Services on Demand
article
Indicators
Share
Winnicott e-prints
On-line version ISSN 1679-432X
Winnicott e-prints vol.1 no.1 São Paulo 2006
ARTIGOS
A crítica de Heidegger a Freud: quando o acesso mais originário à realidade não requisita representação
Heidegger's critique to Freud: Whem most Original Access to Reality Does not Require Representation
Caroline Vasconcelos Ribeiro
Professora assistente na UESB (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia) e doutoranda em Filosofia na Universidade Estadual de Campinas
RESUMO
Nos Seminários de Zollikon, Heidegger afirma a necessidade de gestação de uma ciência do psíquico que conceba o homem – sua saúde e sua doença – sem reduzilo a uma mente que representa, a um aparelho gerador de sintomas, a um objeto causalmente explicável. Ao lançar esse desafio, a filosofia heideggeriana esbarra-se com a consolidada psicanálise freudiana, denunciando-a como devedora da metafísica moderna, uma vez que sua concepção de homem como aparelho psíquico regido por pulsões estabelece a representação como única forma de acesso à realidade, objetifica a vida humana, reduzindo-a a um campo de forças físico-matemáticas. Heidegger, então, reivindica a possibilidade de uma "ciência do homem" irredutível ao discurso objetificante. Em nossa comunicação, visamos tanto a apontar que a psicanálise freudiana não contempla o existir humano em seus modos não-objetificantes de lidar com a realidade, quanto a indicar que encontramos essa possibilidade na teoria do amadurecimento de Winnicott.
Palavras-chave: Heidegger, Psicanálise, Realidade.
ABSTRACT
In his Zollikon Seminars, Heidegger points towards the need to create a science of the psyche that conceives man - his health and his illness - without reducing him to a representing mind, to a symptom-generating machine, to an object that can be causally explained. In launching that challenge, the Heideggerian philosophy defies the consolidated Freudian psychoanalysis denouncing it as being indebted to modern metaphysics, since its conception of man as a psychic apparatus controlled by impulses establishes the representation as the only form of access to reality, reifies human life reducing it to a field of physical-mathematical powers. Hence, Heidegger defends the possibility of a "science of man" that cannot be reduced to a reifying discourse. The present communication points out that Freudian psychoanalysis does not contemplate human existing in its non-reifying modes of dealing with reality and further shows that that possibility was found in Winnicott's theory of maturation.
Keywords: Heidegger, Psychoanalysis, Reality.
O questionamento acerca da Realidade, mais precisamente, dos modos de acesso à realidade, é tema central no tratado Ser e tempo. Nesta obra, Martin Heidegger aponta que a tradição filosófica, particularmente a metafísica moderna, estipula o conhecimento intuitivo como a única via válida de acesso à realidade, reduzindo as relações do homem com o mundo às relações representacionais. Não obstante o fato de o problema ontológico da realidade ser colocado explicitamente apenas no § 43, convém afirmar que essa problemática perpassa as tematizações anteriores, uma vez que, ao investigar os modos do homem existir no mundo, ser-no-mundo, Heidegger, num só fôlego, tanto desconstrói o imperativo moderno – que condena o homem à condição de sujeito representante e o real à de objeto representado – quanto nos aponta para modos mais originários de acesso à realidade não servis à representatividade intuitiva.
Visto que a analítica dos modos de ser do homem é tarefa preparatória para a colocação da questão primeira de sua filosofia – a questão sobre o sentido do ser –, Heidegger vai se ater a modos cotidianos de existir no mundo, que, segundo ele, não se pautam na apreensão propositiva do real e não lidam com o mundo desde a distância objetiva. Atentar para esta dimensão pré-objetiva do existir humano e eleger sua investigação como passo necessário e preliminar à tarefa cardeal da filosofia implica indicar que compete à sua ontologia fazer-se fenomenologia dos modos de ser do ente humano, partindo, assim, do que se mostra, tal como se mostra de início e na maioria das vezes (zunächst und zumeist gerade). Ora, para Heidegger, o que se mostra inicialmente, isto é, o fenômeno compreendido fenomenologicamente, não pode se assemelhar ao que se torna acessível apenas na intuição empírica.1 Em outros termos: fenômeno não é o conteúdo qüididativo deste ou daquele ente, mas "o ser dos entes, o seu sentido, suas modificações e derivados" (Heidegger 1927, p. 66). O mostrar-se mais genuíno do fenômeno não se pauta na nudez transparente dos objetos de conhecimento, nem se esgota totalmente numa determinada configuração desvelada; ao invés disso, pode se mostrar desfigurado, ou até mesmo se manter velado (verborgen) (idem). Em função disso, Jean Beaufret (1976, p. 137) afirma que "a fenomenologia, no sentido de Heidegger, mostra aquilo que precisamente não se mostra. Poder-se-ia dizer que, justamente naquilo que não se mostra, ela mostra como que uma recusa de mostrar-se".
