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Psicologia: ciência e profissão
Print version ISSN 1414-9893
Psicol. cienc. prof. vol.13 no.1-4 Brasília 1993
Gêmeos
M. Elizabeth Barreto Tavares Viotto
Mestre em Psicologia Clinica, PUC/Campinas e docente da Universidade Estadual de Londrina
Estudo comparativo do desenvolvimento cognitivo intrapares de gêmeos através de provas operatórias
O estudo de gêmeos tem sido utilizado para analisar o desenvolvimento cognitivo de crianças através de diferentes instrumentos de avaliação. Muitos pesquisadores têm constatado semelhanças entre gêmeos monozigotos em medidas de inteligênciae desenvolvimento cognitivo (Floderus, Myrhed, Pederson & Rasmunson, 1980; Koch, 1986; Mittler, 1971; Newman & Holzinger, 1973 e Wilson, 1978; apud Schave e Fox, 1988).
Em trabalho realizado com trinta pares de gêmeos utilizando-se as escalas de desenvolvimento de Gesell e Bayley, constatou-se que os gêmeos apresentaram atraso no desenvolvimento da linguagem durante os primeiros meses de vida, pelo fato de satisfazerem mutuamente suas necessidades de comunicação através de jargões particulares (situação que pode persistir até 4 anos e em crianças singulares vai até 24 meses); as meninas alcançaram índices de desenvolvimento mental e psicomotor superiores aos dos meninos e de forma geral o índice de desenvolvimento psicomotor é ligeiramente superior nas crianças que nasceram em segundo lugar (Dias, Moreno e Ortiz, 1984).
Diferentes autores tais como Rodgers e Rowe (1987) acreditam que fatores genéticos, ambientais e familiares parecem ser a base do total de similaridade de QI em gêmeos na faixa etária de 7 a 12 anos de idade.
Mather e Black (1984) estudaram a influência da hereditariedade e ambiente familiar nas habilidades de linguagem em gêmeos pré-escolares e concluiram que há semelhanças entre os elementos que vivem na mesma família, no entanto enfatizam a necessidade de mais pesquisas sobre o tema a fim de avaliar a influência genética/ambiental sobre o desenvolvimento da linguagem.
Uma das maneiras de realizar a avaliação cognitiva é através de provas operatórias baseadas na teoria de Piaget, que considera o desenvolvimento cognitivo se processando em estágios que estão diretamente relacionados com a herança biológica, maturação e interação com o meio ambiente (Piaget, 1985; Rappaport, 1981; Goulart, 1985; Faria, 1989).
Entre os vários aspectos enfatizados por este autor podem ser destacados algumas noções que são estabelecidas ao longo do período das operações concretas (7 e 12 anos aproximadamente), tais como: seriação; conservação de substância; conservação de espaço; conservação de volume; classificação; conceito de tempo e velocidade; etc.
O método clínico usado por Piaget tem se mostrado efetivo no levantamento de características do desenvolvimento cognitivo, na medida em que são propostas algumas experiências utilizando-se objetos variados e verificando-se cautelosamente as respostas dadas pela criança. As respostas "erradas" são consideradas de extrema importância para verificar o raciocínio utilizado e consequentemente o nível de desenvolvimento cognitivo do indivíduo (Carraher, 1989; Piaget, 1985).
Embora existam vários profissionais brasileiros atuando em diferentes áreas (escola, clínica, etc) utilizando-se a teoria piagetiana, verifica-se a necessidade de estudos adicionais a fim de analisar o estabelecimento das estruturas cognitivas ao longo do desenvolvimento das crianças e adolescentes. A utilização de tal metodologia em gêmeos parece adequada, na medida em que permite comparar o desenvolvimento intra-pares, bem como analisar as faixas etárias em que as noções se estabelecem em sujeitos brasileiros.
De maneira geral todas as pesquisas envolvendo o estado da cognição em gêmeos têm observado a existência de fatores genéticos e ambientais contribuindo para o desenvolvimento humano. No entanto verifica-se que o fato dos gêmeos, na maioria das vezes, serem educados na mesma família dificulta o isolamento das variáveis de um e outro aspecto a fim de proceder a análise em questão. Sendo assim, continua a necessidade de estudos mais aprofundados sobre o assunto a fim de orientar pais e professores visando auxiliá-los a otimizar o desenvolvimento das crianças.
