho metodológico de uma pesquisa de natureza qualitativa (Marcolino & Mello, 2015). Isso se deve ao fato de o ensaio apresentar compilação de material sobre a problemática apresentada (Campbell & Machado, 2013). Portanto, buscou-se referencial disponível em alguns dos mais importantes buscadores eletrônicos disponíveis: Google Acadêmico, Periódicos Capes, PubMed, Science Research, World Wide Science e Scielo. Enquanto limitadores, o ensaio tem somente o limitador de não abrangência total das investigações, mas um corte temporal, ou seja, a apresentação de estudos entre 1984 e 2021. Dessa forma, delimitamos o tempo e o foco temático, mas não a pesquisa em si, que é rica em detalhes e conteúdo.

 

Reflexão é essencial para o aprendizado

Nestes moldes, a reflexão é relevante para o processo de aprendizagem, sendo determinante para a elaboração de conceitos. Ela é uma prática incentivada em diferentes estratégias educacionais que demandam dos alunos posicionamentos ativos em seus processos de aprendizagem, uma vez que as práticas reflexivas são associadas a uma aprendizagem de maior qualidade (Fragkos, 2016). De forma geral, a reflexão é entendida como uma transformação de pensamentos e de expansão da consciência, o que envolve um esforço cognitivo contínuo para que sejam realizadas tais mudanças (Sadlon, 2018). A reflexão é um movimento interno, porém ela pode ser expressada e elaborada no mundo externo (De la Croix & Veen, 2018), sendo estimulada por atividades reflexivas que consistem em conjuntos de ações inter-relacionadas que desenvolvem uma compreensão sobre si ou sobre algo (Warman, 2020).

O processo de refletir se configura de forma subjetiva, relacionando-se com conteúdo pessoais do indivíduo. Porém, no contexto educacional atual é proposto com frequência que a reflexão seja ensinada de forma sistemática seguindo etapas pré-concebidas para que ela ocorra. A alternativa mais adequada para que a aprendizagem aconteça da forma ideal é a criação de condições favoráveis para a reflexão, ao contrário de ensinar procedimentos para que se reflita (De la Croix & Veen, 2018). Os processos reflexivos formalizados presumem que expressar a reflexão de forma escrita é adequada a todos estudantes e que eles ainda não possuem método próprio para desenvolverem a reflexão; apesar desta visão ser produtiva para aqueles que ainda não desenvolveram tamanha autonomia, impor um procedimento a ser seguido é um desfavor para aqueles que já possuem um estilo, sendo um empecilho para o pensamento criativo relacionado à reflexão (Whiting, 2020).

Para ilustrar as tentativas de delinear procedimentos para que se realize a reflexão, pode-se tomar como exemplo a obra de Price (2017), a qual sugere indagações para discentes de enfermagem acerca das práticas profissionais. Essencialmente, os questionamentos são pontos de partida para que se pense na identificação, a busca por causas e consequências de algo, para si mesmo ou para o outro. Além das orientações direcionadas aos alunos, o autor também dispõe considerações sobre a forma que os facilitadores devem atuar na instigação de seus mentorados à expressão autônoma dos mesmos.

Muitos estudos que abordam a influência da reflexão no processo de aprendizagem são epistemologicamente incongruentes por conta da definição utilizadas em sua premissa, ou seja, a falta de uma definição operacional para a metodologia de pesquisa dificulta ou impossibilita que sejam realizadas trocas com estudos previamente existentes e que sejam desenvolvidas formas de mensurar a reflexão em diferentes contextos (Fragkos, 2016). Não se pretende, aqui, aprofundar sobre os méritos de discutir a viabilidade em ensinar procedimentos para realizar a reflexão, porém ao tentar conceitualizar o que se entende por refletir, sendo um comportamento tão íntimo, é compreensível que surja tal atrito.

