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Ciências & Cognição
On-line version ISSN 1806-5821
Ciênc. cogn. vol.17 no.1 Rio de Janeiro Apr. 2012
Artigo Científico
Características psicométricas do "Portable Tactual Performance Test" (P-TPT) em indivíduos cegos
Psychometric characteristics of the Portable Tactual Performance Test (P-TPT) in blind individuals
Alberto FilgueirasI; Pedro PiresII; Elisa Mello e SilvaII; Priscila do Nascimento MarquesII; Vera Lúcia Alves dos SantosII; Maria PoyaresIII; Carlo Emmanoel Tolla de OliveiraIII; Eloísa SaboyaIII; Carla Verônica Machado MarquesIII
IPontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil;
IIUniversidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil;
IIIInstituto Benjamin Constant, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil;
Resumo
A percepção háptica é uma das bases fundamentais para a Avaliação Psicológica em indivíduos cegos. Todavia, o Brasil carece de instrumentos que usam esta modalidade de input sensorial na mensuração de habilidades cognitivas. O Portable Tactual Performance Test (P-TPT) é um teste que faz uso do sistema tátil da criança para avaliar a lateralização e as habilidades sensório-motoras, localização espacial, interconexão cerebral de informações entre os dois hemisférios e capacidade psicomotora comparada. Com o objetivo de analisar se este instrumento será eficaz nas mensurações propostas dentro da realidade brasileira, fizemos a aplicação em uma amostra de 32 crianças portadoras de deficiências visuais congênitas do Instituto Benjamin Constant no Rio de Janeiro. Analisamos os dados coletados com base em princípios da Teoria Clássica de Testes (TCT) sob os parâmetros da Psicometria estabelecidos na literatura. Utilizamos dois diferentes métodos de análise: Análise Fatorial Exploratória (AFE), e Homogeneidade do teste através do coeficiente Alfa de Cronbach. Os resultados da AFE revelaram 4 diferentes fatores correspondendo ao número de tarefas do teste. Os itens ficaram dentro de seus respectivos fatores, mostrando boas cargas fatoriais que variaram entre 0,41 e 0,92. Quanto à Homogeneidade, os coeficientes Alfa de Cronbach ficaram acima de 0,90 mostrando boa consistência estrutural do teste. Através destes resultados, discutimos as características psicométricas do P-TPT e avaliamos se o teste terá valor na Avaliação Psicológica em crianças cegas no Brasil. © Cien. Cogn. 2012; Vol. 17 (1): 083-093.
Palavras-chave: percepção háptica; avaliação psicológica; psicometria.
Abstract
One of the fundamental basis for psychological assessment in blind individuals is the haptic perception. However, Brazil lacks instruments that use the tactile sensorial input modality for cognitive abilities measurement. The Portable Tactual Performance Test (P-TPT) uses the children tactile system to evaluate her sensory-motor lateralization and abilities, spatial localization, cerebral interconnection of information between the two brain hemispheres and comparison of the psychomotor capability. In order to analyze if this instrument will be effective for the proposed measurement in the Brazilian reality, we assessed a sample of 32 congenital visually impaired children from Benjamin Constant Institute in Rio de Janeiro. We analyzed the collected data based in the principles of Classical Tests Theory (CTT) under the Psychometrical parameters established in the literature. We used two different methods of analyses: Exploratory Factorial Analysis (EFA), and test's homogeneity through Cronbach's Alpha Coefficient. Results of EFA revealed 4 different factors corresponding to the number of the test's tasks. Items remained inside their respective factors, showing good factorial load varying between 0,41 and 0,92. As for the test's homogeneity, the Cronbach's Alfa coefficients remained higher than 0,90 which suggests good structural consistency. By these results, we discussed the psychometric characteristics of P-TPT and evaluated if the test will have value in the Psychological Assessment of blind children from Brazil. © Cien. Cogn. 2012; Vol. 17 (1): 083-093.
Keywords: haptic perception; psychological assessment; psychometrics.
