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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

Print version ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.4 no.2 São Paulo Dec. 2002

 

ARTIGOS

 

Estudos sobre autismo em análise do comportamento: aspectos metodológicos1

 

Studies on autism in behavior analysis: methodological features

 

 

Paulo Goulart2; Grauben José Alves de Assis3

Universidade Federal do Pará

 

 


RESUMO

A pesquisa na Análise do Comportamento tem contribuído para a identificação e compreensão das variáveis que afetam o repertório de indivíduos autistas. Este trabalho visou identificar aspectos metodológicos na produção desta área com essa população. A análise dos trabalhos identificou duas linhas distintas, porém complementares, de pesquisa. Uma delas parece buscar a identificação das variáveis que atuam no estabelecimento de controle de estímulos. A outra procura o estabelecimento e manutenção de operantes verbais. Os aspectos metodológicos analisados foram a natureza dos estímulos utilizados, os critérios de escolha dos mesmos, tipos de resposta requerida e tipos de conseqüências disponibilizadas. São discutidos os benefícios de atentar para as demandas metodológicas da pesquisa analítico-comportamental. Discute-se, ainda, o papel dos analistas do comportamento diante da relativa carência de trabalhos sobre o assunto e da necessidade de desenvolvimento de programas de prevenção e de educação de pais e familiares de pessoas portadoras de autismo.

Palavras-chave: Autismo, Análise do comportamento, Controle de estímulos, Comportamento verbal.


ABSTRACT

Behavior-analytic research has contributed for the identification of variables affecting the repertoires of autistic individuals. This work is aimed at the identification of methodological variations in behavior-analytic production with this population. The analysis of studies on autism identified two different – although complementary – veins of research. One vein seems to emphasize the identification of variables acting on the establishment of stimulus control. The other vein aims at the establishment and maintenance of verbal behavior. The methodological features described are: the nature of the stimuli and the criteria for choosing them, the kinds of required responses, and of consequences presented. Some considerations are made about the benefits of attending to methodological demands of behavior-analytic research. Also discussed is the role of behavior analysts concerning the relative lack of studies on the issue and the need for the development of prevention and educational programs for parents and relatives of autistic individuals.

Keywords: Autism, Behavior analysis, Stimulus control, Verbal behavior.


 

 

Nos últimos anos, tem havido um aumento significativo na pesquisa científica sobre o autismo em diversas áreas, visando à ampliação do conhecimento, tanto acerca da natureza do transtorno, como de possíveis estratégias de tratamento. Essa explosão do interesse científico tem contribuído para o aprimoramento das técnicas de detecção e diagnóstico, permitindo uma identificação da condição cada vez mais precisa e mais cedo no desenvolvimento infantil. Além disso, a maior produção de conhecimento científico contribuiu para a popularização do transtorno autista: até então, principalmente para os pais, o autismo era uma possibilidade diagnóstica quase fantasiosa, uma vez que estava associado, basicamente, a personagens fictícios do cinema americano, como o interpretado por Dustin Hoffman, em “Rain Man” (1988). Todavia, o termo “autismo” ainda acompanha algumas indefinições acerca de sua natureza, que ainda deverão ser investigadas no futuro.

O autismo foi descrito pela primeira vez como “Autismo Infantil Precoce”. Kanner (1944) utilizou o termo para caracterizar a condição clínica de um grupo de 11 crianças que apresentavam limitações no relacionamento com outras pessoas e com objetos, além de desordens no desenvolvimento da linguagem. O comportamento dessas crianças resumia-se a atos repetitivos e estereotipados, e a maioria, quando falava, apresentava ecolalia e inversão pronominal. Tinham dificuldade em aceitar mudanças de ambiente, além de demonstrar preferência por objetos inanimados. A designação “autismo” se referia aos comportamentos característicos de isolamento e auto-estimulação que essas crianças apresentavam. Kanner observou que os pais de crianças autistas eram, em sua maioria, de classe média alta e apresentavam uma atitude indiferente nos cuidados com suas crianças, o que fez com que acreditasse que era o comportamento dos pais que causava a condição autista. Afora isso, havia relativa imprecisão (que permanece ainda hoje) quanto a quais fatores, biológicos e/ou psicológicos, seriam responsáveis pelo quadro autista.

Desde então, têm sido realizadas tentativas de se reunirem os sintomas e os comportamentos da criança diagnosticada de autismo, com objetivo de padronizá-los, a partir da universalização da linguagem utilizada. Nesse tocante, as descrições apresentadas no Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM), publicado pela Associação Psiquiátrica Americana (APA), são as que mais se aproximam de uma coletânea das características definidoras do autismo. O DSM-IV-TR (2000) apresenta o autismo (Transtorno Autista) como um Distúrbio Global do Desenvolvimento caracterizado por prejuízos comportamentais que são agrupados em três categorias principais: (1) comprometimento da interação social, (2) comprometimento da comunicação, e (3) padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento. A lista de critérios diagnósticos para o transtorno apresenta quatro critérios para cada uma dessas categorias. Para receber o diagnóstico de Transtorno Autista (299.00), o paciente deve reunir pelo menos 6 dentre os 12 critérios, respondendo ao número mínimo de critérios estabelecido para cada categoria, com início dos sintomas anterior aos três anos de idade.

