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Aletheia

Print version ISSN 1413-0394

Aletheia  no.21 Canoas June 2005

 

ARTIGOS DE PESQUISA

 

O acompanhamento familiar antes e depois da morte da criança: uma proposta de intervenção para o psicólogo hospitalar

 

The family accompaniment before and after the child's death: an intervention proposal for the hospital psychologist

 

 

Simone D. A. Bolze 1; Luciana Castoldi 2

Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho discute o papel do psicólogo hospitalar no acompanhamento familiar antes e depois da morte de uma criança. O estudo baseia-se num caso de oncologia pediátrica, e propõe diferentes possibilidades de intervenção junto a famílias nesta situação. Sugere-se a importância da assistência psicológica por parte do hospital nestes casos.

Palavras-chave: Hospital, Morte infantil, Visita domiciliar.


ABSTRACT

This paper discusses the psychologist's role in the family's treatment before and after a child's death. The study is based on a case of a pediatric oncology patient and proposes different possibilities of interventions with families in this situation. It is suggested as important that the family who looses a child receive psychological assistance from the hospital.

Keywords: Hospital, Children death, Home visit.


 

 

A família de uma criança com diagnóstico de doença grave apresenta intenso sofrimento. Enfrentar o tratamento e acompanhar o padecimento da criança são tarefas que tornam o apoio psicológico imprescindível. Além disso, no caso de falecimento da criança, faz-se necessário que toda a família receba suporte para elaboração do luto.

Desta forma, refletir sobre o sofrimento psíquico familiar que envolve o morrer e as diferentes possibilidades de setting e intervenções para o psicólogo do hospital antes e depois da morte da criança, é o objetivo deste trabalho. Para tanto, será apresentado um recorte de uma intervenção familiar a partir de um caso clínico de uma paciente da Pediatria Oncológica de um Hospital de crianças situado no sul do Brasil, durante estágio curricular do curso de Psicologia. Neste sentido, procurou-se desenvolver um olhar amplo sobre o caso estudado, observando os aspectos familiares envolvidos antes e depois da morte da criança Considera-se, também, o ambiente hospitalar que apresenta um setting completamente diferenciado da clínica psicológica tradicional, e as possibilidades de reconfiguração do lugar que ocupa a Psicologia Hospitalar. Contatos telefônicos, internet e visitas domiciliares, após a morte da criança são apresentados como possibilidades de intervenção.

 

A família enlutada

Busco a Ana (nome fictício) em todos os lugares em que antes a encontrava, e agora não mais... Sinto no João, no Pedro e na Joana estes mesmos sentimentos, e não podemos fazer nada para nos ajudar uns aos outros. A Ana é uma peça fundamental na nossa vida, não estamos conseguindo viver bem (normal) sem ela*.

A morte de um filho é considerada fora de tempo, uma monstruosidade que vai contra a ordem natural das coisas. O luto dos pais costuma tomar proporções de sofrimento muito intensas porque afeta as dimensões individual, de sua relação com o parceiro(a), familiar e social. Os pais sentem como se tivessem perdido um pedaço de si mesmos (Viorst, 1988).

O luto não começa com a morte. Ele já estará sendo determinado a partir da qualidade das relações familiares existentes antes dela, pela qualidade dos vínculos estabelecidos e, também, afetado por condições atuantes mais próximas à morte propriamente dita. O luto, mesmo quando considerado normal, não significa que não seja doloroso ou que não exija um grande esforço de adaptação às novas condições de vida, tanto por parte de cada um dos indivíduos afetados quanto no sistema familiar, que também sofre impacto em seu funcionamento e em sua identidade (Bromberg, 1994).

Considera-se uma reação comum na pessoa enlutada seguir o destino do objeto, morrer para não se separar. Portanto, a psicoterapia faz-se necessária para trabalhar com essa reação, de modo a permitir à pessoa enlutada que retome sua identidade, agora já sem o objeto (Aberastury, 1984).

Hoje está fazendo dois meses sem nossa filha perto de nós. A saudade é imensa e quase desesperadora. Eu sei que se pudesse, você como os nossos amigos trariam ela de volta para nós, sei que foi feito tudo para que ela hoje estivesse irradiando toda aquela alegria e amor, sei também que isto não é possível*.

O tipo de luto mais encontrado entre pais e mães é o luto crônico. Embora a intensidade do sofrimento pareça diminuir com o tempo, não há nada que corte o senso de continuar a ligação com o filho morto. Sendo assim, o enlutamento pela perda de um filho é para sempre. O apoio psicológico é muito importante nos casos de lutos crônicos, a fim de impedir que estes pais possam desenvolver sérios distúrbios psicológicos ou até mesmo psiquiátricos (Castellato, 2002).

A adaptação se dá com os recursos disponíveis pela família, mas há vezes em que se faz necessária uma intervenção psicológica, que pode ser em caráter de aconselhamento ou psicoterapia. O trabalho de aconselhamento visa ao estabelecimento de uma condição de vida em padrões muito semelhantes aos existentes antes da perda, contando, para isso, com recursos do psiquismo do enlutado e também com sua rede de suporte social, como família e amigos. A família beneficia-se grandemente da oportunidade de expressar tristeza, de se assegurar da normalidade da ocorrência de reações fisiológicas ao luto e de tomar nas mãos sua condição de vida presente para começar a pensar em novas direções (Bromberg, 1994).

