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Pensando familias

Print version ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.23 no.1 Porto Alegre Jan./June 2019

 

ARTIGOS

 

Casamento de longa duração à luz da terapia sistêmica familiar: um levantamento da produção contemporânea

 

Long-term marriage in the light of systemic family therapy: a survey of contemporary production

 

 

Milena Valelongo Manente1

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Realizada uma revisão de literatura envolvendo a Terapia Familiar Sistêmica e o trabalho com casais e as estruturas que caracterizam um casamento de longa duração. Considerando que um relacionamento saudável e estável é marcado pela presença de uma identidade conjugal permeada pelas trocas afetivas e fidelidades. O propósito desta revisão é levantar o nível de interesse dos pesquisadores nacionais e latinoamericamos sobre o tema casal longevo, verificando ainda, como o tema é discutido na perspectiva sistêmica familiar. Trata-se de uma contribuição da terapia sistêmica para os estudos da família contemporânea, especificamente, o subsistema conjugal e as interações em casamentos de longa duração. Dentre as poucas publicações encontradas há uma tendência em partir do conflito conjugal para ter acesso aos casais longevos. O amor e o respeito pela individualidade do parceiro foram decisivos na manutenção da conjugalidade de longa duração.

Palavras-chave: Casamento, Casamento de longa duração, Teoria familiar sistêmica.


ABSTRACT

A review of literature involving Systemic Family Therapy and the work with couples and the structures that characterize a long-term marriage were carried out. Considering that a healthy and stable relationship is marked by the presence of a conjugal identity permeated by affective exchanges and fidelities. The purpose of this review is to raise the level of interest of the Brazilian and Latin American researchers on the theme longevity couple, as well as to verify how the topic is discussed in the family systemic perspective. It is a contribution of systemic therapy to studies of the contemporary family, specifically, the conjugal subsystem and the interactions in long-term marriages. Among the few publications found there is a tendency to start from marital conflict in order to have access to long-lived couples. Love and respect for the individuality of the partner were decisive in maintaining long-term conjugality.

Keywords: Marriage, Long-term marriage, Systemic family theory.


 

 

De um homem mais velho para um mais jovem, que está à beira do divórcio:
“Acho que no nosso tempo não esperávamos tanto do casamento, e talvez
conseguíssemos muito mais”. De uma mulher mais velha para uma mais jovem
que está à beira do divórcio. “Acho que no nosso tempo não esperávamos tanto
do casamento, e nos satisfazíamos com aquilo que conseguíamos”.

 

Introdução

A família sofreu grandes transformações ao longo da história da humanidade, em cada época havia um modelo de verdade que permeava as pessoas e no lidar entre os membros. No passado, mais especificamente no século XV, as famílias viviam muito misturadas a outras pessoas da comunidade. Todos eram responsáveis pelos cuidados com as crianças que ali viviam. Áries (1978) dizia inexistir ali um espaço para a vida privada e íntima, tudo ocorria de maneira social e aberta. Segundo este mesmo estudioso, na família prevalecia o aspecto moral e social ao sentimental. A propriedade e o nome da família era o mais importante, as representações iconográficas privilegiava os espaços coletivos aos indicadores da intimidade.  Somente no século XVII a vida íntima familiar passa a ser retratada nas artes, principalmente nas pinturas representando as crianças das classes mais abastadas. No século XVIII a afetividade também aparece com as imagens dos maridos tocando as esposas, revolucionando dessa forma a antiga imagem de representação da família.

Define-se família por meio dos vínculos afetivos que se estabelecem entre os seus membros. Trata-se de um sistema complexo de interações muito maior que a soma das partes e sua formação envolve também as heranças psíquicas transgeracionais (Silva, Rocha, Bobato, Becheri & Lorenzetti, 2015; Carter & McGoldrick, 2001). Krom (2000) acrescenta que a família nos fornece um lugar de pertença e de diferenciação, pois ali encontramos os laços afetivos com “os nossos semelhantes”, mas sem perdermos de vista as nossas singularidades. Especificamente no casamento, duas pessoas com as suas respectivas histórias familiares de origem unem-se para formar uma nova família. Na atualidade o início da família se dá com o casal, independentemente de gerar filhos.