Formular a fenomenologia nesses termos significa não render tributos à racionalidade que categoriza e limita seu âmbito de análise aos conteúdos ideativos de uma intuição categorial, significa considerar que, se o fenômeno muitas vezes se mantém velado na "recusa de mostrar-se", não é porque o pensamento não desenvolveu métodos suficientes rumo à total nudez objetiva, mas pelo fato de essa possibilidade constituir a própria dinâmica do fenômeno. O que, em última instância, significa dizer: "atrás dos fenômenos da fenomenologia não há absolutamente nada, o que acontece é que aquilo que deve tornar-se fenômeno pode-se velar" (Heidegger 1927, p. 66).
Ao reivindicar a dimensão de velamento justamente para o que se mostra como coisa mesma da fenomenologia, Heidegger não pretende fazer um mero jogo semântico de oposição. Ao contrário, chama a atenção para a originária experiência grega de verdade do ser enquanto aletheia, indicando que "aquilo" que se vela (lethe) constitui o fundamento de todo o desvelado (alethes). Isso equivale a dizer que o que é desvelado (o ente) só se pode desvelar em função de uma outra dimensão que se mantém oculta, que não se desvela. Tal dimensão não pertence ao ente, mas constitui o ser. Quer dizer: o que se dá constantemente como pres-ente pressupõe necessariamente o que se furta, se vela. Essa dinâmica de ocultação-desocultação é a dinâmica do ser mesmo, logo, a dinâmica do fenômeno no sentido fenomenológico.2 Desse modo, a fenomenologia, entendida a partir da ocular heideggeriana, leva em suma consideração o fato de que o ser – por poder velar-se – não se dá a apreender definitivamente numa representação cristalizada, logo, o seu sentido não pode ser visado diretamente, como se estivéssemos à procura de uma determinação objetivo-conceitual, mas exige uma outra via de acesso. Convém então perguntar: como garantir essa via de acesso ao que se intenta investigar, visto que faz parte da dinâmica do ser a ocultação? Essa fenomenologia de molde heideggeriano não estaria fadada a permanecer numa incompletude, numa falta de clareza objetiva?
Ora, se a fenomenologia pretendida em Ser e tempo pleiteasse reduzir o fenômeno à total transparência, poderíamos considerar que a dinâmica do ser em sua verdade levaria o pensamento à frustração de esbarrar-se com a incapacidade de objetivação total. Afinal, como objetivar absolutamente algo cuja característica constitutiva é o velamento? A não ser que essa constituição fundamental do ser seja simplesmente desconsiderada, esquecida. Assim procedendo, restaria a essa fenomenologia o empenho de apreender essências absolutas a fim de garantir conceitos e enunciados firmes que lhe garantissem a condição de ciência rigorosa (strenge Wissenschaft). Grosso modo, poderíamos dizer que tal pretensão afina-se com a fenomenologia husserliana, que toma a subjetividade como fundamentum inconcussum e a objetividade como única forma de datidade3 do ser. Entretanto, a fenomenologia de Heidegger não só se constrói levando em conta a tendência do ser em velar-se, como pretende se manter numa correspondência radical a esta.4 No percalço desta fidelidade ao que se mostra, tal como se mostra, não cabe considerar incompleto o pensamento que não objetiva o que é, em si mesmo, inobjetivável. Ao invés disso, torna-se imperativo uma conduta metodológica que permita que o fenômeno possa mostrar-se por si mesmo. Assim, a "tarefa fundamental da filosofia será, portanto, para Heidegger, captar o ser como velamento e desvelamento, através de um método e no horizonte adequados. O método será a fenomenologia esboçada em Ser e tempo. O horizonte será o tempo que, desde a antiguidade, se liga ao ser" (Stein 1983, p. 45).
