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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

Print version ISSN 1808-5687On-line version ISSN 1982-3746

Rev. bras.ter. cogn. vol.10 no.1 Rio de Janeiro June 2014

https://doi.org/10.5935/1808-5687.20140004 

RELATOS DE PESQUISAS

 

Satisfação com a vida e com a família e violência interpessoal na adolescência

 

Life and family satisfaction and interpersonal violence in adolescence

 

 

Carolina LisboaI; Guilherme Welter WendtII; Carmem Beatriz NeufeldIII; Margarida Gaspar de MatosIV

IGrupo de Pesquisa: Relações Interpessoais e Violência - Contextos Clínicos, Sociais, Educativos e Virtuais. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)
IIDoutorando em Psicologia Goldsmiths, University of London (Bolsista CAPES - Processo BEX 893713-3)
IIICoordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-comportamental Departamento de Psicologia Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto Universidade de São Paulo (USP)
IVProjeto Aventura Social Professora catedrática, Universidade de Lisboa

Correspondência

 

 


RESUMO

O presente estudo analisou a violência interpessoal entre adolescentes (bullying) e sua associação com a satisfação com a vida e com a vida em família. O trabalho foi baseado na quarta série do inquérito Health Behaviour in School-aged Children, que inclui 4.954 adolescentes portugueses, sendo 47,6% rapazes, do 6º, 8º e 10º anos de escolaridade (M = 13,95 anos, DP = 1,76). Os adolescentes responderam a quatro escalas sobre satisfação com a vida, com a família, sofrer e praticar bullying. Foi realizada estatística descritiva, correlacional, comparativa e inferencial, e os resultados mostraram uma correlação significativa e positiva entre sofrer bullying e protagonizar essa agressividade, e como esses comportamentos violentos se correlacionaram negativamente com a satisfação com a vida e com a família. Equações de regressão múltipla indicaram que a satisfação com a vida e com a família pode proteger os adolescentes de se envolverem nesse tipo de violência interpessoal (bullying). Diferenças de gênero sobre os construtos estudados confirmaram estudos anteriores, e os resultados permitem reflexão acerca da dinâmica de risco e proteção que permeia as relações interpessoais dos adolescentes, assim como sua interação com as características da fase da adolescência.

Palavras-chave: adolescência, bem-estar, bullying, familia, violência.


ABSTRACT

This study examined interpersonal violence among adolescents (bullying) and its association with life and family life satisfaction. The work was based on the fourth series of the survey entitled 'Health Behavior in School-aged Children', which includes 4954 Portuguese adolescents, being 47.6% boys, from the 6th, 8th, and 10th grades (mean age = 13.95 years old, SD = 1.76). The adolescents answered to four scales about life satisfaction, family satisfaction, bullying as aggressors, and bullying as victims. A descriptive, correlational, comparative, and inferential statistical analysis was performed, and the results show a significant and positive correlation between being bullied and being the aggressor of bullying, as well as how these violent behaviors were negatively correlated with life and family satisfaction. Multiple regression equations indicated that satisfaction with life and with family can protect adolescents from engaging in this type of interpersonal violence. Gender differences on the studied constructs confirm previous research, and the results allow for reflection on the dynamics of risk and protection that permeates the adolescents' interpersonal relations, as well as the interaction of these aspects with the characteristics of adolescence.

Keywords: adolescence, bullying, family, violence, well-being.


 

 

INTRODUÇÃO

Sabe-se que a adolescência é um período desenvolvimental marcado por mudanças físicas e emocionais no qual o grupo de pares assume significativa importância, ao mesmo tempo em que as relações com os pais e a família podem ser permeadas por conflitos (Bukowski, Brendgen, & Vitaro, 2007; Cerqueira-Santos, Neto, & Koller, 2014; Grusec & Davidov, 2007).