Existem alguns instrumentos disponíveis que objetivam avaliar a qualidade da reflexão que estudantes estão realizando, contudo, a premissa de se avaliar um processo interno gera dúvidas sobre sua eficácia por depender da capacidade do indivíduo externalizar os conteúdos (De la Croix & Veen, 2018). Dada a inacessibilidade ao objeto de estudo diretamente, as ferramentas utilizadas para mensuração perdem parte da sua validade por não abrangerem as dimensões propostas pelo conceito (Pennycook et al., 2016).

Apesar da natureza do processo de reflexão ser interna, as trocas realizadas com outros indivíduos no mundo externo têm potencial de beneficiar a elaboração de determinado conteúdo, dependendo das condições em que essa interação ocorre. Os grupos de convivência podem auxiliar no enfrentamento de desafios cotidianos, sendo eles profissionais ou não, entretanto, os aspectos qualitativos do grupo podem comprometer o potencial dos recursos para a reflexão (Warman, 2020).

A construção do conhecimento pode ser um trabalho colaborativo, contando com a instrução e amparo de outros agentes ali envolvidos. Essa configuração é adotada frequentemente no contexto da educação formal, na qual a participação de tutores deve ser um importante facilitador e os colegas igualmente podem contribuir para um melhor desenvolvimento do processo (Bezerra & Cury, 2020). O auxílio prestado pode se apresentar na forma de feedback, sendo um instrumento útil, já que permite a pontuação de aspectos a serem melhorados e que novas possibilidades sejam expostas ao estudante (Cabrera & Kempfer, 2020).

Algumas estratégias educacionais utilizadas atualmente são pautadas em práticas reflexivas, como a utilização de portfólios úteis no contexto educacional por possibilitarem a observação do próprio desenvolvimento por meio de registros de eventos e pensamentos evocados durante o processo de aprendizagem, permitindo, assim, que se realizem reflexões de maior qualidade (Gostelow & Gishen, 2017). Outra técnica alternativa para promoção da reflexão é o team-based learning, que possui uma estrutura centrada na resolução de problemas em grupo. O team-based learning faz proveito dos conhecimentos dos integrantes do grupo para que, em conjunto, um conhecimento seja construído ao longo dos encontros e também antes dos mesmos na aplicação dos conceitos (Bollela et al., 2014).

Mais recentemente, Chen et al. (2021) destacam a técnica de role playing como uma estratégia de proporcionar melhores condições para o desempenho no processo de aprendizagem, propiciando resiliência e melhores habilidades de comunicação, com influência positiva na motivação dos estudantes. Em outro apontamento, Rocha e Ribeiro (2017) reforçam que as brincadeiras imaginativas e reflexivas, como as de faz de conta, são mecanismos facilitadores para introdução de regras oportunas para a aprendizagem, pois favorecem ao aluno a prerrogativa de ter um objetivo em mente (criação) e ainda destacar-se como uma ação produtiva (Warman, 2020).

 

Role playing e suas aplicações

A atual obra apresenta o role playing no cerne do seu desenvolvimento como uma prática versátil, em virtude de sua definição abrangente, flexível, uma vez que permite a incorporação de elementos de outras técnicas na sua realização, e adaptável para atender diferentes demandas em um mesmo contexto. A vastidão de possibilidades pode ser exemplificada no caso de um grupo terapêutico, no qual o role playing pode ser definido como uma prática que consiste em encenar situações pessoais com outro indivíduo. Desta forma, a técnica se assemelha a uma simulação de uma situação cotidiana e que por acontecer em um ambiente razoavelmente controlado permite que seja realizada uma reflexão assistida por um profissional (Abeditehrani et al., 2021).

O potencial terapêutico do role playing pode ser observado no relato de Souza et al. (2014), o qual descreveu um dos encontros de um grupo terapêutico composto por mulheres usuárias de crack que estavam tentando se desvencilhar da droga. Nesta ocasião, o role playing foi empregado em duplas, sendo proposto que uma das participantes recebesse ofertas de crack por um período breve, enquanto a outra deveria recusar e posteriormente haveria uma inversão de papéis. Como relatado, a atividade e a discussão sobre a mesma permitiram que os participantes expressassem diversos elementos presentes na situação real de recusa da droga e suas respectivas percepções sobre a posição em que se encontravam nestes momentos, assim realizando uma reflexão em grupo.

