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Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.39 no.120 São Paulo Sept./Dec. 2022

https://doi.org/10.51207/2179-4057.20220029 

ARTIGO DE REVISÃO

 

A relação família-escola nas publicações da ABRAPEE: Estado do conhecimento

 

Family-school relationship in ABRAPEE'S publications: State of knowledge

 

 

Alex Barbosa Abreu Pinto

Psicólogo, especialista em gestão educacional e coordenação pedagógica pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); mestre em psicologia cognitiva pela UFPE; doutorando em psicologia cognitiva pela UFPE, Recife, PE, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente artigo consiste em um recorte de monografia, tratando-se de uma investigação sobre como a produção científica relacionada à área da psicologia escolar e educacional, no Brasil, tem abordado a relação família-escola. Foram analisados artigos publicados na Revista Psicologia Escolar e Educacional, da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, que abordaram, em alguma medida, tal questão, entre os anos de 1996 e 2020. Verificou-se que, em um universo de 692 artigos, apenas 31 discutiram em torno de questões tocantes à relação família-escola. A análise dos artigos revelou que estes foram elaborados em torno de seis eixos temáticos: parceria família-escola; educação infantil; violência; queixa escolar; dificuldades de aprendizagem, e educação especial. Ainda, verificou-se a predominância de pesquisas sobre contextos e amostras singulares e a ausência de discussões no âmbito das políticas públicas.

Unitermos: Estado do Conhecimento. Educação Escolar. Psicologia Escolar e Educacional. Relação Família-Escola.


ABSTRACT

This article consists of an extract from a monograph, an investigation on how the scientific production related to the area of school and educational psychology, in Brazil, has treated the family-school relationship. It was investigated how scientific production related to the area of school and educational psychology in Brazil has addressed the family-school relationship. Articles published in the Revista Psicologia Escolar e Educacional, from the Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, that addressed this issue between 1996 and 2020, were analyzed. It was found that, in a universe of 692 articles, only 31 discussed issues regarding the family-school relationship. The analysis of the articles allowed the emergence of six thematic axes: family-school partnership; child education; violence; school complaint; learning difficulties and special education. Also, it was verified that there was a prevalence of research on small samples and isolated contexts as well as the absence of discussions within the scope of public policies.

Keywords: State of Knowledge. School Education. School and Educational Psychology. Family-School Relationship.


 

 

Introdução

Inúmeros estudos vêm demonstrando a influência positiva do envolvimento da família na escolaridade dos filhos (Cia & Maturana, 2015; Dessen & Polonia, 2005; Guzzo & Silva, 2019; Vidal & Vieira, 2015). Nos últimos anos, observou-se na maioria dos países ocidentais desenvolvidos uma intensificação das ações voltadas à promoção da participação e da cooperação entre as famílias e a escola (Nogueira, 2006). Também no Brasil houve esforços nesse mesmo sentido, através de algumas iniciativas governamentais, tais como o "Dia Nacional da Família na Escola", lançado em 2001 pelo Ministério da Educação (MEC), ou, ainda, com a veiculação em todo o território nacional, entre os anos de 2004 e 2005, de uma campanha publicitária conclamando as famílias brasileiras, usuárias da escola pública, a receberem em seus lares os pesquisadores do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP). Objetivava-se então, com essa pesquisa, conhecer o grau de satisfação das famílias, assim como a opinião destas com relação ao serviço público escolar recebido no Ensino Fundamental e Médio (Nogueira, 2006).

Apesar de, no Brasil, serem ainda insuficientes os estudos e as evidências empíricas acerca da influência positiva do envolvimento familiar no desempenho escolar, já há algum tempo que se compreende a importância e defende-se a participação da família na educação, como se pode verificar nos arts. 227 e 229 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (1988). Também na Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990 (1990), que institui o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), assim como no texto da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (1996), que institui a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), pode-se verificar ainda mais reforçada a importância da presença da família no âmbito da educação, da participação ativa da família nos processos educacionais e formativos, além, consequentemente, da busca por uma maior aproximação entre a instituição familiar e a instituição escolar e o sistema educacional formal.

Desse modo, a partir dos textos legais e das iniciativas governamentais, o que se pode perceber no Brasil é que são crescentes os esforços de descentralização de responsabilidades e de deveres educacionais do Estado para as instituições escolares e para as famílias, o que, consequentemente, sugere a configuração de um sistema educacional que requer das famílias a ocupação de novos espaços e o desempenho de papeis adicionais nos processos de escolarização.

No que diz respeito especificamente à psicologia escolar e educacional, o documento que trata das atribuições profissionais do psicólogo no Brasil, elaborado pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP, 1992, Descrição da ocupação), propunha uma atuação menos estreita e mais abrangente desse profissional, definindo como atribuições do psicólogo educacional, dentre outras: "Diagnostica(r) as dificuldades dos alunos dentro do sistema educacional e encaminha(r), aos serviços de atendimento da comunidade [...] buscando sempre a atuação integrada entre escola e a comunidade".

Diante do exposto, considerando-se a relevância e atualidade do debate sobre a relação entre família e escola para a educação, assim como as atribuições do profissional de psicologia escolar e educacional no Brasil, questionou-se: como a psicologia escolar e educacional vem se posicionando no que diz respeito à relação entre a família e a escola? Quais têm sido suas contribuições no sentido de compreender ou de promover essa relação? Foi buscando responder a esses questionamentos que se desenvolveu a presente pesquisa, a qual teve por objetivo entender como a literatura científica relacionada à área da psicologia escolar e educacional no Brasil tem tratado a relação família-escola.

