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Psicologia em Revista

Print version ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.23 no.3 Belo Horizonte Sept./Dec. 2017

https://doi.org/10.5752/P.1678-9563.2017v23n3p1034-1050 

ARTIGOS

DOI - 10.5752/P.1678-9563.2017v23n3p1034-1050

 

Iniciação científica na formação em psicologia: uma revisão de literatura

 

Undergraduate scientific research in psychology training: a literature review

 

Iniciación científica en la formación en psicología: una revisión de literatura

 

 

Guilherme de Souza Beraldo*; João Leite Ferreira Neto**

 

 


Resumo

Este artigo teve por objetivo realizar revisão de literatura acerca da iniciação científica (IC) na formação de psicólogos. Pesquisamos trabalhos nas bases de dados da Biblioteca Virtual de Psicologia Brasil (BVS-Psi Brasil), Periódicos Capes e Banco de Teses Capes. Foram encontrados poucos materiais que associam ensino de Psicologia e a IC. Assim, reunimos trabalhos de outras áreas a fim de expor os aspectos analisados em outros cursos de graduação e discutir os alcances dessa ferramenta de ensino. Apresentamos o PIBICCNPq em seus objetivos, maior programa institucional de bolsas de IC do país e referência enquanto modelo de organização desta modalidade. A reunião do material indicou potencialidades na formação de pesquisadores e no desenvolvimento de competências e habilidades globais, podendo atingir aquelas indicadas pelas DCN para Psicologia. Ademais, ressaltamos a necessidade de que esta temática continue sendo pesquisada, dado o número ainda pequeno de investigações na área da Psicologia.

Palavras-chave: Iniciação científica. Formação do psicólogo. Pesquisa em Psicologia. Diretrizes Curriculares Nacionais.


Abstract

The aim of this article was to carry out a literature review about undergraduate scientific research (USR) in the training of psychologists. We searched the databases of the Biblioteca Virtual de Psicologia Brasil (BVS-Psi Brasil), Periódicos Capes and Banco de Teses Capes. Few materials associate Psychology training and USR. Thus, we gathered papers from other areas in order to present the aspects analyzed in other undergraduate courses and to discuss the scope of this teaching tool. We present the PIBIC-CNPq in its objectives, the largest institutional scholarship program of USR in the country and reference as a model of organization of this modality. The material gathered indicated potentialities in the training of researchers and in the development of global skills and abilities, being able to reach those indicated by the NCG for Psychology. In addition, we emphasize the need for this theme further researched, given the small number of investigations in the area of Psychology.

Keywords:Undergraduate scientific research. Psychology training. Research in Psychology. National Curricula Guidelines.


Resumen

Este artículo tuvo como objetivo llevar a cabo una revisión de la literatura sobre la iniciación científica (IC) en la formación de los psicólogos. Investigamos trabajos en las bases de datos de la Biblioteca Virtual de Psicología Brasil (BVS-Psi Brasil), Periódicos Capes y Banco de Tesis Capes. Encontramos pocos materiales que asociaran la enseñanza de la Psicología y la IC. Así pues, reunimos trabajos de otras áreas con la finalidad de exponer los aspectos analizados en otros cursos de graduación y discutir el alcance de esta herramienta de enseñanza. Presentamos el PIBIC-CNPq y sus objetivos, el mayor programa institucional de becas de IC del país y referencia como modelo de organización de esta modalidad. La reunión del material indicó potencialidades en la formación de investigadores y en el desarrollo de competencias y habilidades globales que pueden alcanzar las indicadas por las DCN para Psicología. Además, señalamos la necesidad de que esta temática siga siendo investigada, yaque aúnes pequeño el número de investigaciones en el área de la Psicología.

Palabras clave: Iniciación científica. Formación del psicólogo. Investigación en Psicología. Directrices Curriculares Nacionales.

1. INTRODUÇÃO

Num panorama geral, a iniciação científica (IC) acaba por representar um conjunto de atividades diversas desenvolvidas por estudantes de graduação sob a supervisão de um orientador de pesquisa.

