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Revista do NUFEN

On-line version ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.13 no.1 Belém Jan./Apr. 2021

 

RESEARCH REPORT

 

Escala do processo terapêutico como instrumento de um estudo de caso

 

Scale of Therapeutic Process as instrument of a Case Study

 

Escala del Proceso Terapéutico como instrumento de un Estudio de caso

 

 

Letícia Maia Amaral1; André Amorim Martins2

Universidade do Estado de Minas Gerais

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Entre as diversas abordagens que surgiram e influenciaram no campo da Psicologia encontra-se o humanismo, que originou formas de psicoterapia como: a Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), a Gestalt-terapia e a Logoterapia. Utilizamos tal teoria no intuito de fomentar o estudo de caso desenvolvido através de uma experiência de atendimento individual, com o objetivo de compreender como foi estabelecida a relação terapêutica. Utilizamos como referência a Escala do Processo Terapêutico, conceituada em 7 etapas. No estudo de caso, a Participante (mulher de 44 anos) alcançou – dentre as sete etapas - o terceiro e o quarto estágio da psicoterapia, considerados como momento de grande importância do processo terapêutico devido a presentificação dos sentimentos e do eu. Foi possível estabelecer, em um grau satisfatório, as condições necessárias para a mudança de personalidade. Entende-se, portanto, que o desenvolvimento do cliente trata-se de um processo irregular e que não está pronto e nem acabado.

Palavras-chave: Técnicas psicoterapêuticas; Terapia centrada no cliente; Psicologia humanista; Empatia.


ABSTRACT

Among the various approaches that have emerged and influenced the field of Psychology is humanism, which has given rise to forms of psychotherapy such as: Person-Centered Approach (ACP), Gestalt-therapy and Logotherapy. We used this theory in order to promote the case study developed through an experience of individual care, in order to understand how the therapeutic relationship was established. We used the Therapeutic Process Scale as a reference, conceptualized in 7 stages. In the case study, the Participant (44-year-old woman) reached - among the seven stages - the third and fourth stage of psychotherapy, considered as a moment of great importance in the therapeutic process due to the realization of feelings and self knowledge. It was possible to establish, in a satisfactory degree, the necessary conditions for the personality change. As a conclusion, therefore, the development of the client is an irregular process and that it is neither ready nor finished.

Keywords: Psychotherapeutic techniques, Client centered therapy, Humanistic psychology; Empathy


RESUMEN

Entre los diversos enfoques que han surgido e influido en el campo de la psicología se encuentra el humanismo, que ha dado lugar a formas de psicoterapia tales como: Enfoque centrado en la persona (ACP), terapia Gestalt y logoterapia. Utilizamos esta teoría para promover el estudio de caso desarrollado a través de una experiencia de cuidado individual, para comprender cómo se estableció la relación terapéutica. Utilizamos la escala del proceso terapéutico como referencia, conceptualizada en 7 etapas. En el estudio de caso, la participante (mujer de 44 años) alcanzó, entre las siete etapas, la tercera y cuarta etapa de la psicoterapia, considerada como un momento de gran importancia en el proceso terapéutico debido a la presentación de los sentimientos y el yo. Fue posible establecer, en un grado satisfactorio, las condiciones necesarias para el cambio de personalidad. Se entiende, por lo tanto, que el desarrollo del cliente es un proceso irregular y que no está listo ni terminado.

Palabras clave: Técnicas psicoterapêuticas; Terapia no dirigida; Psicologia humanista; Empatia


 

 

INTRODUÇÃO

Todo campo teórico e científico tem uma história, um começo, um direcionamento. Traçar e reconstruir esses dados demanda algumas pesquisas e análises que são realizadas através da historiografia. Para isso, os indivíduos engajados na pesquisa histórica podem utilizar instrumentos como fotografias, cartas, diários e, principalmente, o método da história oral que tem as entrevistas como meio de transmissão do conhecimento, buscando a recuperação da memória histórica através de depoimentos, testemunhos e relatos colhidos (Schultz & Schultz, 2005, Quadro & Castanha, 2018).