Dentro da família existem subsistemas que determinam a sua estrutura dinâmica. Por exemplo há o subsistema dos filhos, dos irmãos, do casal. De acordo com Minuchin (1982) a saúde familiar dependerá das condições dessas fronteiras. A rigidez ou liberdade excessiva causará problemas. No primeiro tipo haverá um emaranhamento dos subsistemas, na qual as repostas serão imediatas e intensas, dificultando na aquisição de equilíbrio mínimo para o enfrentamento das adversidades. Já na segunda situação, respostas deixam de serem oferecidas mesmo frente à situações de urgência. No mundo contemporâneo os indutores de mudanças no meio familiar são bastante diferentes aos do passado. A tecnologia e as transformações socioculturais acabaram exercendo papel influenciador no casal. Conforme Minuchin (1990) não há como pensar em família sem associar com a sociedade.

A instabilidade econômica e sociocultural acabou fazendo a família ampliar sua capacidade em se adaptar a vários momentos de crise. Diante disso a família necessita atender a dois objetivos: um interno, que envolve proporcionar uma proteção psicossocial entre os membros e outro externo, isto é acomodar-se as transformações culturais e saber transmitir estes valores (Minuchin, 1990).

De acordo com McGoldrick (2001) a mudança histórica no significado do casamento na atualidade deixou de priorizar os interesses coletivos e passou a ser uma escolha voluntária dos cônjuges. Nem por isso a convivência no casamento tornou-se facilitada, principalmente se considerarmos tratar-se de um complexo sistema de interações que afetam o social e as emoções do casal. A dupla precisará aprender a renegociar as suas decisões considerando a opinião recíproca. Para o jovem casal os ritos e as tradições aprendidas na convivência com a família de origem deverão ser reprogramadas de acordo com os interesses em comum. Lopes, Menezes, Santos e Piccinini (2006) complementam considerando que o ritual de casamento pode favorecer na capacidades dos membros da família em fazer as mudanças necessárias de status, migrando para estágios futuros do ciclo de vida familiar.

A teoria intergeracional de Bowen apresenta a tese que a família é uma unidade emocional e os seus membros estão ligados interdependentemente, de tal modo que o funcionamento de cada um afeta diretamente os demais. A família com o casamento permanece dentro de nós, sendo inclusive algumas questões não resolvidas fator na escolha do parceiro conjugal. Por exemplo: mulheres cujo os genitores agrediam de alguma forma as suas genitoras podem se sentir atraídas para o casamento com parceiros também agressivos. Dentro desse cenário família um dos filhos podem assumir o papel de defensor do membro parental fragilizado. O objetivo do trabalho com os casais de acordo com esta abordagem de intervenção familiar é ajudar na diferenciação de ego, evitando as triangulações, conduzindo o casal para a maturidade conjugal McGoldrick (2001). Quissini e Coelho (2014) complementam que o afastamento das transmissões disfuncionais favorecem na evolução da relação conjugal.

Bauman (2004) denomina a época contemporânea como líquida referindo-se à cultura consumista e imediatista que ao sinal de problema logo procura devolver o produto. O mesmo parece se estender aos relacionamentos conjugais que não mais permitem esperar tempo suficiente na descoberta do outro, assim o autor criou o termo “amor líquido”. Comparando–se ao mundo virtual as redes logo podem ser desfeitas com a mesma facilidade com que são criadas. No entanto, uma ambivalência parece existir nesse processo, pois a segurança esperada no viver na companhia desse outro é algo muito marcante na busca das pessoas em desejar que um relacionamento ocorra em suas vidas.

De acordo com o IBGE, no ano de 2016 houve no Brasil 1.095.535 registros de casamentos havendo uma queda de 3,7% em relação ao ano anterior. O tempo de vivência unida entre o casamento e o divórcio era de 15 anos. A idade média dos cônjuges na data do divórcio era 43 anos homens e 40 anos para a mulher. Apesar de Alves-Silva, Scorsolini-Comin e Santos (2016) apontarem não haver um consenso na literatura científica nacional sobre definição de casamento de longa duração, a presente revisão considerará como um casal estável aqueles com período de convivência conjugal igual ou superior a 15 anos, pautando-se nos indicadores de casamento do IBGE.