Complementarmente, um estudo qualitativo da África do Sul indicou a estratégia de role playing na aquisição de habilidades (Abdoola et al., 2017). O intuito foi verificar a efetividade do role playing como uma estratégia terapêutica para a aquisição de habilidades de comunicação de adolescentes com um déficit no processo de aprendizagem de linguagem. Os participantes foram divididos em um subgrupo controle e um experimental. O primeiro, respectivamente, se manteve somente sob terapia, já o segundo realizou um pré-teste para que, em seguida, vivenciasse a intervenção com role playing ao longo de seis semanas e, posteriormente, fosse realizado o pós-teste. Após estas três primeiras fases, o subgrupo controle também vivenciou a intervenção, enquanto o outro não e, após esse período, foi realizada uma última reavaliação de ambos os subgrupos. Ao comparar os resultados dos diferentes estágios do estudo, foi sugerido que a técnica de role playing pode ser uma ferramenta capaz de catalisar a aprendizagem de habilidade para interagir com outros, sendo utilizada em conjunto de terapia.

Outro contexto em que o role playing pode ser encontrado com frequência é no âmbito educacional, podendo ser utilizado como um instrumento de avaliação ou promover reflexões acerca de um tema e posteriormente o aprendizado. A aplicação da técnica com fins educativos demanda uma maior preparação de todos envolvidos, principalmente do facilitador do processo de aprendizagem, que comumente é o professor (Chen et al., 2021).

Curiosamente, crianças no final da primeira infância realizam o role playing de forma orgânica com temas do seu contexto social, comumente denominados como "brincadeiras de papéis" ou "brincadeiras de faz de conta". Esta modalidade do brincar é entendida como uma atividade essencial para o desenvolvimento e que deve ser sustentada por um facilitador ao apresentar novos elementos ao cenário, configurando uma atividade pautada na resolução de problemas. Uma especificidade do role playing empregado com esta faixa-etária é que se faz necessário que o facilitador auxilie mais ativamente na discussão ao explicar fenômenos que os jovens estão carentes de esclarecimentos para que possam refletir acerca de seus valores e sentimentos, uma vez que são limitados por uma questão cognitiva característica do desenvolvimento humano (Marcolino & Mello, 2015).

Como citado anteriormente, o role playing trata-se de uma simulação de um quadro real e isto é um dos aspectos mais proveitosos com o seu uso com fins educacionais. A carga punitiva de tomar uma decisão incorreta é reduzida, logo, permite aos alunos uma familiarização com questões recorrentes de experiências cotidianas de um determinado contexto (Soares et al., 2016).

O role playing no campo da educação pode ser empregado de diferentes formas, com possibilidades de interpretação de papéis distintos que simulam um conflito característico de alguma atuação profissional, como retratada na obra de Soares et al. (2016). Os pesquisadores utilizaram um Role Playing Game, que pode ser descrito como uma atividade que associa a encenação do role playing e elementos de jogos, a fim de complementar a formação de alunos do curso de Enfermagem ao simularem quadros profissionais recorrentes. Com a finalidade de coletar as percepções sobre a experiência, foi solicitado que cada participante elaborasse um documento contendo suas reflexões para que o conteúdo fosse analisado posteriormente. Como resultado foi observado que o role playing teve potencial de fortalecer o vínculo da relação aluno-professor, motivar a participação ativa no próprio processo de aprendizagem com exercícios que propiciem a tomada de decisões e promover reflexões referentes às questões sobre a futura atuação profissional e de autoconhecimento.

Sebold et al. (2018) também utilizaram a técnica de role playing com alunos de Enfermagem, porém de uma forma mais abrangente ao propor uma atividade pautada na introspecção para refletir sobre a própria vivência com o cuidar, na posição de receber e prestar cuidados. Os dados foram coletados mediante a portfólios reflexivos elaborados por cada participante, solicitados pelos pesquisadores. A análise dos dados indicou que o role playing proporcionou a oportunidade dos participantes compartilharem as suas experiências práticas e desenvolverem a comunicação, refinando suas habilidades sociais.