Dessa forma, reconstruindo o campo histórico da Psicologia é possível notar que essa área, a priori estudada e baseada somente pela filosofia, passa, em meados do século XIX, a ter um caráter mais científico delineado pelas investigações fisiológicas e neurofisiológicas. Wilhelm Wundt (1832-1926), considerado o fundador da Psicologia moderna ou científica, realizou estudos na Alemanha sobre o campo da Psicofisiologia e utilizou o método do introspeccionismo para tal (Bock, Furtado & Teixeira, 2002). Segundo Schultz e Schultz (2005), esse método é definido pela autoanálise "da mente para se inspecionar e relatar os pensamentos e sentimentos pessoais" (p. 84) do indivíduo submetido à pesquisa, assinalando, mais uma vez, a importância da fala no processo de transmissão do conhecimento. Conhecimento esse que se iniciou na Alemanha e, posteriormente, se desdobrou para os Estados Unidos da América (EUA).

A Psicologia é marcada, então, no final do século XIX quando essa adveio como uma disciplina autônoma e formalizou-se em 1879. Apresenta no decorrer da sua constituição muitas influências teóricas que contribuíram para a formação de diversas escolas de pensamento e abordagens. Atualmente, essas fundamentam tal ciência e profissão, através de seus métodos e objetos de estudo, corroborando para diferentes atuações com variados focos (Schultz & Schultz, 2005).

As abordagens existentes no presente tiveram como referência três escolas engendradas nos Estados Unidos. Uma delas, o Funcionalismo, no qual William James (1842-1910) pautava-se em responder "o que e como a mente produz?", buscando explicar as funções e os processos da consciência e como isso interfere no comportamento humano a fim de adaptar-se ao meio. Outra abordagem, o Estruturalismo, apoiado nas ideias de Wundt e disseminado por Edward Titchener (1867-1927), utilizando-se também do método de introspecção, visou estudar os elementos da consciência e como esses estabelecem a sua estrutura, considerando que a primeira compõe o sistema nervoso central (Bock, Furtado & Teixeira, 2002, Schultz & Schultz, 2005). Por último, de acordo com Bock, Furtado e Teixeira (2002) o Associacionismo, apresentado por Edward L. Thorndike (1874-1949) foi pioneiro nas teorias da aprendizagem e coloca sobre a possibilidade de aprender através da associação gradativa de ideias mais simples às ideias mais complexas. Concomitantemente, contribuiu com a lei do efeito, na qual "os atos que produzem satisfação em determinada situação tornam-se associados a ela; quando a situação se repete, o ato tende a ocorrer." (Schultz & Schultz, 2005, p. 239).

Tais influências foram de fundamental importância para o desenvolvimento das psicoterapias, da mesma forma que o método de introspecção auxiliou muito nesse processo, tendo em vista que ambos fazem uso da linguagem como instrumento. Dessa maneira, pode-se afirmar que ao longo deste percurso de construção da Psicologia, praticamente todas as abordagens teóricas foram atravessadas pela oralidade, discurso e linguagem, relevando o relato oral da experiência do indivíduo e tendo em mente que a consciência pode ser melhor apreendida pela pessoa que a vivenciou (Schultz & Schultz, 2005).

Nesse sentido, surge a Psicoterapia existencial-humanista norte-americana por volta de 1958, ancorada, primeiramente, por Rollo May (1909-1994) e sustentada, posteriormente por James Bugental (1915-2008), Irvin Yalom e Kirk Schneider. Essa vertente tem o foco no mundo próprio individual e nas experiências subjetivas do cliente, onde o terapeuta tem como essencial objetivo auxiliá-lo a reconhecer suas resistências, que o impedem de confrontar com sua ansiedade existencial (devido à consciência de uma "existência incerta livre e sem sentido"), e superá-las com o intuito de prosseguir com sua potencialidade de crescimento. Leva em consideração e preza pela tomada de consciência do cliente sobre suas experiências atuais e preocupações principais, a fim de aumentar a relação com sua própria subjetividade. Além do desenvolvimento da relação interna, atenta-se para as relações interpessoais do cliente através das quais o mesmo pode tornar-se mais autêntico existencialmente. São para esses pontos que a intervenção terapêutica deve estar voltada, no intuito de que o cliente passe por um processo de autodescoberta, conhecendo e compreendendo-se melhor (Teixeira, 2006).