Krom (2000) trabalhando com casais notou haver correlação entre a maturidade emocional das pessoas e o ganho em qualidade no relacionamento familiar. Esta mesma autora verificou também haver no casamento um encaixe mítico a partir do interesse do casal em conhecer os mitos do parceiro, conforme ocorre um ajuste mítico maiores serão as condições de ampliação do ajustamento familiar. Um fator importante emergente no casamento envolve a atribuição que um parceiro faz sobre a responsabilização da felicidade sobre o outro. Isto acontece quando não há uma complementação das necessidades pessoais, que assim serão projetadas no companheiro. Tal fato marca a importância da diferenciação para o sucesso dos relacionamentos conjugais.

Bauman (2004) afirma quando que a vida de relações dá-se baseada na busca no outro de encontrar um ideal de eu. Ninguém se relacionará com quem não se identifica, e mais que breve abandonará, fugindo dos riscos e perigos do desprazer e sofrimento. O objetivo dessa investigação será entender o processo de construção da identidade de casais estáveis diante das transformações socioculturais do mundo contemporâneo a partir da literatura científica na abordagem sistêmica familiar. Procurando compreender ainda, o que mudou na subjetividade dos casais diante dessas transformações sociais com papéis mais flexíveis entre os cônjuges. Muitas vezes a separação é justificada pela era moderna que estamos vivenciando como a integração da mulher no mercado de trabalho, rebeldia dos filhos adolescentes, carência de diálogo entre os parceiros, etc. Entretanto pouco valor é atribuído aos casais que apesar de também vivenciarem e sofrerem com as transformações socioculturais conseguem se manter unidos e criando estratégias para recriar a relação conjugal ao longo do tempo. Talvez compreendendo os casais estáveis poderemos descobrir quais são os recursos subjetivos carentes nas pessoas e relacionamentos na atualidade. Portanto o estudo pretende fazer uma discussão sobre os aspectos saudáveis da vivência conjugal em casamentos de longa duração.

Campbel (1990) grande estudioso da mitologia mundial, nos apresenta os mitos como fontes permeadoras de nossa maneira de ser e estar no mundo. Quando deixamos de receber os ensinamentos presentes nas histórias ficamos vazios internamente e perdidos no mundo. Considerando a ênfase do senso comum e das produções científicas enfatizando as relações conflitivas conjugais, a presente pesquisa pretende fazer uma aferição dos artigos contemporâneos sobre o casamento de longa duração se utilizando da abordagem familiar sistêmica como referencial teórico das produções encontradas e das discussões posteriores.

No estudo intergeracional de Coutinho e Meandro (2010) com mães e filhas casadas demonstrou que o casamento ao longo de duas gerações passou por mudanças expressivas na sua manutenção deixando de ser o objetivo principal de vida dos cônjuges e se tornando mais aberto. A mulher passa a ter mais liberdade social e o investimento feminino no casamento passa a dividir espaço com a maior participação masculina.

De acordo com a revisão de Silva, Rocha, Bobato, Becheri e Lorenzetti (2015) a motivação de gênero nas escolhas conjugais envolve buscar parceiros semelhantes, ou seja, com hábitos, rituais e crenças equivalentes. Desta forma, os autores ratificam a prevalência das pessoas se conhecerem em locais frequentados em comum. Esse mesmo trabalho científico apontam diferenças nas expectativas entre homens e mulheres quando o assunto é o casamento. Os primeiros anseiam relações amorosas pautadas na confiança, aceitação, apreço, admiração, aprovação e encorajamento. Já as mulheres buscam principalmente carinho, compreensão, respeito, devoção, validação e reafirmação.