Especialistas recomendam que sejam traçados padrões de adaptação à morte como parte de uma rotina de avaliação do funcionamento familiar. Como recursos técnicos da terapia com famílias enlutadas, indicam-se ações como: fazer visitas ao cemitério; escrever cartas ao morto, ou aos vivos, falando do morto; olhar antigas fotografias e fazer um álbum; decidir quais pertences quer manter ou não; conversar com parentes sobre a perda (Bromberg, 1994; Walsh & McGoldrick, 1991).

A adaptação não tem uma escala ou seqüência fixa, bem como perdas traumáticas ou significativas podem nunca ser totalmente resolvidas. Portanto, seria um equívoco impor um tempo para um processo tão complexo como o luto, dada a diversidade dos estilos familiares e individuais de enfrentamento. Os múltiplos sentidos de qualquer morte são transformados durante todo o ciclo de vida, à medida que são vivenciados e integrados com as experiências vitais, incluindo, obviamente, outras perdas. Entretanto, a morte de uma criança pequena tende a ser profundamente perturbadora para a família inteira. O sofrimento tende a persistir por anos a fio, e pode até mesmo se intensificar com a passagem do tempo (Walsh & McGoldrick, 1998).

As pessoas nos perguntam como estamos, o que me vem à mente quando nos perguntam se estamos bem é “não”, não estamos bem, estamos com saudades da nossa filha e sentimos muito a falta dela. A vida sem ela é desestruturada, falta... É duro ter de conviver com a falta... É assim que estamos... estávamos esperando melhorar um pouco para ligar ou escrever, mas acredito que não vai melhorar, precisamos aprender a lidar com isso sempre*.

Ajudar as famílias a lidar com a morte é um aspecto central da terapia familiar. Com uma freqüência surpreendente, os sintomas refletem a dificuldade de uma família em se adaptar à perda e seguir em frente. Com isso, quando os membros da família se comunicam abertamente sobre uma morte (independente de suas circunstâncias) e participam juntos de rituais culturalmente significativos (ritos funerários e visitas ao túmulo, por exemplo), a morte se torna mais fácil de integrar (Walsh & McGoldrick, 1998).

 

Método

Delineamento

Trata-se de um estudo de natureza qualitativa, baseado na metodologia de estudo de caso único. A pesquisa qualitativa, segundo Minayo (2000), não pretende a generalização dos dados, mas a análise abrangente em profundidade.

Participantes

Será apresentado o caso de uma família proveniente do interior de um estado do sul do Brasil, sendo composta pelos pais, João e Salomé, um filho de 12 anos, Pedro, e duas filhas, Ana Maria e Joana, de 4 e 2 anos, respectivamente. Essa família esteve em acompanhamento psicológico em Hospital Pediátrico devido ao fato de Ana estar em tratamento quimioterápico por câncer. O pai administra uma imobiliária e é ex-bancário, tendo saído deste emprego com o PDV (Plano de Demissão Voluntária). A mãe é microempresária. A família pode ser considerada como de classe média e todos os seus membros têm plano de saúde. É importante ressaltar que na cidade moram também os avós maternos, a avó paterna e vários tios e primos, e todos esses se mostraram solícitos e presentes durante o tratamento da paciente.

Todos os nomes e dados que identificam a família foram alterados, por questões éticas, para preservar as identidades dos sujeitos.

Procedimentos

- Antes do óbito: No período de 7 meses, de segunda à sexta-feira, foram realizadas visitas diárias à paciente enquanto essa se encontrava internada no hospital. Foi realizado acompanhamento psicológico à paciente, aos pais, irmãos e demais familiares.

- Após o óbito: Foram realizados 3 contatos telefônicos, 8 contatos via E-mail e 1 visita domiciliar à família da paciente.

O referencial teórico utilizado foi de Psicoterapia de Apoio que é indicada a indivíduos que estejam atravessando crises agudas de qualquer natureza, como luto, doença física grave, ou doenças crônicas incapacitantes. A Psicoterapia de Apoio objetiva o alívio dos sintomas e a mudança do comportamento manifesto, sem ênfase na modificação da personalidade ou na resolução do conflito inconsciente. Neste sentido, essa abordagem consiste no reforço de mecanismos de defesa adaptativos e dos aspectos sadios, propondo o exame das diferentes defesas úteis do indivíduo, reforçando-as e encorajando-as, em vez de desfazê-las. No que se refere à postura do terapeuta, este assume uma posição de autoridade, proporciona orientação, apoio e teste da realidade (Dewald, 1981; Hellerstein, 1994; Cordiolli, 1998).

 

Resultados


Os resultados serão apresentados no capítulo que segue, articulados com a revisão de literatura e com os comentários da autora. Optou-se por relatar o caso em primeira pessoa para destacar a intensidade do envolvimento da relação terapêutica estabelecida.

O acompanhamento familiar antes da morte da criança

Iniciei o acompanhamento psicológico a paciente Ana Maria em outubro de 2003, por solicitação da equipe médica. O pedido partiu da oncologista da equipe, que me explicou que Ana havia passado por um transplante de medula óssea autogênico3 meses antes em virtude de neuroblastoma4 , não recebendo nenhum tipo de acompanhamento da Psicologia na época. Desta vez, a equipe pediu o acompanhamento à paciente e a seus pais por razão da recidiva da doença e do péssimo prognóstico.

