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Revista Brasileira de Psicanálise
Print version ISSN 0486-641X
Rev. bras. psicanál vol.52 no.4 São Paulo Oct./Dec. 2018
DIÁLOGO
Entrevistamos Virginia Ungar em 2015. Nessa entrevista, publicada no Jornal de Psicanálise (vol. 48, n. 88), ela fala de sua vida e carreira, da formação em antropologia, medicina e psicanálise, e do intenso período de imersão durante a formação analítica - “em uma intensidade tal que chegue a comover algo da nossa pessoa, do nosso ser mais íntimo” -, o que considera fundamental ao futuro analista. Marca a importância da diversidade no contato com os autores da psicanálise, do diálogo com a filosofia, a literatura e a psiquiatria, e do respeito à singularidade dos diferentes contextos em que a psicanálise está presente, tanto em termos de países quanto em termos de locais de atendimento (consultórios, hospitais etc.). Diversidade significa “poder principalmente interessar-se e escutar ideias”, diz ela.
Em relação à difusão da psicanálise em outros países e continentes, esclarece que “expandir não quer dizer invadir. Não é colonizar, não é levar a voz da verdade. ... É escutar a demanda” usando os recursos disponíveis, inclusive a tecnologia atual (Skype, por exemplo). Enfatiza o valor da noção de intimidade: “O espaço íntimo é o espaço para a criatividade”, tema básico para o psicanalista e para todos de modo geral. Valoriza o compromisso com os jovens em formação, pois, além de serem o futuro, costumam trabalhar em circunstâncias difíceis, com populações carentes.
Na entrevista apresentada a seguir, conversamos com Virginia sobre a estrutura da IPA e sobre sua experiência como presidente da associação.
RBP: Em 2017, você foi eleita presidente da IPA e agora, em 2018, assumiu a função. Como se vê neste momento?
Virginia: Agora, já na função de presidente, me vejo pensando nas tarefas da condução de uma instituição sob um olhar psicanalítico. Nós, psicanalistas, não temos formação para isso, pois classicamente nossa formação tem por eixo a clínica privada. Assim nasceu a psicanálise: um intenso encontro com alguém, durante certo tempo que nunca saberemos qual será, com o maior número possível de encontros, formando o par analista-paciente, que deverá acompanhar cada nova situação que se apresente. É um encontro com características muito particulares, porque se dá num espaço de intimidade. O congresso do ano passado foi sobre a intimidade, e creio ter sido muito oportuno, porque no mundo em que vivemos, especialmente para algumas pessoas, a possibilidade de ter um espaço íntimo às vezes se reduz apenas ao horário da sessão semanal. A intimidade não tem a ver somente com a formalidade de um espaço, o enquadre formal; tem a ver também com o enquadre em seus aspectos internos. Para Meltzer, o enquadre tem seu eixo no estado mental do analista. Acho válida essa definição. Ainda como jovens analistas, uma amiga e eu apresentamos um trabalho num congresso da Fepal, aqui em São Paulo, no qual definimos o enquadre como uma combinação entre o estado mental do analista e o processo de associação livre. A disposição do analista e a associação livre criam um conjunto, o que facilmente nos permite perceber quando algo falha. O importante é a noção de enquadre interno, ou seja, a possibilidade de o analista sustentar uma atitude analítica. Hoje só teríamos a acrescentar que, além do enquadre na clínica individual, trabalhamos também com outras configurações, que derivam principalmente dos estudos sobre as configurações vinculares. São as psicanálises de casal, de família, que vão além do privado, do encontro apenas entre duas pessoas, físicas.
RBP: A instituição aparece como uma questão.