Gomes (2003) realizando um trabalho sobre a figura paterna na família realizou a diferenciação entre famílias de dupla renda e de dupla carreira. A primeira decorreu das mudanças socioculturais do período pós-guerra que obrigou a mulher se inserir no mundo ocupacional com o objetivo principal de complementação da renda doméstica. Já as famílias de dupla carreira caracteriza-se pela similaridade de importância dedicada a atividade profissional e vivência afetiva em família, portanto o comprometimento é simultâneo. Dessa forma, há uma igualdade de envolvimento do homem e da mulher com as funções do cuidado doméstico e processo de educação dos filhos. Gomes cita (2003, p. 41): “Acreditamos que, o que marca a diferença no casal de dupla carreira em relação ao casal de dupla renda é o interesse manifestado nas atitudes de igualdade que rompem os padrões tradicionais da família.”

Ampliando essa discussão das necessidades entre homens e mulheres no terreno da sexualidade, Werner (2011) aponta que a presença de fantasia irá colocar “luz” ou “se fazer aparecer” na relação sexual entre os parceiros. Estas fantasias são influenciadas pela cultura que pode reprimi-las. Entretanto, apesar de não expressas pelo casal não significa que deixam de existir no interior da dupla. De acordo com a autora é importante o terapeuta de casal conhecer e as crenças e práticas fantasiosas do casal e respeitá-las. A presença da fantasia associada com a realidade é denominado pela autora de sexo imaginativo e representa o aquecimento contínuo da intimidade conjugal, diferente do sexo nulo, sem limites ou trivial.

O objetivo do estudo foi estudar os casais de vida cronológica de longa duração à luz da perspectiva da teoria sistêmica. A proposta envolveu levantar e analisar as produções científicas a respeito do tema casamento, buscando definir o que estas produções compreendem sobre a conjugalidade estável ou duradoura na contemporaneidade. A justificativa para trazer esse tema envolve buscar um olhar mais positivo baseado na abordagem sistêmica familiar sobre o casamento. Assim, identificando as forças que o mantém duradouro e saudável ao invés de enaltecermos as causas conflitivas que acometem os casais de maneira geral.

Algumas questões iniciais motivaram a presente revisão: Como a Terapia Sistêmica com casais pode colaborar com as discussões de casamentos de longa duração? Quais os diferenciais presentes nessas relações conjugais? Para obter o equilíbrio no relacionamento conjugal o que esta abordagem de intervenção terapêutica nos aponta? Será que existem publicações a respeito do assunto dentre alguns dos principais indexadores científicos do país? O que estes estudos apresentam em comum?

O trabalho é relevante na ampliação e socialização dos conhecimentos adquiridos sobre o tema casamento de longa duração na contemporaneidade e as colaborações da Terapia Familiar Sistêmica com Casais nas discussões desta temática frente às produções acadêmicas encontradas nas últimas décadas.

 

Materiais e métodos

Trata-se de um estudo de revisão sobre o casamento nas principais bases de dados de documentação da produção científica contemporânea como o Scielo, PePSIC, BVS - Biblioteca Virtual em Saúde e Portal de Periódicos da CAPES. A investigação considerou como tema o casal atual e a longevidade na perspectiva familiar sistêmica. Adotou-se nas buscas das produções os seguintes descritores: casamento, casamento de longa duração, casal, casais, conjugalidade e terapia de casal e família, terapia familiar sistêmica. O levantamento dos dados considerou a produção publicada no período de 2000 à 2017, considerando somente pesquisas nacionais ou indexadas em bases de dados latinoamericanas. Foram estabelecidos como critérios de inclusão para as análises dos artigos: 1) publicações em forma de artigo contendo a temática conjugal e a qualidade das interações em relações heteroafetivas cronologicamente duradoura; 2) definiu-se como casal de longa duração as uniões independente dos status social no período igual ou superior à quinze anos; 3) priorizou-se estudos que apresentavam análise e ou intervenções na linha sistêmica familiar.   

A pesquisa apresentou um método quanti e qualitativo, na qual após o levantamento da quantidade das produções ocorreu breve análise dos resumos buscando verificar se houve e quais foram as contribuições da abordagem sistêmica no trabalho com casais de longa duração.