O Brasil apresenta uma realidade única no cenário educacional e científico internacional por ser o único a promover a IC de forma institucional por meio de programas idealizados e/ou financiados por agências federais e estaduais, ou mesmo internamente nas instituições de ensino superior (IES) (Massi & Queiroz, 2015). Representando e servindo de modelo para essas práticas está o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

A partir da idealização de um programa institucional – O PIBIC – o CNPq buscou formar parcerias com instituições para distribuir as bolsas de IC e diminuir o número de pesquisadores bolsistas que obtinham o benefício por meio de requisições diretas ao Conselho, as chamadas bolsas de balcão, ofertadas desde o início de sua criação em 1951. (Massi & Queiroz, 2010, 2015). Anteriormente, estas eram, portanto, distribuídas de forma assistemática e somente por demanda direta dos pesquisadores.

Neste programa, são elas as responsáveis pela distribuição das bolsas seguindo critérios da agência e de comitês internos próprios instituídos pelas respectivas pró-reitorias de graduação ou pesquisa. Sua regulamentação se dá por meio de Resoluções Normativas (RN), sendo que nove já foram publicadas desde o início do programa. Na versão vigente (RN 017/2006), os objetivos gerais do programa são:

a) contribuir para a formação de recursos humanos para a pesquisa;
b) contribuir para a formação científica de recursos humanos que se dedicarão a qualquer atividade profissional; e
c) contribuir para reduzir o tempo médio de permanência dos alunos na pós-graduação. (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico [CNPq], 2006).

Dados da Plataforma Carlos Chagas indicam que há 26.281 bolsas de IC ofertadas pelo CNPq, em 2017, dentre as quais 3.498 são da área de Ciências Humanas (13,31%), atrás das Ciências da Saúde, Agrárias, Exatas e da Terra e Biológicas. Para a Psicologia, há 704 bolsas em vigência, o que representa 20,13% do total da área, atrás somente da Educação (29,85%). (CNPq, 2017b).

Em números absolutos, pode-se considerar – em princípio – que há um grande número de bolsistas no país. No entanto, conforme ressaltam Massi e Queiroz (2015), a quantidade de bolsas ainda é pequena se colocada frente ao número total de alunos matriculados na graduação.

Temos que – em 2015 – o número total de alunos matriculados em cursos de graduação presenciais era de 6.633.545, tendo sido distribuídas 51.249 bolsas pelo CNPq. (Brasil, 2017; Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira [INEP], 2016). Chega-se, assim, a apenas 0,7% de alunos atendidos. Na realidade da Psicologia, a parcela de alunos atendidos por bolsas de IC cai para 0,6% (1.321 bolsas para 223.490 alunos matriculados em 2015). (Brasil, 2017; CNPq, 2017a; INEP, 2016).

A IC é tema explorado por poucos trabalhos na área da Psicologia, conforme discutiremos adiante. Embora haja uma profusão de pesquisas acerca da formação de psicólogos, há concentração nas discussões sobre o currículo e nos desafios técnicos da formação profissional, a partir de uma "ótica internalista", fazendo com que aspectos macropolíticos, como leis e diretrizes, sejam menos explorados. (Costa et al., 2012, p. 135). Com esta revisão, pretendemos contribuir em todos estes âmbitos.

O objetivo deste artigo foi realizar revisão de literatura acerca da IC no cenário do ensino superior brasileiro relacionando-a com a formação em Psicologia.

Em sua organização, apresentamos e caracterizamos a IC em relação os documentos que regulam o PIBIC, fazendo uma análise dos mesmos a fim de considerar seus objetivos e alcances. Em seguida, expomos trabalhos sobre a IC em outras áreas, a fim de conhecer como esta ferramenta de ensino tem sido explorada em seus alcances pedagógicos. Finalmente, procuramos pensar as possibilidades da utilização da IC no desenvolvimento das habilidades de formação em Psicologia, problematizando sua concentração nas universidades.

2. METODOLOGIA

Procedemos a uma busca de materiais nas bases de dados da Biblioteca Virtual de Psicologia Brasil (BVS-Psi Brasil), Periódicos Capes e Banco de Teses Capes sobre esta temática.