Introdução
A avaliação do perfil cognitivo de pessoas cegas requer a adaptação de instrumentos utilizados na clínica neuropsicológica, de modo que leve em consideração as particularidades desta população. A maioria dos testes utilizados em estudos neuropsicológicos exige que o sujeito possua acuidade visual intacta (Bigler & Tucker, 1981).
Além da dificuldade em encontrar na bibliografia testes capazes de avaliar as habilidades neuropsicológicas de um sujeito portador de deficiência visual. Há poucos estudos sobre as propriedades psicométricas destes testes cognitivos, o que torna difícil a compreensão do funcionamento de seus respectivos itens e estrutura dentro deste contexto. Um exemplo que podemos citar é o subteste Portable Tactual Performance Test (P-TPT) da bateria Halstead-Reitan (Heaton, Miller, Taylor & Grant, 2004), proposta por Postma, Zuidhoek, Noordzij e Kappers (2007), onde foi verificada habilidade para o aprendizado de configuração espacial através do tato e repercussão em memória para execução para diferentes tipos de cegueira.
O Portable Tactual Performance Test tem sido considerado um instrumento adaptável à população com deficiência visual por exigir essencialmente o uso da habilidade tátil para o reconhecimento de objetos. Assim como estímulos visuais, os estímulos táteis fornecem dados acerca da identidade e localização dos objetos no espaço peripessoal. Este construto pode ser definido como o espaço em torno de uma pessoa que esteja dentro do seu alcance sensorial (Postma et al., 2007).
Enquanto os videntes dependem particularmente da visão para sua representação, os cegos estão limitados ao uso do sistema tátil. Desta maneira, um teste essencialmente tátil como o P-TPT poderia fornecer informações importantes sobre o processamento de informações sobre o reconhecimento e memória espacial dos cegos (Postma et al., 2007).
Millar (1979, 1981, 1985, 1986, 1987) propôs que três tipos de codificação espacial são usados no espaço peripessoal: codificação egocêntrica, alocêntrica e de movimento. Enquanto que a codificação egocêntrica é empregada em tarefas implícitas utilizadas em movimentos imediatos orientados para um objetivo, a codificação alocêntrica é usada em tarefas explícitas envolvendo percepção consciente e memória espacial. No domínio tátil, respostas com intervalo ou recuperação de inputs táteis através de respostas verbais podem estimular o emprego de fontes de referência alocêntrica (Zuidhoek, Kappers, van der Lubbe & Postma, 2003, Zuidhoek, Kappers & Postma, 2005).
Entretanto, de acordo com Rossetti, Gaunet e ThinusBlanc (1996), e Gaunet e Rossetti (2006), em tarefas com emissão de resposta após intervalo, cegos congênitos demonstraram ser orientados principalmente pela codificação egocêntrica da informação espacial tátil, assim como pela memória do movimento, para codificação da localização, em detrimento de fontes externas de referência (ThinusBlanc & Gaunet, 1997).
No Brasil, há poucos testes capazes de fornecer subsídios ao Neuropsicólogo na avaliação de valências cognitivas de cegos. Para tanto, propomos estudar as características psicométricas da adaptação do P-TPT proposta por Postma e cols. (2007) em uma amostra de crianças cegas no Rio de Janeiro. A análise psicométrica utilizada neste estudo possui como alicerce a Teoria Clássica de Testes, propondo duas abordagens básicas: Análise Fatorial Exploratória do instrumento e, posteriormente, a confiabilidade do instrumento através do coeficiente Alfa de Cronbach (Cronbach, 1951) e a consistência dos itens por meio da correlação item-total de cada dimensão respeitando os critérios clássicos da psicometria e estatística inferencial (Hair, Anderson, Tatham & Black, 2010; Pasquali, 2009).