 

Discussão dos resultados

Na base do Scientific Eletronic Library Online- Scielo foram encontrados 180 artigos, entretanto somente 19 foram selecionados para leitura dos resumos por inicialmente atenderem aos critérios de inclusão para a presente revisão de literatura. Na PePSIC foram encontrados 263 artigos, apenas 18 foram selecionados para a análise do conteúdo. Na BVS- Biblioteca Virtual em Saúde encontramos 851 publicações, sendo selecionados 15 artigos para leitura dos resumos. E no Portal de Periódico da CAPES encontramos 3.041 artigos, mas em sua maioria não atendiam os nossos objetos de investigação, sendo separados apenas cinco para a leitura dos resumos textos.

Dentre os estudos buscados no Scielo encontramos um artigo no formato de estudo de caso que adota o referencial sistêmico, especificamente de Bowen da escola intergeracional. Nesse trabalho os autores discutiram as lealdades invisíveis a partir de um casal em crise (Borghetti, Lech & Martins, 2001). Entretanto, os responsáveis pelo artigo não esclarecerem o tempo de convivência do casal estudado, os autores demonstraram que a trabalho interventivo sistêmico com o casal os auxiliou o casal na construção da fidelidade conjugal e no abandono das alianças com as famílias de origem, promovendo a superação da crise e a continuidade da relação conjugal. Outro estudo de Norgren, Souza, Kaslow, Hammerschmidt e Scharlin (2004) aborda especificamente a conjugalidade de longa duração a partir de um levantamento feito com casais paulistanos e mostrou que o casamento duradouro não era sinônimo de satisfação. Os casais com média de 20 anos de convivência adotavam a intimidade na forma de aproximação, utilizavam de estratégias adequadas de resolução de conflitos, habilidade comunicacional, equilíbrio financeiro e crença religiosa. Entretanto, apesar desse artigo adotar algumas referências importantes da terapia sistêmica o mesmo não apresenta com clareza a sua linha teórica adotada para análise dos resultados com os casais. Os demais artigos encontrados no Scielo adotavam outros referenciais de intervenção como a Psicanálise e principalmente a Psicologia Positivista. Ou ainda, adotavam narrativas de análise sociológica nas interações conjugais.  

Outro trabalho de revisão sistemática envolvendo casais em situação de conflito encontrado no Scielo e também na BVS de Costa, Delatorre, Wagner e Mosmann (2017) apontou que a maioria das publicações se concentram nas abordagens comportamentais e psicanalítica em relação à sistêmica e psicodinâmica. Constataram ainda haver poucos estudos nacionais em torno do assunto. O artigo não esclarece o tempo médio de convivência entre os casais nos estudos levantados.  

Nas pesquisas na base de dados PePSIC, Alves-Silva, Scorsolini-Comin e Santos (2017) estudaram casais com média de convivência de 45 anos juntos. Os autores entrevistaram 21 casais adotando o critério de estudo transversal e de análise de conteúdo. Encontraram entre os motivos mais citados para a permanência conjugal duradoura a responsabilidade com a família, consideração das qualidades do parceiro, compreensão/tolerância, companheirismo e respeito. Também foi possível notar a busca pelo equilíbrio entre a individualidade e conjugalidade pelos entrevistados. Esse estudo também não especificou com clareza a linha teórica adotada para interpretação dos dados, enfatizando exclusivamente os procedimentos de coleta de dados. Também na PePSIC foi encontrado o artigo de Costa e Mosmann (2015a) com casais longevos, cujo objetivo era verificar suas impressões sobre os casais contemporâneos, pautados nos juízos de valor. Os autores concluíram que sem dúvida as mudanças culturais, econômicas e sociais impactaram no casamento, mas o estudo pouco agregou aos objetivos da presente revisão.