Aproveitei para fazer o primeiro atendimento aos pais enquanto a menina brincava na recreação, logo após a consulta com a médica que, naquela ocasião, explicou a eles serem mínimas as suas chances de sobrevivência. Quando entrei no quarto, percebi os pais transtornados com a conversa que haviam acabado de ter com a médica. Apresentei-me e coloquei-me à disposição deles para que pudessem falar de tudo que sentiam naquele momento. Nesse dia, a mãe falou que não conseguia enxergar sua filha doente, que quando olhava para ela, via a vida e não a morte. Na fala da mãe, pude perceber que esta passava por um processo de negação, o qual, segundo Kübler-Ross5 (1997), é muito comum em pacientes ou pais que recebem diagnósticos de doenças terminais. Já o pai parecia ter compreendido melhor o que a médica havia explicado. Ele chorava, dizendo que não conseguia imaginar como seria sua vida sem a filha.

O tempo foi passando e eu consegui me vincular bem com a menina e com sua família. Realizei acompanhamento psicológico à paciente, aos pais, ao irmão e às avós materna e paterna. A mãe ficava tempo integral com Ana no Hospital, e os outros familiares ficavam se revezando, para fazer-lhe companhia. A mãe mostrava-se uma pessoa com muita necessidade de falar e repetia-se o tempo todo. Passava para as pessoas ao seu redor a imagem de que estava sempre bem, de ser forte e de que a situação não era tão grave quanto parecia. O pai mostrava-se calmo e tranqüilo, mais disponível para falar sobre seus sentimentos e sofrimento com relação à doença da filha.

Após algumas semanas de internação, o estado de saúde de Ana agravou-se e ela teve que ser transferida para Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) para uma melhor assistência. Ana passou por períodos bem críticos enquanto internada na UTI, chegou a ter uma parada cardíaca e os médicos pediram-me para preparar os pais para o óbito.

Apesar de o hospital já promover um setting diferenciado, como já foi citado anteriormente, a UTI pode ser considerada como o lugar mais complicado para se realizar atendimentos psicoterápicos. Os pacientes ficam em boxes envidraçados, justamente para que a equipe tenha visibilidade do que acontece com cada um. Portanto, se o familiar chora ao conversar com o terapeuta, toda a equipe percebe e algumas pessoas escutam o que se fala. Além disso, em certa ocasião, enquanto atendia a mãe de Ana na UTI, fiquei de frente para o box ao lado e presenciei uma situação de emergência envolvendo outra paciente, o que dificultou minha concentração no discurso daquela mãe.

A religiosidade caracteriza a família de Ana, sendo o pai católico e a mãe luterana. Eles praticam as duas religiões, inclusive recebendo visitas de um padre católico e de um pastor evangélico enquanto estavam no Hospital. A religiosidade da família parece ter contribuído para ao trabalho de preparação da família para o óbito da criança. Segundo Granha (2000), diante de um grande sofrimento e da possibilidade de perda dos seres amados, a religião cumpre, entre outras, a função de defesa, aplacando a angústia que o sujeito vive, evitando assim a “loucura”. De acordo com a autora, o profissional vai escutar pacientes e familiares, que muitas vezes, ao falarem das questões que os afligem, deparam-se com a inevitabilidade da morte enquanto universal, e também com a possibilidade de encontrar recursos para se lidar com essa realidade.

Quando iniciei conversas a respeito da gravidade do estado de saúde de Ana, expondo a sua família a possibilidade real de a menina falecer, percebi que o pai logo compreendeu a iminência da morte de sua filha. Novamente, ele chorou muito, falou sobre o quanto ela era especial e parecida com ele, questionou o que ele havia feito de errado para merecer isso, demonstrando culpa pela doença da menina. Nesse momento, o pai relatou ter processado o banco onde trabalhava quando se sentiu pressionado a pedir o PDV e levantou a hipótese de a doença da filha ter sido um castigo em virtude desse fato, já que todo o dinheiro que ganhara com o processo fora investido no tratamento.

A mãe, pelo contrário, mostrou-se mais irredutível, dizendo que Ana não iria morrer, que isso não era a vontade de Deus. Com isso, eu a questionei: Tu já pensaste que, talvez, a vontade de Deus não seja a tua vontade? A mãe, apesar de nossas longas conversas, continuou por alguns dias nesse processo de negação. Em seguida, ela passou pela fase de barganha, também descrita por Kübler-Ross (1997), na qual fazia todo o tipo de propostas à equipe médica para que curassem sua filha. Entretanto, à medida que a menina foi piorando, a mãe foi mudando o seu discurso. Finalmente, nos últimos dias, me disse que havia lido vários trechos da Bíblia e que havia compreendido que o que estava faltando era ela conseguir entregar sua filha a Deus. Nesse momento, ela citou o exemplo de Abraão6 , que por sua fé, entregou seu filho em sacrifício a Deus e relacionou esta história com a de Lázaro7 , que foi ressuscitado por Jesus. Neste dia, nós conversamos sobre como seria a vida da família após a morte de Ana, como se explicaria a ausência da irmã para a filha menor e sobre a falta que ela faria.

