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Revista Brasileira de Psicanálise

Print version ISSN 0486-641X

Rev. bras. psicanál vol.52 no.3 São Paulo July/Sept. 2018

 

EDITORIAL

 

Editorial

 

 

Marina Massi

Editora

Correspondência

 

 

A Otavio Frias Filho (in memoriam), por sua luta pela liberdade de expressão.1

Pode-se reconhecer a necessidade biológica e psicológica do sofrimento para a economia da vida humana e no entanto condenar a guerra nos seus meios e nos seus fins. ... É verdade que as guerras não podem acabar enquanto os povos viverem em condições tão diferentes, enquanto divergirem de tal modo no valor que atribuem à vida individual, e enquanto os ódios que os dividem representarem forças psíquicas tão intensas.

(Sigmund Freud, 1915)

O número Política i foi elaborado no contexto da grave e complexa crise política que estamos vivendo em nosso país. A Revista Brasileira de Psicanálise é uma publicação científica de peso internacional que, fazendo jus ao conceito de contemporaneidade2 no sentido agambiano, não poderia deixar de revelar e problematizar os importantes acontecimentos que experenciamos no Brasil e, de certo modo, no mundo.

Faz parte da tradição psicanalítica refletir sobre os conflitos internos e externos, não alheios, do ser humano. O inconsciente, de acordo com Freud, é perceptível por suas manifestações em nosso cotidiano, o que já seria por si uma evidência de como somos atravessados por alguma forma de organização de interesses, uma conjugação entre forças, entre a irrupção da pulsão e os mecanismos de recalque, vivemos em nossos corpos e mentes a dimensão do conflito, mesmo sem termos consciência. Encontramos nos escritos de Freud demonstrações de preocupação e participação da psicanálise nas esferas culturais, sociais e políticas.

Muitos psicanalistas trataram de política, como Erich Fromm, Roger Money-Kyrle, Donald Winnicott, Hanna Segal, Jacques Lacan. Mencionamos esses autores a título de ilustração, a lista de nomes deve ser bem maior, e continua aumentando, o que mostra que a política faz parte do nosso campo de estudo e, também, em permanente diálogo com outros campos do saber.

A política não está distante de nós, encontra-se em tudo que pensamos, fazemos, sentimos, ocultamos e desconhecemos. Não temos a consciência de sua proximidade e nem refletimos que viver é em si um ato político. Em tempos de crise perguntamos: o que nós, psicanalistas, pensamos sobre tudo isso?

Com os artigos deste número, a Revista Brasileira de Psicanálise pretende apresentar o que de específico os psicanalistas têm a indagar, questionar, dizer ou mesmo esclarecer na esfera da política, sempre numa perspectiva ética e de respeito à alteridade, à liberdade de pensamento e à verdade.

Quando os leitores estiverem recebendo este exemplar, já teremos um novo presidente eleito. Portanto, o que preparamos para este número trata de preocupações que emanaram do processo de discussão relativo à escolha de um novo presidente e à sua proposta para o país. Este número, porém, transcende a eleição em si, pois traz questões postas pelo momento atual, não só no Brasil, mas no mundo.

Em alguns fragmentos póstumos de sua obra, Hannah Arendt (2004) trabalha a pergunta “O que é política?” com o esforço de uma pensadora original e independente, que se confronta com a experiência política histórica dos sistemas totalitários, como o nazismo e o comunismo no século XX, e nos convoca a refletir sobre o sentido da política, com uma atualidade ainda assustadora. Em sua definição a política se baseia na pluralidade dos homens e trata da convivência entre diferentes. Explica que,

os homens se organizam politicamente para certas coisas em comum, essenciais num caos absoluto, ou a partir do caos absoluto das diferenças ... a política surge no entre-os-homens; portanto, totalmente fora dos homens.

A política surge no intraespaço e se estabelece como relação. ... A política organiza, de antemão, as diversidades absolutas de acordo com uma igualdade relativa e em contrapartida às diferenças relativas. (pp. 23-24)

Afinal, o que é política? Não ousamos pensar em respostas para tal questão, mas sim reconhecer sua importância para os psicanalistas e dar início a uma nova tradição na rbp de incluir a política como um tema central, assumindo que as diferenças, as singularidades, as relações entre-os-homens são conceitos ou noções que dizem respeito igualmente ao campo psicanalíti-co, à intersecção com o campo das ciências humanas e a cultura.

Arendt indaga: “Tem a política ainda algum sentido?”. A resposta que ela nos apresenta é: “O sentido da política é a liberdade” (p. 38). Acreditamos que a psicanálise comunga o mesmo sentido - de liberdade - e, por isso, a política também será o tema do nosso próximo número.

Desejamos a todos uma boa leitura!

 

Referências

Agamben, G. (2009). O que é o contemporâneo?V. N.Honesko, Trad.). Chapecó, sc: ArgosLinks ]0pt;font-family:"Verdana",sans-serif'>.

Arendt, H. (2004). O que épolítica? (R.Guarany, Trad.). Rio de Janeiro: Bertrand BrasilLinks ]0pt;font-family:"Verdana",sans-serif'>.

 

 

Correspondência:
Marina Massi
marinamassieditora@rbp.org.br

 

 

1 Otavio Frias Filho, diretor de redação do jornal Folha de S. Paulo, de 1984 a 2018, faleceu em 21/8/2018.
2 “É uma singular relação com o próprio tempo, que adere a este e, ao mesmo tempo, dele toma distância; mais precisamente, essa é a relação com o tempo que a este adere através de uma associação e um anacronismo” (Agamben, 2009, p. 59).

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