A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde do Brasil entendem que a adolescência inicia por volta dos 10 anos, encerrando-se aos 19 anos, 11 meses e 29 dias (Brasil, 2010). Além disso, e, talvez, mais importante, a adolescência pode ser definida não apenas a partir das transformações biológicas que ocorrem nessa etapa, mas principalmente a partir das tarefas desenvolvimentais -cognitivas, psicossociais e emocionais - desse período do desenvolvimento. Embora as tarefas desenvolvimentais típicas da adolescência sejam influenciadas por aspectos culturais específicos, é possível pensar em características universais dos adolescentes de diferentes épocas e de diferentes culturas e, assim, os estudos transculturais adquirem relevância (Cerqueira-Santos et al., 2014).

Na adolescência, o grupo de pares ganha importância e permite ao adolescente conectar-se com o mundo social, deixando a relação com os pais menos central. Os amigos e colegas estabelecem o elo entre o ambiente familiar e o contexto social, pois é a partir das vivências e interações entre pares que os adolescentes internalizarão a cultura, as normas e as regras de convívio social e grupal dos ambientes dos quais participam (Cerqueira-Santos et al., 2014).

A exclusão social (ficar isolado do grupo de pares), por sua vez, pode prejudicar significativamente a construção da identidade dos jovens, afetando seu bem-estar subjetivo e, somada ao afastamento dos pais, pode acarretar sentimentos intensos de desamparo nos jovens. Tais sentimentos podem ser encontrados em vítimas de bullying que, com frequência, referem sintomas de depressão e ansiedade, ideação suicida, entre outros (Ferreira & Schramm, 2000; Radliff, Wheaton, Robinson, & Morris, 2012).

O bullying refere-se a comportamentos violentos isolados e intencionais que envolvem agressões verbais (ofensas, apelidos pejorativos, fofocas), físicas (socos, tapas, empurrões) ou relacionais (exclusão do grupo, humilhações) praticados por colega(s) ou outra(s) pessoa(s) de idade igual ou semelhante. Esse fenômeno se apresenta de forma sistemática e envolve os mesmos personagens (vítimas e agressores) em uma relação desigual de poder.

O bullying é um subtipo de violência interpessoal. Desde que Dan Olweus, na década de 1970, iniciou seus estudos a respeito de bullying na Noruega, parece ser consenso entre os pesquisadores que o fenômeno refere-se a todas as formas de atitudes agressivas, intencionais e repetidas adotadas por um ou mais indivíduos contra outro(s) e executadas dentro de uma relação desigual de poder, sem motivações evidentes, causando dor, angústia e humilhação (Braga & Lisboa, 2010; Malta et al., 2010; Nansel et al., 2004; Olweus, 1993; Pearce & Thompson, 1998).

Em relação à faixa etária, um estudo realizado em 35 países e regiões apontou maior prevalência de bullying entre crianças de 11 a 13 anos de idade (Craig & Harel, 2004). Esse estudo demonstrou também que meninos se envolvem mais nesses comportamentos do que meninas. No entanto, apesar de muitos estudos apontarem isso, sabe-se que as meninas também se envolvem nesse tipo de violência, mas pode ser que os instrumentos de avaliação sejam menos sensíveis às formas de agressividade feminina, que são mais sutis e indiretas. Além disso, a agressão é menos aceitável culturalmente para as meninas do que para os meninos, e essa expectativa pode gerar um viés que interfere na identificação da agressividade no gênero feminino (Archer & Coyne, 2005; Campbell, 1999).

É importante destacar que se evidencia uma ausência de unanimidade entre os pesquisadores em relação à forma de avaliar a violência interpessoal, o que pode justificar as diferenças de prevalência encontradas e as diferenças de gênero. Embora pesquisas internacionais apontem para estimativas em torno de 11% em relação a sofrer bullying (Currie et al., 2004, 2012; Matos et al., 2011; Nansel et al., 2004), o estudo de Luk, Wang e Simons-Morton (2012), ao analisar o envolvimento de adolescentes nos diferentes tipos de bullying, encontrou percentuais que variaram de 8,9% referente a ciberbullyinga 37,9% para bullying verbal. Outro aspecto que influencia na identificação e no cálculo de prevalência do bullying é que, por vezes, as crianças/adolescentes não compreendem o conceito e podem acreditar que o bullying não está presente em sua escola.