Virginia: Não mudei muito, mas acho que aprendi mais, comecei a pensar sobre como gerir uma instituição quando não se vem de uma formação para isso. Portanto, acho bom haver simpósios como este, que oferecem uma oportunidade de discutir e pensar a instituição. Bolognini, o presidente anterior da ipa, propôs num documento incluir a relação com a instituição como o quarto pilar da formação analítica. Penso que ele tem razão. Nesta gestão, eu, o vice--presidente Sergio Nick e todo o Conselho estamos buscando estabelecer uma boa relação entre a IPA e cada Sociedade ou Instituto em particular, desde o começo da formação. Fazemos um intenso trabalho com a Ipso [International Psychoanalytical Studies Organization]. Fui membro do primeiro comitê da iPA-Ipso e, nesse momento, me conscientizei da importância de tal relação. Nessa direção, procuro fazer a maior quantidade possível de reuniões. Para minha surpresa, descobri que na Argentina analistas em formação não sabem que essa formação vai permitir que, em algum momento, eles venham a ser membros da ipa. Fazemos um trabalho intenso com a Ipso, pois sempre digo que os analistas em formação não são o futuro, mas o presente. Se pensarmos que são o futuro, nós os deixaremos para o futuro. Mas eles são o presente, aqueles que vão continuar o trabalho quando não estivermos mais aqui. Seria bom que todos fizessem parte da Ipso - um espaço criativo, em que se trabalha com entusiasmo -, mas nem todos são associados. Além dessa importante troca entre IPA e Ipso, há facilitações financeiras, como taxa reduzida para congressos internacionais. No ano passado, no congresso na Argentina, os membros da Ipso puderam pagar 200 dólares, em vez de 700. Em um ano de gestão e dois de eleita, o que mudou é que estou começando a entender um pouco mais a questão de gerir uma instituição tão complexa e tão grande como essa.
RBP: Você saiu da intimidade da clínica para uma instituição internacional, o que requer outro olhar. O que é mais importante em sua gestão? Quais os focos de intervenção?
Virginia: Vejamos. Mantenho o trabalho na intimidade, pois tenho uma boa clínica particular como analista. Diferentemente do que pensava, continuo trabalhando na clínica ao mesmo tempo, ou às vezes um pouco mais do que antes da ipa. A possibilidade de estar dentro dos espaços de intimidade no consultório, e também de olhar para além desses espaços, me permite ter uma visão mais ampla, que me ensinou como é difícil ter uma perspectiva internacional. Não digo global porque não me sinto muito à vontade com o tema da globalização, mas estou aprendendo muitíssimo a ter uma perspectiva internacional. Gostaríamos de melhorar nossa relação com as Sociedades componentes e também com os membros. Muitos destes veem a IPA como algo distante, que está por aí, longe e muito acima, no alto. O lema de nossa campanha é “Uma IPA para todos”. A intenção é entender a complexidade de uma instituição com muitos membros, em muitos países, diante de muitas culturas diferentes. A maioria das reuniões não são presenciais; acontecem on-line. Combinar uma reunião com Buenos Aires, Rio de Janeiro, Nova Iorque, Austrália, que têm tantas diferenças de horário entre si, é complicado. São muitos os ajustes. É necessário bastante boa vontade e tolerância com as diferenças. Não se pode impor uma única maneira de pensar, até mesmo ao marcar reuniões. É justamente disso que trata este simpósio: trabalhar e aceitar as diferenças.
RBP: Quais os pontos que chamam a sua atenção e a levam a agir neste momento?
Virginia: Bem, este é um momento muito difícil, porque o mundo está em uma enorme crise. Na América Latina, temos nossos próprios problemas. Brasil e Argentina se assemelham, com uma situação econômica crítica, uma taxa de inflação altíssima, o dólar subindo etc. Mas outros lugares do mundo também vivenciam situações críticas. Por exemplo, o que vai acontecer na Inglaterra depois que o Brexit for levado a cabo? Não sabemos. Ou o que acontece com os regimes comunistas que passaram por transições e estão indo em direções totalmente opostas? O que acontece com o problema da violência? Cada sociedade é afetada de maneira diferente, mas não sei se há algum lugar em que isso não seja um problema. Quando posso, vou até as Sociedades, trabalho, estudo, acompanho material clínico. No ano passado, estive na Finlândia, que tem uma sociedade com boa estabilidade, nível de educação altíssimo, e as situações clínicas apresentadas foram bastante similares.