A fé parece ser uma importante aliada no processo de enfrentamento da existência. Ela pode auxiliar o indivíduo a obter, ou conservar, a esperança, além de ajudá-lo a encontrar um sentido para a vida e para a doença, bem como facilitar a emergência de recursos psicológicos importantes para combater a enfermidade (Horta, Neme, Capote & Gibran, 2003).

Para estes autores, as crenças podem ser compreendidas como configurações cognitivas individuais, compartilhadas com outros indivíduos da mesma cultura, e também como concepções preexistentes da realidade. As crenças pessoais podem ser construídas a partir da experiência individual ou grupal, ou fundamentar-se na fé.

Aos poucos, o estado de saúde de Ana melhorou e ela recebeu alta da UTI, sendo transferida para o quarto. A melhora da menina animou a família a tentar uma última alternativa em seu tratamento. Eles tiveram conhecimento de um projeto experimental desenvolvido por um oncologista de um hospital da região sudeste do Brasil, o qual consiste em uma vacina para ser aplicada em pacientes com câncer terminal, que pode ou não significar a cura dos mesmos. Então, os pais iniciaram uma corrida contra o tempo, entrando em contato com este médico, informando-se sobre a vacina e sobre os procedimentos para buscá-la e aplicá-la na menina. Com todos os detalhes burocráticos acertados, o medicamento foi aplicado em Ana. Após este procedimento, o estado de saúde da paciente melhorou razoavelmente e Ana teve alta.

A maioria dos atendimentos realizados tinha como setting o quarto de Ana, que se caracterizava por estar quase sempre escuro, com as janelas fechadas e com uma mínima luz acesa. Muitos atendimentos ocorreram na total penumbra, pois os pais alegavam que a menina se incomodava com a claridade. Entretanto, no dia em que a vacina foi aplicada, a janela foi completamente aberta e, pela primeira vez em muito tempo, vi uma luz entrando naquele lugar, uma luz que entendi como a esperança dos pais por terem trazido uma nova possibilidade de vida para a filha.

Após duas semanas, Ana retornou ao Hospital sentindo fortes dores na região abdominal e sem movimento dos membros inferiores. A hipótese diagnóstica foi de que o tumor estivesse pressionando a medula. A possibilidade de se iniciar radioterapia na coluna foi logo descartada, pois só traria mais sofrimento para a menina. Nesta internação, apesar da dor, Ana mostrava-se disposta a conversar e brincar, como há muito tempo não se via. Foram feitos mais alguns exames, e os médicos verificaram metástases em vários pontos do corpo, incluindo coluna, pulmões e tronco cerebral. Sendo assim, a equipe chamou os pais para uma reunião, explicando que a menina teria poucos dias de vida. Os pais sentiram-se novamente frustrados, pois perceberam que a vacina não fizera o efeito pretendido. Nesse momento, o meu trabalho foi o de psicoterapia de apoio, revendo com eles o quanto haviam lutado junto com a filha nesses últimos dois anos para que ela tivesse o melhor tratamento e acesso a todos os recursos disponíveis. O pai, demonstrando profunda tristeza, verbalizou: Eu não sei, eu não sinto que eu já tenha feito tudo que eu podia, talvez nós podíamos tentar ir para os Estados Unidos... A sensação que eu tenho é que eu não posso sair inteiro dessa guerra. Ao final da sessão, eu expliquei aos pais sobre a importância de conversarem com os outros familiares, principalmente com o filho mais velho, para que estivessem a par do estado clínico de Ana.

No dia seguinte, os pais me pediram para conversar com Pedro, irmão de Ana, pois eles já haviam explicado que o estado da menina era grave, mas que talvez eu pudesse ajudar. Para essa conversa, o convidei para ir comigo à sala do Serviço de Psicologia, pois sabia que lá haveria um ambiente mais tranqüilo. Tal conversa foi muito serena e ele pareceu ser um menino maduro, apesar da pouca idade, demonstrando ter compreendido tudo o que expliquei, fazendo-me perguntas e esclarecendo suas dúvidas. O menino aproveitou para queixar-se da falta que sentia dos pais, pois estes estavam dedicando-se somente à Ana nos últimos tempos, e ele e a outra irmã tinham ficado sob os cuidados dos avós. Nesta ocasião, procurei refletir com ele se ele ou a irmã menor teriam recebido a mesma atenção e cuidados por parte dos pais caso um deles tivesse a doença de Ana e ele concluiu que sim, demonstrando certeza de que os pais os amavam tanto quanto a irmã enferma.

No final de semana, dois dias após esse último atendimento à família, Ana morreu.

Durante os sete meses que acompanhei Ana e sua família, passei a pensar e estudar tudo que envolve ter um dos membros da família com uma doença terminal. A partir do óbito da menina, passei a questionar o tipo de relação terapeuta-paciente-família que se estabelece no ambiente hospitalar.

Ribeiro (1994) afirma que a família de um paciente terminal tem sido vista como um agente importante nos cuidados necessários ao paciente. Chega-se a propor que a família é um paciente também, e que deve ser assistida cuidadosamente pela equipe de saúde, denominando-a “paciente do segundo escalão”. De acordo com a autora, muitas vezes o psicólogo terá que dedicar mais tempo à família do que ao paciente propriamente dito, como foi no caso de Ana.