As descrições apresentadas por manuais como o DSM têm, como já foi sugerido, o objetivo de sistematizar as características do repertório autista, possibilitando, dessa maneira, o diálogo entre diferentes áreas da saúde. Porém, essa sistematização parece limitar o diagnóstico do autismo, ao considerar os “sintomas” como sendo idênticos para todos os indivíduos autistas e como se esses indivíduos fossem membros de um grupo homogêneo. Existem, é claro, características do repertório autista que são comuns à maioria dos indivíduos, mas elas não são suficientes para que se caracterize e avalie um caso individual de autismo. Windholz (1995) afirma que há (...) diferenças individuais entre as pessoas com autismo, quanto ao nível de desenvolvimento e habilidades aprendidas, problemas de conduta, prejuízos orgânicos. Seus ambientes familiares são distintos, tanto do ponto de vista sócio-econômico e cultural, como quanto à capacidade de seus membros enfrentarem o problema de ter um filho com autismo. (p. 179).

Essas diferenças na história de vida de cada pessoa refletem-se em repertórios diferenciados que não são, necessariamente, contemplados pela categorização apresentada pelo manual. Essa simplificação, além de limitar o diagnóstico (excluindo indivíduos com repertórios característicos do autismo, mas que não respondem a todos os critérios estabelecidos), encoraja a utilização de técnicas e procedimentos generalistas, que provavelmente não serão adequados para todos os casos. Explica-se: em manuais como o DSM, os comportamentos característicos do repertório autista são apresentados em termos estritamente topográficos, isto é, com base na forma como os comportamentos se apresentam. As abordagens de tratamento baseadas exclusivamente na topografia dos comportamentos-problema podem trazer alguns prejuízos, uma vez que tendem a ignorar fatores motivacionais por trás de sua ocorrência. Como será discutido mais adiante, para uma abordagem analítico-comportamental, o comportamento, inadequado ou não, será melhor compreendido se forem levadas em consideração as conseqüências que produz, ou seja, quando são analisados em termos de sua funcionalidade.

Considerando o caráter idiossincrático do autismo, torna-se evidente a relevância de programas sistemáticos de tratamento que sejam capazes de identificar de que variáveis o repertório autista é função, a partir de uma análise individualizada, e que não estejam restritos à aplicação de procedimentos baseada exclusivamente em formas generalistas de diagnóstico. Nesse sentido, a pesquisa psicológica tem ganhado um espaço considerável no tratamento do autismo, e suas contribuições para essa população, em especial as da Análise do Comportamento, têm sido bastante relevantes para o estudo do tema. Atualmente, a pesquisa básica comportamental tem evoluído sistematicamente, produzindo conhecimento substancial acerca do autismo e possibilitando avanços notáveis no desenvolvimento de programas de tratamento em diferentes contextos. A Análise Aplicada do Comportamento visa a uma análise funcional do comportamento autista, a fim de identificar que aspectos do ambiente dos indivíduos controlam ou poderiam estar controlando seu comportamento. A partir da manipulação dos ambientes físico e social dos indivíduos, procuram-se ensinar aquelas habilidades necessárias, mas que estão ausentes ou apresentam-se prejudicadas no repertório autista. Dessa forma, enfatiza-se a necessidade de desenvolvimento de métodos para o ensino de habilidades aos indivíduos diagnosticados como autistas, em oposição à tradicional utilização de medicamentos ou à exclusão social desses indivíduos.

 

Uma análise comportamental do autismo

Do ponto de vista analítico-comportamental, o autismo é uma síndrome de deficits e excessos que [pode ter] uma base neurológica, mas que está, todavia, sujeita a mudança, a partir de interações construtivas, cuidadosamente organizadas com o ambiente físico e social (Green, 2001).

Como foi comentado anteriormente, crianças com autismo apresentam deficiências em habilidades sociais às quais estão intimamente relacionados problemas no desenvolvimento de linguagem, além de se engajarem com mais freqüência do que crianças com desenvolvimento normal em comportamentos repetitivos e estereotipados. Ferster (1961) discutiu o comportamento autista com base nos princípios operantes, sugerindo que o repertório autista poderia ter uma determinação ambiental (i.e., ter sido aprendido), ao invés de exclusivamente biológica. Segundo o autor, o ambiente social apresenta contingências relativamente inconsistentes, reflexo da predominância de esquemas de reforçamento intermitente e extinção, que resultariam numa carência de comportamentos aprendidos socialmente. Em contrapartida, a consistência das contingências não-sociais (predominância de reforçamento contínuo)4 daria origem a comportamentos estereotipados e de auto-estimulação. A hipótese de Ferster leva a crer que o autismo é resultado de uma falha dos pais ao expor seus filhos às contingências ambientais. Segundo ele, em função de um conjunto de variáveis históricas e ambientais, o comportamento da criança autista não ficaria sob controle de reforçadores condicionados, e ela não seria capaz de identificar que respostas seriam funcionais para produzir conseqüências reforçadoras, de maneira que a interação com o ambiente social (mais especificamente a interação com os pais) não resultaria em reforçadores para a criança. Esse “círculo vicioso” resultaria na instalação e manutenção de repertórios formados quase que exclusivamente de respostas ao ambiente físico, mais eficazes na obtenção de conseqüências reforçadoras mais consistentes, e contribuiria para a produção de comportamentos sociais considerados não-adaptativos.