Este trabalho teve por objetivo comparar o desenvolvimento cognitivo apresentado pelos elementos de cada par de gêmeos idênticos.
Método
Sujeitos: cinco pares de gêmeos idênticos, sendo quatro do sexo masculino e um do sexo feminino, com idades de 8 a 9 anos durante a coleta de dados.
Material utilizado: roteiro de instruções (baseadas em Goulart, 1984); 3 lápis pretos; 2 copos e 1 taça de vidro; 20 botões vermelhos; 25 botões brancos; massa de modelar; dois carrinhos de plástico; duas pistas para carros confeccionados em cartolina "pastos" e 8 casas confeccionadas em cartolina; jogos industrializados: Blocos Lógicos, Escala Guicinaire, Sequências Lógicas, Conjunto 12 potes e Furadinhos.
Local de realização: Escolas de 1o grau da cidade de Londrina.
A avaliação cognitiva foi realizada através de quinze provas operatórias, baseadas na teoria piagetiana.
As provas foram aplicadas em salas cedidas pelas escolas onde estavam presentes a examinadora, uma observadora e um dos sujeitos. As respostas dos sujeitos foram anotadas em protocolo específico onde as respostas eram pontuadas a fim de facilitar a análise quantitativa, da seguinte forma: 0 (zero) - não possuir a noção; 1 (um) a noção estar sendo estabelecida e 2 (dois) já possuir a noção.
Inicialmente os dados foram analisados em termos de correlação intra-par, usando-se o teste de Spearman (Siegel, 1977). A seguir procedeu-se a análise entre os pares através do cálculo de porcentagens de respostas dadas à cada prova de acordo com o critério de pontuação pré-estabelecido.
Os dados foram então analisados qualitativamente considerando as semelhanças/diferenças dos níveis de desen-volvimento cognitivo dos sujeitos de cada par, bem como comparando-se os resultados obtidos por toda a amostra em cada aspecto avaliado e os resultados esperados na literatura de Piaget e seus seguidores.
Resultados e discussão
Verificou-se que parte da amostra estudada já possui algumas das noções avaliadas, como pode ser observado na tabela 1, enquanto outras estão em fase de estabelecimento e/ou inexistem em grande parte dos sujeitos.
As noções de seriação, ordem, sucessão de eventos, classificação e velocidade já foram estabelecidas em pelo menos 70% da amostra.
A fim de melhor analisar os resultados encontrados convém verificar em que faixas etárias as noções estudadas se estruturam segundo diferentes autores tais como Piaget, Goulart e Faria, conforme pode-se verificar na Tabela em questão.
Na ocasião da avaliação cognitiva os sujeitos estavam na faixa de 8 a 9 anos de idade, no entanto algumas noções previstas para serem alcançadas por volta de 7 anos ainda não foram estabelecidas na maior parte dos sujeitos. Fatos tais como os resultados relativos às noções de conservação de substância (líquida e massa) e de espaço (longitude e superfície) sugerem que a maior parte da amostra encontra-se com algum atraso no desenvolvimento e/ou que as instruções utilizadas precisariam ser melhor elaboradas a fim de atingir os objetivos aos quais se destinam.
As noções de conservação avaliadas pelas provas 1, 2 e 15 forneceram resultados questionáveis uma vez que as duas primeiras não foram alcançadas por grande parte da amostra enquanto na última a maioria (60%) obteve êxito. Pelas características das instruções dadas esperava-se que os sujeitos que não obtivessem sucesso nas provas 1 e 2, encontrariam maiores dificuldades na prova 15 e não foi o que aconteceu. Este é mais um dado que sugere que tais instruções deveriam ser revistas em outros tarbalhos de pesquisa.
Os resultados obtidos nas provas 5,10 e 14 parecem demonstrar que a maioria dos sujeitos já possuem noções de: classificação, representação parte-todo e inclusão de classes. Isto implica desenvolvimento cognitivo adequado para o período das operações concretas em que a amostra se encontra.