Ao investigar sobre como a psicologia escolar e educacional tem dialogado com as questões características da relação família-escola, ou seja, ao investigar sobre quais têm sido as ações do psicólogo escolar e educacional no sentido de compreender ou promover essa relação, pretende-se contribuir com a construção de um corpo de conhecimentos a partir do qual seja possível, por exemplo, refletir sobre como tem se dado a formação desse profissional no país, ou ainda, compreender o quanto a psicologia escolar e educacional tem se preocupado com as questões que constituem a relação família-escola ou, pelo contrário, o quanto essa questão tem sido ignorada pelos psicólogos escolares e educacionais.

Para isso, realizou-se um estudo de natureza bibliográfica sobre artigos publicados na Revista Psicologia Escolar e Educacional, da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE), entre os anos de 1996 - ano em que, como escrito acima, foi publicada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, implicando na intensificação de reflexões e debates sobre a articulação entre família e escola - e o ano de 2020. Antes de prosseguir à seção seguinte, faz-se aqui imprescindível mencionar os artigos de Saraiva-Junges e Wagner (2016) e de Albuquerque e Aquino (2018). Apesar da proximidade metodológica e de objetivos entre a proposta do presente artigo e a proposta destas autoras - uma revisão sistemática e um levantamento de literatura, respectivamente - no estado do conhecimento aqui empreendido, buscou-se destacar, principalmente, as tendências temáticas dos trabalhos publicados na Revista da ABRAPEE que, exclusivamente a partir de referenciais da psicologia escolar e educacional, abordaram de algum modo (teorizando sobre, ou propondo intervenção característica do profissional de psicologia) a relação família-escola.

Além disso, o presente artigo discute sobre procedimentos metodológicos utilizados, sobre os dados e sobre os resultados de alguns desses trabalhos, publicados na Revista da ABRAPEE. Compreende-se que o artigo de Albuquerque e Aquino (2018), por sua vez, focou, principalmente, a dimensão da "prática" do psicólogo escolar propriamente, isto é, "as intervenções na área da psicologia escolar direcionadas à relação família-escola em bases de dados científicas." (p. 307). Já o artigo de Saraiva-Junges e Wagner (2016) não apresenta foco sobre como a psicologia escolar e educacional tem atuado (em termos de teorização sobre, ou da proposição de práticas características do psicólogo neste contexto) no tocante à relação entre família e escola, tal como pretendeu o presente artigo, mas buscou "conhecer o estado da arte do tema 'Relação Família-Escola' em nosso país a partir de uma revisão sistemática da literatura." (p. 114).

Feitos os devidos esclarecimentos, a seguir serão discutidos os procedimentos metodológicos a partir dos quais realizou-se este estado do conhecimento sobre a relação família-escola de acordo com a literatura relacionada à psicologia escolar e educacional no Brasil.

 

Método

Buscando compreender como a relação família-escola vem sendo tratada pela psicologia escolar e educacional no país, a partir das características da produção acadêmica relacionada a essa questão nos últimos anos, optou-se aqui por realizar um trabalho de pesquisa que a literatura mais frequentemente reconhece como "estado da arte" ou "estado do conhecimento".

O estado da arte ou estado do conhecimento é um tipo de pesquisa, de caráter quantitativo e qualitativo, que busca, por meio de levantamento bibliográfico, reunir e analisar uma determinada produção acadêmica a fim de gerar um recorte através do qual seja possível identificar alguns aspectos que têm caracterizado a pesquisa dentro daquela área de conhecimento, tais como tendências temáticas e metodológicas, avanços, impasses. Compreende-se que este tipo de pesquisa pode contribuir de diversos modos para o desenvolvimento de qualquer área do conhecimento, uma vez que permite ao pesquisador a construção de dados indicativos que podem orientar a produção acadêmica dentro de uma determinada área, conforme observa Angelucci et al. (2004):

A importância de balanços periódicos do estado de coisas vigente numa área de pesquisa é múltipla. Eles podem detectar teoria e método dominantes; pôr em relevo aspectos do objeto de estudo que se esboçam nas entrelinhas das novas pesquisas; revelar em que medida a pesquisa recente relaciona-se com a anterior e vai tecendo uma trama que permita avançar na compreensão do objeto de estudo pela via do real acréscimo ao que já se conhece ou da superação de concepções anteriores. (p. 53)

Segundo Joly et al. (2003), inúmeros aspectos de uma determinada produção científica podem ser destacados em um estudo dessa natureza, tais como: a autoria; o discurso (categoria que abrange título, resumo, palavras-chave, estrutura, referências e características verbais); a metodologia (que contempla objetivos, tipologia, sujeitos, materiais, procedimentos e variáveis); a temática (a partir de itens como tema, origem do tema, variáveis, classificações e conclusões); os dados (contemplando o procedimento, recursos e a natureza da análise desenvolvida, se qualitativa, quantitativa ou mista). Finalmente, os enfoques (teoria e modelos) da produção a ser analisada também podem constituir um dos objetos do pesquisador na verificação das teorias e modelos apresentados.

No presente estudo, com base nas orientações de Joly et al. (2003), de modo a não extrapolar as dimensões deste artigo, foram evidenciados nos trabalhos analisados aspectos relacionados aos dados e às tendências metodológicas e temáticas que tocam particularmente a questão da relação família-escola, nos artigos publicados entre 1996 e 2020, na Revista Psicologia Escolar e Educacional, da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE). A escolha pela revista se deveu à ênfase concedida por esta a assuntos relacionados à psicologia escolar e educacional no Brasil, caracterizando-se como uma das principais revistas científicas no país a abordar especificamente questões dessa área.