Diferentes estudos apontam para o fato de que o envolvimento em situações de violência, entre elas a violência entre pares e o bullying, pode comprometer o desenvolvimento físico, social, cognitivo e psicológico de todos os indivíduos envolvidos: vítimas, agressores ou aqueles que oscilam entre os papéis de vítima e agressor (Ferreira & Schramm, 2000; Nansel et al., 2004). Além disso, esses efeitos se estendem não somente à infância e à adolescência, como também à idade adulta.

Entre os possíveis prejuízos causados por esse fenômeno estão problemas de autoestima e satisfação com a vida e de relacionamento com os pares; dificuldades na aprendizagem; evasão escolar; uso de álcool, tabaco e drogas ilícitas; comportamentos violentos; transtorno da conduta; sintomas psicossomáticos; depressão e suicídio (Ferreira & Schramm, 2000; Nansel et al., 2004; Radliff et al., 2012).

No estudo de Tortorelli, Carreiro e Araújo (2010), foi possível estabelecer uma relação entre a percepção do aumento de situações de violência familiar e o maior relato de violência escolar, ou seja, observou-se uma associação entre o convívio familiar e o escolar. Os pesquisadores perceberam que os jovens que referiram seu ambiente familiar como mais acolhedor e de maior suporte evidenciaram menor frequência de expressão de violência no ambiente escolar. A família, seja pela dinâmica estabelecida entre seus membros ou pelos estilos parentais, pode configurar-se tanto em uma estrutura protetora como de risco para o desenvolvimento de comportamentos violentos por parte dos filhos adolescentes (Barreira, Lima, & Avanci, 2013; T. I. Herrenkohl, Hong, Klika, Herrenkohl, & Russo, 2012; Tortorelli et al., 2010).

Nesse sentido, um importante fator de proteção para o envolvimento de adolescentes nas diferentes situações de violência pode ser uma relação próxima e saudável com os pais. O tipo de vínculo estabelecido entre pais e filhos é um importante fator para a promoção de saúde mental (Hauck et. al., 2006). Uma relação familiar adequada e consistente, permeada por vínculos de carinho e segurança, pode ser um fator relevante de proteção em relação ao desenvolvimento de psicopatologias na infância e na adolescência, e ao envolvimento em situações de violência (Cia, DAffonseca, & Barham, 2004; Cia, Pamplin, & Williams, 2008). Por sua vez, uma relação pais-filhos pautada pela insegurança deixa crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade emocional e afetiva, o que pode predispor ao envolvimento com o bullying (Hauck et al., 2006).

Assim, o objetivo deste estudo foi analisar as situações de violência interpessoal entre adolescentes (bullying) e sua associação com a satisfação desses jovens com suas vidas e com a vida em família.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram do estudo 4.954 adolescentes portugueses (Midade = 13,95, DP = 1,76), sendo que 476% do total eram rapazes. Os adolescentes frequentavam o 6º ano (n = 1515, Midade = 11,86 DP = 0,79), o 8º ano (n = 1594, Midade = 13,83, DP = 0,79) e o 10º ano de escolaridade (n = 1845, Midade = 15,77 DP = 0,64). As escolas foram selecionadas de modo aleatório em nível nacional a partir de listas oficiais do Ministério da Educação, e a unidade de análise foram as turmas sorteadas posteriormente nas escolas previamente sorteadas.

