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Cadernos Brasileiros de Saúde Mental

On-line version ISSN 1984-2147

Cad. Bras. Saúde Ment. vol.8 no.20 Florianópolis  2016

 

EDITORIAL

 

Fazeres, sonhos, fantasias, caminhares: o trabalho em Arte e Cultura e a atenção psicossocial

 

 

Em nome da razão calou-se por muito tempo a loucura, foram relegados os psicóticos, os angustiados, os ansiosos, a um silêncio próprio de uma cultura de opressão. Uma longa caminhada foi necessária para que esta Cultura admitisse a liberdade da expressão, mas esta liberdade ainda é racionada, coibida, aos estigmatizados por sua condição psíquica. Os fazeres da Arte, tornaram-se, quando bem utilizados, contraponto, liberando a voz dos oprimidos, cúmplice do discurso dos silenciados. A fantasia, antes vista como quimera sintomática de uma indesejável desrazão, apresenta-se, hoje, como um oásis no horizonte da autonomia.

No campo da atenção psicossocial (APS) a Arte tem um lugar privilegiado, ajudando no enfrentamento dos desafios do estabelecimento do vínculo, condição essencial para o trabalho na lógica do SUS. Trabalhar com Arte tem se mostrado como um dos melhores meios para fortalecer vínculos entre profissionais e usuários dos serviços de saúde e, em alguns casos, entre os próprios profissionais.

A Cultura é uma dimensão crucial da existência humana, por cujas avenidas transitam os mais variados aspectos da civilização. Com sua composição heterogênea, englobando costumes, hábitos e maneiras de ser, catalizando incorporações de valores, tecnologias, criações artísticas, ciência e comportamentos, a Cultura pode e deve ser objeto de políticas públicas, no sentido de discuti-la, trazer atençãoo para com ela, de preservá-la e provocar seus avanços e transformações. A Cultura pode e deve ser elemento constituinte do arsenal de produção de saúde, de invenção de novas formas de viver, lemas tão caros ao campo da Saúde Mental e da Atenção Psicossocial (SMAPS).

Arte e Cultura são entes próximos, aparentados, interdependentes. A Arte fala diretamente à alma, torna imanentes a fantasia, concretiza as abstrações. Consegue superar os osbstáculos colocados pelos alicerces protocolares e burocráticos característicos da estrutura linguística da comunicação racional. A Arte burla os meandros da linearidade da razão, oferece maneiras atrativas de entendimento, encanta em suas formas de mexer e burilar sentimentos. Estabelecendo novas possibilidades de comunicação, novas linguagens, diferentes maneiras de tocar os sujeitos, a Arte impulsiona a Cultura é é ao mesmo tempo sua filha.

Cadernos Brasileiros de Saúde Mental vem, com este segundo número dedicado aos trabalhos com Arte e Cultura, prestar testemunho à riqueza de experiências, aportes teóricos e elementos metodológicos que vêm sendo praticados, experimentados e institucionalizados no campo da SMAPS. Ao abrirmos a chamada para este tema esperávamos um número de artigos que apontasse para essa difícil caminhada de implementação de trabalhos com Arte e Cultura no campo. Mas a expectativa foi superada e surpreendemo-nos não só com o número e com a diversidade, ao mesmo tempo, ficamos gratamente sensibilizados com a qualidade dos trabalhos teóricos e práticos que espelham a Arte e a Cultura nos serviços de SMAPS.

Os trabalhos até aqui publicados, com este segundo volume, afirmam, também, que os fazeres da Reforma Psiquiátrica apontam um caminho efetivo, eficaz e eficiente para o aumento da resolutividade dos serviços na área da Saúde Mental e da Atenção Psicossocial. Saudamos esta potência, esta demonstração de compromisso por parte dos profissionais que, supoerando obstáculos, mantêm-se firmes em suas maneiras de reinventar os processos de trabalho em saúde e só temos a celebrar a inventividade que permeia nosso campo. Temos ainda que anunciar que um terceiro número será necessário para melhor apresentarmos a nosso público todos os trabalhos que recebemos e foram aprovados conforme os trâmites editoriais.

A Arte é o pão do espírito e a Cultura é a alma de uma nação. Ambas são parte integral de um esforço para um sistema de saúde nos padrões que o povo brasileiro, que tão caro por ele paga, sem dúvida merece.

 

 

Walter Ferreira de Oliveira

Editor Científico CBSM

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