O Portable Tactual Performance Test
O teste P-TPT avalia habilidade e lateralização sensório-motora, localização espacial, habilidade cerebral de interconexão de informações entre os dois hemisférios e capacidade psicomotora comparada (Friedrich, 2008). Inicialmente o instrumento foi criado para avaliar estas habilidades em pessoas videntes usando uma venda para impedir que enxerguem a prancha durante a tarefa. O teste é constituído por uma prancha de madeira com sulcos esculpidos em seis formas geométricas: cruz, elipse, losango, quadrado, retângulo e semi-círculo. A tarefa é encaixar as formas em seus respectivos sulcos dentro de um tempo de limite de 15 minutos (900 segundos). Ao todo, o teste é constituído por quatro diferentes momentos de avaliação: o primeiro usando a mão dominante do avaliado, o segundo a mão não-dominante, no terceiro momento o participante por fazer uso de das duas mãos, e no quarto e último, o avaliado é solicitado a desenhar em uma folha em branco, a posição das seis figuras geométricas, tentando reproduzir a prancha do teste. Os escores de cada teste são constituídos pela combinação entre o tempo que o avaliado leva para colocar cada figura em sua respectiva lacuna e o número total de figuras colocadas corretamente, todavia, na última tarefa é computado somente o número de figuras desenhadas nos locais certos em comparação à prancha original (Postma et al., 2007).
Acredita-se que a lateralidade motora e a capacidade psicomotora comparada estejam sendo avaliadas nas duas primeiras tarefas, a habilidade sensório-motora e habilidade cerebral de interconexão de informações entre os dois hemisférios na terceira, e memória espacial na quarta tarefa. Significa dizer, portanto, que o T-PTP se propõe a avaliar quatro diferentes fatores ou dimensões da cognição através do tato como input sensorial.
Postma e cols. (2007) utilizaram uma versão do teste em uma população de sujeitos cegos congênitos, cegos tardios e participantes vendados, abordando os aspectos do processamento tátil no espaço peripessoal envolvidos no teste P-TPT. Sua proposta para a população cega é substituir o desenho das formas lembradas na quarta tarefa pela organização das peças previamente tocadas em uma folha de papel do tamanho da prancha, cabendo ao examinador traçar com um lápis ou caneta o contorno das figuras colocadas pelo avaliado cego no papel. Postma e cols. (2007) comparou os três grupos em questão, verificando que todos os grupos tiveram desempenho otimizado a cada vez que executavam a tarefa. Os grupos de cegos congênitos e tardios desenvolveram a atividade com mais velocidade do que o grupo vidente, principalmente após a rotação do estímulo. O grupo de videntes mostrou melhora no desempenho da primeira para a segunda execução. Ainda assim, em uma tarefa envolvendo memorização de posições em um teste sem agilização da tarefa e free-recall não foram apresentadas diferenças significativas entre os grupos. Ainda assim, quando associadas a uma resposta verbal, a memória espacial categórica aparece mais intensa no grupo de cegos tardios. Postma e cols. (2007) concluiu que o papel do tato e da experiência visual parecem depender do aspecto da tarefa sendo testado. Essas diferenças requerem maior conhecimento sobre seus aspectos psicométrico para a elaboração de testes mais específicos no futuro.
Uma das funções avaliadas pelo TPT é memória espacial episódica (Heaton et al., 2004). Sabe-se que esta memória é constituída por eventos situados no contexto espacial-temporal em que foram vividos (Desgranges & Eustache, 2008). A característica básica da memória episódica consiste em permitir a recordação consciente da experiência prévia, tornando possível relembrar o evento, onde ele ocorreu e como aconteceu (Desgranges & Eustache, 2008; Hoisko, 2000). A memória episódica não permite apenas a recordação precisa do evento em si, mas também a lembrança da experiência subjetiva experimentada. Segundo Gagnepain e cols. (2008) a criação de novas memórias episódicas é diretamente reforçada pelo priming perceptual, assim, quanto maior o priming perceptual, mais elevada é a codificação de novas memórias episódicas.
É comum o uso de testes de reconhecimento para acessar as informações da memória episódica (Desgranges & Eustache, 2008). A quarta tarefa do P-TPT, que consiste na recordação de objetos previamente identificados, sendo atribuída à função de mensuração da memória de reconhecimento. De acordo com Bolles e Bailey (1956) a percepção do tamanho não é proveniente apenas de informações visuais. Assim, indivíduos cegos são capazes de construir esta percepção baseando-se em experiências passadas que auxiliam no reconhecimento das dimensões dos objetos. Segundo Hodges e Graham (2001), estímulos previamente conhecidos terão um elevado nível de reconhecimento. A memória de reconhecimento depende de múltiplas entradas, tanto do sistema perceptivo quanto semântico.