O período aqui recortado (1996-2020) compreende todos os artigos publicados até o presente momento - 10 de fevereiro de 2020 - pela revista, que tem sua primeira edição publicada no ano de 1996. Tratou-se, portanto, de uma feliz coincidência em relação aos objetivos desta pesquisa, considerando que a relação família-escola, como já mencionado na introdução deste artigo, tornou-se alvo de mais intensos debates justamente a partir da publicação da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (1996).

Inicialmente, seguindo os mesmos procedimentos metodológicos utilizados nas revisões críticas de Cantalice et al. (2006) e Cunha et al. (2014), foram lidos os resumos de todos os 692 artigos publicados na revista. Ao longo dessa etapa, foram excluídos do corpus aqui analisado os artigos que apresentaram discussões independentes da questão da relação família-escola, os artigos elaborados a partir de experiências particulares em países estrangeiros, mesmo quando relacionadas, em alguns casos, à questão da relação família-escola, e aqueles cujas discussões propostas, apesar de voltadas à questão da relação entre família e educação formal, extrapolaram o âmbito do nível do ensino básico. Em um segundo momento, foram analisados integralmente os artigos que não foram excluídos na etapa anterior, isto é, os artigos que trataram diretamente da relação família-escola (31 artigos) e, com base nas orientações de Joly et al. (2003), foram destacados nos trabalhos os aspectos relacionados às tendências temáticas e metodológicas e aos dados. Para isso, foi realizada análise de conteúdo (Bardin, 2009; Finkel & Gordo, 2002) sobre os resumos e corpos textuais constituintes dos 31 artigos.

A análise de conteúdo empreendida sobre os artigos foi predominantemente uma análise de caráter qualitativo (Bardin, 2009; Finkel & Gordo, 2002) e, nesse sentido, interessou à análise menos a frequência de ocorrência de algumas palavras ou sentenças do que interessou o contexto em que estas palavras ou sentenças ocorreram, isto é, os sentidos pretendidos pelos autores dos artigos.

Após realizada leitura flutuante dos 31 artigos, seguindo proposta de Finkel e Gordo (2002), foram eleitas as unidades de registro: palavras e unidade semânticas. Após análise e agrupamento das unidades de registro, foram construídas 6 categorias, ou, mais especificamente, foram identificados 6 eixos temáticos em torno dos quais os artigos foram construídos:

(1) Promoção da parceria família-escola (discussões mais amplas voltadas ao papel da psicologia escolar e educacional no fortalecimento da relação família-escola no intuito principalmente de promoção da qualidade das aprendizagens dos conteúdos educacionais formais e/ou de promoção do bem-estar e dos aspectos físico, psicológico, intelectual e social, característicos do desenvolvimento humanos, e no enfrentamento de fenômenos como o fracasso escolar e a exclusão/inclusão escolar.);

(2) Relação família-escola & educação infantil (discussões e estudos que dizem respeito ao âmbito específico da educação infantil, voltados ao fortalecimento da relação família-escola no intuito principalmente de promoção da qualidade das aprendizagens dos conteúdos educacionais formais e/ou de promoção do bem-estar e dos aspectos físico, psicológico, intelectual e social, característicos do desenvolvimento humanos.);

(3) Relação família-escola & violência (discussões sobre o papel da psicologia escolar e educacional no que tange à promoção da relação família-escola, para lidar com situações de violência verbal, psicológica, emocional e/ou física, nos contextos intra e/ou extraescolar, ou estudos críticos sobre a participação da família à configuração de situações de violência desses mesmos tipos, nos contextos intra e/ou extraescolar.);

(4) Relação família-escola & queixa escolar (discussões voltadas à promoção da relação família-escola como alternativa na abordagem das dificuldades de aprendizagem dos conteúdos educacionais formais, das questões de indisciplina, dos comportamentos agressivos, de questões de ordem sexual e de todo fato que, no discurso de qualquer membro do corpo funcional da escola, possua conotação de queixa ou lamento.);

(5) Relação família-escola e dificuldades de aprendizagem (discussões e estudos que dizem respeito ao papel da psicologia escolar e educacional no que se refere a questões características e específicas das dificuldades de aprendizagem - como a disfasia/afasia, dislexia, disgrafia e discalculia -, e voltados ao fortalecimento da relação família-escola no intuito principalmente de se lidar, no âmbito da escola e/ou da família, com essas mesmas dificuldades.);

(6) Relação família-escola & educação especial (discussões e estudos sobre o papel da psicologia escolar e educacional no que se refere a questões características da educação especial, entendida como "modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação." (Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, 1996).

Tal processo resultou no estado do conhecimento que se apresenta a seguir. Considerando a robustez do corpus aqui analisado, de modo a não extrapolar as dimensões desse artigo, discutir-se-á apenas sobre as tendências temáticas e metodológicas e sobre os dados dos artigos em que a figura do(a) psicólogo(a) escolar e educacional - seja em termos de propostas de atuação, seja a partir de reflexões sobre o fazer desse profissional - se fez mais presente e relevante à discussão proposta.

 

Resultados e Discussão

Os resultados obtidos através do presente trabalho indicam que a pesquisa brasileira em psicologia escolar e educacional, de janeiro de 1996 até agosto de 2020, produziu muito pouco sobre a relação família-escola, tendo sido identificados, nesse sentido, apenas 31 artigos em um universo de 692 trabalhos. Na Tabela 1, são apresentados os títulos desses artigos e seus respectivos anos de publicação.