Empreender tal tarefa implica colocar em questão não apenas a redução do ser à objetividade transparente, como também a própria condição de fundamento delegada à subjetividade, redimensionando, assim, tanto a noção de fenômeno quanto a de homem. Não cabe mais renegar a "coisa mesma", para a qual se volta a fenomenologia, ao domínio absoluto da intuição pura, tanto quanto não se devem reduzir as relações do homem com o mundo – os entes – às relações de uma mente pura (reine Seele) que constitui o real via representação, uma vez que, para Heidegger, existem modos mais fundamentais de acesso à realidade do que os que concernem ao "eu transcendental".5 Sendo assim, impõe-se a pergunta: como abordar a coisa mesma que se intenta investigar, o alvo da fenomenologia heideggeriana? Primeiramente, convém atentar para o fato de que:
Em sentido fenomenológico, fenômeno é somente o que constitui o ser, e ser é sempre ser de um ente. É por isso que, ao se visar uma liberação do ser, deve-se, preliminarmente, aduzir ao próprio ente de modo devido. Este ente também deve-se mostrar no modo de acesso que genuinamente lhe pertence. (Heidegger 1927, p. 68, § 7; os itálicos não meus)
Cabe, então, ao pensamento, assegurar fenomenologicamente o acesso ao ser tal como ele se mostra, tomando como percurso necessário a investigação dos modos de ser do ente exemplar, do ente que desde sempre se move numa compreensão (verstehen) de ser. Mas, o que significa para Heidegger essa compreensão de ser que concede ao homem privilégio ontológico de ente exemplar? Para ele, corriqueiramente nos relacionamos e nos comportamos com o ser, porém, esse relacionar-se não é em função de tematizações explícitas ou de especulações, nos relacionamos com o ser na medida em que agimos e lidamos com o mundo, nomeamos e nos servimos dos entes e sabemos a diferença entre o que é e o que não é uma coisa. Todavia, dizer que temos uma compreensão determinada de ser não significa afirmar que já dispomos de sua conceituação, fruto de uma elaboração teórica. Não. Tal compreensão se dá, de início e na maioria das vezes, ao experimentarmos e lidarmos com os entes que vêm ao nosso encontro dentro do mundo. 6
Visto que o homem não pode existir senão nesse comércio com os entes – e que esse comércio se articula em função de uma certa compreensão de ser –, a maneira como o ser é a nós destinado guia o nosso modo de ser no mundo. Para reunir, numa palavra, tanto a relação do ser com a essência do homem, como também essa referência fundamental do homem à abertura ("aí") do ser enquanto tal, Heidegger escolhe o termo Dasein, que literalmente significa "ser-aí".7 Quer dizer: o homem existe enquanto Dasein.
Entendida dessa maneira, a nossa existência é o espaço privilegiado de instauração do ser, pois, o homem, sendo manifestadamente um ente, não é um dentre outros, ao lado da pedra, da estátua, do carro etc. Esses entes são. O homem existe. O existir é o estar posto em face ao ser, é ser abordado pelo seu apelo no espaço aberto da lida com os entes, da preocupação com os outros e do cuidado consigo mesmo. Diante de tal modo de ser, somos convidados a reconhecer que não há uma natureza humana desde sempre confeccionada e acabada; portanto, estamos diante de um ente precário que a todo instante tem de escolher esta ou aquela possibilidade de ser.8
Ora, se o Dasein é aquilo que ele pode ser, esse poder-ser não é uma capacidade abstrata e ilimitada que confere a este ente uma vida sem restrições, mas se configura como um modo de ser de um ente concreto, desde sempre lançado num mundo determinado, cuja essência é, fundamentalmente, ação – o que vale dizer que o homem só é na medida em que está sendo, na medida em que sua ação se dá numa ocupação com os entes, seja trabalhando, pensando, estudando ou até mesmo nada fazendo. Neste agir, o Dasein necessariamente compreende ser, com ele se comporta. Esse ente descobre a si mesmo através do manuseio cotidiano com as coisas que lhe vêm ao encontro no mundo.
Essa estrutura pré-objetiva – que permite o nosso primeiro acesso aos entes – Heidegger qualifica de hermenêutica, enfatizando o caráter prático do manuseio que se explicita na interpretação de algo como algo. Esse modo "como" acontece nosso primeiro acesso aos entes é o "como" hermenêutico que, por sua vez, não se funda num comportamento objetivo com vistas à conceituação da "coisa" em questão, isto é, não lida com os entes como substâncias estáticas, mas é tocado pelos entes em seu modo de estar à mão para isto ou aquilo.
Lembremos que o caminho escolhido por Heidegger como fio condutor da sua investigação foi a analítica dos modos de ser do homem. Contudo, interessa ao filósofo os modos de ser do Dasein não acessíveis por meio de atos representacionais e sim a partir do "como hermenêutico". Por conseguinte, o ser não deve ser inspecionado tomando-se como guia a racionalidade objetificante; ao invés disso, deve ser investigado desde a perspectiva do modo mais genuíno de ser-no-mundo: experiência antepredicativa. A fenomenologia de Heidegger implica, necessariamente, a hermenêutica do Dasein. 9 Para Loparic (1996, p. 137):
Um dos resultados dessa hermenêutica é o de que os modos de ser do homem não são do tipo ideativo, isto é, não são aspectos acessíveis por meio de atos representacionais. Esse resultado equivale à destruição da essência ideativa do homem como "animal racional", emblemática da metafísica tradicional. O mesmo vale para o modo de ser dos objetos de uso: eles são desconstruídos como coisas da natureza, tendo esta ou aquela forma ou aspecto, determinação que lhes foi dada pelos gregos e que se manteve, segundo Heidegger, até Husserl.