Spradlin e Brady (1999) retomam a hipótese de que o autismo é resultado da inconsistência do ambiente social, por um lado, e da consistência do ambiente físico, por outro. Todavia, diferentemente de Ferster (1961), acreditam que crianças com autismo necessitam de uma maior consistência de relações estímulo, resposta e reforçamento, do que necessitam crianças com desenvolvimento normal, para que o controle de estímulo apropriado se desenvolva. Portanto, eles sugerem que muitas das características apresentadas por crianças autistas poderiam ser função de limitações no desenvolvimento de controle de estímulos. Dessa forma, o repertório comportamental característico do autismo estaria atrelado a um controle restrito de estímulos.

Na visão analítico-comportamental, mesmo comportamentos considerados desajustados, como os apresentados por indivíduos autistas, são provocados por eventos específicos e são mantidos por suas conseqüências. Muitas vezes, tais conseqüências controladoras não são perceptíveis facilmente, motivo porque é comum postularmos causações internalistas e mentalistas para nossas ações. No entanto, quaisquer intervenções que ignorem as conseqüências enquanto variáveis controladoras dos comportamentos (considerando apenas a topografia do comportamento, por exemplo) tendem a não ser bem-sucedidas, seja na eliminação de comportamentos-problema ou no estabelecimento de novas habilidades. O desconhecimento ou a identificação imprecisa das variáveis ambientais que controlam o comportamento-problema levam, facilmente, à utilização de estratégias de intervenção pouco apropriadas e que podem inclusive trazer prejuízos ainda maiores para o indivíduo. Por exemplo, comportamentos autolesivos idênticos topograficamente, apresentados por indivíduos diferentes, podem estar sendo mantidos pela atenção de outros, em um caso e, no outro, pelo encerramento de tarefas que são aversivas para o indivíduo. Procedimentos do tipo “receita de bolo”, que levarem em consideração somente a forma dos comportamentos apresentados pelos dois indivíduos, provavelmente terão pouco efeito na sua eliminação; e se forem eficazes em um dos casos, não o serão no outro.

A Análise Aplicada do Comportamento tem como objetivo, na intervenção com pessoas diagnosticadas como autistas, desenvolver repertórios de habilidades sociais relevantes e reduzir repertórios inadequados, servindo-se, para isso, de métodos baseados em princípios comportamentais. Segundo Green (1996), a intervenção analítico-comportamental em casos de autismo enfoca o ensino sistemático de unidades reduzidas e mensuráveis de comportamento. De acordo com a autora:

Toda habilidade que a criança com autismo não demonstra – desde respostas relativamente simples, como olhar para os outros, até atos complexos como comunicação espontânea e interação social – é separada em passos menores. (...). respostas apropriadas são seguidas por conseqüências cuja função como reforçadores efetivos foi observada (...). Um objetivo de alta prioridade é tornar o aprendizado divertido para a criança. Outro é ensinar à criança como discriminar entre vários estímulos diferentes: seu nome de outras palavras faladas; cores, formas, letras, números e afins entre si; comportamento apropriado de inapropriado. Respostas problemáticas (como birras, estereotipias, autolesão, evitação) são explicitamente não-reforçados, o que freqüentemente requer uma análise sistemática para determinar que eventos exatamente funcionam como reforçadores para aquelas respostas. Preferivelmente, a criança é induzida a se engajar em respostas apropriadas que são incompatíveis com as respostas-problema. (p. 30).5

Como já foi comentado, muitos dos comportamentos característicos do repertório autista podem ter origem em problemas no desenvolvimento do controle ambiental do qual o comportamento operante é função. Nesse caso, a pesquisa comportamental tem um importante papel a cumprir, seja no sentido de elucidar que eventuais variações ambientais podem vir a produzir um repertório autista, ou no de desenvolver e avaliar procedimentos voltados para essa população. O objetivo do presente trabalho foi avaliar as contribuições da Análise do Comportamento para o estudo do autismo, a partir da investigação de aspectos metodológicos dos trabalhos de pesquisa voltados para o tema, especialmente quanto aos delineamentos experimentais apresentados na literatura.

 

A pesquisa analítico-comportamental sobre o autismo

Foram selecionados, para análise, trabalhos de pesquisa com enfoque analítico-comportamental, publicados nos últimos 15 anos em revistas especializadas em análise do comportamento e que respondessem aos seguintes critérios: a) realizar a avaliação dos processos comportamentais envolvidos no repertório autista e/ou avaliação de procedimentos, tendo como meta a instalação de novas habilidades no repertório de indivíduos com diagnóstico de autismo, desde que b) seguindo um delineamento experimental de sujeito único (single-subject design). Em outras palavras, trabalhos cuja análise de contingências levasse em conta aspectos individuais, bem como a variabilidade comportamental de cada sujeito.