Verificou-se hiatos de 2 anos (1999-2000), 3 anos (2006-2008) e 4 anos (2010-2013), durante os quais não houve qualquer publicação com discussão referente à relação família-escola. Ressalte-se que, durante esses períodos, foram publicados na revista 216 artigos (em 1999, 10; em 2000, 8; em 2006, 21; em 2007, 35; em 2008, 19; em 2010, 31; em 2011, 31; em 2012, 30, e em 2013, 31 artigos publicados). Os anos em que foram produzidos maior número de artigos em torno dessa temática foram os anos de 2005, 2015 e 2017. Tal achado contrariou as expectativas do autor; esperava-se encontrar maior quantidade de publicações nos anos próximos do período em que foi publicada a LDBEN, em 1996, ano em que, como já foi comentado, intensificaram-se os debates sobre a relação família-escola.

Como já explicado, verificou-se que os artigos foram elaborados a partir de discussões em torno de algum dos seguintes eixos temáticos: (1) promoção da parceria família-escola; (2) relação família-escola & educação infantil; (3) relação família-escola & violência; (4) relação família-escola & queixa escolar; (5) relação família-escola e dificuldades de aprendizagem, e (6) relação família-escola & educação especial. Os títulos dos trabalhos, seus respectivos eixos temáticos e data (ano) de publicação são apresentados na Tabela 2.

Verificou-se que a maioria trabalhos (12 artigos) constituiu-se especificamente em forma de propostas voltadas à promoção da parceria entre família-escola, a partir, no entanto, de perspectivas distintas. Em seu trabalho, Cavalcante (1998) discute a questão (parceria família-escola) propondo um envolvimento do psicólogo escolar no sentido de diluir as barreiras existentes entre famílias e escolas através de uma atuação que envolva:

1) comunicação com pais e professores; 2) habilidade de disseminação de informação dentro da escola: 3) coordenação de planos de ação; 4) treinamento de professores; 5) servir de modelo no processo colaborativo; 6) servir de ponte na comunicação entre escola e pais, organizando programas de formação profissional para professores, coordenando trabalho voluntário na escola e outras atividades que incluam os pais e avaliando os programas implementados. (p. 6)

Os trabalhos de Nunes e Vilarinho (2001), de Bortone e Maimoni (2001) e de Fernandez et al. (2014) buscaram contribuir especificamente no sentido da promoção dessa parceria por meio do uso de alguns procedimentos e estratégias que foram utilizados particularmente em suas pesquisas, como a utilização do procedimento de leitura conjunta entre pais e filhos (Bortone & Maimoni, 2001), o envolvimento dos pais na tarefa escolar (Fernandez et al., 2014) e dos avós, como uma família possível, oferecendo "respaldo aos netos para enfrentar as adversidades vividas com os desentendimentos ou ausência dos pais, fortalecendo os laços familiares, os valores que permeavam cada família, prejudicada pela crise, aparente ou não." (Nunes & Vilarinho, 2001. p. 28).

Andrade et al. (2017) investigaram as concepções de professores e gestores de uma escola particular sobre o papel do psicólogo escolar, empreendendo uma análise de conteúdo sobre entrevistas semiestruturadas realizadas com esses profissionais. Além de um certo desconhecimento do papel do psicólogo por parte de alguns desses profissionais, a análise revelou a coexistência de duas compreensões acerca do papel desempenhado pelo profissional de psicologia na escola, isto é, de duas concepções: o psicólogo como um especialista, e o psicólogo como um auxiliar.

Enquanto especialista, o psicólogo seria "detentor de um saber especializado e relevante, superando os saberes das outras profissões dentro do contexto escolar" (Andrade et al., 2017, p. 410) e, como auxiliar, o psicólogo escolar seria um profissional a ser chamado apenas em casos de necessidade maior, um profissional não essencial ao funcionamento da escola. Ainda, inferiu-se de alguns discursos dos profissionais entrevistados a compreensão de que o papel do psicólogo escolar pode ser desempenhado por outros profissionais da escola, como os professores, tornando a presença do primeiro relativamente dispensável.

Chama atenção à discussão aqui proposta o fato de que, entre as atuações do psicólogo escolar ocorrentes nas falas dos entrevistados, a atuação Junto à família foi o tipo de atuação menos citado (foram mais frequentes nas falas as atuações Junto aos professores e Junto aos alunos). Além disso, essa atuação Junto à família, segundo as falas dos profissionais entrevistados, refletiria ações características do modelo clínico e distantes ou mesmo totalmente alheias às dimensões institucionais ou sociopolíticas que perpassam (ao menos potencialmente) a atuação desse profissional. Segundo as próprias autoras, "não é comum a professores e gestores a noção de um psicólogo que atue de forma institucional, articulando vários segmentos (estudantes, família, professores, diretores etc.) em práticas ampliadas, conforme os resultados deste presente trabalho apontam" (Andrade et al., 2017, p. 413).

Dessen e Polonia (2005) sugerem também a influência positiva da relação família-escola para as aprendizagens formais características do processo de escolarização, mas, no artigo dessas autoras, o foco principal da parceria entre família e escola é o desenvolvimento humano, o desenvolvimento global dos alunos. A aprendizagem (dos saberes socioculturais historicamente acumulados) aparece como fator propulsor do desenvolvimento. Segundo as autoras, caberia ao psicólogo (assim como aos demais profissionais que atuam nas escolas), na busca de superar as descontinuidades entre os ambientes familiar e escolar, a realização de mais pesquisas e, com base nos respectivos dados empíricos gerados, a idealização e implementação de projetos mais ou menos abrangentes (isto é, voltados ao âmbito político ou às escolas mesmas). Nesse sentido, comentam:

Faz-se mister, sobretudo, estimular as produções acadêmicas direcionadas ao estudo do envolvimento da família com a escola, transformando-as em fomento e em mecanismos que contribuam para o planejamento de políticas e de programas educacionais. No âmbito político, por sua vez, é preciso estabelecer novos rumos para a relação família-escola que visem o desenvolvimento global dos alunos. Conhecer os processos que permeiam os dois contextos e suas inter-relações possibilitaria uma visão mais dinâmica do processo educacional e, certamente, intervenções mais precisas e efetivas, e uma ampla discussão de modelos de articulação entre esses dois agentes educacionais, considerando as condições brasileiras. (Dessen & Polonia, 2005, p. 310)

No tocante à educação infantil, 6 dos 31 trabalhos que trataram da relação família-escola apresentaram discussões sobre questões relacionadas especificamente a essa etapa da educação básica. Esses trabalhos, sem exceção, constituíram-se a partir de pesquisas isoladas realizadas em escolas particulares e/ou públicas, junto aos gestores, professores, alunos e seus pais ou responsáveis, apresentando objetivos e resultados diversos.