Expostos os resultados desconstrutivos dessa hermenêutica e sabendo que os mesmos incidem sobre pilares das ciências dos fenômenos psíquicos – uma vez que resvalam sobre as concepções de homem e de uso de objeto –, convém perguntar: como Heidegger, tendo em mãos esses resultados de sua fenomenologia, avalia a psicanálise freudiana? Como ele relaciona a concepção metapsicológica de homem e de relação de objeto com a sua visão acerca do ser-no-mundo? Para contemplar as questões suscitadas e adentrar na temática específica de nosso texto, convém nos reportarmos às atas dos seminários ministrados por Heidegger em Zollikon. Pois bem, voltemo-nos para esta obra.
Entre os anos de 1961 e 1972, Martin Heidegger reunia-se com profissionais e estudantes de psiquiatria na casa de Medard Boss, em Zollikon, na Suíça.10 Boss, que já gozava de um profícuo diálogo com o filósofo da Floresta Negra, através de cartas e encontros durante férias comuns, possibilitava a esses privilegiados cientistas dos fenômenos psíquicos o contato com o pensamento daquele que iria pôr em xeque a segura educação científico-natural a que foram submetidos. O propósito de Heidegger era justamente pensar o homem desde uma perspectiva não mecanicista e não devedora das ciências naturais. Evidentemente, esbarrava-se com a rígida formação de seus interlocutores, ora seguros dos avanços da psicopatologia, ora visivelmente descontentes com a persistência do sofrimento mental e das questões impostas pela prática clínica. Essa postura ambígua – e por que não dizer essa visível crise dos participantes dos seminários de Zollikon – foi sabiamente exacerbada por Heidegger que, numa pedagogia quase socrática, sulcava com eles caminhos para a desconstrução de conceitos até então tomados como óbvios. Assim, vamos acompanhar, nas atas dos Seminários de Zollikon, os enrijecidos conceitos de corpo, tempo, espaço, causalidade, sofrimento psíquico, esquecimento etc. serem conduzidos às suas fontes, na tentativa de desvelar suas "certidões de nascimento"11 – tarefa nada simples para filósofos, quiçá para representantes da ciência natural. Não é à toa que Boss, no prefácio à primeira edição da obra que reúne as atas do seminário, confessa que, diante do esforço dos participantes em acompanhar o fôlego do pensamento de Heidegger, fantasiava que um marciano estava encontrando pela primeira vez um grupo de terrestres e tentava comunicar-se com eles.12
Vale insistir que as obstruções na comunicação não eram fruto de um proposital proselitismo do filósofo de Ser e tempo; tratava-se da árdua tarefa de olhar para o fundamento, o que exige a germinação de uma linguagem dócil ao que se mostra, sem as pretensas e seguras categorizações legadas pela metafísica e aperfeiçoadas pela ciência. Interessava pensar o homem, sua saúde e sua doença psíquica, sem reduzi-lo a uma mente que maquina, a um aparelho psíquico gerador de sintomas, a um objeto causalmente explicável. Ora, não haveria como executar tal empresa sem esbarrar com o consolidado saber psicanalítico, mais precisamente, com a metapsicologia freudiana. Contudo, convém esclarecer que Heidegger não critica a psicanálise como um clínico, centrando-se apenas nos dilemas da psicoterapia. Seu olhar aponta para os fundamentos filosóficos sobre os quais repousam a metapsicologia psicanalítica, logo, sua crítica à psicanálise é verdadeiramente uma crítica filosófica à hegemônica concepção de homem e de mundo legada pelo pensamento moderno.
Em Zollikon, Heidegger reforça que o pensar moderno impõe como único modo de presentidade das coisas a objetividade (Objektivität). Quer dizer: "A presença a partir de si mesma de uma coisa é entendida aí pela sua possibilidade de representação através de um sujeito. A presença é compreendida como representação". Tal experiência "[...] só existe a partir de Descartes, isto é, desde que o homem alçou a condição de sujeito" (Heidegger 1987, p. 126). Nessa perspectiva, o que, por sua vez, se apresenta e se opõe ao sujeito é denominado objeto. Esse modo de apreensão do real não se restringe apenas a representá-lo como objeto, pois, uma vez que a física de Galilei instituiu um entendimento da natureza "como uma ininterrupta conexão de movimentos e pontos da massa" sujeita a leis universais, o real que se apresenta ao sujeito passa a ser algo passível de mensuração, manipulação e cálculo (Heidegger 1987, p. 225).
Heidegger enfatiza que – independente do viés epistemológico em que se pensa as relações sujeito-objeto, sujeito-mundo – vamos testemunhar, ao longo da filosofia moderna, a pressuposição da existência prévia de um sujeito desmundanizado e do mundo como ente físico-matemático, acessível exclusivamente pela via do conhecimento representacional.
Opondo-se ao pensar tradicional acerca do homem, Heidegger não encara as questões de caráter epistemológico como as mais fundamentais acerca do existir humano e suas relações com o mundo e, contrapondo-se a Kant, afirma que o escândalo da filosofia e da razão humana não está no fato de não se obter uma segura prova da existência do mundo externo e "sim no fato de sempre ainda se esperar e buscar essa prova".13 Segundo Heidegger, "tais expectativas, intenções e esforços nascem da pressuposição, ontologicamente insuficiente, de algo com relação ao qual um 'mundo' simplesmente dado deve-se comprovar independente e exterior" (1927, § 43, p. 271).