Em relação às noções de espaço-provas 6, 7 e 8 - verifica-se uma evolução gradativa nos resultados obtidos, ou seja, quando se avaliou o espaço linear através do uso de anteparo a maior parte da amostra (70%) obteve sucesso. No segundo momento (longitude) apenas 40% obteve sucesso, neste caso pode-se constatar que a maioria dos sujeitos parece ter se baseado em apenas um aspecto do estímulo para emitir o seu parecer acerca da conservação de tamanho. No terceiro momento (superfície) esperava-se que o sujeito avaliasse a área, logo o sujeito deveria analisar em termos de duas dimensões, neste caso apenas 10% obteve sucesso enquanto na maioria (80%) a noção parece estar ainda se estabelecendo.
Os resultados encontrados em relação às noções de seriação, ordem, sucessão de eventos e velocidade, parecem estar de acordo com o esperado uma vez que pelo menos 70% da amostra já apresentou sucesso.
O conceito de tempo (duração de eventos) ainda não foi estabelecido em 100% da amostra, no entanto espera-se que se estabeleça por volta de 7 a 8 1/2 anos. Mais uma vez deve-se questionar a instrução dada e/ou a idade em que devem se estabelecer.
Independente do fato da amostra ter apresentado resultados satisfatórios ou não em relação ao desenvolvimento cognitivo conforme a teoria Piagetiana, convém lembrar que o objetivo da pesquisa ora relatada foi verificar se os gêmeos univitelinos são iguais ou diferentes. Para responder à questão foram calculados os índices de correlação intra-par baseado no teste de Spearman, tendo sido encontrados os resultados que estão na tabela 2.
Os dados mostram pouca semelhança entre os gêmeos e respectivos co-gêmeos na maioria dos pares. Apenas o par nº 5 apresentou um índice de correlação mais elevado, enquato os demais estão por volta de 0,5 ou abaixo sugerindo que o desenvolvimento cognitivo parece estar ocorrendo de formas diferentes (e/ou independentes) em cada sujeito.
Conclusão
Tudo isso parece revelar que embora sejam idênticos, convivam na mesma família e muitas vezes na mesma sala de aula, as estruturas cognitivas dos gêmeos estão sendo desenvolvidas em "ritmos" desiguais, de tal forma que algumas noções já foram estabelecidas em um sujeito enquanto em seu co-gêmeo ainda não se estabeleceu ou está em fase de estabelecimento. Provavelmente a maneira como cada sujeito vivencia as situações de vida diária, em função das estruturas cognitivas já estabelecidas previamente e consequentemente a forma como percebe as situações, devem interferir no desenvolvimento cognitivo de cada sujeito e respectivas diferenças individuais.
Ao se realizar a análise em questão, verificou-se que na literatura de Piaget nem sempre são indentificadas com clareza as idades em que as noções se estabelecem, mas encontram-se diversos exemplos de como são estruturadas as diferentes etapas do desenvolvimento cognitivo. No filme Piaget on Piaget (1977) o próprio autor afirma que, através de pesquisas realizadas por estudiosos em culturas diversas, foram encontradas diferenças em termos de faixa etária em que o desenvolvimento cognitivo se estrutura no entanto os processos identificados foram semelhantes.
Considerando o exposto acima, bem como as diferenças quanto às idades em que as noções se estabelecem do ponto de vista dos três autores citados na Tabela 1, mais uma vez confirma-se a necessidade de pesquisas realizadas com a população brasileira a respeito do assunto, a fim de se obter parâmetros adequados à avaliação cogintiva de crianças deste país.
Bibliografia
CARRAHER, T.N. (1989). O método clínico usando os exames de Piaget. São Paulo, S.P.: Cortez Ed. [ Links ]
DIAS, A.C.: MORENO. M.C.C. & ORTIZ, T. A. (1984) Valoracion del desarrollo mental y psicomotor de treinta parejas de geme los nacidos en el Hospital Clínico de Madrid. Arch, de Neurobiol., 47(2), 89-98. [ Links ]
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Relato parcial de projeto de pesquisa financiado pela CPG/UEL e CNPq.