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Stylus (Rio de Janeiro)
Print version ISSN 1676-157X
Stylus (Rio J.) no.29 Rio de Janeiro Nov. 2014
EDITORIAL
Esta publicação, Stylus 29, compreende um segundo volume de textos, que continua abordando a temática "A causa do desejo e suas errâncias", trabalhada ao longo de 2013 na Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano no Brasil. A escolha desse tema provou ter incentivado uma grande produção de bons trabalhos, muitos deles endereçados à Stylus, o que nos levou a distribuí-los em dois números, com rigor e consistência equivalentes.
Segundo anunciamos em Stylus 28, na qual publicamos a primeira das três conferências de Colette Soler realizadas durante o XIV Encontro Nacional da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano, realizado no ano passado em Belo Horizonte, encontram-se, na presente edição, a segunda e a terceira dessas conferências, respectivamente intituladas de "O que resta da Infância" e "Possibilidade de uma ética não individualista da psicanálise".
Em "O que resta da infância", Soler tece uma aproximação entre marcas e estrutura, trazendo a questão de como, a partir das marcas do trauma, um sujeito pode chegar ao real da estrutura, propondo que existem dois tipos de real: um demonstrável enquanto impossível e um que se encontra, mas não se demonstra, e que concerne ao real da repetição e da letra do sintoma. Introduz a ideia, que desenvolverá na terceira conferência, de que a ética do sujeito é como cada um responde ao real que se encontra, questionando se uma psicanálise pode mudar a opção ética de um sujeito.
Na terceira conferência – "Possibilidade de uma ética 'não individualista' da psicanálise" –, Soler dá sequência às reflexões a respeito da ética, contrapondo uma ética individualista à ética psicanalítica, que é fundamentada na unaridade do falasser. Por meio das asserções "Não há relação sexual" e "Não há relação social", a autora contrasta psicanálise e capitalismo, ressaltando, no entanto, que o capitalismo é condição de existência da psicanálise.
Na seção Ensaios, encontramos dispostos cinco textos, e quatro deles confirmam o quanto psicanálise e psicanalistas referenciam-se, dialogam e aprendem, deixando-se afetar pelo fazer e mostração artística, enriquecendo assim seus argumentos teóricos e clínicos.
No primeiro texto dessa seção – "Na mansão do dito imaginário: opsis e a seção diagonal" –, Ana Laura Prates revisita o imaginário, inspirada pela obra do artista plástico Marcius Galan e apoia-se na afirmação lacaniana que diz: "o imaginário é uma dit-mansion tão importante quanto as outras". Aproximando a obra artística da teoria psicanalítica, a autora faz um percurso desde o Estádio do Espelho, até a Teoria dos Nós, discutindo as noções de tempo e especialmente de espaço, chegando à conclusão de que "na experiência topológica de Seção diagonal, o que o artista põe em cena é o 'espaço lacaniano' não kantiano e suas propriedades".
Em "Algumas posições do Príncipe Hamlet ante o desejo", a autora tem por motivação pensar a que está submetida a "loucura" de Hamlet. Recorrendo à literatura clássica, Vanina Muraro escolhe este personagem de Shakespeare, para abordar a questão do desejo, evidenciando a relação do Príncipe com a morte e a procrastinação de seu ato, contrapondo-o à posição decidida de Antígona.
A seguir, Maria Lucia Araújo elege como objeto de sua pesquisa, a vida e a obra de André Gide, a partir do que irá se perguntar se e como a escrita do artista contribui para o entendimento dele próprio e para a psicanálise. A autora faz seu itinerário articulando "A letra e o desejo em André Gide", título escolhido para seu ensaio.
Em "Joyce, o Sinthoma – uma leitura", é a vez da obra do artista James Joyce que, a partir da leitura que Lacan faz de sua escrita, tanto tem ensinado aos analistas a respeito de como se articulam os significantes na linguagem do inconsciente. Assim é que Gláucia Nagen faz sua leitura do artigo em questão, destacando algumas passagens do texto joyciano para ressaltar a singularidade criativa de sua escrita, articulando-a com o conceito de alíngua, encontrado por Lacan no desenvolvimento de sua teoria.
Encerrando a seção Ensaios, encontramos um texto que foge à série que relaciona arte e psicanálise, o qual discute de maneira crítica os aspectos históricos, culturais e sociais da psicanálise lacaniana no Brasil. É dessa maneira que, no ensaio "Conflito entre psicanalistas e impasses fálicos da brasilidade", os autores Christian Ingo Lenz Dunker e Fuad Kyrillos Neto apresentam, como o título mostra, uma leitura própria das rupturas e divergências comuns ao movimento psicanalítico, propondo como hipótese que "os conflitos e divisões entre psicanalistas podem ser remetidos a diferentes gramáticas fálicas presentes na brasilidade, particularmente, depois dos anos 1970". É dentro dessa perspectiva que os autores vão examinar uma situação particular ocorrida na Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano – Brasil, análise esta que não corresponde nem à interpretação de toda a comunidade da EPFCL – Brasil, nem em particular à leitura que fazem da mesma situação, alguns membros da equipe desta publicação. No entanto, respeitando o princípio de fazer valer a crítica assídua ao movimento psicanalítico e o de que opiniões discordantes possam coabitar numa mesma instituição de psicanálise enriquecendo seu debate sem necessariamente promover rupturas, é que acolhemos o referido texto em Stylus.