Este fato corrobora para a concepção de Piaget (1973) sobre memória de evocação. Para este, a memória de evocação está diretamente relacionada com a capacidade de reconstrução, uma vez que esta depende da evocação correta das informações das experiencias passadas do sujeito e recombinação adequada do que foi relembrado para a execução satisfatória das tarefas. Como afirmam Greenberg e Rubin (2003), a partir de estudos utilizando neuroimagem funcional, as áreas cerebrais responsáveis pela memória de evocação estão situadas na região frontotemporal.
Na adaptação de Postma e cols. (2007), a tarefa de reconhecimento é composta pelos escores de lembrança do formato e de sua localização na prancha. Consideramos, portanto, que ambas avaliam a memória de reconhecimento espacial.
Metodologia
Participantes
A amostra foi composta por 32 crianças portadoras de deficiência visual congênita, estudantes da escola especializada do Instituto Benjamin Constant, cursando entre o segundo e sexto ano do ensino fundamental. A média de idade da população testada é de 9,97 anos (DP + 1,52), sendo 18 (51,42%) do sexo feminino e 17 do sexo masculino (48,58%).
Questões éticas
Todos os participantes do experimento foram voluntários escolhidos pela Direção do Instituto Benjamin Constant. Os pais leram e assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, tomando ciência do propósito da pesquisa. A pesquisa foi feita pelo Laboratório de Neuropsicologia do Instituto Benjamin Constant (Neurolab-IBC), obtendo anuência para a coleta de dados pelo Comitê de Ética da própria instituição.
Materiais
Foi utilizado o Portable Tactual Performance Test (P-TPT) parte da bateria Halstead-Reitan (Heaton et al., 2004). A valise do P- TPT é utilizada como suporte para a prancha durante a aplicação do teste. É feita de madeira e possui 3 cm. de espessura, e a altura (após armada) em relação à mesa é de 31 cm. A prancha do P-TPT, também feita de madeira, mede, na posição horizontal, 45 cm. de largura e 30 cm. de altura; já na vertical ela possui 30 cm. de largura e 45 cm. de altura. Após ser colocada no suporte, a altura da prancha em relação à mesa é de 46 cm., na posição vertical; e na horizontal possui 32 cm. de altura em relação à mesa. A angulação da prancha (encaixada no suporte) em relação à mesa é de 45 graus. Todos os blocos são feitos de madeira e possuem 2 cm. de espessura. Cada bloco possui as seguintes medidas: a cruz de quatro pontas mede de seu centro até a ponta 4,5 cm.; o quadrado possui lados medindo 7 cm.; o retângulo tem um comprimento equivalente a 11,3 cm. e altura é de 6,5 cm.; a elipse possui seu maior lado medindo 10,5 cm. de diâmetro, e na parte menor apresenta a medida do raio equivalente a 5,25 cm., com diâmetro igual a 7 cm. O losango tem 8 cm. em cada um dos lados; o semi-círculo apresenta em sua parte reta 13 cm., e a distância entre a metade desta reta e o topo da peça é igual a 6,5 cm. Cada bloco somente se encaixa em seu respectivo orifício da prancha.
Para a quarta tarefa de rememoração, usamos uma folha lisa de papel A3 do tamanho da prancha original, contendo esboços dos seis orifícios na mesma posição em que se encontram na prancha original combinando com os 6 blocos utilizados nas demais tarefas.
Procedimentos
Dois aplicadores treinados são responsáveis, um por instruir, observar e, se necessário, corrigir alguma postura da criança; e outro por registrar os tempos e os acertos do sujeito durante o teste. Foi utilizada somente a face com 6 orifícios da prancha, própria para a faixa etária utilizada. Em sujeitos de 7 e 8 anos, utilizou-se a prancha na horizontal; sujeitos de 9 a 12 anos realizaram a tarefa com a prancha na vertical. Foram utilizados somente os blocos requeridos na prancha de 6 orifícios, sendo estes: cruz, elipse, losango, quadrado, retângulo e semi-círculo.