Aprendemos com Heidegger que o homem, o Dasein, não existe primeiro para, só depois, relacionar-se com o mundo, mas existe enquanto ser-no-mundo, sendo homem e mundo co-originários. O Dasein só é, sendo no mundo. Esta é a constituição fundamental do ser desse ente que nós mesmos somos. Sendo assim, o filósofo afirma no § 13 de Ser e tempo que: "[...] não é o conhecimento que cria pela primeira vez um 'commercium' do sujeito com o mundo e nem este 'commercium' surge de uma ação exercida pelo mundo sobre o sujeito. Conhecer, ao contrário, é um modo do Dasein fundado no ser-no-mundo" (1927, p. 102). A partir dessa perspectiva, podemos, contrariando a tradição moderna, afirmar que o conhecimento representacional não é o modo de ser fundante da relação do Dasein com o mundo, mas sim um modo derivado, pois, como vimos anteriormente, o representar pressupõe um ente desde sempre sendo no mundo. A abertura (das Offene) de mundo não é introduzida pela representação objetificante; ao contrário, é pressuposta.
Dizer que as relações do Dasein com o mundo não se reduzem às relações de um sujeito que objetifica, calcula e mensura o real, implica dizer que o modo mais genuíno, mais primordial do existir humano, não está pautado na representação mental, na apropriação propositiva e teórica dos objetos. Nesse sentido, nem o pensar sobre o homem nem o pensar sobre o mundo devem ser absolutamente subordinados aos imperativos científico-naturais da ciência moderna, às leis de causalidade e calculabilidade, para não correrem o risco de se perder o mais genuíno do existir humano, a saber, suas relações pré-teóricas e não representacionais com o mundo.
Nos Seminários de Zollikon, Heidegger denuncia a psicanálise freudiana como uma ciência servil a esses imperativos, apontando que sua concepção de homem como aparelho psíquico regido por pulsões afina-se com a herança moderna que objetifica o ser humano, reduzindo o seu existir a um campo de forças físico-matemáticas. Nesse sentido, alerta-nos:
As tentativas de explicação dos fenômenos humanos a partir de pulsões têm o caráter metódico de uma ciência, cuja matéria não é o homem, mas sim a mecânica. Por isso, é fundamentalmente discutível se um método tão determinado por uma objetividade não-humana pode mesmo ser apropriado para afirmar o que quer que seja sobre o homem enquanto homem. (Heidegger 1987, p. 192)
Portanto, qualquer tentativa de explicar o existir humano desde as leis físicas da causalidade acaba por concebê-lo exclusivamente como coisa objetificada. Sabemos que o princípio de causalidade impera na psicanálise freudiana, não só no que diz respeito à pressão (Drang) que mobiliza as pulsões (Trieb), como também na busca da causa de um sintoma psíquico e na explicação de que as lacunas na consciência são geradas por forças oriundas da repressão. A explicabilidade da continuidade das conexões causais é sempre pressuposta.
Diante dessa naturalização do ser-no-mundo, Heidegger provoca os participantes do seminário de Zollikon ao questionar o ponto de partida da própria ajuda médica, aconselhando o terapeuta a "[...] anotar que se trata sempre do existir e não do funcionar de algo. Quando só se visa este último, não se ajuda o Dasein" (1987, p. 180).
Ora, restringir o existir humano a um aparelho psíquico regido pelo princípio de causalidade implica reduzir a vida humana ao funcionar de uma máquina gestora de correntes de vivências psíquicas representacionais, dispostas em cadeia. Em última instância, reduz toda a realidade possível àquela alcançável pelo sujeito que representa. Por isso, Heidegger afirma que "[...] só é real e verdadeiro aquilo que pode ser subordinado a ininterruptas conexões causais de forças psicológicas, na opinião de Freud" (1987, p. 36).