Na BVS foi encontrado o artigo de Tavora (2009) que propõe etapas de intervenção com casais, em diferentes momentos de vida conjugal, baseadas na abordagem sistêmica familiar. A autora lembra que renegociação entre o casal fará parte de todo o processo de intervenção, além da atenção do terapeuta aos acordos firmados e os aspectos éticos na história do casal. O passo inicial consiste no desbloqueio no fluxo de comunicação entre os cônjuges; seguido da definição pelo terapeuta do grau do problema e os recursos disponíveis e ainda, ajudá-los no reconhecimento das ilusões e nas interferências do passado no momento presente. O processo ainda sugere o resgate da admiração recíproca, aprendizagem da reparação e redistribuição do poder com a divisão de responsabilidades e negociação dos papéis no convívio entre o casal. 

O artigo de Féres-Carneiro e Neto (2010) também foi encontrado na BVS e trata de uma revisão de literatura sistêmica com o objetivo de analisar padrões de formação e dissolução de casais. Os autores definem conjugalidade como um processo complexo de construção de uma realidade comum. Apesar de haver o contrato entre duas diferentes individualidades, uma identidade conjugal é construída, por meio de trocas verbais e não verbais que se afetam mutuamente. Costa e Mosmann (2015b) em outro artigo selecionado analisaram as estratégias para solucionar conflitos de um grupo de casais de longa duração com tempo de união entre 20 e 32 anos acompanhados num grupo focal. As estratégias para a ‘prevenção de conflitos’ entre os casais observados encontraram-se a autobservação das próprias reações e emoções, a atenção à abertura do parceiro para o diálogo e gravidade do conflitos. Os autores apresentam o referencial sistêmico para a interpretação das conversações transcritas e analisadas. No entanto, dentre as referências adotadas, aliás em sua maioria estrangeiras, não identifiquei nenhum dos principais teóricos que fundamentaram as principais escolas sistêmicas de terapia familiar. Outras publicações encontradas na BVS adotantes do referencial sistêmico trouxeram debates interessantes sobre casais, mas não atenderam a todos os critérios de inclusão desta revisão. Entretanto, trata-se de estudos interessantes e que vale a pena serem destacados: Pereira (2015) abordando o tema dos casais que brigam cronicamente e nunca se separam, analisando esta situação a partir da Ópera de Verdi (Aida) remetendo ao contexto de fidelidade e participação da família de origem na convivência do casal. Outro de procedência chilena (Rivera, Cumsille, Domingues & Hidalgo, 2015) aborda a procedência dos referenciais teóricos adotados por programas de prevenção de conflitos entre casais. Os modelos adotados partiram de experiências americanas de abordagem familiar. Destacamos que a terapia familiar sistêmica teve a sua origem nos Estados Unidos na segunda metade do século XX, contagiada pelo clima de pós-guerra. A família passou a ser vista como um organismo vivo enraizado pela cultura e origem social (Falceto, et al., 2012). 

Dentre os cinco resumos selecionados no Portal de Periódicos da CAPES, nenhum atendeu a todos os critérios da presente revisão. Neto e Féres-Carneiro (2010) numa outra revisão sistemática publicada na Revista Interação em Psicologia utilizando descritores semelhantes a essa revisão (terapia de casal e conjugalidade) encontraram, entre os 132 artigos pesquisados, que a satisfação conjugal foi ressaltada como o principal marcador da formação e manutenção da conjugalidade.

A cerimônia de casamento é um rito de passagem, marcado pela transitoriedade de fases no ciclo vital, nas quais as expectativas sociais de condutas mudam da fase de solteiro para a de casado. O casamento ainda marca a formação de um novo núcleo familiar por meio da construção de um terceiro subsistema (Carter & McGoldrick, 2001).

O casamento é uma construção psicossocial de cada indivíduo. A formação da conjugalidade deverá ser revista ao longo das fases da vida do casal, garantindo a sua sobrevivência e qualidade. A dissolução conjugal acontece quando estas revisões não se tornam mais possíveis para uma das partes ou ambos os cônjuges (Féres-Carneiro & Neto, 2010).

A garantia da permanência conjugal nos artigos revistos sobre construção e dissolução de conjugalidade por Féres-Carneiro e Neto (2010) envolvia a adoção pelo casal de padrões afetivos positivos de interação afetiva facilitando na condução e superação de conflitos.