A maioria das pesquisas com esse tipo de população identificadas na literatura é voltada para a modificação ou eliminação de comportamentos-problema, como autolesivos e estereotipias. A relativa carência de trabalhos de pesquisa visando à identificação de pré-requisitos para o ensino de novos comportamentos, talvez possa ser entendida como um reflexo da idéia de que pessoas diagnosticadas como autistas não têm capacidade de aprender mesmo as tarefas mais simples da vida diária (o que eventualmente pode servir como justificativa para que profissionais pouco preparados – e mesmo pais – deixem de se dedicar ao ensino de quaisquer habilidades a esses indivíduos), enquanto seus comportamentos considerados inadequados são freqüentemente abordados como sendo passíveis de modificação. É bastante provável, porém, que a divulgação dos resultados de trabalhos com enfoque analítico-comportamental voltados para o desenvolvimento e não somente para a eliminação de comportamentos, venha estimular o engajamento futuro nesse tipo de pesquisa. A opção por investigar apenas trabalhos que tivessem como objetivo último o desenvolvimento de repertório de habilidades úteis decorreu do fato de tais trabalhos mostrarem que indivíduos autistas são capazes de aprender, desde que submetidos a uma intervenção estruturada e intensiva (de preferência realizada precocemente), e do pressuposto de que o “ensino de habilidades que aumentam a competência social do indivíduo em seu ambiente diário” pode levar à prevenção de comportamentos inadequados, uma vez que “os ganhos educacionais podem ser mais significativos a longo prazo do que a simples eliminação de comportamentos destrutivos”(Meyer, 1998; p. 251).

Estudos que utilizam delineamento de grupos de sujeitos não foram considerados, partindo-se do pressuposto de que o tratamento estatístico utilizado para análise de seus dados não permite a compreensão precisa de como a manipulação de variáveis específicas afeta o comportamento de cada sujeito, individualmente. Segundo Sidman (1960), tais dados

(...) descrevem algum tipo de ordem no universo e, com tal, podem bem servir como a base de uma ciência. Esta não pode, contudo, ser uma ciência do comportamento individual, a não ser da forma mais crua. (...). É uma ciência da média do comportamento de indivíduos que estão unidos apenas pelo próprio processo de cálculo da média. (p.275). 6

Anteriormente, foi comentado o aspecto idiossincrático do autismo: por estarem inseridos em contextos ambientais distintos em algum nível, indivíduos autistas apresentarão repertórios comportamentais ligeiramente diferentes entre si, devido a variações em suas histórias de reforçamento, no desenvolvimento de controle de estímulos, nos eventos potencialmente reforçadores, etc. Dessa forma, optou-se por trabalhos que, além de se embasarem em princípios comportamentais cientificamente comprovados, levassem em consideração as variáveis históricas do repertório de cada indivíduo.

Os artigos foram selecionados a partir das publicações nos seguintes periódicos: Journal of Experimental Analysis of Behavior, Journal of Applied Behavior Analysis e The Analysis of Verbal Behavior, todos com relatos de estudos empíricos, publicados pela Association of Behavior Analysis (ABA)7 , cuja periodicidade tem-se mantido constante desde suas origens. A identificação dos artigos foi feita por meio dos sistemas de busca de resumos disponibilizados nas páginas de internet dos referidos periódicos. A seleção foi realizada em duas etapas. A primeira consistiu na realização de uma busca preliminar, utilizando-se as palavras-chave autism + teaching e autism + training, a fim de identificar trabalhos voltados para a instalação (e não para a redução ou eliminação) de comportamentos. A seguir, procurou-se identificar, com base nos títulos dos artigos, que estudos estavam de acordo com os critérios estabelecidos. Recorreu-se aos resumos dos trabalhos identificados principalmente quando os títulos não forneciam informações suficientes para a seleção. A segunda etapa da seleção consistiu da identificação de quais, dentre os artigos identificados, utilizavam delineamento de sujeito único. Para isso, recorreu-se aos resumos e, na maioria dos casos, em que o resumo não continha tal informação, ao artigo completo.

Foram selecionados, ao todo, sete trabalhos de pesquisa. A análise dos trabalhos sugere que os mesmos podem ser categorizados como produtos de duas linhas de pesquisa distintas. Uma delas, que neste trabalho será denominada de Grupo de Controle de Estímulos, com dois dos sete trabalhos, e a outra, chamada aqui de Grupo de Operantes Verbais, que responde pelos demais. Os trabalhos do Grupo de Controle de Estímulos parecem ter como objetivo principal a identificação das variáveis que auxiliam ou interferem no desenvolvimento de controle de estímulos atuando sobre o comportamento operante, bem como o desenvolvimento e avaliação de procedimentos capazes de estabelecer controle de estímulos preciso, visando à produção e ao aperfeiçoamento de uma tecnologia de controle de estímulos que permita a intervenção em processos básicos do desenvolvimento comportamental que podem estar prejudicados no repertório autista. Os trabalhos do Grupo de Operantes Verbais parecem enfocar o controle de estímulos em um nível menos básico, enfatizando a intervenção no desenvolvimento de controle de estímulos no estabelecimento e manutenção dos operantes verbais (talvez por serem as relações sociais as mais prejudicadas no repertório autista). Ao passo que no primeiro grupo enfoca-se o desenvolvimento de controle de estímulos no comportamento operante, sem distinção explícita entre verbal e não-verbal, é característica do segundo a ênfase na aplicação dos princípios descritos por Skinner acerca do comportamento verbal, o que se reflete, na maioria dos trabalhos, na utilização rigorosa da taxonomia por ele proposta em Verbal Behavior (1957).