Em A perda da realidade na neurose e psicose (1924), Freud atém-se às formas que o id veicula para exprimir uma rebelião contra o mundo externo, apontando que há uma tentativa de evitar o contato com um fragmento doloroso de realidade, na neurose, e um repúdio da realidade, seguido de um remodelamento autocrático de criação de uma nova realidade mediante a alucinação e delírio, na psicose. Freud salienta que:
Em uma psicose, a transformação da realidade é executada sobre os precipitados psíquicos de antigas relações com ela – isto é, sobre os traços de memória, as idéias e os julgamentos anteriormente derivados da realidade e através dos quais a realidade foi representada na mente. [...] provavelmente na psicose o fragmento de realidade rejeitado constantemente se impõe à mente, tal como o impulso reprimido na neurose, e é por isso que, em ambos os casos, os mecanismos também são os mesmos. (Freud 1924, p. 207; os itálicos são meus)
Não nos interessa destacar no trecho citado o índice de lealdade do ego em relação ao mundo real ou sua dependência ao id, tampouco o nível de perda da realidade na neurose e na psicose, e seus devidos substitutos. Trata-se de ressaltar que Freud, ao se referir à realidade, fala de idéias, memória e julgamentos representados na mente, reduzindo os modos de acesso à realidade aos modos passíveis de representação. Até mesmo na psicose está pressuposta a capacidade de representação. Como se o contato com o domínio do representável estivesse desde sempre garantido como algo natural. Para Freud, o que está em questão não é o modo como se constitui os sentidos de real, mas apenas o nível de lealdade ao mundo externo partilhado. Em outras palavras: o quanto o funcionamento psíquico está sendo regulado pelo princípio de realidade. Esta última entendida univocamente como algo representável. Nesse sentido, Loparic acrescenta:
Em Freud, assim como em Descartes e em Kant, o real é definido como aquilo que é representável de uma certa maneira. O problema de saber por que e como o real veio a ser constituído a título de algo representável simplesmente não é colocado. A pergunta sobre o sentido de realidade, da chegada à realidade ou do contato com a realidade não se colocava. A realidade estava lá, tal como dada na representação. Todas as perguntas admissíveis versavam exclusivamente sobre o destino de relações entre um sujeito e os seus objetos. (1995, p. 50; os itálicos são meus)
Uma vez que a datidade representativa da realidade é considerada como garantida, resta como problema saber como se atinge os objetos, sejam eles internos ou externos, bons ou maus. Por isso, o problema de Freud em A pulsão e seus destinos (1915b) é saber em relação a qual objeto a pulsão atinge sua finalidade e empreende seus investimentos, de modo a obter satisfação. Contudo, por mais variados que possam ser esses objetos que servem para a satisfação – sejam eles dados na percepção ou na fantasia –, eles têm em comum o modo de datidade: a representação. Mas, aprendemos com Heidegger que a representação não é a primeira forma de relação do Dasein com o mundo, com a realidade. Portanto, a própria problematização sobre realidade externa/realidade interna e sobre eu/não-eu pressupõem, desde sempre, o ser-no-mundo imerso na lida cotidiana, tratando os entes intramundanos não a partir da distância objetiva e proposicional, mas por sua serventia. Afinal, de início e na maioria das vezes, relacionamo-nos com um ser-à-mão e não com representações.
Visto que o Dasein não é propriedade de uma subjetividade representante, a ciência que pretende reduzi-lo a um campo de forças pulsionais, a um feixe de conexões causais, estará, no mínimo, obscurecendo a constituição ontológica desse ente. Em função desses reducionismos, Heidegger polemiza nos Seminários de Zollikon: "será que em toda construção freudiana da teoria da libido o homem está mesmo aí?" (1987, p. 192).
Fica patente que, para Heidegger, a psicanálise freudiana – por ser devedora da metafísica que reduziu o homem a uma mente que maquina e o mundo a um ente físico- matemático acessível apenas via representação – não só deixa de contemplar o existir humano em seus modos não-objetificantes de lidar com o mundo e com os outros, como também, ao se impor como modo hegemônico de entendimento da vida psíquica, obstrui a possibilidade de pensá-lo mais genuinamente. Nesse sentido, Heidegger nos convida a procurar uma psicanálise não escravizada pela dicotomia sujeito representante/objeto representado, que não reduza o real ao representável. Afinal, como afirma Loparic:
A facticidade humana não é mais – como na metafísica da subjetividade e na psicologia empírica determinada por esta – o conjunto de efeitos causais de representações puras ou empíricas, conscientes ou inconscientes. Na medida em que ultrapassou o princípio da causalidade das representações, sustentado pela metafísica da subjetividade – princípio que abre a perspectiva de conceber a cadeia de atos representacionais, conscientes ou não, como fluxo de informação no aparelho psíquico humano –, a filosofia contemporânea vem forçando a psicanálise a reconhecer como datados os pressupostos ontológicos centrais do paradigma freudiano, ou, pelo menos, a encarar as conseqüências coisificantes destes pressupostos. (Loparic 1999, p. 132)
Ao forçar a psicanálise freudiana a reconhecer sua "nota promissória" com a metafísica moderna, a filosofia heideggeriana nos lança na tarefa de recolocar a questão do existir humano em um campo semântico diferente da metapsicologia, ou seja, num campo semântico cujos pressupostos ontológicos não sejam hauridos da metafísica da subjetividade. Acreditamos que encontramos essas prerrogativas na psicanálise winnicottiana. Mais que isso: acreditamos que a teoria do amadurecimento pessoal de Winnicott insinua-se como ciência ôntica do acontecer humano pensado a partir da perspectiva heideggeriana.