Na primeira delas, o descritor "iniciação científica" retornou oito resultados para periódicos técnico-científicos. Destes, dois se referiam ao mesmo trabalho, um não versava sobre a IC como atividade de formação profissional, e apenas um referia-se à especificidade da Psicologia, porém sem discuti-la na formação do psicólogo. Das nove teses, nenhuma fazia esta discussão, assim como os dois livros.

Na busca automática que A BVS-Psi realiza na base SciElo, das 196 referências, apenas 38 tinha relação direta com a IC, a maior parte relacionados à formação dos profissionais de saúde, em especial na Enfermagem. Os outros trabalhos provavelmente se encontravam nesta categoria por se originarem de projetos de IC, mas com temáticas diversas. Voltados à IC na Psicologia, seis trabalhos, dentre os quais apenas um relacionava diretamente IC e a formação profissional.

No portal Periódicos Capes, a busca da palavra-chave "iniciação científica" na associação com "formação em Psicologia" retornou cinco resultados, dentre os quais os de Guareschi, Wendt, & Dhein (2011) e Oliveira & Yamamoto (2017), únicos em relação à formação. Quando inseridos "iniciação científica" e "formação do psicólogo", outros três itens, nenhum relacionado à formação. Por último, associados "iniciação científica" e "ensino de Psicologia", apenas um trabalho, que não aborda a formação.

Também procedemos a uma busca no Banco de Teses da Capes, na qual encontramos somente duas dissertações – Bettoi (1995) e Oliveira (2013) – relacionando IC e a formação em Psicologia. Neste cenário, percebe-se que a IC ainda foi explorada por poucos trabalhos, frente à diversidade de estudos acerca da formação do psicólogo, o que justifica a pertinência em reuni-los.

3. INICIAÇÃO CIENTÍFICA: DEFINIÇÕES E ESTUDOS

Buscando uma definição clara do que se constitui uma IC, observamos que a literatura não é unânime em estabelecê-la, seja nos documentos que a regulam seja nos trabalhos que a abordam. Massi e Queiroz (2015, p. 7), em um livro organizado acerca deste tema, procuram delimitá-la como "o desenvolvimento de um projeto de pesquisa elaborado e realizado sob orientação de um docente da universidade, executado com ou sem bolsa para os alunos". Ademais, sugerem que o conjunto das experiências na graduação que se voltam para a pesquisa científica também pode ser entendido, em um sentido ampliado, como IC.

O PIBIC – CNP que é o maior do país nesta modalidade e adotado como parâmetro da regulação desta atividade, define-a como "participação em projeto de pesquisa orientado por pesquisador qualificado". (CNPq, 2006).

Nossa compreensão do que seja IC se define pela participação ativa de discentes na elaboração e/ou condução de um projeto de pesquisa específico sob orientação de um docente, e não apenas como a conclusão de disciplinas obrigatórias de um curso de graduação. Neste sentido, compreendemos IC como uma atividade formativa facultativa que vai além da grade curricular padrão.

A literatura acerca da atividade de IC no país ainda é pequena, assim como as pesquisas longitudinais sobre seus impactos na formação dos graduandos. Não obstante, os estudos realizados apontam para "uma experiência de sucesso na complementação da formação acadêmica e pessoal do universitário e no encaminhamento para a pesquisa e formação profissional" (Massi & Queiroz, 2015, p. 8).

A temática tende a ser explorada de modo particular por cada área ou curso superior, com destaque para as áreas de saúde. A quase totalidade dos trabalhos disponíveis está no formato de artigos científicos, conforme já destacamos.

Quanto às suas naturezas, Massi e Queiroz (2010) apontam que as contribuições destes se dividem em três grandes segmentos: avaliação da IC como atividade de formação dos universitários; avaliação do PIBIC com relação aos objetivos almejados pelo programa; e caracterização de algumas particularidades do desenvolvimento da atividade de IC.