Pedroza e Vokoy (2005) realizaram uma pesquisa qualitativa em uma escola de Educação Infantil situada em Brasília objetivando conhecer a prática educativa e a atuação do psicólogo escolar nesse contexto específico. Nesse sentido, realizaram entrevistas (semiestruturadas) com a equipe psicopedagógica da escola - utilizando gravador de áudio - e observações sobre as atividades do cotidiano escolar, tomando notas de campo.

Com base nas respostas das três entrevistas realizadas com a psicóloga da escola e nos registros das observações, as autoras evidenciaram a possibilidade de uma atuação do psicólogo escolar que permitiria envolver as famílias e a escola na assunção conjunta de responsabilidades pela educação e desenvolvimento das crianças. Tal atuação, fundamentada em pressupostos teóricos da psicologia sócio-histórica, assim como baseada no modelo de atuação da psicóloga da escola campo do estudo, de acordo com as autoras, possibilitaria ao psicólogo escolar "refletir criticamente sobre as condições sociais para não recorrer ao mecanismo da naturalização como justificativa dos fenômenos psicológicos." (Pedroza & Vokoy, 2005, p. 103).

Assim, esse modelo de atuação de caráter interdisciplinar, subjetivador e contextual, conforme proposto pelas autoras, possibilitaria inclusive a superação dos limites do modelo clínico de atuação, ao ser capaz de abranger todos os envolvidos no complexo relacional existente nas escolas, como professores, funcionários, família e comunidade.

Costa e Pessoa (2014), à luz dos pressupostos teóricos de Wallon e Vygotsky sobre, especificamente, a constituição do sujeito, investigam como algumas mães significaram suas próprias infâncias, o "ser mãe" e as relações que estabeleceram a respeito de suas infâncias e da infância de seus filhos, e buscaram relacionar estas significações com aspectos constituintes da identidade infantil. Dito de modo resumido, as autoras buscam (inclusive) destacar o papel do psicólogo escolar na constituição da identidade infantil, atuando na investigação das interações entre crianças e familiares e entre criança e educadores escolares.

Conhecer como estes familiares - especialmente as mães - interagem com seus filhos em seus contextos e como estas vivências chegam até as instituições escolares pode favorecer diálogos mais estreitos com a escola no tocante à Educação Infantil. Saber das significações que mães e demais familiares atribuem às suas infâncias, seus papéis e concepções, pode enriquecer as interlocuções entre os principais espaços de constituição infantil: a família e a escola. (Costa & Pessoa, 2014, p. 509)

Leonardo et al. (2017) investigaram as concepções de quatro educadoras infantis sobre os processos de aprendizagem e de desenvolvimento humano, a partir da perspectiva teórica da psicologia histórico-cultural. Diante de seus achados, que revelaram concepções de aprendizagem e de desenvolvimento infantil semelhantes àquelas do entendimento do senso comum, os autores propõem ao psicólogo um papel de educador, de formador, o que, em certa medida, remete à concepção de especialista que emergiu nas falas dos entrevistados do estudo realizado por Andrade et al. (2017) já comentado anteriormente; como um profissional "detentor de um saber especializado e relevante" (p. 410), ou "aquele que tem o conhecimento, saberes e habilidades únicas para resolver certas problemáticas do aluno" (p. 413). Nesse sentido, caberia ao psicólogo escolar e educacional contribuir:

no planejamento de projetos de formação e reformulação de políticas públicas para a Educação Infantil, dentre outros aspectos, pois, ao conhecermos as formas pelas quais as educadoras infantis trabalham, é possível planejar intervenções e elaborar projetos de formação continuada que condizem com a realidade desse público, contribuindo para a melhoria da Educação como um todo. Nesse sentido, é relevante ressaltar que entendemos o psicólogo como ator importante nesse processo, contribuindo tanto com aspectos teóricos como práticos ao se pensar e oferecer propostas de formação continuada para a formulação conjunta de práticas profissionais que incidam no desenvolvimento infantil de modo crítico e ampliado. (Leonardo et al., 2017, p. 155)

Dois artigos discutiram sobre a importância da relação família-escola para o enfretamento de questões relacionadas às dificuldades de aprendizagem, tendo ambos se constituído a partir de pesquisas isoladas em escolas municipais (uma em Santa Catarina, outra em São Paulo), junto a professores, alunos e suas respectivas famílias. A pesquisa de Chapadeiro e Lima (2015), de viés mais teórico e reflexivo, consiste em uma análise de conteúdo e uma reflexão sistêmica sobre dados construídos a partir das falas das professoras e das famílias entrevistadas, enquanto a pesquisa de Andrada (2003), que reflete caráter mais pragmático, constitui-se através da prática de intervenções que objetivaram "circular a responsabilidade do problema (de aprendizagem) entre os membros que participaram dos encontros (entre psicóloga, professores, alunos e respectivas famílias)" (p. 171).