A concepção winnicottiana de realidade não se restringe ao imperativo da tradição moderna, que reduz o real ao representável. Para Winnicott, a realidade externa compartilhada não é uma aquisição desde sempre garantida, mas um conquista que pode ou não se dar. Por isso, o olhar desse pediatra não incide sobre a cena paradigmática da psicanálise tradicional, qual seja, o triângulo edipiano – que pressupõe a representatividade –, mas para momentos mais primitivos do acontecer humano, a saber, a "cena" fundamental do lactente nos braços da mãe-ambiente.
Partindo do princípio que, nessa etapa inicial do amadurecer humano, a experiência de comunicação mãe-bebê é pré-verbal e pré-representacional, as descrições sobre essa experiência não podem se assentar no campo semântico da psicanálise tradicional, pois, como vimos, o campo conceitual desta pressupõe a representatividade, seja no conceito de pulsão, na noção de realidade ou na explicação do aparelho psíquico como conexão causal. Atentando para o "lugar" da vida humana onde o contato silencioso precede o domínio do dizível, onde o saber cuidar realizado pela mãe não é da ordem das categorias do entendimento, Winnicott lança-nos num terreno epistemológico que admite a precariedade do exemplar humano, lembrando-nos que a continuidade de ser e que a separação eu-mundo não são uma garantia natural. Isso equivale a dizer que os dramas do ente humano não se reduzem às suas escolhas objetais e satisfações pulsionais, pois estas implicam um sujeito integrado, constituído enquanto uma unidade. Winnicott volta-se para o bebê, cuja tarefa primordial é a conquista do contínuo sentimento de estar vivo. Nessa tarefa, o bebê não é mobilizado por pulsões rumo aos objetos externos ou internos, nem lida com o real a partir da representatividade. Por incidir seu olhar para esse estágio primitivo da natureza humana, Winnicott (1964a) entende o bebê como uma organização em marcha, cuja batalha inicial não é da ordem dos investimentos libidinais, mas sim da conquista do sentimento de ser.
Por fim, gostaríamos de enfatizar que, tanto em Heidegger quanto em Winnicott, a realidade se impõe como questão necessária, visto que as tradições metafísica e metapsicológica se mostram insuficientes para pensar os vários modos de lidar com o real, os vários modos de o ente humano habitar o mundo.
Referências
Beaufret, Jean. 1976: Introdução às filosofias da existência: de Kierkegaard a Heidegger. Tradução e notas de Salma Tannus Muchail. São Paulo, DuasCidades. [ Links ]
Freud, Sigmund 1896: "A etiologia da histeria". In: Freud 1995, v. III. [ Links ]
_______ 1915a: "O inconsciente". In: Freud 1995, v. XIV. [ Links ]
_______ 1915b: "A pulsão e seus destinos". In: Freud 1995, v. XIV. [ Links ]
_______ 1924: "A perda da realidade na neurose e na psicose". In: Freud 1995, v. XIX. [ Links ]
_______1995: Edição Standart brasileira das obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro, Imago. [ Links ]
Heidegger, Martin 1927: Sein und Zeit. Tübingen, Niemeyer. Tradução brasileira de Márcia de Sá Schuback: Ser e tempo. Petrópolis, Vozes, 1995. [ Links ]
_______1969: Mein weg in die Phaenomenologie. Tübigen, Max Niemeyer. Tradução brasileira de Ernildo Stein: "Meu caminho para a fenomenologia". In: Os Pensadores. São Paulo, Abril, 1973. [ Links ]
_______1987: Zollikoner Seminare. Frankfurt/M, Klostermann. Tradução brasileira de Maria de Fátima Almeida Prado e Gabriela Arnhold: Seminários de Zollikon. São Paulo/Petrópolis, EDUC/ Vozes, 2001. [ Links ]
______1991a: Que é metafísica? Tradução de Ernildo Stein. São Paulo, Nova Cultural. [ Links ]
______1991b: Sobre a essência do fundamento. Tradução de Ernildo Stein. São Paulo, Nova Cultural. [ Links ]
Loparic, Zeljko 1982: "A fenomenologia do agir em Sein und Zeit". Manuscrito, v. 6, n. 1, pp. 149-80. [ Links ]
_______1995: "Winnicott e o pensamento pós-metafísico". Psicologia USP, v. 6, n. 2, pp. 39-61. [ Links ]
_______1996: "Um ponto cego no olhar fenomenológico". O que nos faz pensar. Cadernos do Departamento de Filosofia da PUC-Rio, v. 1, n. 10, pp. 127-49. [ Links ]
_______1999: "Além do inconsciente: sobre a desconstrução heideggeriana da psicanálise". Natureza humana, v. 3, n. 1, pp 91-140. [ Links ]
Mac Dowell, João 1993: A gênese da ontologia fundamental de Martin Heidegger: ensaio de caracterização do modo de pensar de Sein und Zeit. São Paulo, Loyola. [ Links ]
Pasqua, Hervé 1997: Introdução à leitura do Ser e Tempo de Martin Heidegger. Lisboa, Instituto Piaget. [ Links ]
Richardson, William J. 1963: Through Phenomenology to Thought. Haia, Nijhoff. [ Links ]
Stein, Ernildo 1983: A questão do método na filosofia. Porto Alegre, Movimento. [ Links ]
Winnicott, Donald W. 1958a: Collected Papers: Through Paediatrics to Psychoanalysis. Londres, Tavistock. Tradução brasileira de David Bolomoletz e introdução de Masud M. Khan: Da pediatria à psicanálise: obras escolhidas. Rio de Janeiro, Imago, 2000. [ Links ]
_______1964a: The child, the Family and the Outside World. Londres, Penguin Books. Tradução brasileira de Álvaro Cabral: A criança e seu mundo. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1971. [ Links ]
_______1965b: The Maturational Processes and the Facilitating Environment. Londres, Hogarth Press/ Institute of Psychoanalysis. Tradução brasileira: O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre, Artes Médicas, 1983. [ Links ]
_______1988: Human Nature. Londres, Winnicott Trust. Tradução brasileira: Natureza humana. Rio de Janeiro, Imago, 1990. [ Links ]