Como se pode deduzir a partir dos periódicos em que os artigos aqui considerados foram publicados, os trabalhos podem ser agrupados também entre os rótulos pesquisa básica e pesquisa aplicada. Na verdade, a maioria dos trabalhos reunidos sob o nome “Grupo de Operantes Verbais” são relatos de pesquisas aplicadas (trabalhos de intervenção). Porém, tanto os trabalhos de pesquisa básica como os de pesquisa aplicada – a despeito do controle caracteristicamente menos rígido –, tinham como peculiaridade o interesse na avaliação dos procedimentos utilizados (e não a simples aplicação indiscriminada de procedimentos) e/ou na investigação dos processos envolvidos, além de utilizarem um tratamento individualizado dos dados. Uma vez que todos os trabalhos analisados estavam de acordo com os critérios propostos, a distinção entre pesquisa básica e aplicada foi desconsiderada inicialmente, e os artigos analisados foram agrupados com base em outros aspectos mais característicos.

A análise dos aspectos metodológicos dos trabalhos de pesquisa investigados levou em consideração informações relativas à natureza dos estímulos utilizados, bem como os critérios de escolha dos mesmos, avaliação de desempenho (pré-requisitos), tipo de resposta requerida e procedimentos de correção, tipo de conseqüências disponibilizadas, além da realização ou não de avaliação para identificação de reforçadores potenciais (ver Tabela 1).

 

 

Estímulos utilizados e avaliação de desempenho:

Na maioria dos trabalhos organizados como pertencentes ao Grupo de Operantes Verbais, os estímulos utilizados foram objetos reais (gravuras, brinquedos, alimentos) escolhidos após avaliação do repertório verbal prévio de cada participante – capacidade (ou incapacidade) em emitir tatos e mandos – na presença dos objetos. Dois dos estudos (Drash, High & Tudor, 1999; Williams, Donley & Keller, 2000) não relataram avaliação do repertório verbal dos participantes com relação aos estímulos utilizados. No trabalho de Drash et al, no entanto, os estímulos escolhidos foram brinquedos e alimentos pelos quais os participantes apresentaram algum tipo de predileção.

No que se refere ao Grupo de Controle de Estímulos, um dos trabalhos (Kelly, Green & Sidman, 1998), os estímulos utilizados eram figuras, letras e números, apresentados em monitor com tela sensível ao toque e estímulos auditivos (nomes correspondentes), sem qualquer avaliação (relatada) da familiaridade dos participantes com os estímulos, anterior a sua exposição. O outro estudo (Eikeseth & Smith, 1992) teve como estímulos letras gregas e seus nomes impressos, apresentados em folhas de papel como modelos (no topo) e comparações (lado a lado, na parte inferior). Ambos os estudos relataram avaliação prévia (pré-testes) dos desempenhos dos sujeitos em tarefas de pareamento ao modelo visual por identidade e auditivo-visual, mas um deles (Kelly, Green & Sidman, 1998) teve como base somente os relatos de professores do participante acerca de seus desempenhos nesse tipo de tarefa.

 

Tipo de resposta requerida, aparato e técnicas de correção:

Em três dos cinco trabalhos do Grupo de Operantes Verbais, foram utilizados objetos reais, geralmente apresentados sobre uma mesa ou erguidos pelo experimentador e cuja apresentação era contingente à de um prompt verbal (e.g., “O que é isso?”, “O que você quer?”). Nesses casos respostas requeridas eram respostas verbais (ecóicos, tatos e/ou mandos) nas formas de vocalizações inicialmente indiferenciadas (Drash, High & Tudor, 1999) e sinais (Partington, Sundberg, Newhouse & Spengler, 1994; Sundberg, Endicott & Eigenheer, 2000). De forma diferente, no trabalho de Yamamoto e Mochizuki (1988), a emissão de mandos (pedir um objeto a um dos experimentadores), deveria ocorrer na ausência do objeto, em resposta a um prompt verbal do tipo “Traga-me [nome do objeto]” (procedimento de cadeia social). Já no estudo de Williams et al. (2000), as respostas – mandos em forma de perguntas – deveriam ser iniciadas espontaneamente pelas participantes, na presença de estímulos não-verbais (caixas contendo objetos escondidos).

Em um dos estudos do Grupo de Controle de Estímulos (Kelly, Green & Sidman, 1998), as tarefas eram computadorizadas, de maneira que as respostas requeridas eram de toque aos estímulos apresentados no monitor. Este estudo realizou ainda testes de generalização utilizando tabuleiro, com resposta de toque a estímulos tridimensionais. O trabalho de Eikeseth e Smith (1992) apresentava as tentativas em folhas de papel (uma folha para cada arranjo de estímulos) e requeria também respostas de toque, frente ao prompt verbal “Aponte os iguais”, além de respostas de nomeação oral a estímulos isolados.

Para o estabelecimento das respostas apropriadas, todos os trabalhos, de ambos os grupos, utilizaram-se de prompts de indução de resposta, a única diferença residindo na natureza da técnica utilizada. Para o Grupo de Operantes Verbais, foram utilizados prompts verbais que consistiam na apresentação da resposta verbal correta para que o participante imitasse. Já para o Grupo de Controle de Estímulos, os prompts eram não-verbais e consistiam na orientação física da resposta correta. Novamente para ambos os grupos, após as respostas estarem estabelecidas, o prompt apresentava esvanecimento (fading), sendo reduzido gradualmente, até que o participante fosse capaz de emitir a resposta apropriada sem orientação. Se houvesse erros durante o uso de uma forma reduzida do prompt, este retornava para a forma imediatamente anterior, até que a resposta se estabelecesse de novo sob esta forma.