Abre a seção Trabalho crítico com conceitos, o texto de Cibele Barbará, "A verdade ou Testemunho", em que acompanhamos, mais uma vez, a parceria entre psicanálise e literatura, para a autora estabelecer algumas relações entre os testemunhos literários e os testemunhos referentes à análise propriamente dita e ao passe, a partir do livro A Escrita ou a Vida, de Jorge Semprum.
No segundo artigo dessa seção – "Avatares do desejo no mundo capitalista: a noção lacaniana de 'latusa' e sua relevância clínica" –, para pensar a situação do analista no mundo capitalista, Martin Alomo privilegia o conceito de latusa, especialmente trabalhado por Lacan no Seminário O avesso da psicanálise. Para isso, trilha um percurso que vai da demonstração do sujeito que advém do cogito cartesiano, a sua relação com o capitalismo tecnológico, numa perspectiva heideggeriana, até a discussão do conceito marxista de mais valia, a partir do qual Lacan fundamenta sua noção de mais-de-gozar.
Leandro Alves Rodrigues dos Santos, autor do artigo "O psicanalista e a errância de seu desejo: um olhar sobre as vicissitudes de um ofício tão particular...", propõe, entre outras, uma discussão a respeito do desejo do analista e das vicissitudes da prática psicanalítica no mundo contemporâneo e se interroga a respeito dos efeitos do fazer psicanalítico na vida do psicanalista.
Concluindo essa seção, Andréa Hortélio Fernandes dedica-se a refletir sobre a posição do desejo do analista na prática com sujeitos que fracassam ao se inscreverem no discurso do Outro, assim como acontece no autismo, e desenvolve suas elaborações com base na experiência clínica a respeito do uso que os sujeitos autistas fazem desse operador clínico, desejo do analista.
Na seção Direção do tratamento, contamos com três artigos que trazem a relevância do desejo na clínica e demonstram, de certa maneira, como uma análise se aproxima da metonímia do desejo como expressão do inconsciente.
No primeiro texto dessa seção, Bela Malvina Szajdenfisz promove, mediante a teorização que realiza do caso clínico eleito para seu trabalho, uma aproximação entre a citação que faz Lacan, de autoria de Simone Weil, no Seminário O desejo e sua interpretação – "Se soubéssemos o que avarento encerra no seu cofre, saberíamos muito sobre seu desejo" –, com o qual intitula seu artigo, e a insistência do significante "avaro", que faz enigma ao sujeito em análise. A autora privilegia os aspectos que concernem à relação da fantasia com o desejo e a função desejo do analista na direção do tratamento.
Em "A letra do desejo – um relato de um sonho", Maria Vitória Bittencourt demonstra, ao trazer em seu comentário o texto do "Sonho do unicórnio", de Leclaire, e todo o desdobramento da cadeia significante que se constrói ao longo da análise, como é possível equivaler o trabalho analítico a uma prática da letra capaz de fazer surgir um significante de alíngua.
"Conflito ou autorrecriminação? Questões sobre o desejo na neurose" é o artigo de Lenita Pacheco Lemos Duarte, que segue a trilha da teoria freudiana das neuroses, buscando, por meio de dois casos clínicos, distinguir a relação do sujeito com seu desejo em cada um dos tipos clínicos da neurose.
Na seção Resenha, Beatriz Oliveira se encarrega de expressar seus comentários a respeito de sua leitura do livro Sua Majestade o autista: fascínio, intolerância e exclusão no mundo contemporâneo, de Luis Achilles Furtado, publicado em 2013, em que o autor apresenta sua tese de doutorado em Educação, produzindo uma contribuição de peso para as questões referentes à abordagem do autismo nos campos da educação, especialmente no que concerne à inclusão, e no campo da psicanálise.
Em Stylus 28 e Stylus 29, pudemos contar, além da habitual contribuição dos colegas que enviam seus textos, com a dos parceiros, tradutores, revisores e também com a participação espontânea dos colegas do Campo Psicanalítico de Salvador, que se lançaram à tarefa de transcrição e parte do estabelecimento do texto e revisão das conferências de Soler, aos quais agradecemos a iniciativa.
A atual coordenação da Equipe de Publicação de Stylus conclui, com Stylus 29, seu trabalho de publicação desse importante meio de circulação dos textos da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano; por isso agradece também a todos aqueles que, de alguma forma, colaboraram para o acontecimento dos quatro últimos números de Stylus que foram publicados ao longo de 2012 a 2014.
Desejamos que o presente número possa contribuir para os estudos e pesquisas dos leitores, a quem desejamos uma excelente experiência de leitura.
Ida Freitas