Esses participantes foram os incluídos no estudo Health Behavior in School-aged Children (HBSC) em 2010 (Matos et al., 2011), estudo mais vasto do qual algumas questões relacionadas com a violência e questões demográficas foram selecionadas. O HBSC é um extenso estudo internacional (www.hbsc.org) que conta com o apoio da OMS por meio de seu gabinete na região da Europa (Currie et al., 2004, 2012).

Os procedimentos metodológicos mais aprofundados do estudo estão descritos em publicações anteriores em níveis nacional e internacional (Matos et al., 2011; Currie et al., 2004, 2012; Roberts et al., 2009). O estudo seguiu todas as normas de aprovação científica, ética e administrativa e teve o consentimento informado de todos os diretores das escolas, adolescentes participantes e respectivos encarregados de educação. A resposta aos questionários foi anônima e voluntária.

Instrumentos

As seguintes questões, incluídas no estudo HBSC, foram utilizadas na presente análise. Pertencem a um questionário que procura obter dados do tipo epidemiológico, e são usadas em Portugal desde 1998, e na Europa, desde 1983, de 4 em 4 anos. Estudos sobre a validade e as propriedades psicométricas dos itens incluídos já foram publicados (Roberts et al., 2009).

Cantril Self-Anchoring Striving Scale: Satisfação com a vida: instrumento elaborado para a pesquisa HBSC que visa avaliar a satisfação com a vida. Foi apresentada aos adolescentes a fotografia de uma escada com degraus numerados de 0 (base) a 10 (topo). Em seguida, foi pedido que indicassem seu nível de satisfação com a vida, usando como referencial a referida imagem, em que 0 significava o pior estado e 10 o melhor estado de satisfação.

Cantril Self-Anchoring Striving Scale: Satisfação com a vida em Familia: Também desenvolvido para o estudo HBSC, tem por objetivo avaliar a satisfação com a vida na família. Foi apresentada aos adolescentes a fotografia de uma escada com degraus numerados de 0 (base) a 10 (topo). Em seguida, foi pedido que indicassem seu nível de satisfação com a vida na família, usando como referencial a referida imagem, em que 0 significava o pior estado e 10 o melhor estado de satisfação.

Estar envolvido em lutas nos últimos 12 meses: Para avaliar o envolvimento em lutas, os adolescentes foram inquiridos sobre a regularidade com que estiveram envolvidos em episódios de violência nos 12 meses anteriores. As respostas foram dadas a partir de uma escala de 5 pontos, variando entre nunca ter se envolvido em nenhum episódio de luta (= 1) e ter estado envolvido em 4 ou mais episódios de luta (= 5). Esse instrumento também foi desenvolvido no estudo HBSC.

Estar envolvido em bullying na escola como agressor: Para se avaliar o envolvimento em atos de bullying como agressor, os adolescentes foram inquiridos sobre a regularidade com que estiveram envolvidos em episódios nos últimos 2 meses. As respostas foram dadas a partir de uma escala de 5 pontos, variando entre nunca ter estado envolvido (1) e ter estado envolvido várias vezes por semana (= 5). Esste instrumento também foi desenvolvido no estudo HBSC.

Estar envolvido em bullying na escola como vítima: Para se avaliar o envolvimento em atos de bullying como vítima, os adolescentes foram inquiridos sobre a regularidade com que estiveram envolvidos em episódios dessa espécie nos últimos 2 meses. As respostas foram dadas a partir de uma escala de 5 pontos, variando entre nunca ter estado envolvido (= 1) e ter estado envolvido várias vezes por semana (= 5). Esse instrumento foi desenvolvido no estudo HBSC.

Procedimentos

Os questionários foram administrados em contexto escolar durante as aulas, em janeiro de 2010. Todos os questionários foram preenchidos de forma voluntária e anônima. A administração dos questionários foi feita de acordo com o protocolo de pesquisa do HBSC (Currie et al., 2004, 2012).