Durante o período em que Ana esteve internada, eu atendia sua família todos os dias em diferentes settings do hospital (quarto, corredor, capela, pátio, sala do Serviço de Psicologia, etc) e sabia que aquela família tinha estabelecido um vínculo muito forte comigo, bem como com outros membros da equipe de saúde. Portanto, passei a questionar de que forma podemos atender melhor esta família e até que ponto pode ir a intervenção do psicólogo hospitalar.

Leitão (1993) pontua que o familiar, pelo investimento emocional durante a hospitalização, precisa ser orientado e apoiado, caso se desorganize. As características pessoais desse familiar, adicionadas à angústia e ao medo, sentimentos naturais do acompanhamento a uma hospitalização, proporcionam uma dinâmica bastante complexa. A situação pode evoluir ao nível de desestruturação familiar, quando outros membros possam necessitar de apoio. Ela sugere que se faça por algum tempo, quando o paciente vai a óbito, o acompanhamento psicológico à família, individualmente ou em grupo.

Espíndula e Valle (2002) afirmam que a nossa cultura ocidental carece, na área da saúde, de recursos que facilitem viver esse período da doença de forma mais humanizada. Segundo elas, no momento da morte, faz-se necessário um trabalho de apoio dos profissionais da equipe de Oncologia Pediátrica com todos os envolvidos, para que possam lidar com as necessidades dos pais, possibilitando aliviar as situações conflitantes e enfrentá-las de forma mais adequada.

O acompanhamento familiar depois da morte da criança: possibilidades de intervenção

A família de Ana já não estava mais no hospital quando eu cheguei na segunda-feira pela manhã, pois o óbito ocorreu no domingo. Conversando com alguns colegas da equipe, fiquei sabendo de alguns fatos que haviam acontecido no momento da morte da paciente. A equipe de enfermagem contou que o pai tentou ressuscitá-la, pedindo para que a filha voltasse. Segundo relatos, foi um momento triste não só para a família, mas também para toda a equipe que já acompanhava o caso há quase dois anos. A partir disso, percebi como seria difícil para essa família viver o luto da perda da menina e, além disso, perder tão repentinamente essa rede de relações que eles haviam estabelecido no hospital.

Fico confusa em relação ao tempo, pois quanto mais o tempo passa parece tudo piorar, não sei como lidar com isso... Por outro lado, o contato com os amigos nos faz bem. Muito mais do que eu pudesse imaginar, cada palavra das meninas do hospital e de tudo que lembra os momentos felizes com a Ana nos conforta*.

A família enlutada não sofre somente a perda de seu ente querido, mas também a perda da quebra do convívio com pessoas que haviam feito parte de sua convivência diária nos últimos tempos. Sendo assim, decidi iniciar uma intervenção diferenciada, utilizando contatos telefônicos, E-mails e uma visita domiciliar à família de Ana.

Ribeiro (1994) pontua que é importante um contato com a família após a morte do paciente que atendíamos. Para ela, esse encontro permite o falar sobre a pessoa que morreu, trabalhar eventuais sensações de culpa, dúvidas que surgem (se foi feito tudo que devia ser feito), enfim, um encontro que deve ser proposto ou pelo terapeuta ou pela família, mas sempre respeitando o desejo desta última, caso esta não queira realizá-lo.

Worden (1998) propõe o “aconselhamento do luto” para famílias nas quais ocorreu a morte de um dos pais ou de uma criança, e diz que este não necessariamente deve acontecer num ambiente profissional. Segundo ele, esta técnica pode ser feita em várias partes do hospital, inclusive no seu jardim e em muitos outros ambientes informais. Para o autor, um ambiente que pode ser utilizado de forma muito eficaz é a casa da pessoa; profissionais que fazem visitas domiciliares podem achar que este é o ambiente mais adequado para suas intervenções. O autor cita Parkes (1980), que afirma que visitas domiciliares não podem ser substituídas por contatos telefônicos ou consultas no consultório.

Kirsch & Brandt (2002) também utilizaram contatos telefônicos e visitas domiciliares para coletar dados dos pais sobre a relação dos filhos com a mãe acometida por câncer de mama.

A dor da distância dela é enorme.  Mas o consolo de saber que agora ela não sofre mais é o que nos move. A graça de termos feito amigos tão lindos nesta caminhada de luta pela saúde da Ana é o que nos abraça, nos mantêm lúcidos para continuar a vida. Falamos e pensamos em você, nos amigos do hospital, todos os dias*.

Essas formas de abordagens terapêuticas ainda são pouco difundidas no Brasil. O uso da tecnologia como auxiliar do psicólogo ainda soa estranho, e as visitas domiciliares estão sendo, aos poucos, instituídas por profissionais das áreas de Psicologia Social e Comunitária. Sendo assim, decidi ligar para a família de Ana uma semana após sua morte. A minha idéia, num primeiro momento, era fazer a manutenção do vínculo.