Todos os sujeitos foram previamente vendados a fim de que possíveis diferenças na percepção de sombras não causassem interferência no desempenho no teste. Em seguida, eles foram instruídos a encaixar os blocos em seus respectivos lugares na prancha o mais rápido que pudessem, não obtendo informações acerca de especificidades da tarefa, como nomes dos formatos, quantidade de blocos, e estratégias às quais possa recorrer. Os sujeitos realizaram a tarefa em três momentos diferentes: mão dominante, mão não-dominante e as duas mãos. Cada momento foi cronometrado separadamente.
Logo após o término da terceira tarefa de localização espacial executada com as duas mãos, iniciou-se a quarta tarefa, no qual a prancha de seis orifícios foi substituída pela folha de papel A3. Os blocos foram postos sobre a mesa em ordem aleatória; neste momento, foi permitido ao participante o uso de ambas as mãos e o tempo não foi medido. O sujeito, ainda vendado, foi instruído a colocar os blocos sobre a folha de papel na posição correspondente em que estavam localizados na prancha de seis orifícios, como se a folha fosse a prancha original. Ao término do experimento, o aplicador registrou a posição na qual cada bloco foi posto, tracejando seus contornos no papel com um lápis.
O escore desta tarefa de reconhecimento da prancha é composto por um item de memorização e um item de localização. No item localização, é considerado acerto quando o sujeito colocar qualquer um dos blocos em uma determinada área do papel que corresponda, na prancha do P-TPT, a um buraco ocupado por uma peça; desta forma, se uma determinada figura do papel que corresponda a um buraco da prancha estiver, com pelo menos 50% da sua área, preenchida por uma peça, o sujeito ganha 1 ponto em localização para a figura. Considera-se como acerto quando o bloco estiver o mais semelhante possível no que se refere à posição, em relação à prancha original. Entretanto, o sujeito receberá 0 ponto para cada figura correspondente a um orifício da prancha que estiver sem blocos colocados.
No item memorização da figura, é contado como acerto se o sujeito organizou uma determinada figura no papel na mesma posição e rotação que esta estava posicionada na prancha do TPT. É dado 1 ponto para a resposta correta e 0 ponto para a resposta incorreta (0 pontos).
Análise estatística
A primeira análise estatística a ser feita será a descrição dos resultados, obtidos a partir da média dos tempos em cada uma das tarefas ou momentos do teste, bem como a média do escore na quarta tarefa.
A fim de analisar as características psicométricas do T-PTP em uma amostra de crianças cegas no Rio de Janeiro, propomos inicialmente uma Análise Fatorial Exploratória (AFE; Hair et al., 2010). O objetivo era verificar as diferentes dimensões de cada uma das tarefas propostas pelo teste. Acreditamos que, com base nas diferenças de motricidade e habilidades requisitadas por cada uma das diferentes tarefas, a AFE mostrará claramente 4 diferentes dimensões.
Uma vez clarificadas as dimensões, propomos o uso do coeficiente alfa (Cronbach, 1951) para analisar a confiabilidade de cada uma das tarefas e do instrumento com um todo. O critério clássico para aceitar um instrumento como confiável é 0,70 (Cronbach, 1951, Pasquali, 2009). Pretendemos conseguir valores superiores a este valor nos cinco coeficientes calculados: (1) tarefa com mão dominante, (2) tarefa com mão não-dominante, (3) tarefa com as duas mãos, (4) tarefa de rememoração e (5) total do teste.
A análise da estatística inferencial dará subsídios para futuros estudos com o instrumento e posteriores estudos de validação, conferindo ao P-TPT um status de instrumento viável para ser utilizado no Brasil.