Ao visitar os achados dos estudos exploratórios expostos anteriormente, pode-se conceber uma noção quanto às potencialidades da natureza do role playing, destacando o seu uso para introduzir gradualmente um novo contexto aos indivíduos ao propor condições para experimentação de forma segura e o exercício de habilidades sociais específicas para a realização de determinadas atividades, sejam elas para a vivência profissional ou cotidiana. Esses aspectos também são presentes no ensino da área da saúde, o qual comumente utiliza simulações clínicas para aproximar os alunos da vivência real de atuação profissional e permite que exercitem as habilidades relevantes para as suas respectivas funções, aproximando, assim, os conhecimentos teóricos dos estudantes à prática e consequentemente promovendo um melhor raciocínio clínico, como uma maior confiança para atuar profissionalmente (Cabrera & Kempfer, 2020).

 

Inovações práticas

Ao considerar o dinamismo do meio social e o avanço tecnológico concomitante, nota-se que há abertura para que sejam geradas novas oportunidades para aplicar técnicas mais datadas, como realizado na obra de Li et al. (2020). Neste estudo experimental os pesquisadores empregaram um visor de realidade virtual para verificar relações entre os comportamentos próprios de um indivíduo e os que ele apresenta enquanto atua em determinado papel, podendo ser entendido como um role playing. Os pesquisadores criaram subgrupos para serem imersos em simulações com diferentes graus de realismo e de interação com o ambiente para diferenciar a influência das variáveis sobre as ações dos participantes. No que diz respeito à prática do role playing, os resultados indicaram que é mais provável ter uma maior facilidade para desempenhar determinado papel quando ele se assemelha a uma função com mais familiaridade e com cenários mais realistas, favorecendo a coesão entre o papel que é atribuído ao indivíduo e seus comportamentos.

Outra obra que ilustra o uso inovador de tecnologias digitais e o role playing é a pesquisa de Huynh et al. (2021). Os autores relatam a aplicação de um jogo desenvolvido para exercitar a habilidade de adolescentes de lerem e interpretarem representações visuais, como gráficos. Com o objetivo de identificar o possível impacto da narrativa no desempenho dos participantes, foram criados dois subgrupos para que somente um deles tivesse contato com a ferramenta contendo elementos do role playing, criando uma narrativa relacionada às atividades propostas no decorrer do jogo. Após analisarem o desempenho dos participantes nas atividades, foi possível observar que a presença de uma narrativa não beneficiou o desempenho dos participantes diretamente, entretanto, foi capaz de tornar a experiência mais prazerosa e instigou um maior engajamento nas atividades.

Apesar do uso de ferramentas digitais apresentar grandes possibilidades, há a utilização de instrumentos físicos para a construção de uma estratégia ambivalente ao uso de elementos digitais para desenvolver um cenário de role playing. As autoras Amod e Brysiewicz (2019) relatam a realização de uma simulação que consistiu em uma emergência obstétrica encenada por estudantes assumindo as posições das diversas figuras envolvidas no quadro, utilizando-se de manequins de alta fidelidade capaz de simular as complicações de pacientes obstétricos, agregando, assim, realismo do cenário. Considerando o desempenho dos participantes e o que foi discutido após a experiência, o simulador de paciente obstétrico foi um elemento que demandou engajamento dos alunos e que contribuiu para o exercício das habilidades necessárias para atuação profissional com uma melhor tomada de decisões.

No que tange à utilização de tecnologias para a construção de cenários de role playing, foi apresentada uma gama de exemplos que fazem proveito de outras ferramentas para agregar ao realismo da encenação e promover o engajamento com a atividade, cujos aspectos combinados instigam uma atuação mais orgânica dos participantes e beneficiam o aprendizado por meio do contato com quadros similares aos reais.