A importância da IC como importante atividade formadora, contudo, parece ser consenso na avaliação de diversos autores (Bridi, 2004, 2010; Cury, 2004; Gomes, 1996; Guareschi, Wendt, & Dhein, 2011; Massi, 2008; Medeiros, 2005; Neves, 2001; Nogueira & Canaan, 2009; Queiroz & Almeida, 2004; Yamamoto, 2006).

O levantamento da literatura científica a respeito da IC no país mostra que - grosso modo - grande parte das áreas de conhecimento se voltam para o estudo dessa ferramenta de ensino e formação profissional. Temos exemplos de trabalhos desde as chamas "áreas duras" das ciências exatas, até a pesquisa em ciências sociais.

Em áreas como a Química e a Física, na qual a pesquisa ocorre grande parte das vezes em laboratórios específicos e necessita de alunos bolsistas. Alguns autores (Neves, 2001; Queiroz & Almeida, 2004) mencionam uma chamada “pedagogia do laboratório”. Para Neves (2001), a IC realizada no contato dos estudantes com a manipulação de amostras, por exemplo, biológicas, proporciona um aprendizado além dos limites da leitura dos resultados de uma pesquisa ou formulação teórica. Neste sentido, para ela, a IC pode ser "entendida como uma pedagogia espontânea e estratégia educativa marcada pela sua eficiência" (Neves, 2001, p. 94).

Baseadas nos estudos da sociologia da ciência, Queiroz e Almeida (2004) investigaram as atividades de alunas de Química que passaram por IC buscando compreender se vivenciar uma experiência de pesquisa é relevante para a aprendizagem do aluno de graduação na área. A avaliação das autoras é que a prática em ciência contribui – diretamente – para a posterior etapa de elaboração de documentos, resultados e apresentações científicas. (Queiroz & Almeida, 2004).

Na área de saúde, temos o exemplo da contribuição de Oliveira, Alves, e Luz (2008) que pesquisaram a as impressões de alunos de Medicina de seis universidades – em quatro estados – acerca da presença da IC na graduação. Foi objetivo dessa pesquisa levantar a existência ou não de IC nas universidades em questão, assim como os motivos para a participação ou não nessas atividades. Foi pressuposto inicial dos autores que o envolvimento em atividades de pesquisa durante a formação médica é um fator relevante no processo de ensinoaprendizagem.

Nos resultados, destacam que é "crescente o interesse dos alunos de graduação em participar de iniciação científica durante a graduação", já que apenas 7% dos 413 participantes declararam não ter interesse (Oliveira, Alves, & Luz, 2008, p. 312). Das seis escolas, apenas duas possuíam programa de IC institucional, sendo que nestas havia maior participação discente. Dentre as principais razões para não envolvimento com IC, os sujeitos de pesquisa destacaram a falta de incentivo institucional, a carência de condições materiais, inexistência de pessoal motivado e qualificado, até a falta de interesse pessoal. Ainda, 84% dos entrevistados opinaram ser a favor da obrigatoriedade da IC na formação médica como integrante do currículo. Muito embora os autores ressaltem que nenhuma medida isolada possa ser tomada como determinante para o sucesso ou fracasso de uma iniciativa como a IC, apontam que a possibilidade de inclusão dessa atividade como parte obrigatória do currículo "está em consonância com estudos internacionais". (Oliveira et al., 2008, p. 313).

Ainda na área de saúde, Erdmann, Leite, e Nascimento(2011) pesquisaram a IC a partir dos significados a ela atribuídos por docentes orientadores da Enfermagem. Apontam que, frente à tarefa de orientar, os docentes lidam com desafios não somente a ela relacionados, mas também no processo de seleção dos bolsistas. Afirmam que:

A iniciação científica é o primeiro passo para o desenvolvimento de competências em pesquisa e, deste modo, o estar selecionando o candidato à bolsa e deixá-lo que consiga produzir exige do orientador não só competência na busca do perfil requerido, mas como também, responsabilidade e acompanhamento devido para que o investimento alcance o retorno devido. (Erdmann, Leite, e Nascimento, 2011, p. 267).