Análise dos dados

Para todas as variáveis foi calculada a estatística descritiva. As variáveis foram recodificadas de modo que o valor mais elevado correspondesse ao aumento da frequência do comportamento. Posteriormente, as variáveis relacionadas à participação em lutas e em situações de bullying foram estandardizadas, e as estatísticas inferenciais foram realizadas visando responder aos objetivos do estudo.

 

RESULTADOS

A Tabela 1 apresenta a estatística correlacional, indicando que o envolvimento com bullying na escola na forma de vítima aumenta o envolvimento também como agresssor. Outro dado interessante é que a satisfação com a vida apresenta correlação significativa e positiva com a satisfação com a vida na família (r = 0,414). Tanto a satisfação com a vida como a satisfação com a vida na família apresentaram correlações significativas e negativas com o envolvimento com bullying, tanto como vítima quanto como agressor. Convém salientar que as correlações, embora significativas, são baixas ou moderadas.

 

 

A Tabela 2 apresenta a estatística comparativa por sexo, escolaridade e grupos de envolvimento em bullying (estar envolvido como agressor ou como vítima, segundo instrumento utilizado), envolvimento em lutas e satisfação com a vida (em geral e na família).

Nota-se interação significativa entre os sexos e a escolaridade em todas as variáveis do estudo. Os testes post-hoc indicaram que, entre os sexos, o grupo de rapazes apresenta maior envolvimento em lutas, maior envolvimento em bullying como vítima e como agressor, maior satisfação com a vida e com a vida na família. Em relação aos grupos de escolaridade, estar envolvido em lutas foi mais prevalente no 6º ano; ser vitimizado apresentou frequência equivalente entre o 6º e o 8º ano; e a satisfação com a vida e na família foram mais elevadas nos alunos do 6º ano.

A Tabela 3 apresenta estatísticas descritivas e comparativas das variáveis do estudo em relação ao envolvimento em bullying (não envolvido, envolvido como agressor, envolvido como vítima e duplo envolvimento - como agressor e vítima ao mesmo tempo). Novamente houve interação significativa entre todas as variáveis estudadas.

Foram testados modelos de regressão múltipla nos quais os comportamentos de bullying (agressor e vítima) mostraram-se associados às variáveis sexo, idade, satisfação com a vida e satisfação com a vida na família. Foi realizado um modelo de regressão múltipla usando como variável dependente ter sido provocado (vítima) na escola nos últimos 2 meses.

Foi encontrado um modelo ajustado (F (5, 4520) = 195,17 p < 0,001) que explicou 17,7% da variância. Ter sido provocado (vítima) na escola nos últimos 2 meses foi significativamente associado a ter sido provocador (bullie) nos últimos 3 meses (β = 0,353, p < 0,001), ter menor satisfação com a vida (β = -0,14, p < 0,001), ter menos idade (β = -0,116, p < 0,001), ser do sexo masculino (β = -0,04, p < 0,01) e ter menos satisfação na relação com a família (β = -0,39, p < 0,01).

Em adição, testou-se um modelo de regressão múltipla usando como variável dependente ter sido provocador (bullie) na escola nos últimos 2 meses. Foi encontrado um modelo ajustado (F (4, 4521) = 232,42 =, p < 0,001) que explicou 17% da variância. Ter sido provocador (bullie) na escola nos últimos

2 meses foi significativamente associado a ter sido provocado (vítima) nos últimos 3 meses (β = 0,355, p < 0,001), ter menos satisfação com a vida (β = -041, p < 0,001), ser do gênero masculino (β = -0,126, p < 0,001) e ter menos satisfação na relação com a família (β = -0,077, p < 0,001).