O que acontece neste momento? Essa é uma questão importante a ser pensada no IPA na Comunidade, um novo setor em nossa estrutura. Há muitos membros envolvidos nesse trabalho, e os comitês da IPA sempre procuram ter um representante de cada região. Neste momento, estamos procurando integrar membros ao que será a futura quarta região, a Ásia-Pacífico. Para que se tenha uma ideia, em março deste ano houve um congresso em Calcutá, na Índia, sobre a posição da mulher e os costumes que continuam sendo mantidos nesse país. Outro tema é a imigração, uma questão de grande impacto, muito importante no campo da saúde mental. Também o trabalho com crianças e famílias, com crianças que são separadas de suas famílias. São desafios que temos de ajudar a pensar, e creio que podemos fazer intervenções. Por exemplo, existem programas com psicanalistas envolvidos nesse trabalho na Alemanha, uma impressionante atuação de Marianne Leuzinger-Bohleber, além de outros pelo mundo afora.
RBP: Foi muito interessante o fato de você ter enviado uma carta criticando a atuação de Donald Trump em relação às crianças imigrantes. Isso é muito importante.
Virginia: Claro. Essa carta é interessante, e pensei bastante ao escrevê -la. Recebi muitas sugestões para me posicionar diante de Trump. A IPA não pode opinar sobre as situações políticas internas dos países, mas pode, sim, fazer uma declaração mostrando como a psicanálise pensa os efeitos futuros de separações forçadas entre crianças e suas famílias. É preciso falar sobre isso, e foi o que fiz. Sou analista de crianças desde o início de minha clínica. Não poderia ficar de fora disso! Contamos na IPA com um comitê de comunicações, e agora há também um comitê de redes sociais para cuidar dessa tarefa. É muito dinâmica a maneira como estão trabalhando.
RBP: A IPA realmente não poderia ficar de fora.
Virginia: Embora a decisão de Trump, ao forçar a separação entre as crianças e suas famílias latinas sem documentos, tenha trazido à tona o problema, sabemos que ele não é exclusivo dos Estados Unidos. É terrível o que está acontecendo na Europa.
RBP: As questões sociais estão mais inseridas em sua gestão. É o mal-estar social mais que o mal-estar na cultura.
Virginia: É um mal-estar social em relação ao qual podemos fazer algo, pois a América Latina tem uma grande tradição no trabalho com a comunidade. Fala-se muito em outreach, mas para mim outreach faz pensar que devemos buscar as pessoas que estão fora e trazê-las até nós. Acho o contrário: nós é que temos de ir até o local de trabalho delas. No IPA na Comunidade há um comitê que se chama A IPA e as Organizações Humanitárias. Trabalhamos com a Unesco, com a Médicos Sem Fronteiras e com outras ongs. Já tínhamos um comitê na onu, mas agora a dinâmica é outra. Discutimos com a chair, Vivian Pender, que trabalha na onu, a possibilidade de organizar algum congresso ou jornada com os delegados de lá. Não sei se vamos conseguir, mas isso já foi feito no passado. O que quero lhes mostrar é como pensamos nosso trabalho. Sempre precisamos de gente, de pessoas que colaborem conosco. São três os requisitos para trabalhar num comitê da ipa: falar inglês suficientemente para que possa haver uma conversa, dominar o básico da tecnologia para atividades on-line e ter vontade de trabalhar, não só de ocupar um cargo.
RBP: A ideia do mal-estar social vai influenciar os temas de congressos?
Virginia: Acho que sim. Foi importante quando pudemos decidir o tema do próximo congresso, O feminino. Isso nos dá algo mais inclusivo. É sempre necessário pôr um título para que encontrem lugar os que querem expressar o que têm a dizer. O congresso de 2021, depois de Londres, será em Vancouver, no Canadá. Um congresso exige um trabalho enorme, mas é muito interessante. Nós só escolhemos o tema/título, conversamos com o comitê, que tem Sergio Nick no comando, e a partir daí não interferimos em mais nada. O comitê tem autonomia para desenvolver o congresso.