Contatos telefônicos e via Internet

Muito obrigada por lembrar-se de nós e num momento tão difícil como este que estamos passando. Pensei muitas vezes em ligar para conversar, mas fica aquela dúvida de qual melhor horário ligar ou se vamos atrapalhar... A saudade da Ana aumenta a cada dia, junto com a dor da ausência que se transforma em quase desespero*.

No primeiro telefonema, sete dias após o óbito, falei com o irmão de Ana, que contou que o pai já havia retornado ao trabalho, mas que a mãe ainda não, e que esta chorava muito pelos cantos da casa. Na conversa com ele, percebi que ele parecia estar elaborando melhor do que os pais a morte da irmã e fiquei satisfeita por ter tido tempo de trabalhar com ele essa questão.

Na segunda ligação, quinze dias após a primeira, conversei com a mãe de Ana, que me recebeu dizendo que o meu telefonema era a melhor coisa que havia acontecido naquele dia. Quando perguntei como as coisas estavam, ela respondeu que muito difíceis, que sentia saudades de Ana e que doía saber que não havia mais nada que pudesse fazer, afirmando que preferia ficar anos internada com a filha no hospital, porque pelo menos estaria lutando com ela e não sentiria o vazio que sentia agora. Ela referiu que não se sentia à vontade para conversar com ninguém sobre a falta que Ana fazia e que, mesmo quando tentava, as pessoas mudavam de assunto, por não suportarem o quão doloroso é seu sentimento.

A mãe de Ana também contou que estava, aos poucos, tentando retornar ao trabalho, mas que isto estava difícil porque não conseguia mais sentir-se dona de suas lojas, afirmando que “era estranho voltar ao normal”. No final, ela perguntou se podia mandar-me alguns E-mails, pedindo o meu endereço eletrônico. Tendo uma resposta afirmativa de minha parte, ela enviou-me dois cartões via internet contendo mensagens religiosas.

Após esta segunda ligação, a mãe passou a enviar-me E-mails falando sobre como se sentia e eu tive uma preocupação de respondê-los explicando que os sentimentos descritos por eles e que o sofrimento que sentiam são comuns quando se está vivendo um luto.

Na terceira e última ligação, um mês após a morte da menina, falei com o pai que disse, ao atender o telefone, estar pensando em mim e nas conversas que tínhamos enquanto ela estava internada. Ele disse que, justamente naquele dia, havia decidido não trabalhar, sentia-se um pouco deprimido e pensava demais na filha. Ele disse que sentia um vazio, que era difícil olhar para as fotos da filha espalhadas pela casa e que, às vezes, acordava na madrugada e ficava pensando na menina. Perguntei como estava o seu relacionamento com os outros filhos, e ele disse que estava tentando interagir mais com eles agora que não precisava cuidar de Ana, que os levava para passear e os ajudava em seus trabalhos escolares. Disse-me que estava pensando em se filiar a alguma organização de combate ao câncer infantil para poder sentir-se útil ajudando outros pais. Segundo ele, a minha ligação o surpreendeu e a conversa que tivemos fê-lo sentir-se melhor. Neste dia, sugeri que talvez lhes fizesse uma visita e ele disse que seria uma grande honra receber-me em sua casa.

Ribeiro (1994) diz que, durante o processo da doença, a família está, geralmente, voltada para o paciente. Entretanto, após a morte do mesmo, é comum que um dos elementos decida-se pela prestação de algum serviço de voluntariado junto a pacientes com câncer. Segundo a autora, esse tipo de atividade ajuda a elaborar melhor a perda da pessoa querida.

Claro que não foi minha intenção fazer psicoterapia via telefone ou E-mail, mas poder proporcionar a esta família um apoio e uma escuta. Nas ligações que fiz, sempre me coloquei à disposição para encaminhá-los para psicoterapia caso julgassem necessário, pois acredito que pais que perdem filhos e irmãos que perdem irmãos precisam de um apoio maior neste momento inicial do luto, especialmente no caso da referida família, que passou tanto tempo lutando para que aquela criança não morresse.

Visita domiciliar

Ficar longe dos amigos  também ajuda para nos sentirmos mais tristes, quando recebemos notícias é sempre muito confortante. Estamos com saudades de você, conte-nos como está, mande notícias. Até mais... Beijos carinhosos de todos nós. De mim Salomé, João, Pedro, Ana Maria (in memoriam) e Joana*.

Segundo Lazzaroni (n.d.), os profissionais da área de Serviço Social foram quem iniciaram a prática de visitas domiciliares. Mais tarde, diversas áreas, como Psicologia, Educação e Odontologia, passaram também a instituir essa nova modalidade de atendimento nos seus programas.

Ferlauto (1999) acredita que a visita domiciliar é uma estratégia de aproximação com o cotidiano dos sujeitos com os quais se trabalha, e que a própria intervenção não se limita a uma sala de quatro paredes com uma mesa e uma cadeira colocada na posição de espera. Segundo este autor, o objetivo e a finalidade da visita domiciliar devem estar definidos para o profissional e para o sujeito visitado. Além disso, a intervenção deve ter uma intencionalidade, se possível deve haver concordância no que se refere à data e horários, não devendo ser ela realizada estruturalmente, mas sim intencionalmente.