 

DISCUSSÃO

Os dados obtidos confirmam estudos previamente existentes que afirmam que a violência pode gerar consequências negativas para os envolvidos (Ferreira & Schramm, 2000; Radliff et al., 2012), assim como apontam pistas para a intervenção preventiva e focal junto aos jovens em relação a violência e aspectos saudáveis do seu desenvolvimento, como satisfação com a vida e com a família. Salienta-se, ainda, que foi observada correlação positiva e significativa entre o papel social de vítima e o de agressor no bullying, assim como ter sido vítima foi um preditor significativo para ser agressor no bullying e vice-versa, o que nos permite pensar que a violência interpessoal é um fator de risco tanto para quem sofre como para quem a protagoniza (Braga & Lisboa, 2010; Malta et al., 2010; Nansel et al., 2004; Olweus, 1993; Pearce & Thompson, 1998). Ainda nesse sentido, é possível supor que os papéis de vítima e de agressor tenham mais características sobrepostas (comuns) do que diferenças (Cook, Williams, Guerra, Kim, & Sadek, 2010).

Os papéis no bullying - agressores, vítimas e vítimas-agressoras - têm uma etiologia e um processo de desenvolvimento comuns que podem levar a desfechos diferentes. Os resultados da metanálise elaborada por estes autores apontam que, independentemente do papel que os jovens assumem no bullying, possivelmente os fatores que determinam os papéis sociais são muito semelhantes e igualmente capazes de gerar sofrimento psicológico. Os resultados encontrados a partir das correlações e das análises de regressão no presente estudo permitem também que se compreenda a alternância de papéis dos adolescentes que são vítimas-agressores, ou seja, os mesmos fatores que podem levar um jovem a ser vítima e agir de forma passiva também podem levá-lo a agir como agressor no bullying (Cook et al., 2010).

Convém salientar que o papel social desempenhado pela criança em situações de bullying pode estar associado a suas cognições sociais e a seu "filtro cognitivo" - suas interpretações (visão) de si, dos outros (mundo) e do futuro, ou seja, à tríade cognitiva (Beck, Rush, Shaw, & Emery, 1979). Assim, considerando a influência do processo de bullying nos jovens, pode-se pensar em formas ou pontos importantes para a intervenção.

A metanálise de Cook e colaboradores (2010) identificou cognições negativas a respeito de si nos papéis de vítima, agressor e vítima-agressor, e cognições negativas a respeito dos outros nos dois últimos papéis. Ainda não há estudos especificamente sobre as cognições dos jovens envolvidos no processo de bullying, mas semelhanças comportamentais podem sugerir inferências acerca dessas cognições e pistas para ações de intervenção.

Foram observadas semelhanças entre os papéis sociais de vítimas e agressores, bem como associações significativas positivas entre a satisfação com a vida e a satisfação com a família. Estudos ressaltam a importância da família para os adolescentes, embora nesse período do desenvolvimento possam existir conflitos nessa relação, provenientes do necessário afastamento que os jovens devem fazer dos pais para sua autonomia e construção de identidade. Como já salientado, há também uma associação entre violência na família e no grupo de pares (Tortorelli et al., 2010).

A família é o núcleo do qual todos advêm e sobre o qual todos têm experiências, sejam positivas ou negativas. Famílias que demonstram afeto, respeito e interesse pela vida dos filhos, são flexíveis para se adaptar ao seu curso de desenvolvimento psicossocial, estabelecem expectativas realistas com relação aos comportamentos dos filhos e exibem formas construtivas de proceder com eles representam importantes fatores de proteção e são capazes de gerar satisfação com a vida por parte de seus membros (Barreira et al., 2013; Herrenkohl et al., 2012; Morais, Lima, & Fernandes, 2014; Santrock, 2012; Tortorelli et al., 2010; Wagner, Tronco, & Armani, 2011).

Morais e colaboradores (2014) salientam que, em geral, se focaliza na influência dos pais nos filhos, estudos sobre práticas parentais e estilos educativos, por exemplo. Entretanto, na fase da adolescência, os pais têm o poder de socializar seus filhos, mas o inverso também acontece, estabelecendo-se uma dinâmica de interação que pode também explicar o dado obtido nesta investigação a respeito da associação significativa entre satisfação com a vida (adolescentes) e a satisfação com a família.