 

Reforçadores:

Dois dos trabalhos do Grupo de Operantes Verbais contaram com avaliação individualizada de reforçadores potenciais (Drash, High & Tudor, 1999; Partington, Sundberg, Newhouse & Spengler, 1994), que variaram entre brinquedos e itens comestíveis. Nos trabalhos de Yamamoto e Mochizuki (1998) e de Sundberg et al (2000), não foi relatada avaliação de reforçadores. No primeiro, utilizaram-se itens comestíveis, ao passo que no segundo, os participantes podiam escolher um entre vários itens após respostas corretas. Para a maioria dos trabalhos desse grupo, as conseqüências a respostas apropriadas eram elogio (reforço social) acompanhado de um item reforçador, à exceção do estudo realizado por Williams et al (2000) em que a conseqüência para respostas apropriadas era, em última instância, o acesso ao conteúdo das caixas (ao final do treino, é provável que os nomes dos objetos e sua visualização tenham-se estabelecido como reforçadores condicionados). Esse estudo também não relata avaliação de reforçadores individualizados, mas descreve o conteúdo das caixas como “objetos atraentes”.

Somente um dos estudos do Grupo de Controle de Estímulos relatou avaliação explícita de reforçadores potenciais para cada participante. Neste estudo, as conseqüências para respostas corretas foram reforço social, como elogios, sorrisos, abraços, etc. (Eikeseth & Smith, 1992). No outro estudo (Kelly, Green & Sidman, 1998), em que não houve relato de avaliação de reforçadores potenciais, a conseqüência era a apresentação de um tom melódico, seguida da apresentação de seis itens dos quais o participante deveria escolher um.

Pode-se perceber, com base no que foi descrito acima, que a maioria dos trabalhos investigados apresentam cuidados metodológicos semelhantes, refletidos, principalmente, na avaliação de desempenho prévio e de reforçadores potenciais para cada participante, individualmente, e da utilização de técnicas de modelagem das respostas definidas.

A investigação do desempenho dos participantes antes do início do estudo, observada na maioria dos trabalhos, é um exemplo do cuidado no controle experimental característico da prática de pesquisa em Análise Experimental do Comportamento. Em estudos que visam à identificação das variáveis que atuam sobre os comportamentos típicos do autismo, bem como o desenvolvimento de tecnologias de ensino, o conhecimento prévio das habilidades que a pessoa é capaz ou não de apresentar é de suma importância para a avaliação dos efeitos das variáveis manipuladas durante o treino ao qual ela será submetida. Em trabalhos de intervenção ou terapia comportamental, a avaliação de repertório é igualmente relevante, uma vez que permite uma definição clara das demandas imediatas do indivíduo, bem como a identificação e operacionalização dos comportamentos já presentes em seu repertório que poderiam servir como pré-requisitos para a instalação de comportamentos novos, facilitando, inclusive, o planejamento de quais serão os contextos e oportunidades de ensino necessários para aquele caso.

Outro cuidado metodológico que tem sido considerado indispensável para garantir o sucesso de qualquer tipo de intervenção comportamental é a realização de avaliação prévia de reforçadores potenciais (Green, 1996, 2001). Os estímulos que podem ser considerados reforçadores (isto é, que aumentam de forma confiável a freqüência dos comportamentos que os produzem) variam razoavelmente de uma pessoa para outra, sobretudo quando se trata de eventos sociais, de modo que a utilização de “reforçadores universais” assumidos mas não avaliados experimentalmente, pode ter pouco ou nenhum efeito sobre os comportamentos que se desejam instalar ou fortalecer. Mesmo conseqüências como elogios, palmas, sons e animações computadorizadas, por exemplo, que se mostram efetivas em muitos casos, podem não funcionar como reforçadores em outros, especialmente em se tratando de indivíduos com repertório autista. Em vista disso, o conhecimento das conseqüências que terão, de fato, efeito reforçador sobre os comportamentos de um indivíduo, pode contribuir, e muito, para o sucesso de intervenções comportamentais visando à instalação de novas habilidades ou o fortalecimento de comportamentos preexistentes no seu repertório.

A identificação de reforçadores potenciais, além dos benefícios já comentados, pode ser importante para aumentar a eficácia de eventos sociais enquanto reforçadores no caso de não o serem inicialmente. Tais eventos podem assumir função reforçadora se apresentados contingentemente a outros estímulos comprovadamente reforçadores, em especial reforçadores primários, como líquidos e alimentos (Spradlin & Brady, 1999). É importante ressaltar que, embora a utilização de reforçadores primários geralmente não necessite de avaliação prévia da eficácia de tais estímulos, seu sucesso dependerá de manipulação de certas condições motivacionais, como um certo nível de privação, por exemplo, ou mesmo da avaliação das preferências do participante.