Valquéz (2014) nos seus achados sobre casamento contemporâneo com casais de curto e longo tempo de duração encontrou que os fatores geradores de conflito estão associados ao contexto profissional e/ou financeiro e ainda as questões domésticas ligadas à educação dos filhos e tarefas domésticas.  Verificou permanências e mudanças nos papéis tradicionais de gênero, e a influência da família de origem na maneira de homens e mulheres se relacionarem. Acrescentando uma autora das ciências sociais podemos talvez compreender melhor esta questão. Bandeira (2014) diz que as relações de gênero são assimétricas e de poder e permeiam as configurações e comportamentos no interior da família com a impregnação de discursos patriarcais e machistas que reduzem a mulher somente ao sexo biológico mantendo- a dentro de normas e papéis tradicionais. Em algumas das interações dos casais estudados por Valquéz (2014) foram identificadas relações de poder nos conflitos conjugais e nas estratégias de resolução que comprometem a igualdade nas interações.

Analisando brevemente os achados acima podemos perceber que há uma tendência dos estudos de abordagem familiar sistêmica em analisar casais longevos ou não em situação de conflito (Borghetti, Lech & Martins, 2001; Costa, Delatorre, Wagner & Mosmann, 2017; Tavora, 2009; Costa & Mosmann, 2015b; Féres-Carneiro & Neto, 2010 e Neto & Féres-Carneiro, 2010), esse achado nos mostra haver uma tendência das publicações sistêmicas em considerar também o conflito conjugal como ponte de acesso e prestação de ajuda terapêutica aos casais de longa duração. Outro ponto em comum encontrado nos estudos levantados nesta revisão envolveu conhecer as estratégias adotadas para a permanência e busca de satisfação conjugal entre casais duradouro (Norgren, Souza, Kaslow, Hammerschmidt & Scharlin, 2004; Alves-Silva, Scorsolini-Comin & Santos, 2017). Ambos os artigos realizaram entrevistas com casais de longa duração que adotavam estratégias adequadas de resolução de conflitos, habilidade comunicacional, equilíbrio financeiro, crença religiosa, além do sentimento de responsabilidade com a família, consideração das qualidades do parceiro, compreensão/tolerância, companheirismo e o respeito. Também nestes estudos foram apontados a busca pelo equilíbrio entre a individualidade e conjugalidade pelos entrevistados.

 

Considerações finais

A revisão possibilitou-nos verificar como são os estudos a respeito das interações em casamentos de longa duração sob o olhar da terapia sistêmica ainda são rarefeitos no Brasil. Além disso, dentre as poucas publicações encontradas há uma tendência em partir do conflito conjugal para ter acesso aos casais e a partir daí propor este referencial terapêutico de ajuda.  Apesar disso, refletindo sobre o casamento longevo na contemporaneidade a presente revisão ratificou trabalhos que abordam o tema conjugal (Alves-Silva, Scorsolini-Comin & Santos, 2017; Silva, Rocha, Bobato, Becheri & Lorenzetti, 2015; Norgren, Souza, Kaslow, Hammerschmidt & Scharlin, 2004) que apresentam o amor entre os cônjuges como decisivo na formação e manutenção da conjugalidade. Os casais contemporâneos parecem adotar o casamento a partir de um projeto individual de vida que não conta com a influência direta da família de origem como era tradição no passado. O matrimônio ainda parece ser relevante na vida das pessoas e apesar das mudanças na sua configuração está presente a relação igualitária entre o casal e a valorização de aspectos como companheirismo, a fidelidade familiar e o respeito pelo parceiro.

 

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Endereço para correspondência
Milena Valelongo Manente
E-mail: milamanente@yahoo.com.br

Enviado em: 19/06/2018
1ª revisão em: 07/09/2018
Aceito em: 22/11/2018

 

 

1 Psicóloga Clínica com titulação de Mestrado e Especialista em Terapia de Casal e Família pelo Instituto Bauruense de Psicodrama (IBAP- Centro de formação validado pela Associação Paulista de Terapia Familiar).

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