De um modo geral, pode-se dizer que ambos os artigos propõem discussões e reflexões bem semelhantes sobre a escola, a família e sobre o papel e atuação (possíveis) do psicólogo escolar. No entanto, as propostas de atuação do psicólogo escolar, que podem ser inferidas das discussões propostas pelos artigos, têm focos diversos. Chapadeiro e Lima, que defendem uma atuação mais abrangente desse profissional, apresentam o psicólogo escolar como potencial facilitador da articulação família-escola, promovendo, a partir do paradigma sistêmico, "um espaço de diálogo na escola em que alunos, professores e famílias possam refletir sobre a forma como estão lidando com as situações cotidianas" (p. 501). Ou, ainda, atuando na facilitação da relação entre saúde e educação, através do suporte e da capacitação dos educadores no tocante às condutas necessárias diante de dificuldades apresentadas pelos alunos.

O Psicólogo Escolar pode facilitar a relação entre a Saúde e Educação, dando suporte e capacitando os educadores a respeito das condutas necessárias diante de transtornos ou dificuldades que o aluno tenha. O olhar sistêmico sobre a relação família-escola beneficia o ensino dos alunos com dificuldades na aprendizagem ou pode até conseguir evitá-las, pois existirão melhores condições de aprendizado e desenvolvimento da criança quando família e escola mantiverem boas relações. (Chapadeiro & Lima, 2015, p. 501)

O foco de Andrada (2003), por sua vez, recai sobre o indivíduo, isto é, sobre os atendimentos de casos particulares, sobre a resolução de situações-problema. Desse modo, a articulação entre família e escola deve ser buscada à resolução de situações pontuais e específicas. E, nesse sentido, a autora defende uma atuação do psicólogo baseada no paradigma sistêmico e que se dê aberta à possibilidade de influência de outras correntes ("lentes") teóricas. Segundo esta autora:

Podemos nos locomover e até trocar de perspectiva, mas é necessário um exercício de reflexão para entendermos aquela outra perspectiva a partir das suas próprias bases filosóficas e epistemológicas e fazer uso desta quando necessário. Quanto mais lentes diferentes nós tivermos para o olhar, a leitura e o entendimento de um mesmo fenômeno, mais rica será nossa compreensão do mundo. (Andrada, 2003, p. 177)

Compreende-se aqui que o psicólogo escolar e educacional, enquanto profissional da escola, ao não incluir em seu raio de atuação varáveis extraescolares (como, por exemplo, a cultura educacional da família) ou, ainda, enquanto pesquisador dos fenômenos da educação, ao ocupar-se tão somente de situações ou de contextos singulares (por exemplo, dos processos cognitivos, in loco), contribui inevitavelmente com a perpetuação de no mínimo dois pontos problemáticos na relação entre a psicologia e a educação.

O primeiro diz respeito a um tipo de atuação profissional alienada e de impacto irrisório especialmente em relação às questões que constituem o ideal escolar contemporâneo, pautado em valores democráticos e pelos esforços crescentes de inclusão e de ampla participação. O segundo ponto problemático situa-se no âmbito das pesquisas na área da psicologia escolar e educacional, e contribui para fomentar uma caricatura historicamente problemática na relação entre a psicologia e a pedagogia: à primeira, caberia apenas produzir o conhecimento a ser utilizado pela segunda. Tal aspecto já fora inclusive criticado por Wallon (1987), para quem essa relação, entre psicologia e pedagogia, foi frequentemente assimétrica, ao colocar a psicologia no lugar de normatizadora da prática pedagógica.

Cinco artigos abordaram a questão da violência dentro ou fora das escolas, apresentando propostas distintas voltadas à promoção do envolvimento das famílias com as escolas. A pesquisa de Ristum (2002), a partir de entrevistas com professoras de escolas pública e particular, verificou que a integração entre famílias (e comunidade) e escola foi mais sugerida e defendida pelas professoras do contexto público do que pelas professoras da escola particular. O trabalho de Araújo et al. (2005), de caráter teórico e reflexivo, realizado a partir de análise documental (de documentos oficiais da Organização das Nações Unidas), assim como da literatura sobre a história da atuação do psicólogo nas escolas, apresentou "concepções e estratégias convergentes e complementares, de âmbito preventivo e interventivo, promotoras de reflexões e ações construtivas de uma Cultura de Paz no ambiente escolar." (p. 135).

Silveira e Wagner (2009) investigaram em sua pesquisa que tipo de ações (coercitivas/punitivas ou indutivas) eram comumente apresentadas por pais e professores em relação aos "comportamentos inadequados" dos alunos, e verificaram a existência de "fronteiras rígidas" entre a escola e as famílias pesquisadas, caracterizando-se, por exemplo, na "supremacia" do saber das professoras sobre os pais. O diálogo e colaboração entre famílias e escola são apontados como indispensáveis no tratamento dos "problemas de comportamento":

Parece-nos fundamental a realização de estudos com vistas a construir e propor um modelo de integração entre os sistemas (família e escola), favorecendo o conhecimento das ações e funções educativas de ambos e construindo novas formas de comunicação e interação entre a família e a escola. (Silveira & Wagner, 2009, p. 290)

Três artigos abordaram questões relacionadas à educação especial e discutiram acerca da(s) influência(s) da relação família-escola para essa modalidade de ensino/educação. Cia e Maturana (2015) analisaram publicações científicas brasileiras (teses e dissertações) produzidas entre os anos de 2001 e 2011, verificando, entre outros, que "o contato semanal escola-família para abordar o tema inclusão, favorece a criação de medidas e estratégias de ambos os lados (famílias e escola)" (p. 355). Verificou-se ainda, na literatura analisada pelas autoras, a predominância de estudos de caráter teórico (descritivos) e a carência de propostas de intervenção, sugerindo a "necessidade de estudos que deem continuidade a essa temática, abordando evidências de práticas bem-sucedidas que intervenham positivamente no processo de inclusão escolar e no melhoramento da colaboração família-escola." (p. 356).