Resultados
Utilizamos o software PASW versão 18.0 para análise dos dados. A média do tempo verificada na tarefa com a Mão dominante (MD) foi de 365,37 segundos (DP=709,04); na tarefa de mão não dominante (MND) verificou-se média de 251,60 segundos (DP=290,83), sendo a média de ambas as mãos (AM) 187,31 segundos (DP=275,75). Assim, obteve-se uma média do tempo total do experimento de 704,53 segundos (DP=714,59). A média do escore na tarefa de rememoração (RM) foi de 13,88 (DP=7,16), lembrando que a rememoração é uma tarefa que combina localização (LO) e memória (ME).
Análise fatorial exploratória
O método de AFE inicialmente proposto respeita o construto latente avaliado pelo instrumento. Acreditamos que a localização espacial será afetada pela habilidade motora dos participantes, porém, todas as tarefas colaboram, isto é, convergem para resultado final, portanto, as variáveis são sinérgicas. Nesta situação, o método de AFE mais recomendado é a extração dos fatores pelo método de Componentes Principais, rotacionando os itens pelo método Varimax (Hair et al., 2010).
A hipótese inicial proposta para a AFE foi confirmada, uma vez que foram encontradas 4 dimensões diferentes: uma para cada diferente tarefa. Utilizamos a medida KMO para adequação da amostra, o valor obtido foi 0,73, mostrando adequação da amostra ao método de AFE utilizado. Para verificar se a rotação foi adequada, utilizamos o teste Bartlett de esferacidade. O valor do Qui-Quadrado para o teste estatístico foi ϲ(276) = 1729,62; p < 0,05.
Os itens foram avaliados inicialmente pelo critério de Comunalidade (Hair et al., 2010). O item deve apresentar valor de extração maior que 0,40 para ser considerado um bom item para o teste. Através da extração das Comunalidades pelo método de Componentes Principais, nenhum item de nenhuma das tarefas foi excluído, os valores para os graus de comunalidade variaram entre 0,63 e 0,99. Os 4 fatores encontrados explicaram a variância dos dados em 86,16% dos auto-valores iniciais, portanto, confirmaram a hipótese de 4 fatores proposta inicialmente.
Na primeira tarefa da mão dominante (MD) mantivemos os seis itens, isto é, as seis figuras geométricas alocadas na primeira tarefa, dentro de valores para as cargas fatoriais que variaram de 0,89 a 0,92. Na segunda tarefa da mão não-dominante (MND) obtivemos cargas fatoriais entre 0,41 e 0,83. Na terceira tarefa, com ambas as mãos (AM) os valores ficaram entre 0,49 e 0,94. Finalmente, na tarefa de rememoração verificamos que todos os itens se mantiveram dentro do fator pela extração de componentes principais com as cargas fatoriais variando entre 0,64 e 0,87. A tabela 1 mostra a matriz rotacionada dos componentes.
Confiabilidade
O coeficiente Alfa foi inicialmente proposto por Cronbach (1951) com o objetivo de analisar a estrutura interna de um teste ou escala. Trata-se de uma estimação da correlação entre duas amostras aleatórias de itens dentro do universo de itens de um teste. Portanto, o índice é um ótimo indicador da homogeneidade de um teste, pois faz comparações entre os diferentes itens assumindo que cada item contribui para a escala sem a necessidade de escalabilidade exigida por outros testes estatísticos de homogeneidade como o coeficiente H de Loevinger (Cronbach, 1951).
O valor mínimo que uma escala deve adquirir para ser considerada uma escala homogênea é de Alfa maior que 0,70 (Cronbach, 1951; Pasquali, 2009). Assim sendo, escalas que obtêm valores superiores são consideradas estruturalmente confiáveis, em outras palavras, podemos confiar no resultado que está sendo apresentado pela escala.
Os resultados obtidos neste estudo pelo P-TPT foram satisfatórios, apresentando valores do coeficiente Alfa todos superiores a 0,90. Isto significa que, do ponto de vista da estrutura formal do instrumento, trata-se de um teste confiável e homogêneo. O Alfa para a condição mão dominante foi de 0,98, para a condição da mão não-dominante foi de 0,94, para a condição de ambas as mãos foi de 0,92, para os itens da tarefa de rememoração foi de 0,91, enquanto o Alfa do total do teste, isto é, todos os itens combinados, foi de 0,94. Isto demonstra que, de modo geral, o P-TPT apresenta resultados sólidos e de confiança para o avaliador.