Não raro, o simples contato com as contingências programadas não é suficiente para que uma pessoa com diagnóstico de autismo responda apropriadamente, quando inicialmente submetida à situação de treino de uma habilidade nova. Isto é, os estímulos discriminativos arranjados pelo experimentador podem não ser eficazes no controle das respostas esperadas (Green, 2001). Assim, é essencial, nos estudos realizados com essa população, o domínio de técnicas de indução e correção que facilitem o estabelecimento de controle discriminativo sobre os comportamentos-alvo. Uma técnica recorrente nos trabalhos de ambos os grupos foi a utilização de prompts de indução de resposta, como orientação física da resposta desejada, para citar um exemplo. Os prompts são empregados como eventos antecedentes auxiliares, até que o participante seja capaz de responder sem auxílio. A utilização de esvanecimento (fading) dos prompts é também um exemplo de refinamento metodológico digno de nota: a redução gradual dos prompts, até sua eliminação total, evita que os participantes se tornem “dependentes” deles, colocando seu responder sob controle cada vez mais preciso apenas dos estímulos relevantes.

As principais diferenças identificadas no trato metodológico dos estudos analisados neste trabalho residem na natureza dos estímulos, no tipo de resposta requerido e no controle de variáveis estranhas. Na maioria dos trabalhos do Grupo de Controle de Estímulos, os estímulos utilizados são figuras bidimensionais e a resposta requerida é de toque, enquanto que para o Grupo de Operantes Verbais, os estímulos utilizados são, em sua maioria, objetos reais, e as respostas requeridas, respostas verbais, ambos mais complexos. Essas diferenças são, na verdade, reflexos da modalidade de pesquisa predominante em cada um dos grupos: como já foi comentado anteriormente, a maioria dos trabalhos do Grupo de Controle de Estímulos são trabalhos de pesquisa básica, caracterizados pelo controle experimental rigoroso e pela utilização de condições experimentais simplificadas, ao passo que a maioria dos trabalhos do Grupo de Operantes Verbais são trabalhos de pesquisa aplicada, voltados para a intervenção em ambiente natural, e visando ao estabelecimento de habilidades relevantes socialmente. Embora as reservas metodológicas características do Grupo de Controle de Estímulos e, conseqüentemente, da pesquisa básica, sejam imprescindíveis a fim de se isolarem mais precisamente as variáveis envolvidas no controle do comportamento, algumas considerações merecem ser feitas acerca da utilização de participantes autistas em trabalhos de pesquisa.

É evidente que estudos visando ao esclarecimento do controle de estímulos em um nível mais básico são de grande importância. Contudo, os benefícios imediatos que a participação nesses estudos traz para o indivíduo autista parecem ser irrisórios, principalmente se levarmos em conta a expectativa dos familiares, ao consentirem com a participação (os benefícios para a comunidade científica são preciosos e inquestionáveis, e poderão, claro, ser úteis para o próprio participante, a longo prazo, mas não satisfazem, necessariamente, as expectativas imediatas dos familiares). Por esse motivo, talvez seja válido nos questionarmos se a participação de indivíduos autistas nesse tipo de pesquisa não poderia ser substituída, onde e quando possível, pela utilização do modelo animal. Nos casos em que a participação de pessoas autistas fosse, de fato, necessária, a aplicação da tecnologia proveniente desses estudos poderia ser realizada com materiais e em contextos mais facilmente generalizáveis em ambientes outros que não o da execução do experimento.

Apesar de não serem rigorosos quanto ao controle de variáveis estranhas (e, talvez, justamente por isso), os trabalhos do Grupo de Operantes Verbais parecem ser os mais produtivos em termos de benefícios para a população autista. Por serem realizados em ambientes mais semelhantes, estruturalmente, aos ambientes naturais do indivíduo, e por visarem ao estabelecimento de habilidades sociais que serão úteis em um nível mais imediato, em contextos interativos replicáveis naturalmente no dia a dia, tais estudos parecem estar em maior consonância com as necessidades imediatas das pessoas autistas.

 

Considerações Finais:

O autismo é visto tradicionalmente como um recolhimento da criança para um “mundo próprio”, ao qual somente ela tem acesso. Ausência de afeto e de busca espontânea de contato físico, decorrentes de um afastamento voluntário do “mundo real”, e a incapacidade de aprender devido a algum prejuízo biológico, são tópicos recorrentes quando se fala sobre o tema (Gellis & Kagan, 1973). O desenvolvimento do presente trabalho partiu do pressuposto de que muitas das características autistas podem ser analisadas e trabalhadas em termos de repertório comportamental, exclusivamente. Muito embora existam, provavelmente, repertórios típicos do autismo decorrentes de prejuízos neurológicos, dificuldades durante a gestação e no parto, entre outras causas atribuídas ao distúrbio, esta relação de causalidade organicista não parece ser a regra, principalmente se levarmos em conta os resultados bem-sucedidos de intervenções comportamentais bem planejadas e executadas. Além disso, deve-se levar em conta que os estudos atribuindo causações orgânicas ao autismo são, em sua maioria, estudos correlacionais. Esses estudos identificam, sempre com base em uma análise retrospectiva, características orgânicas que coexistem com as caraterísticas autistas, em uma parcela significativa da amostra considerada, não havendo, dessa maneira, uma relação causa-efeito direta comprovada entre aquelas características e as últimas. O que se identifica são, na verdade, possibilidades de relação, além do fato, inegável, de que uma boa porcentagem de pessoas diagnosticadas como autistas apresenta problemas biológicos. Mas, se esses problemas causam ou apenas acompanham o quadro autista, é uma questão que ainda deve ser investigada mais a fundo.