Villas Bôas (2003), por exemplo, apresenta um estudo com graduandos de Ciências Sociais na UFRJ, curso com alta taxa de evasão. Após avaliação do programa institucional de bolsas de IC, observou-se que não só a taxa era de apenas 2% entre os alunos bolsistas, como o acompanhamento longitudinal daqueles que permaneceram na graduação apontou uma significativa melhora em seus desempenhos acadêmicos.

No âmbito financeiro, o valor do "auxílio" – para usar o termo presente nas resoluções do CNPq – parece-nos insuficiente para que um aluno de graduação possa optar pela experiência em IC – que geralmente ocorre em turno diferente – em detrimento de um posto de trabalho assalariado. Dados dos estudantes de graduação dos cursos avaliados pelo ENADE 2015, entre eles o de Psicologia, indicam que 66,4% deles trabalham regularmente (INEP, 2015). Sendo assim, depreende-se que optar pela IC em termos financeiros torna-se um desafio.

Por último, a página de apresentação do PIBIC na internet elenca outras metas do programa para além dos objetivos das RN, como "despertar vocação científica e incentivar novos talentos entre os estudantes da graduação" (CNPq, 2017a). A questão da vocação é algo que já esteve presente em resoluções normativas anteriores, excluída do texto da RN atual.

4. INICIAÇÃO CIENTÍFICA E A FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA

Os estudos sobre a profissão de psicólogo no Brasil são numerosos. Ainda no ano de 2009, Yamamoto e Amorim (2010, p. 23) indicavam existir "908 documentos, sendo 376 artigos publicados em periódicos científicos, 46 livros, 411 trabalhos acadêmicos (teses, dissertações e monografias), 31 artigos de divulgação científica, além de 44 outros documentos".

Atendo-nos ao recorte temático deste trabalho, destacamos que – com relação ao total de cursos de Psicologia no país – no decênio 2005-2015, houve um crescimento de 81,2% ano. Muito embora tenha havido aumento da quantidade de vagas em universidades, essas mais do que dobraram (107,5%) nos centros universitários e praticamente triplicaram (197,3%) em faculdades isoladas.

Estas cifras mostram claramente que no espaço de tempo analisado houve forte crescimento no número de psicólogos oriundos de cursos de graduação nos quais a pesquisa tende a ser menos presente na formação profissional, ao menos em termos legais, já que apenas as universidades são caracterizadas pela indissociabilidade das atividades de ensino, pesquisa e extensão. (Brasil, 2016).

Yamamoto, Silva, e Zanelli (2011), ao analisar os dados do ENADE 2006 concluem que:

[...] cada vez mais, analisar a formação básica dos psicólogos brasileiros significa olhar para o ensino que é oferecido pela rede privada. Ou seja, ao discutirmos a formação, cada vez menos o ensino proporcionado pelas universidades públicas e algumas daquelas que pertencem à rede privada, confessional ou comunitárias será referência – ao menos em termos quantitativos. (Yamamoto, Silva, & Zanelli, 2011, p. 61).

Passados mais de dez anos da reunião destes números, e frente ao crescimento das IES particulares, cada vez mais se torna pertinente analisar estas instituições para se ter uma ideia da maneira pela qual os estudantes vêm recebendo treinamento em Psicologia, em especial na formação em pesquisa; consequentemente na IC.

Como exemplo de um dos raros trabalhos sobre a IC e suas relações com a Psicologia, podemos citar o artigo de Pitta, Santos, Escher, e Bariani (2001) que investigou os impactos da IC nos estilos cognitivos de estudantes de Psicologia. Após avaliarem oito participantes, concluíram que a IC acentua características pessoais dos referidos estilos e permitem suas flexibilizações; segundo elas, é um aspecto desejável.

No que diz respeito a dissertações em PPG de Psicologia, destacamos a de Oliveira (2013), que analisou as contribuições do PIBIC para a formação dos psicólogos. A autora convidou bolsistas deste programa – estudantes de Psicologia – em todo o território nacional por meio dos endereços de e-mail cadastrados no site do CNPq. Dos 622 bolsistas contatados houve resposta de 16,7%.