Item | Componente Rotacionado | |||
1 | 2 | 3 | 4 | |
Semi-Círculo (MD) | 0,91 | |||
Cruz (MD) | 0,86 | |||
Elipse (MD) | 0,92 | |||
Losango (MD) | 0,89 | |||
Quadrado (MD) | 0,89 | |||
Retângulo (MD) | 0,89 | |||
Semi-Círculo (MND) | 0,83 | |||
Cruz (MND) | 0,88 | |||
Elipse (MND) | 0,82 | |||
Losango (MND) | 0,82 | |||
Quadrado (MND) | 0,42 | |||
Retângulo (MND) | 0,41 | |||
Semi-Círculo (AM) | 0,88 | |||
Cruz (AM) | 0,94 | |||
Elipse (AM) | 0,84 | |||
Losango (AM) | 0,52 | |||
Quadrado (AM) | 0,49 | |||
Retângulo (AM) | 0,49 | |||
Semi-Círculo (LO) | 0,82 | |||
Cruz (LO) | 0,80 | |||
Elipse (LO) | 0,87 | |||
Losango (LO) | 0,72 | |||
Quadrado (LO) | 0,63 | |||
Retângulo (LO) | 0,82 | |||
Semi-Círculo (ME) | 0,81 | |||
Cruz (ME) | 0,78 | |||
Elipse (ME) | 0,77 | |||
Losango (ME) | 0,77 | |||
Quadrado (ME) | 0,65 | |||
Retângulo (ME) | 0,63 |
Tabela 1 - Matriz Rotacionada das Cargas Fatoriais. Nota: A extração das Cargas Fatoriais foi feita com base no método de Componentes Principais pela rotação Varimax.
Tarefa | Número de Itens | Alfa de Cronbach |
Mão Dominante (MD) | 6 | 0,98 |
Mão Não-Dominante (MND) | 6 | 0,94 |
Ambas as Mãos (AM) | 6 | 0,92 |
Rememoração (RM) | 12 | 0,91 |
Total do Teste | 30 | 0,94 |
Tabela 2 - Número de Itens e Coeficiente Alfa de Cronbach para cada uma das tarefas e total do teste.
Discussão
A proposta deste estudo foi verificarmos algumas características psicométricas do Portable Tactual Performance Test (Postma et al., 2007), tendo como base indicadores da Teoria Clássica dos Testes (TCT, Hair et al., 2010; Pasquali, 2009). A amostra utilizada foi composta por 32 crianças portadoras de deficiência visual congênita, estudantes da escola especializada do Instituto Benjamin Constant, cursando entre o segundo e sexto ano do ensino fundamental. Um estudo de validação para um instrumento como o P-TPT deve obedecer ao critério de, pelo menos, 10 participantes para cada item (Pasquali, 2009). Isto significa que nossa amostra, para constituirmos um estudo de validação e normatização, deveria ter, pelo menos, 300 participantes. Desse modo, não podemos considerar que esse estudo constitui em uma tentativa de validar ou normatizar o P-TPT, limitando-nos a uma análise das características psicométricas com base na Teoria Clássica dos Testes. Para um estudo validativo, o ideal seria, como conduzido por Postma e cols. (2007) um estudo em diferentes amostras, contudo comparações entre cegos e videntes fere as normas éticas do Neurolab-IBC que preza pela busca à igualdade de oportunidades. Ademais, a falta de instrumentos de avaliação psicológica validados no Brasil cujo input sensorial exclusivo é o tato dificulta estudos de validade convergente ou divergente.