 

Considerações

Com o intuito de suscitar a discussão sobre formas de propiciar melhorias na aprendizagem por meio da promoção da reflexão, o atual estudo apresenta o uso da aprendizagem centrada em experiências no contexto da educação formal e, especificamente no uso do role playing, se observou uma grande flexibilidade da ferramenta para ser adaptada às possíveis demandas presentes. Assim, é aventado o uso do role playing como intervenção para além da educação formal, sendo aplicável sem restrição por faixa-etária ou grau de escolaridade.

De modo geral, a atuação de papéis é uma prática proficiente em introduzir novos elementos aos participantes e incitar o exercício do trabalho em grupo para a resolução de problemas. Ela se encontra presente desde um momento inicial da vida dos indivíduos de forma lúdica, fazendo parte do desenvolvimento e, sobretudo, como uma forma de reproduzir relações sociais e exercitar as habilidades exigidas para a vida em sociedade. As obras que foram expostas neste estudo retratam contextos de educação formal que visavam realizar uma construção colaborativa de um quadro clínico para utilizá-la como simulação, porém também foram apresentadas algumas possibilidades de como realizar uma atividade menos estruturada e utilizar o elemento lúdico da técnica como um complemento a outras propostas.

Dada a abrangência de aplicações exposta no atual trabalho, o role playing é retratado como uma ferramenta valiosa para as diferentes áreas envolvidas no contexto educacional, tais como a Psicopedagogia e a Psicologia Educacional, ao ser útil para o processo de aprendizagem de forma geral por permitir que sejam trabalhados temas para o desenvolvimento pessoal de estudantes e conteúdos próprios de uma modelo de educação tradicional.

Na atual conjuntura de retomada de atividades presenciais dos diferentes graus de escolaridade, lidando ainda com as sequelas da pandemia de COVID-19, se faz necessário que os corpos docentes utilizem estratégias mais eficazes para lidarem com as novas demandas dos alunos. Especialmente na educação de crianças mais novas, é exigido que se reflita sobre tais metodologias com maior prioridade para que as auxilie a se adaptarem ao novo contexto com êxito.

Enquanto intervenção educacional, o role playing trata-se de prática simples que essencialmente consiste em encenações e simulações de contexto reais, desta forma, o requisito mínimo exigido dos participantes é ser capaz de se comunicar para que seja possível ser imerso no cenário construído. A preparação de atividades que usam o role playing varia conforme o nível de complexidade que o quadro criado assume e do objetivo estabelecido para estar utilizando a estratégia, sendo que o aumento da disponibilidade de tecnologias digitais propicia a construção de simulações de alta fidelidade.

Com o emprego de tecnologias no role playing, é viabilizada a criação de novas estratégias que culminam no exercício de habilidades práticas sem possíveis prejuízos reais, como acontece em simuladores. Como visto, a imersão dos indivíduos nas realidades virtuais é influenciada por aspectos pessoais, mas também por elementos objetivos da simulação que podem ou não a tornar mais coerente com a realidade. Deste modo, é possível cogitar formas de usar as tecnologias digitais para aproximar cada vez mais o contexto virtual do real, em busca de uma equivalência entre suas vantagens.

Os cenários construídos são adequados o suficiente para aproximar os participantes de acontecimentos reais, porém a sua formulação e desenvolvimento são limitados pelos conhecimentos e vivências dos que elaboram o cenário, ou seja, a fidedignidade da simulação com a realidade depende da expertise do seu desenvolvedor, deste modo, é impossível que se represente o real de forma objetiva. Oportunamente, o processo de aprendizagem não depende exclusivamente da qualidade da experiência prática, pois a integração dos novos conceitos e reformulação dos pré-existentes ocorre a partir da reflexão sobre a experiência vivida.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Dante Ogassavara
Universidade São Judas Tadeu
Programa de Pós-graduação em Ciências do Envelhecimento
Rua Taquari, 546 - 2º andar - Bloco C
São Paulo, SP, Brasil - CEP 03166-000
E-mail: ogassavara.d@gmail.com

Artigo recebido: 1/2/2022
Aprovado: 8/6/2022

 

 

Trabalho realizado na Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, SP, Brasil.
Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.

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