É provável que haja casos de pessoas que apresentem características autistas, em termos de repertório apenas (i.e., sem que sejam necessariamente acompanhadas de ou acarretadas por prejuízos orgânicos), desenvolvidas por exposição deficiente à estimulação ambiental necessária para um desenvolvimento considerado normal. Essa estimulação deficiente não deve ser entendida como produto da atuação de “maus pais” ou como uma criação propositadamente ruim, mas como decorrente da falta de informação dos pais acerca dos pré-requisitos para o bom desenvolvimento de seus filhos. E nem mesmo a falta de informação deveria ser considerada uma falha dos pais, visto que não há disponibilização apropriada desse conhecimento além dos círculos acadêmicos.

Um prejuízo de se aceitar, simplesmente, que o transtorno autista tenha uma origem exclusivamente orgânica (e, conseqüentemente, imutável), é a prática, decorrente dessa concepção, de não se submeterem pessoas autistas a programas educacionais relevantes, presumindo-se que sua “condição interna” não lhes permite aprender. Talvez (e muito provavelmente), a “incapacidade” da maioria das pessoas autistas tenha uma origem cultural, muito antes de biológica, interna. Este trabalho procurou mostrar as técnicas de controle experimental das quais a Análise do Comportamento faz uso no estudo do repertório autista. Uma análise detalhada dos resultados desses trabalhos (que não foi o objetivo do presente estudo) mostraria que indivíduos autistas podem apresentar avanços significativos em termos de repertório, desde que sejam identificadas as variáveis ambientais relevantes, como conseqüências realmente reforçadoras, e desde que sejam programadas oportunidades de ensino apropriadas, levando-se sempre em consideração aspectos individuais de cada participante.

Todavia, apesar dos avanços provenientes da pesquisa comportamental, informações imprecisas e a falta de conhecimento acerca do autismo ainda se mantêm, trazendo prejuízos aos próprios autistas e a seus familiares, aumentando o despreparo de professores e outros profissionais que lidam com crianças autistas, mantendo e gerando preconceitos. Por essa razão, torna-se patente a necessidade de os analistas do comportamento se preocuparem não somente com a investigação científica e o desenvolvimento de técnicas e tecnologias de intervenção, mas também em disponibilizarem o saber decorrente de suas pesquisas para o público em geral, principalmente no Brasil, onde os estudos sobre o tema, além de escassos, não encontram meios de veiculação para a comunidade.

Outra tarefa dos analistas do comportamento seria o desenvolvimento de instrumentos que possibilitassem a identificação, o mais precocemente possível (antes dos tradicionais três anos de idade), de traços comportamentais incipientes característicos de um repertório autista, dado que a intervenção precoce parece trazer benefícios mais significativos do que uma intervenção mais tardia no desenvolvimento infantil. Além disso, os profissionais, não apenas da Análise do Comportamento, mas da Psicologia como um todo, deveriam estar mais atentos à elaboração de programas de prevenção que pudessem minimizar a gravidade dos efeitos comportamentais e educacionais da condição autista e, talvez, evitar o próprio desenvolvimento de um repertório autista, ao invés de ocuparem-se somente com o tratamento de um quadro já estabelecido.

 

Referências

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Recebido em: 23/10/02
Primeira decisão editorial em: 16/11/02
Versão final em: 22/11/02
Aceito em: 25/11/02

 

 

1 O presente estudo é parte do Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em Psicologia na UFPa, defendido pelo primeiro autor, sob orientação do segundo, e apresentado em forma de painel na XXXII Reunião Anual de Psicologia da Sociedade Brasileira de Psicologia.
2 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento - UFPA.
3 Docente do Departamento de Psicologia Experimental - UFPA. Pesquisador 2B do CNPq. End. : TV. CASTELO BRANCO, 1923/301 - Bairro do Guamá, CEP: 66.063.420 - BELÉM, PARÁ. E-mail: gjaa@cpgp.ufpa.br
4 As conseqüências produzidas por respostas ao ambiente físico não-social geralmente são bastante consistentes: se uma criança puser uma chupeta na boca, em condições normais, as sensações táteis e gustativas serão, provavelmente, muito semelhantes às experimentadas em outras ocasiões.
5 “(...) Every skill the child with autism does not demonstrate – from relatively simple responses like looking at others to complex acts like spontaneous communication and social interaction – is broken down into small steps. (...). Appropriate responses are followed by consequences that have been found to function effectively as reinforcers (...). A high-priority goal is to make learning fun for the child. Another is to teach the child how to discriminate among many different stimuli: his name from other spoken words; colors, shapes, letters, numbers, and the like from one another; appropriate from inappropriate behavior. Problematic responses (such as tantrums, stereotypies, self-injury, withdrawal) are explicitly not reinforced, which often requires systematic analysis to determine exactly what events function as reinforcers for those responses. Preferably, the child is guided to engage in appropriate responses that are incompatible with the problem responses” (Green, 1996; p. 30).
6 “(...) reproducible group data describe some kind of order in the universe and, as such, may well form the basis of a science. It cannot, however, be a science of individual behavior except of the crudest sort. (...). It is a science of averaged behavior of individuals who are linked together only by the averaging process itself” (Sidman, 1960; p.275).
7 Organização internacional mais representativa de pesquisadores e terapeutas comportamentais. No Brasil, a Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental (ABPMC) tem publicado um periódico – Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva – no qual não foram encontrados trabalhos sobre o tema que respondessem aos nossos critérios.