Endereço para correspondência
E-mail: carolinevasconcelos@hotmail.com
1 Cf. Heidegger 1927, p. 61, § 7.
2 Vale esclarecer, em traços largos, a característica da dinâmica de desvelamento e velamento do ser; o ser está em tudo o que é, isto é, como fundamento de todo ente, afinal, todos os entes são. No entanto, o ser não pode ser apreendido e determinado em ente algum. Assim, podemos dizer que o ser, ao mesmo tempo em que se dá, possibilitando o surgir do ente, subtrai-se.
3 Essa palavra não está dicionarizada. Com ela, queremos nos referir aos modos como o fenômeno se dá ao homem, quer dizer, a sua datidade.
4 Não cabe no escopo deste trabalho detalhar precisas diferenças entre as fenomenologias de Husserl e Heidegger. Convém, contudo, indicar que o filósofo de Ser e tempo, na carta prefácio escrita para a tese de doutorado do Pe. Richardson – intitulada inicialmente From Phenomenology to Thought –, demonstra que, se a fenomenologia abordada na obra for concebida na perspectiva husserliana, caberá opô-la ao pensamento do ser, mas, se for entendida a partir da ontologia fundamental pretendida no tratado de 1927, deverá ser abordada como caminho a este pensar. Tal pontuação culminará, de fato, na mudança do título da tese. Vale insistir que nessa carta Heidegger ressalta que a atitude filosófica de Husserl consiste numa tomada de posição a favor da onipotência da razão, cravando uma distância radical em relação ao seu pensar. Cf.: Richardson 1963 e Loparic 1996. Maiores apontamentos sobre as diferenças entre as fenomenologias de Heidegger e Husserl, cf. Heidegger 1969.
5 Cf. Loparic 1982.
6 Vale reforçar que o termo compreensão (verstehen) não é usado por Heidegger como um modo possível de esclarecimento. Esse fenômeno é concebido ontologicamente como um modo fundamental do ser do homem que, como abertura de possibilidades, projeta esse ente para o seu poder-ser-no-mundo, portanto, compreensão não como atitude intelectual, com vista a uma elaboração teórica de um enunciado que objetive o conceito de ser (cf. Heidegger 1927, § 31). Como nos lembra Mac Dowell, essa compreensão não é uma atividade que ora se exerce, ora não; ela constitui a própria estrutura essencial e permanente do Dasein (cf. Mac Dowell 1993).
7 Heidegger 1991a, p. 58. Por existir uma certa diversidade na tradução desse termo, optaremos por mantê-lo em alemão.
8 Cf. Pasqua 1997, p. 20.
9 Cf. Heidegger, 1995, p. 68.
10 Medard Boss foi um psiquiatra suíço que durante anos se correspondeu com Heidegger e escreveu o livro: Fundamentos de medicina e de psicologia – princípios de uma fisiologia, psicologia, patologia, terapia fenomenológicas e de uma medicina preventiva, de acordo com o Dasein na sociedade industrial moderna. 2. ed. ampliada. Berna, Huber, 1975.
11 Heidegger, no § 6 de Ser e tempo, nos fala da tarefa de destruição da ontologia tradicional. Contudo, destruição nesse contexto não tem o caráter de um aniquilamento desse legado; trata-se de uma desconstrução que remete os termos à origem, eliminando os sentidos derivados que encobrem seu sentido primordial. Essa é a conotação que a desconstrução tem no contexto do pensamento heideggeriano.
12 Cf., em Heidegger 1987, o prefácio à primeira edição de Medard Boss.
13 No § 43 de Ser e tempo, Heidegger afirma que a tradição moderna restringiu o problema acerca da realidade à prova da existência do mundo externo e lembra que Kant localiza na ausência dessa prova o escândalo da filosofia e da razão humana em geral.