Destaca-se que as médias de satisfação com a vida e com a família foram elevadas no presente estudo, o que contraria as concepções tradicionais e estereotipadas sobre adolescência que apontavam que essa fase é permeada por "tormentas" e "tempestades" classificando os adolescentes como "aborrecentes" e definindo que esse período seria sempre repleto de conflitos e crises (Cerqueira-Santos et al., 2014; Morais et al., 2014). Os dados deste estudo podem sugerir que, apesar de conflitos entre pais e filhos, dinâmica de afastamento e busca por autonomia por parte dos jovens, eles estão satisfeitos com a resolução dessas divergências, expressando satisfação com sua vida e com a família. Esse resultado é importante também para se pensar intervenções e deve ser analisado sob a perspectiva da psicologia positiva, uma vez que essa abordagem propõe que o foco da análise e da intervenção recaia sobre os aspectos positivos, a fim de fortalecê-los e permitir a compreensão dos mecanismos de pessoas que conseguem lidar com riscos e se desenvolver de forma saudável, ou seja, ser resilientes (Seligman, 2011; Seligman & Csikszentmihalyi, 2000).

A psicologia positiva é também um paradigma teórico que, em função de seus pressupostos, pode dialogar e constituir uma interface com a terapia cognitivo-comportamental. Convém salientar, ainda, que a abordagem cognitivo-comportamental ressalta o vínculo do terapeuta com os pais como imprescindível para o atendimento de adolescentes. Os pais são uma importante fonte de dados do terapeuta e, muitas vezes, os principais agentes de mudança na vida dos jovens (Friedberg & McClure, 2004). Essas colocações reforçam a importância da satisfação dos jovens com a família, bem como mostram os resultados do estudo.

No que diz respeito às diferenças entre os sexos, os dados encontrados em relação ao bullying reforçam estudos que salientam o maior envolvimento dos meninos nesse processo (Archer & Coyne, 2005; Bjorkqvist, Õsterman, & Hjelt-Back, 1994; Campbell, 1999). Essa diferença, que mostra que meninos são mais vítimas e agressores no bullying, pode ser explicada pelo fato de a agressividade masculina ser mais explícita e externalizada que a feminina, sendo que, culturalmente, o comportamento agressivo é mais esperado, reforçado positivamente e aceito nos homens (Garbarino & Delara, 2002, Wendt & Lisboa., 2013).

Expectativas e crenças sobre si mesmo e os outros determinam pensamentos e atitudes (Beck, 1997), assim, as expectativas sociais (grupos de pares, pais) são significativamente influentes nos papéis de gênero e, consequentemente, na dinâmica gênero versus agressividade.

Os dados obtidos ainda podem ser entendidos considerando-se o fato de que, na adolescência e puberdade, as diferenças de gênero estão ainda mais delimitadas que nas demais fases do desenvolvimento (Cerqueira-Santos et al., 2014; Kenny, Mceachern, & Aluede, 2005). Essas características, em interação com as situações de bullying (agressividade), podem ir paulatinamente definindo a identidade e as cognições dos adolescentes acerca os outros, ajustando-se aos contextos sociais (Phoenix, Frosh, & Pattman, 2003).

Nesta dinâmica, pode-se inferir sobre o significado do dado obtido neste estudo referente à satisfação com a vida e com a família e as diferenças de gênero. Os adolescentes do sexo masculino, além de mais agressivos e mais suscetíveis à vitimização, mostraram-se mais satisfeitos com sua vida e com a família. Esse dado mostra um aspecto positivo na vida desses meninos, mas também sugere que as mulheres tendem a se deparar mais com o sofrimento e a buscar ajuda com frequência maior do que os homens. Por sua vez, os meninos podem, identificar suas mágoas e insatisfações, mas sentir vergonha de admiti-las, uma vez que a cultura dita normas para os papéis de gênero que incluem que os homens devem ser fortes e "durões" (Garbarino & Delara, 2002; Phoenix et al., 2003). Ainda, não excluindo as hipóteses explicativas anteriores, as mulheres podem expressar menor satisfação com a vida e com a família por uma história social a partir da qual sofrem repressão de determinados comportamentos, como aqueles relacionados a agressividade e sexualidade (Archer & Coyne, 2005; Campbell, 1999).