A análise dos resultados dos formulários por eles preenchidos aponta que a maioria dos bolsistas estuda em IES públicas no turno diurno – 69% e 73% dos respondentes, respectivamente. Oliveira comenta que este dado provavelmente reflete o maior número de bolsas PIBIC para essas instituições, que normalmente oferecem seus cursos neste turno, já que – citando Yamamoto, Falcão, e Seixas (2011) afirma que 70% das matrículas nas IES públicas são no turno diurno, enquanto que nas particulares é de apenas 27%.

Estes dados sugerem que, uma vez que a maior parte dos estudantes de Psicologia está nas IES particulares, há pouca pesquisa desenvolvida nessas instituições. Seria inconsistente fazer uma afirmação definitiva a esse respeito, uma vez que há muitos estudantes participando voluntariamente de projetos de IC. Contudo, pensamos que o PIBIC oferece um bom panorama da pesquisa nesse segmento; conforme destacamos anteriormente, é o maior programa institucional de bolsas do país.

Avançando nos dados apresentados por Oliveira (2013), temos que a média de idade dos bolsistas é de 23,64 anos. As mulheres são maioria (71,2%), embora a porcentagem de bolsistas seja menor do que a porcentagem das como alunas de graduação em Psicologia (80,7%), o que indica que, proporcionalmente, os homens recebem mais bolsas do que as mulheres. Mais da metade já havia participado de IC como voluntário anteriormente (56,9%), e a maioria recebeu a bolsa após convite docente (57,7%).

Sobre a principal razão para ser bolsista, 70,2% indicaram interesse em geral na pesquisa ou que pretendiam seguir carreira acadêmica; 22,1% interesse pelo tema; 6,7% financeiro e outras 1%. Para o tempo total de bolsa, os dados mostram que grande parte recebeu a bolsa por um ou dois anos (45,1% e 47,1%, respectivamente). Faziam parte de grupo de pesquisa 79,1% dos entrevistados.

Um dado que chamou a atenção da autora – com o qual concordamos – é que 65,4% dos participantes indicaram que o orientador era o responsável direto pelo acompanhamento do trabalho do bolsista. Outras respostas constaram de alunos de pós-graduação ou membros do grupo de pesquisa. Muito embora seja desejável a interação com outros participantes da pesquisa, o acompanhamento dos alunos não pode ser tarefa do orientador, o que inclusive desrespeita as resoluções normativas do PIBIC.

Sobre a frequência das orientações, 79,7% recebem-na em até duas semanas, o que pode ser considerado bom para o estabelecimento de uma relação mais estreita entre orientador e bolsista. O recente estudo do CGEE (2017) indica que este é um aspecto determinante na sequência da carreira acadêmica dos bolsistas para programas stricto sensu. Optamos por incluir vários dados oriundos da pesquisa de Oliveira (2013) pela iniciativa da autora de fazer um levantamento quantitativo referente aos bolsistas na Psicologia. A reunião destas cifras é, até onde conseguimos encontrar, inédita.

A IC apresenta-se também como um caminho de estreitamento das relações entre graduação e pós-graduação. Yamamoto (2006) esclarece que este último âmbito do ensino superior é construção recente no país, datando da segunda metade do século XX. Enquanto a graduação é vista como o momento de uma formação básica e generalista, a pós-graduação constitui-se como o segmento de excelência em pesquisa científica. Pensar a IC como ferramenta educacional que faça uma ponte entre esses dois setores configura-se tarefa importante. (Cury, 2004).

Ademais, a IC é um dos aspectos analisados nas avaliações dos PPG em Psicologia realizadas pela CAPES. No Quesito 2 – Corpo docente temos a IC nomeadamente como atividade docente desejada, assim como a inserção dos professores na graduação. Em termos quantitativos, estas atividades compõem 10% do valor total do quesito1, que por sua vez é responsável por 15% da nota final atribuída ao programa. Pode-se ler no documento que este item:

Diz respeito à participação do corpo docente no ensino de graduação, com ênfase na oferta de disciplinas e orientação de alunos e bolsistas de Iniciação Científica. Essa inserção representa o impacto do Programa na qualificação dos cursos de graduação na IES, na formação de profissionais capacitados no plano da graduação e na repercussão sobre futuros ingressantes no Programa. (Brasil, 2017, p. 40).