A realidade é compreendida em sua complexidade quando se olha para além de suas partes, captando-as em seu todo e não isoladamente. O problema é que nem sempre nossa razão e visão estão aptas para captar as relações, ações e significados que compõem o real do sujeito ou grupo que estamos observando através da visita domiciliar. Portanto, é importante que o profissional se despoje de preconceitos e mitos, procurando, constantemente, olhar a realidade com curiosidade e espírito investigativo (Amaro, 2000).

Nascimento, Virgílio, Mendonça e Scoz (2002) afirmam que a visita também gera nos profissionais de saúde que a realizam uma certa ansiedade. Ao relatar uma visita domiciliar, as autoras se questionaram previamente sobre como abordar com a pessoa visitada o assunto da morte do filho, como sustentar um diálogo frente a um assunto que deixa a pessoa emocionalmente instável, e de que forma proporcionar-lhe conforto. As autoras, mesmo não sendo da área da Psicologia, concluem que o caminho é deixar o sujeito extravasar suas angústias, medos e problemas relacionados à morte do filho, oferecendo a escuta como instrumento.

Convicta da importância do procedimento, resolvi agendar uma visita domiciliar à família de Ana, com o objetivo inicial de proporcionar-lhes apoio e de tentar perceber se precisavam de uma ajuda profissional mais sistemática pela situação de luto que vivenciavam.

Agendei a visita domiciliar para um sábado e viajei cerca de cinco horas para encontrar a família com quem há tempo já estava me comunicando por telefone e via internet. Fazia quase quatro meses que Ana havia falecido.

Ao chegar à cidade, dirigi-me à loja da mãe de Ana e fui recebida por ela e por seu esposo, os quais me deram um abraço apertado, dizendo que não acreditavam que eu realmente iria visitá-los, que só acreditavam porque estavam me vendo ali.

Então, fomos para a casa da família, onde revi os irmãos de Ana e os avós maternos. Lá, eles mostraram-me a casa, a qual ainda estava inacabada, pois sua construção fora interrompida com a doença de Ana. Algumas paredes ainda nem haviam sido pintadas, apresentando apenas o reboco. Percebi fotos da menina espalhadas por todos os cômodos. A cama de Ana ainda estava no quarto dos pais, onde a menina dormia desde que ficara doente. Hoje, sua irmã mais nova dorme naquela cama, tendo abandonado seu berço. Almoçamos e, após a refeição, a avó trouxe vários álbuns de fotos da menina. Enquanto eu olhava as fotos, a avó emocionou-se ao lembrar de ocasiões significativas da vida de Ana. Nesse momento, percebi que o pai retirou-se para o jardim e fui atrás dele. Ele chorava compulsivamente. Coloquei a mão no seu ombro e disse que sabia que as coisas estavam sendo muito difíceis para ele. Ele referiu sentir muita dor pela perda da filha e uma enorme saudade. Eu lhe expliquei que era assim mesmo que as pessoas se sentiam quando perdiam um filho, que doía mesmo, que era algo que não se esquecia jamais, só que se podia aprender a conviver com essa dor.

Quando o pai se acalmou, a mãe de Ana convidou-nos para um passeio de carro para mostrar-me a cidade. Durante o passeio e em outros momentos que pude observar, percebi o casal distante, pouco íntimos.

Naquele momento, pensei nos conceitos de Walsh e McGoldrick (1998), os quais referem que a morte de uma criança pequena pode ser muito perturbadora para a família toda, mas que o efeito pode ser devastador sobre o casamento e a saúde dos pais. Segundo as autoras, a relação conjugal fica particularmente vulnerável após a morte de um filho, com risco de maior deterioração da satisfação conjugal ao longo do tempo.

Na volta, sentamos no jardim e conversamos mais sobre Ana, sobre sua doença, seu tratamento, enfim, sua morte. Percebi que ela se encontrava presente nos assuntos de uma maneira geral e que eles não evitavam falar sobre ela, o que considerei positivo. A mãe falou da importância da minha visita para ela, pois convivera comigo durante muito tempo e em uma época muito difícil da sua vida, na qual eu a ajudei. Ela referiu sentir saudades das pessoas do hospital, da equipe com a qual esteve em contato por quase dois anos. Ela afirmou pensar todos os dias em nós, lembrando de várias situações que aconteceram enquanto Ana estava internada.

De uma forma geral, creio que a visita foi importante tanto para a família quanto para mim, pois tive a sensação de finalizar uma etapa e de que, a partir daquele momento, poderia começar a deixá-los aos poucos, pois percebi que eles estavam conseguindo se reestabelcer. Decidi, então, mandar um E-mail para a família, insistindo que eles poderiam se beneficiar de uma psicoterapia, especialmente João, pois ainda o percebia com sentimentos de desespero.

 

Considerações finais

Atender a família de Ana foi emocionante e exigiu dos profissionais que a acompanharam envergadura interior, estudo e dedicação para conviver com a luta diária da menina e de sua família.

Para o psicólogo hospitalar que vive em seu cotidiano situações muito semelhantes e trabalha constantemente no limiar vida e morte, é necessário ter um bom aporte teórico para realizar suas intervenções com êxito. Igualmente, é importante que ele receba apoio psicoterápico, pois é afetado emocionalmente por seu trabalho. Há também algumas características que este profissional deve ter como pessoa, tais como a disponibilidade para a tarefa, além da perseverança, dedicação e certeza de que poderá ajudar. Somente desta forma pode-se oferecer ao paciente terminal uma escuta e uma qualidade de vida, bem como um apoio para sua família.