RBP: É interessante ouvir sobre essa abrangente participação da IPA, porque, de fato, muitas vezes não sabemos o quanto vocês estão avançados em sua programação e prática. Essas informações terão boa repercussão na Sociedade.
Virginia: A comunicação é importante. As informações são enviadas pela IPA aos presidentes, e se pede que haja divulgação. Não sabemos como acontece em cada lugar. Ouço reclamações de que mandamos tudo em inglês. Não é verdade. Os comunicados vão primeiro em inglês, que é o idioma comum para o trabalho, e depois há tradução para diversas línguas. Inclusive, o comunicado sobre a separação das crianças foi escrito em espanhol e depois traduzido para cerca de oito idiomas, entre eles grego, hebraico e português. Seria muito bom se todos pudessem saber como a IPA está organizada. Pretendo divulgar um material com essas informações. Não é propaganda. Não sou a favor de utilizar técnicas de marketing, pois a psicanálise não pode ser vendida.
RBP: Quais seriam os pontos propostos pela IPA?
Virginia: Temos como principais objetivos fazer esse trabalho e levar adiante o plano do IPA na Comunidade, ou seja, levar o pensamento psica-nalítico aos lugares em que sobretudo os mais jovens estão trabalhando em situações muito difíceis.
RBP: IPA na Comunidade? Que os analistas possam agir e pensar em sua função social?
Virginia: Claro. Mesmo se não forem até a comunidade, precisam poder pensar a partir desse vértice. Demos o primeiro passo, um lugar na estrutura da ipa, dentro dos comitês da ipa. Para que a marca da psicanálise fique na comunidade, deve haver uma estrutura. Esperamos que os que venham depois mantenham isso. Claro que todos não precisam ir pessoalmente, mas ter uma presença ativa e pensá-la, isso sim. Esse é um trabalho necessário, que acontece na América Latina e em outros lugares também. Por exemplo, dentro do IPA na Comunidade está o IPA Educação, que alcança a pré-escola, a escola primária, a escola secundária e a universidade. Cada um tem um subcomitê formado por um membro de cada região, uma estrutura grande. Há ainda o IPA na Saúde, que visa à saúde mental e geral.
RBP: Esse é o primeiro ponto.
Virginia: Primeiro ponto, comunidade. Depois, intensificar o trabalho com os analistas em formação, algum projeto de trabalho colaborativo com a Ipso. E procurar o envolvimento de todas as regiões.
RBP: O que pensa em relação à formação?
Virginia: Por definição, uma das tarefas da IPA é prover uma formação de excelência, o que inclui a possibilidade de escolha entre diferentes caminhos. Essa formação exige imersão em análise por alguns anos e intenso compromisso emocional, econômico e de tempo. Mediante anos de formação analítica, você se torna psicanalista. Não se é psicanalista; é preciso tornar-se psicanalista. É um compromisso complexo, e cada um tem a liberdade para assumi-lo ou não. Creio que essa é uma das funções da ipa.
No último dia da administração de Bolognini, ocorreu uma votação e foi aprovada a possibilidade de haver variações no modelo Eitingon, o que gerou uma gama maior de escolhas. A mudança na frequência das sessões diz respeito apenas a um dos aspectos do modelo de formação, mas não toca no cerne da questão. Para poder continuar a trabalhar também em outros aspectos foi criado o comitê Educação Psicanalítica.
Fiz a formação quando jovem, com filhos pequenos, e sei bem como diminui o tempo dedicado à família. Para mim, os anos de formação foram complexos, difíceis, mas, olhando para trás, essa é uma oportunidade única de imersão na psicanálise. Talvez a pessoa não consiga valorizá-la enquanto acontece porque tem muito a estudar, tem seminários e supervisões. Para mim, é algo que continua valendo a pena. É importante pensar que psicanálise está sendo ensinada atualmente, conhecer melhor os programas de formação.