Por fim, as equações de regressão múltipla apontaram que, ao mesmo tempo em que ser vítima e agressor no bullying atua como preditor para o envolvimento do adolescente nesse processo, a satisfação com a vida e com a família protegem esses adolescentes de se envolverem em situações de vitimização e agressão entre pares. Tais dados confirmam evidências de que a relação suportiva e acolhedora com os pais serve como fator de proteção importante em relação a diferentes riscos aos quais os jovens possam ser vulneráveis (Cerqueira-Santos et al., 2014; Morais et al., 2014).

No que se refere à satisfação com a vida, embora não seja o mesmo conceito e sim um conceito sobreposto, estudos sobre bullying e autoestima mostram que o maior envolvimento com bullying acarreta em menores índices de autoestima (Bandeira & Hutz, 2010; Brito & Oliveira, 2013). Pode-se pensar que jovens com autoestima elevada também possam ser mais confiantes e ter maior senso de autoeficácia e habilidades sociais e, assim, lidar de forma saudável com as situações desafiadoras da vida, podendo estar mais satisfeitos com ela. Em intervenções, as habilidades sociais e as emoções positivas podem ser estimuladas, uma vez que, conforme mostram os dados e estudos já realizados, podem fortalecer as formas de enfrentamento dos jovens, evitando que se envolvam em situações de violência entre pares (Pureza, 2013).

O presente estudo tem alguns aspectos que devem ser mencionados. Primeiro, a dimensão e a representatividade da amostra devem ser valorizadas, uma vez que os resultados da estatística inferencial podem ser extrapolados para o contexto nacional onde o estudo foi realizado e do qual é representativo, com uma margem de erro reduzida. Além disso, como limitações, pode-se referir a transversalidade dos dados, que não permite estabelecer uma relação de causalidade entre as variáveis analisadas e, também, o fato de esta pesquisa se basear em medidas de autorrelato. A falta de consenso entre pesquisadores para avaliação de bullying e violência interpessoal também pode ser uma limitação, uma vez que não existem medidas universais e um consenso sobre qual a melhor forma de avaliação desse tipo de violência. No entanto, a investigação tem o aspecto positivo de se tratar de um estudo nacional com amostra representativa, como já referido, e, ainda, estar integrada a um projeto maior, com colaboração internacional.

Mesmo com limitações, salienta-se a importância desta pesquisa na medida em que se investigaram fatores de risco e de proteção em adolescentes. O bullying é uma violência negativa e prejudicial, que está relacionada à formação da identidade, tarefa desenvolvimental central na adolescência. Ou seja, segundo a prevalência identificada e as características desse processo, ele ocorre com frequência significativa na vida dos jovens, sendo necessário que os profissionais reflitam sobre esse fenômeno e sobre formas de intervenção.

A satisfação com a vida e a satisfação com a família são importantes percepções que podem nutrir a autoestima e a autoconfiança de adolescentes para que lidem de forma saudável e não agressiva com as demandas da adolescência e do mundo atual, cenário de importantes transformações tecnológicas e culturais. Estudar e pensar sobre riscos em interação com fatores protetivos pode ser a chave ou um caminho eficaz para o sucesso de ações focais e preventivas que visem a saúde dos jovens.

 

REFERÊNCIAS

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Carolina Lisboa
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Artigo submetido em 04 de outubro de 2014.
Artigo aceito em 20 de julho de 2015.

 

 

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