Cabe ressaltar aqui que as ligações telefônicas feitas à família foram realizadas através do telefone do Hospital, tendo recebido a autorização da Assistente Social, que foi alguém que valorizou a iniciativa. A comunicação via E-mail também ocorreu no Hospital, pois há, no Serviço de Psicologia, um computador com acesso à internet. Entretanto, a visita domiciliar foi custeada pela autora, por ser um projeto experimental.

Faz-se necessário discutir a viabilidade da proposta apresentada. As ligações telefônicas e os contatos via internet foram formas inovadoras de continuar proporcionando para a família um apoio neste momento inicial de luto. Além disso, entende-se que esta intervenção não foi onerosa para a instituição e ocupou pouco tempo do profissional.

A visita domiciliar, no entanto, sendo uma abordagem pouco difundida no que se refere ao campo da Psicologia Hospitalar, teve que ser totalmente patrocinada pela autora. De uma forma geral, acredita-se que este tipo de intervenção pode ser importante na medida em que possibilita à família continuar sentindo-se amparada em sua dor, bem como permite ao psicólogo perceber alguma disfunção na vivência do luto. Sendo assim, este profissional, que já conhece parte da dinâmica familiar e com o qual a família já possui vínculo, pode auxiliar na direção que o processo de luto tomará. Além disso, essa intervenção pode ser útil para a não-instalação de um luto patológico e de tudo o que envolve o mesmo, como a suscetibilidade ao desenvolvimento de doenças psicossomáticas, muito comuns em pessoas que vivenciam um processo de luto.

Cabe salientar, também, que não se trata de continuar fazendo psicoterapia com essas famílias após o óbito da criança. Entretanto, a idéia principal é poder dar apoio e orientação para essas famílias neste momento inicial de luto, até que o psicólogo sinta que o processo de luto está transcorrendo normalmente. Caso sinta necessidade, é conveniente que o profissional indique psicoterapia para a família ou para um de seus membros dentro da rede de saúde de sua comunidade.

E por que não pensar em grupos com essas famílias vinculados ao hospital? Os grupos também seriam uma proposta interessante e promissora. Porém, existe o problema das famílias que moram no interior, para as quais fica difícil se deslocar semanal ou quinzenalmente até o hospital para participar do grupo. Na prática, o que se percebe é que as famílias do interior ficam completamente desamparadas após o óbito de uma criança.

As possibilidades de intervenções com diferentes settings propostas neste trabalho são caminhos a serem trilhados, percebidos como algo emergente e necessário. Entende-se que o trabalho proposto pode ser de extrema importância na ampliação do fazer do psicólogo na Psicologia Hospitalar e sugere-se que outras experiências como esta devem ser desenvolvidas para que se possa incrementar a qualidade da assistência psicológica. Sendo assim, fica a indicação para aqueles profissionais que são corajosos e ousados, na tentativa de buscarem outros rumos dentro desta área.

 

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Endereço para correspondência
Av. Sertório 1615, 25
91020-001 Porto Alegre – RS
Tel.: (51) 3342.1348 ou 9216.1921
E-mail: simoneazeredo@yahoo.com.br , lucianacastoldi@uol.com.br

Recebido em 03/2005
Aceito em 06/2005

 

 

1 Simone Dill Azeredo Bolze – acadêmica do Curso de Graduação em Psicologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Este artigo constitui-se no Trabalho de Conclusão de Curso da autora
2 Luciana Castoldi – Doutora em Psicologia do Desenvolvimento (UFRGS), professora do curso de Psicologia da UNISINOS, orientadora deste Trabalho
3 Transplante de medula óssea (TMO) autogênico: consiste na infusão intravenosa de células progenitoras hematopoiéticas, com o objetivo de restabelecer a função medular. TMO é autogênico quando o doador e o receptor são a mesma pessoa (Castro, Gregianin e Brunetto, 2003)
4 Neuroblastoma: é um dos tumores contínuos mais comuns da infância, encontrado geralmente nos bebês ou em crianças novas. A doença se origina na medula adrenal ou em outros locais do tecido nervoso simpático. O local mais comum é o abdômen (perto da glândula adrenal), mas pode também ser encontrado na caixa, na garganta, na pélvis, ou em outros locais. A maioria de pacientes tem doença difundida no diagnóstico (Neuroblastoma. Disponível em: <http://www.cancerindex.org/ccw/guide2n.htm> Acesso em 26 abr. 2004.)
5 Kübler-Ross (1997) estabeleceu cinco fases vividas pelos pacientes terminais e por suas famílias a partir do diagnóstico de uma doença grave. São elas: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Segundo a autora, essas fases não precisam acontecer necessariamente nessa ordem e nem todas as fases ocorrem com todas as pessoas
6 Gênesis 22, 1-24. (D'Almeida, Pe. J. H. (n.d.)
7 João 11, 1-45. (D'Almeida, Pe. J. H. (n.d.)
* Recorte de E-mail recebido da família da paciente. Por questões éticas, os nomes utilizados são fictícios

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