Dionísio e Vectore (2017) desenvolveram uma pesquisa sobre uma proposta de intervenção - elaborada pelos próprios autores - voltada ao desenvolvimento da leitura e escrita através do sistema Braille. Para isso, organizaram oficinas mediacionais (ao todo dez) nas quais os participantes (quatro crianças cegas, as respectivas mães e a professora da turma) desenvolveram atividades sobre uma história infantil. As autoras recorreram à técnica da observação participante e realizaram entrevistas semiestruturadas com as professoras e com as mães participantes, sobre a aprendizagem do sistema Braille.

Embora não tenham discutido sobre o papel potencial do psicólogo escolar nesse contexto mediacional específico, compreendeu-se relevante aqui discutir brevemente sobre esse artigo, dado o destaque que as autoras imprimem à importância da família nesse processo delicado de aprendizagem da leitura e escrita através do sistema Braille. Além de alertarem para o fato de que a família representa a referência primordial e fundamental da criança cega, em incontáveis sentidos, as autoras chamam atenção inclusive para a importância de serem considerados, nesse processo de aprendizagem e domínio do sistema Braille, o conhecimento de mundo prévio das crianças, isto é, o conhecimento de mundo construído ainda no seio familiar e anterior à imersão destas no mundo da escola.

Ainda dentro desse eixo temático, há o artigo de Benitez et al. (2019), que investigaram o desenvolvimento da leitura de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Participaram do estudo três crianças de 11 anos, diagnosticadas com TEA, acompanhadas dos respectivos pais. As autoras avaliaram a eficácia de um "pacote instrucional" para o ensino da leitura de quinze palavras dissílabas, desenvolvido para crianças com o transtorno. As atividades de ensino-aprendizagem se deram através de jogos com os pais e com uma das pesquisadoras. As autoras acreditam que a atuação dos familiares pode ter influenciado em alguma medida o desempenho das crianças participantes. Segundo elas:

acredita-se que a atuação do familiar como educador no momento da aplicação dos jogos pode ter contribuído de alguma maneira no desempenho delas [crianças], no sentido de aumentar as possibilidades para a sua aprendizagem [...] foi possível verificar que a preocupação dos pais em relação ao ensino e aprendizagem do comportamento de ler para os seus filhos diminuiu, pois perceberam e relataram [...] que seus filhos são capazes de aprender e de desenvolver habilidades complexas após a exposição ao procedimento de ensino. [...]. No que concerne ao comportamento dos pais em relação ao fornecimento de elogios, instruções e dicas aos seus filhos durante os jogos, acredita-se que eles atuaram de maneira mais reforçadora do que coercitiva, o que aparentou ser uma situação benéfica para a aprendizagem de novos conteúdos. (Benitez et al., 2019, p. 7)

Finalmente, três artigos propuseram discussões que tocaram a questão da relação família-escola, tendo por fundo questões relacionadas ao fenômeno da queixa escolar. Nesses artigos, muito diferentemente do que se observou nos demais aqui analisados, a família é trazida e apresentada de modo negativo, como culpada pelo aluno-problema, ensejador da queixa. A pesquisa de Labadessa e Lima (2017) abrangeu nove escolas públicas em um município do estado de Roraima. Através da realização de procedimento de análise documental (dos encaminhamentos dos alunos ao serviço de psicologia) e de entrevistas às orientadoras educacionais e à profissional de psicologia, as autoras constataram inadequação documental (dos registros e encaminhamentos) e carência de espaços para a discussão (sobre a queixa escolar) nas escolas campo da pesquisa. Essa ausência de espaços para diálogo entre profissionais, segundo as autoras, contribui com a perpetuação da culpabilização do aluno e de sua família pela queixa escolar. Segundo Labadessa e Lima, "Em todas as escolas a queixa parte do professor, é ele quem traz para o orientador a situação-problema do aluno. O professor é visto como aquele que sabe diagnosticar o problema do aluno" (p. 372). No entanto, como também observaram as autoras, este profissional, peça fundamental do processo de queixa que protagoniza, não participa do processo em seu desdobramento.

o professor desaparece do cenário de discussão da queixa escolar logo após encaminhar o aluno para a orientação. Excluído de todo o processo de encaminhamento e investigação sobre a queixa escolar, não é questionado sobre os processos pedagógicos, comparações com o desempenho da turma, discutir sobre o histórico escolar da criança ou sobre o que vem observando da psicodinâmica da sala de aula, entre outros aspectos pertinentes à dinâmica escolar envolvidos na queixa. (Labadessa & Lima, 2017, p. 372)

Além dessa autoexclusão em relação ao processo da queixa escolar como um todo, a maioria dos educadores pesquisados não se consideraram responsáveis ou corresponsáveis pela qualidade dos processos de ensino-aprendizagem e, consequentemente, pelo fracasso escolar. Labadessa e Lima (2017) comentam: "Em síntese, podemos argumentar que, na visão das entrevistadas, e não tememos dizê-lo, das escolas que participaram da pesquisa, o não aprendizado tem como responsável o próprio aluno ou sua família." (p. 375).