Para além dos ganhos nas habilidades do fazer científico que os alunos de IC adquirem ao se engajarem nessa atividade, há possibilidade de alcances pedagógicos referentes à formação intelectual mais ampla. Bridi (2010) realizou pesquisa com estudantes e professores da Unicamp na qual constatou que mais da metade dos entrevistados considerou que a formação ampla e cultural foi contemplada pela atividade de IC, ultrapassando – assim – os aspectos básicos de formação técnica dos pesquisadores. Este apontamento é importante para que a IC não seja vista apenas com o objetivo de formar pesquisadores; como possibilidade de permitir o desenvolvimento de habilidades de criatividade, enfrentamento de problemas e produção de conhecimento na rotina dos psicólogos.

A IC pode se constituir como um importante instrumento pedagógico para que a pesquisa seja realizada já no âmbito da graduação, alcançando o necessário intercâmbio entre graduação e pós-graduação destacado por vários estudos em Psicologia. (Cury, 2004; Gomes, 1996; Guareschi, Wendt, & Dhein, 2011; Lo Bianco, 1996; Pitta, Santos, Escher, & Bariani, 2001; Yamamoto, 2006).

Calazans (1999) comenta que a formação de novos pesquisadores deve partir de uma integração entra a pesquisa e as demais atividades universitárias. Para ela,

[...] o iniciante deve aprender a fazer a investigação praticando-a, com a possibilidade de aprender, compreender e empreender o próprio caminho da ciência, tendo claro que a pesquisa como indagação e principalmente construção do real constitui atividade fundamental que alimenta a ciência. (p. 19-20).

Desta forma, propõe que a IC constitua uma ferramenta de produção de conhecimento com a qual possam ser desenvolvidos não apenas modelos explicativos, mas também elementos de proposição da superação de possíveis impasses. Em face dos ganhos para a formação dos estudantes proporcionados pela IC mencionados por outras pesquisas, revela-se pertinente que esta temática seja explorada mais detidamente na área da Psicologia.

Frente ao objetivo geral do PIBIC de "contribuir para a formação de recursos humanos para a pesquisa" (CNPq, 2006), identificamos a possibilidade de que a IC venha potencializar várias das competências e habilidades elencadas no Art. 4 das DCN para a Psicologia, quais sejam: I – Atenção à saúde; II – Tomada de decisões; III – Comunicação; IV – Liderança; V – Administração e gerenciamento; VI – Educação permanente. (Conselho Nacional de Educação, 2004).

A nosso ver, todas estas habilidades destacadas são contempladas na experiência dos alunos com a IC. A Tomada de decisões, Administração e Gerenciamento fazem parte de todo o desenvolvimento de um projeto de pesquisa. Ao elaborar um projeto de pesquisa ou dele fazer parte em conjunto com um orientador, o aluno necessita fazer ou colaborar em escolhas metodológicas e de gestão do tempo, dos recursos, das possibilidades de desdobramentos da pesquisa, entre tantas outras. Assim, a atividade de IC como um todo pode constituir-se exercício constante de aquisição e desenvolvimento dessas habilidades.

A habilidade de Comunicação é trabalhada tanto na leitura do material científico analisado quanto na redação de relatórios, prática de entrevistas, contato com participantes, na confecção do material final oriundo do projeto, que podem ser artigos, relatórios, teses, dissertações, entre outras, além da apresentação dos resultados da pesquisa em sessões de comunicação oral, pôsteres etc.

A habilidade de Comunicação é trabalhada tanto na leitura do material científico analisado quanto na redação de relatórios, prática de entrevistas, contato com participantes, na confecção do material final oriundo do projeto, que podem ser artigos, relatórios, teses, dissertações, entre outras, além da apresentação dos resultados da pesquisa em sessões de comunicação oral, pôsteres etc.