Verificamos, inicialmente, que os fatores do P-TPT ficaram bem definidos através da AFE quando utilizado o método de Componentes Principais na rotação Varimax (Hair et al., 2010). Os itens do teste ficaram dentro de suas respectivas dimensões com bons valores de comunalidade e, quando verificados os componentes dos itens, estes tiveram valores acima de 0,41 dentro de seu fator, o que corrobora com a hipótese inicial de 4 fatores. Contudo, para a AFE, outro aspecto importante é que o tamanho da amostra reduz a variância necessária para a condução adequada das análises (Hair et al., 2010). A Análise de Fatorial Exploratória utilizada nesse estudo gera uma matriz de covariâncias sobre a qual trabalha buscando extrair os autovalores de cada fator a partir dos resultados dos itens (Hair et al., 2010). Apesar dos bons resultados, a redução da variância em função do tamanho da amostra pode ter impactado na distribuição fatorial dos dados. Os itens 'Quadrado' e 'Retângulo' no fator 'mão não-dominante' tiveram carga fatorial baixa em relação aos demais itens (0,41 e 0,42, respectivamente), e do mesmo modo, no fator 'ambas as mãos', novamente ambos ficaram com carga fatorial menor que os demais itens (0,49 para ambos). Essas informações sugerem que em novas amostras os itens podem carregar em outros fatores ou até mesmo formarem um fator independente. Em nossa opinião, é possível pensarmos em similaridades geométricas entre os itens como os quatro ângulos de 90º, o que faz pensar que essas figuras diferem não somente em características, mas como no processo de exploração tátil. Recomendamos novos estudos com o P-TPT em amostras maiores a fim de analisar suas propriedades fatoriais latentes e compreender quais fatores cognitivos e psicomotores podem estar influenciando os resultados desses itens em especial.
Quanto à estrutura do instrumento, o coeficiente Alfa de Cronbach (Cronbach, 1951) nos permitiu avaliar a homogeneidade e confiabilidade do teste. Os valores acima de 0,90, mesmo com uma amostra de 32 participantes, o que sugere que o P-TPT é um teste que pode ser capaz de avaliar as dimensões cerebrais e motoras propostas: habilidade e lateralização sensório-motora, localização espacial, habilidade cerebral de interconexão de informações entre os dois hemisférios e capacidade psicomotora comparada (Friedrich, 2008). Os valores desse coeficiente de consistência interna sugerem que os itens se agrupam adequadamente dentro de cada fase do teste e se comportam de modo homogêneo contribuindo em parcelas muito parecidas para o resultado global de cada sujeito. De acordo com Cronbach (1951) o alfa é calculado usando, dentre diversos termos do algoritmo, o tamanho da amostra e o número de itens. O valor do coeficiente é inversamente proporcional a essas duas variáveis. Podemos pensar que o P-TPT apresenta uma homogeneidade significativa no que tange a seus itens e a retirada de quaisquer deles poderia impactar numa distorção ou viés dos resultados obtidos. Essa evidência aponta, mais uma vez, para a constante necessidade de precaução e cuidado no manejo da avaliação psicológica. Cohen, Swerdlik e Smith (1992) alvitram que, em uma boa testagem, o aplicador se mantém atento, motivado e busca manter o nível de ativação do avaliado. Os resultados desse trabalho alertam para o cuidado na aplicação e para a importância de todos os itens e todas as fases do P-TPT ao longo de sua administração.
O Portable Tactual Performance Test, na forma como foi utilizado nesse estudo, mostrou boa capacidade na avaliação de dimensões cognitivas como memória espacial, habilidades sensório-motoras e percepção háptica. Apesar de não ser um estudo de validação ou normatização, nossa contribuição reside na análise das características psicométricas do instrumento com base na TCT, o que permite confirmar que o P-TPT pode ser utilizado como mais uma ferramenta para os Psicólogos na avaliação motora e cerebral de pacientes cegos. No entanto, recomendamos que outros estudos como: validação, normatização, análise da estrutura latente, comparação entre amostras com características diferentes e análises psicométricas na Teoria de Resposta ao Item, sejam conduzidos para definir normas apropriadas para a população brasileira.
Referências bibliográficas
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Notas
A. Filgueiras
Endereço para correspondência: Rua Marquês de São Vicente, 225- Edifício Cardeal Leme, sala 201, Gávea, Rio de Janeiro, RJ 22453-900.