A atuação da psicóloga participante da pesquisa, profissional que atendia aos alunos encaminhados, alinhava-se com o modelo clínico tradicional, e era teoricamente fundamentada na corrente psicanalista. Seu papel na escola, na verdade, limitava-se a esses atendimentos individuais (fora da escola), não havendo articulação maior entre ela (a psicóloga), a escola (isto é, professores, coordenadores e diretores) e a família dos alunos, de modo que seu papel refletia de modo bastante fiel as concepções dos professores e gestores participantes da pesquisa de Andrade et al. (2017) sobre o papel do psicólogo escolar, já discutida anteriormente. A esse respeito, Labadessa e Lima (2017) comentam:

Embora tendo escolhido uma linha teórica tradicional, é possível fazer um trabalho não pautado em práticas clínicas tradicionais. Kupfer (2004) explica sobre a possibilidade da utilização da psicanálise na escola de forma crítica, contribuindo para criar novas condições de entender o fracasso escolar por intermédio de todos os atores, e não somente do aluno. O trabalho do psicólogo deveria ser efetuado com a construção e histórico da queixa escolar, voltando-se verdadeiramente para ela. O objetivo deveria ser movimentar e investigar a queixa escolar na escola, com todos os atores escolares, assumindo, assim, uma atitude ativa, de interação, de busca coletiva, de discussão. (p. 374).

Schweitzer e Souza (2018) investigaram os sentidos da queixa escolar para diretores, professores e assistentes técnico-pedagógicos de três escolas públicas municipais da região metropolitana de Florianópolis. Os resultados a que chegaram os autores foram ao encontro daqueles encontrados por Labadessa e Lima (2017), indicando principalmente a culpabilização dos próprios estudantes e de suas famílias em relação às queixas escolares, como explicitam algumas das falas das participantes do estudo:

Questionadas sobre os motivos para a existência de queixas escolares, a diretora (da escola 1) atribuiu-a "à falta de tempo dos pais para com os seus filhos"; e a professora apontou, como razão, o fato de que "os pais são separados". Além do envolvimento da família, a professora afirmou haver relação da queixa escolar com aspectos da própria criança, como a "preguiça mesmo"; e aspectos de ordem inata: "eu acho que já vem da criança". [...] os discursos dos profissionais desta escola (escola 2) foram relacionados e dirigidos à responsabilização da família: "às vezes, são crianças que vêm de famílias desestruturadas" (assistente de direção); "eu acho que 50% não têm estrutura familiar; as famílias hoje em dia são muito ausentes da escola, não existe cobrança." [...] A respeito dos motivos atribuídos para a queixa escolar (escola 3), dois entrevistados a atribuíram à família, em falas como: "a maioria é de família que não tem uma estrutura. (Schweitzer & Souza, 2018, p. 567)

A partir dos trechos grifados acima, pode-se facilmente depreender a existência de uma mesma concepção de família (tradicional e triangular, como inclusive observam os autores do estudo, composto por pai, mãe e filho) subjacente aos pontos de vista e argumentos das participantes sobre os comportamentos e baixos desempenhos dos alunos ensejadores das queixas escolares. Em suma, os resultados encontrados por Schweitzer e Souza (2018) "apontaram o que a literatura há muito tem denunciado: os profissionais continuam a atribuir aos próprios estudantes e a suas famílias a responsabilidade pelas queixas escolares." (p. 570).

 

Considerações

Verificou-se nos 31 trabalhos analisados, sem exceção, o reconhecimento da influência das relações entre família e escola nos processos de educação e de desenvolvimento integral dos alunos, e a defesa de uma maior integração entre esses dois sistemas. No entanto, paradoxalmente, constatou-se que os pesquisadores da área da Psicologia Escolar e Educacional, nos últimos 24 anos, empreenderam pouquíssimos esforços no sentido de construir uma melhor compreensão acerca dos aspectos característicos dessa relação, o que poderia vir a facilitar o desenvolvimento de novas possibilidades de atuação por meio das quais o psicólogo escolar e educacional pudesse contribuir de modo efetivo com o envolvimento de famílias e escolas.

Compreende-se que a prevalência de relatos de pesquisas empíricas sobre sujeitos e contextos particulares constitui também uma característica problemática dessa produção, na medida em que compromete, por exemplo, a generalização dos dados para compreensão de outros contextos e dinâmicas. Nesse sentido, concorda-se aqui com Dessen e Polonia (2005), que enfatizam a necessidade de se desenvolver uma base consistente de evidências empíricas capazes de influenciar e estruturar políticas educacionais voltadas especificamente à relação família-escola.

Considerando-se que a Revista Psicologia Escolar e Educacional se constitui atualmente como uma das principais revistas científicas no país a abordar especificamente questões situadas na interface entre Psicologia e Educação, compreende-se que foi aqui realizada uma varredura bastante significativa da produção científica brasileira sobre o modo como a relação família-escola vem sendo tratada pela área da Psicologia Escolar e Educacional, conforme objetivou este trabalho. O estado do conhecimento aqui apresentado buscou destacar, principalmente, os direcionamentos temáticos desses trabalhos. No entanto, buscou-se também discutir sobre os procedimentos metodológicos utilizados, sobre os dados e sobre os resultados das pesquisas analisadas.

Espera-se que o volume considerável de informações que foi aqui reunido, ao destacar determinadas tendências, avanços, impasses, contradições, preferências temáticas e metodológicas na área da psicologia escolar e educacional, no que se refere especificamente à relação família-escola, oportunize avanços na compreensão dessa relação, assim como permita que sejam evitados esforços redundantes nas pesquisas sobre esse tema.

 

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Endereço para correspondência:
Alex Barbosa Abreu Pinto
Rua Valdemar Falcão, 90 - Engenho do Meio - Recife, PE, Brasil - CEP 50730-020
E-mail: Alex.abreu@ufpe.br

Artigo recebido: 19/1/2022
Aprovado: 17/7/2022

 

 

Trabalho realizado na Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil.
Conflito de interesses: O autor declara não haver.

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