Cury e Ferreira Neto (2014) argumentam que a criação das DCN não garante – por si só – que a lógica de reprodução de conhecimento por um ensino conteudista seja ultrapassada. Neste cenário, a IC poderia permitir uma concretização das competências desejadas ao permitir aos iniciantes uma oportunidade não somente de apreensão desta ou daquela teoria para embasar uma pesquisa, mas no próprio exercício da produção de conhecimento.

5. CONCLUSÃO

Conforme destacamos ao longo desta revisão, a IC constitui o cerne das possibilidades de acesso aos fazeres da pesquisa científica no âmbito da graduação. Muito embora a maioria dos cursos preveja a necessidade de que seus alunos cursem disciplinas relacionadas à pesquisa, dificilmente há espaço para que se engajem em projetos que abranjam a prática da ciência fora da realidade de uma IC.

Mesmo com a existência de projetos institucionais existentes há quase trinta anos, como o caso do PIBIC – CNPq, o número de bolsistas frente ao total de alunos de graduação ainda é irrisório. A perda da participação quantitativa das universidades na formação de psicólogos não alterou – contudo – a predominância das bolsas de IC para estas IES. Isto se justifica pela grande presença de docentes bolsistas de produtividade do CNPq – exigência para que sejam orientadores do PIBIC – nestas instituições.

Corroboramos os comentários de autores como Oliveira (2013) e Oliveira e Yamamoto (2017) que argumentam que a formação de profissionais em Psicologia melhor qualificados passa por experiências formativas que proporcionem desenvolvimento do senso crítico frente às questões emergentes nos diversos contextos profissionais, assim como às teorias e técnicas já consagradas.

Outra característica que contribui diretamente para que a maioria das bolsas sejam alocadas à universidades é a articulação entre graduação e pós-graduação: esta última setor por excelência da pesquisa científica nacional. É bastante comum que professores atuem em ambos os níveis, fazendo com que atraiam graduandos para pesquisas alocadas no stricto sensu. Analisando por outro ângulo, é raro que docentes de IES que não possuem programas de pós-graduação realizem pesquisa científica, seja pela falta de verbas seja pelo foco central no ensino.

Conforme ressaltamos no início deste trabalho, a IC ainda é tema periférico e de interesse pontual de pesquisadores das diversas áreas do conhecimento e de formação profissional. Dos trabalhos existentes, há dados que destacam fortemente a relevância da IC como ferramenta educacional, inclusive transpondo seus objetivos imediatos de formação em ciência, chegando a contribuir nas futuras atividades profissionais dos bolsistas e no que se poderia chamar de ganhos de habilidades culturais e interpessoais.

Na área da Psicologia, compreendemos que seu incentivo pode caracterizar-se como possibilidade real e direta no desenvolvimento das habilidades previstas pelas DCN para os cursos de graduação. Há necessidade de mais trabalhos que realizem essa investigação na área da Psicologia, verificando a pertinência no uso da IC como ferramenta da formação destes profissionais.

REFERÊNCIAS

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* Graduado e Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; psicólogo.E-mail: gsberaldo@gmail. com.
**DGraduado em Psicologia pela UFMG (1984), mestrado em Filosofia pela UFMG (1994), doutorado em Psicologia Clínica pela PUC-SP (2002) e pós-doutorado em Psicologia Social pela UERJ (2010). Professor adjunto IV do Programa de Pós- Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e técnico superior de saúde da Prefeitura de Belo Horizonte. Pesquisador CNPq PQ2 (2013-2016) e FAPEMIG (Pesquisador Mineiro , 2009-2011 e 2014-2017) Editor Responsável do periódico "Psicologia em Revista" (2010-2012; e 2014-2017). Endereço: Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Instituto de Psicologia. Av. Itaú, nº 525. Dom Cabral CEP: 30535-012 – Belo Horizonte, MG – Brasil. Telefone: (31) 33194568.E-mail: jleite.bhe@terra.com.br.
1Quando da existência de curso de graduação na mesma IES.

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