RBP: A psicanálise de crianças, a psicanálise de família, a observação de bebês foram de algum modo incluídas na formação?
Virginia: Fui membro do Comitê de Criança e Adolescente, co-chair pela América Latina e depois chair. Ao término desse período, constituiu-se um comitê para formação integrada, no qual se trabalhou muitíssimo, por quatro anos. Há anos existe a possibilidade de o Instituto oferecer formação em análise de crianças, adolescentes e adultos ao mesmo tempo. A única coisa que o Instituto tem de fazer é implementá-la, isto é, fazer um programa e enviá-lo ao Comitê de Criança e Adolescente para que o Comitê de Educação o estude. Apesar de existir, essa é uma possibilidade que geralmente as pessoas não conhecem.
Esse é o tema do programa Psicanálise em Outras Configurações. Pertenço a uma Sociedade em que estavam Isidoro Berenstein, Janine Puget, autores de psicanálise de família. Portanto, para nós, isso é algo já resolvido. Quando estávamos no board, acompanhei um pouco Berenstein, e a primeira atividade que aconteceu nessa área foi um working group de casal e família. Em seguida, esse grupo evoluiu para o Comitê de Casal e Família.
Cada Instituto tem liberdade para desenvolver seu próprio programa, e caberá à Sociedade incluí-lo ou não. Acho que a inclusão vai acabar acontecendo, pois é necessário que se trabalhe com os pais e a família em paralelo ao trabalho psicanalítico com crianças ou adolescentes. Quando jovem, minha supervisora me dizia para receber os pais uma vez por ano. Bem, isso agora mudou muitíssimo. Mas tudo vai depender de como cada um se instrumenta.
Entendo que a psicanálise também precisa poder pensar o institucional. E há psicanalistas que se dedicam a pensar o institucional a partir de um ponto de vista psicanalítico. Isso é algo necessário.
RBP: Você fala da imersão da psicanálise na clínica padrão. Pode-se pensar também na clínica ligada à saúde pública, uma clínica fora dos consultórios particulares?
Virginia: Esta é a meta do programa: levar o pensamento psicanalítico aos locais de saúde pública onde trabalham os jovens. Quando chair do Comitê de Criança e Adolescente, organizei um encontro com apoio financeiro do Capsa [Committee on Analytic Practice and Scientific Activities], o que permitiu a participação de Florence Guignard, da Europa, e de Jim Herzog, dos Estados Unidos. Fomos a um hospital público de crianças. Eles apresentaram as visões francesa e americana da psicanálise sobre uma situação clínica relatada por uma residente. Não gosto de dizer um caso. Era uma situação clínica, uma menina de 9 anos psicótica, com produção delirante, atendida uma ou duas vezes por semana. Foi impressionante a quantidade de pessoas interessadas que compareceram - médicos, pessoas do serviço de psicopato-logia, psiquiatras, pediatras que vinham com avental e estetoscópio. Também, muitos jovens. Pelo terceiro ano consecutivo, fui convidada para o Congresso Argentino de Psiquiatria. Havia 6 mil inscritos! Nós não temos financiamento suficiente para reunir tantas pessoas. É preciso aproveitar oportunidades como essas para estabelecer um diálogo, mostrar como pensamos, principalmente para os jovens da psiquiatria, pois só medicar não é suficiente. Nem nós nem os psiquiatras temos a solução, e por isso são importantes a aproximação e o diálogo. Não é difícil conversar; o difícil é escutar. Nós, que somos psicanalistas, que trabalhamos com a escuta, temos de reafirmar como é difícil escutar um outro, que pensa diferente.
RBP: Como presidente da IPA, você tem a oportunidade de conhecer a psicanálise em diferentes regiões. Existe uma marca da psicanálise latino-americana?
Virginia: Sim, há uma marca forte. Os pioneiros da psicanálise latino-americana sempre tiveram, e continuam tendo, um pensamento muito produtivo. São várias correntes. Por exemplo, o modelo do campo psicanalítico dos Baranger se tornou conhecido e aceito por Antonino Ferro e outros. Também as ideias de Bleger. O trabalho na comunidade tem forte tradição, assim como a psicanálise de crianças e a observação de bebês.
RBP: A IPA tem mais de 100 anos. Na época em que a psicanálise praticamente acontecia no interior da associação, o aspecto de órgão regulador era o que predominava. Hoje sabemos que isso mudou, e sua fala esclarece que a IPA tem muito mais funções do que apenas a regulamentação.
Virginia: Sim, a regulamentação é uma das funções, e há diferentes maneiras de entender essa função. Na realidade, trata-se de requisitos mínimos, mas as pessoas acreditam que há um significativo controle regulamentário. Considero importante diferenciar a formação da prática clínica que acontece após a formação. Para a prática de cada um, a IPA não tem nenhum tipo de regulamentação. Nem deve ter. O cuidado é com a qualidade da formação recebida por aquele que quer se tornar, que quer ser, psicanalista.
RBP: É interessante e importante esse esclarecimento, pois não era o que pensávamos.
Virginia: Há três grupos de trabalho: um sobre representação, um sobre implementação das variações no modelo Eitingon para novos grupos e o Collegial Quality Assessment, que busca promover maior intercâmbio e mais valoração entre pares, não um oversight, um olhar vindo hierarquicamente de cima. Gostaria de saber como os Institutos percebem essa atuação.
RBP: E como pensa a psicanálise política?
Virginia: É muito conhecida a frase “O pessoal é político”. Não sei o que poderia ficar fora da política. Você fala em política, e as pessoas associam isso a partido político, orientação política. Mas também se usa a palavra política para as políticas de intervenção, de distribuição, para a economia. O que é economia? É política econômica, é como se distribuem os recursos. Logo, a política faz parte de nossa vida cotidiana, de nossa vida institucional, e é com isso que temos de lidar, o que não quer dizer que é preciso fazer pronunciamentos políticos sobre as situações internas dos diferentes países. Isso não é possível.
RBP: Como a IPA trabalha a questão editorial, no incentivo e promoção de autores do campo psicanalítico, indo além das revistas e dos jornais ligados às Sociedades? Creio que um grande mal-entendido é dizer que o International Journal of Psychoanalysis é o meio de comunicação oficial da ipa.
Virginia: O International Journal of Psychoanalysis, uma iniciativa da Sociedade Britânica de Psicanálise, é uma editora, tem tradição, um nível acadêmico importante. A administração anterior iniciou um projeto - que precisa de apoio para continuar, pois tem alto custo - chamado Psychoanalysis Today, um e-journal traduzido para quatro idiomas: espanhol, alemão, francês e inglês. Para acessá-lo, basta dar um clique. Seria importante difundir mais esse projeto, porque ele é muito valioso. Outro projeto de Bolognini é o Dicionário enciclopédico de psicanálise, que eu os convido a visitar, pois é muito interessante. Um conceito é discutido por três debatedores de três regiões diferentes e depois é publicado. É um trabalho grupal não muito conhecido.
RBP: Sempre on-line?
Virginia: Sim. Tudo precisa ser on-line agora, claro.
RBP: E, para terminar, Virginia Ungar nos convida a conversar, a conhecer mais a IPA, on-line, caso seja necessário algum esclarecimento.
Boa conversa. Obrigado.
1 Entrevista realizada na Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo durante o 1.° Simpósio Bienal da SBPSP, O mesmo, o outro: psicanálise em movimento, em 5 de setembro de 2018.
2 Médica psicanalista, membro titular com função didática da Associação Psicanalítica de Buenos Aires (APdeBA), psicanalista de crianças e adolescentes. Atualmente é presidente da Associação Psicanalítica Internacional (IPA), sendo a primeira mulher a ocupar essa função desde que a associação foi fundada, em 1910.