Dessa forma, Gomes, Holanda e Gauer (2004) elaboram um percurso histórico de intervenções psicoterapêuticas com base na ideologia humanista, sendo elas: a Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), a Gestalt-terapia e a Logoterapia. A ACP, denominada em seu início de Psicoterapia Centrada no Cliente e Aconselhamento Não-diretivo, surge através dos trabalhos de Carl Ransom Rogers (1902-1987) nos EUA, na década de 1940.

Há no Brasil um número reduzido das obras de Rogers e algumas que não encontramos versões em português, o que restringe à acessibilidade a esses materiais e, consequentemente, estudos nessa área (Branco & Cirino, 2017). Tendo isso em vista e, considerando a Abordagem Centrada na Pessoa pouco estudada e divulgada faz-se relevante maiores estudos nessa área para que tal teoria possa ser mais difundida e utilizada.

Esse artigo foi elaborado através de um estudo de caso construído durante o estágio curricular de 2018 do curso de Psicologia e sob a perspectiva de Carl Rogers. Tal estudo teve o objetivo de averiguar como a relação terapeuta-cliente se apresenta no desenvolvimento da psicoterapia.

Nosso referencial teórico foi o capítulo A psicoterapia considerada como um processo, retratado no livro Tornar-se pessoa (Rogers, 1977). Tal capítulo expõe a construção da teoria de mudança da personalidade do cliente, que possibilitou a apresentação do que foi sintetizado no artigo The necessary and sufficient conditions of therapeutic personality change (Rogers, 2007). Para que essa mudança ocorra são necessários seis atributos:

1. Estabelecer um contato psicológico entre terapeuta-cliente;
2. O cliente está vulnerável, ansioso e em estado de incongruência;
3. O terapeuta é congruente ou integrado no relacionamento;
4. Há uma consideração positiva incondicional pelo cliente, por parte do terapeuta;
5. O terapeuta apresenta compreensão empática e tenta comunicá-la ao cliente;
6. A comunicação ao cliente da compreensão empática e da consideração positiva incondicional do terapeuta é alcançada em grau mínimo (Rogers, 2007).

O autor também apresenta, no mesmo artigo, algumas possibilidades de mensuração de cada uma dessas condições. Entretanto, aqui foram enfatizados somente os aspectos qualitativos destas. Referente à relação terapêutica mencionada, da mesma maneira, Rogers (1977) reforça sobre essa ser baseada em empatia e aceitação, além de mostrar-se como elemento essencial no processo de desenvolvimento da psicoterapia.

No livro, o autor formulou a "Escala do processo terapêutico" conceituada em sete "estágios", indo do aspecto rígido ao fluído. Nessa escala, o cliente pode se encontrar em determinada etapa durante certo período de tempo, sendo possível a evolução, regressão ou estagnação em uma delas de acordo com o quão se sente aceito pelo terapeuta e, consequentemente, com a modificação de sua personalidade. Dessa forma "implica portanto uma compreensão por empatia e o conceito de aceitação. (...) é esta experiência que o cliente faz dessa condição é que a otimiza e não apenas o fato de tal condição existir no terapeuta." (Rogers, 1977, p. 113).

Resumidamente, no primeiro estágio o indivíduo não comparece de forma voluntária, assim como não reconhece que tenha problemas e apresenta-se contrário a mudanças (rígido). O primeiro e o segundo estágio se mesclam no sentido da incompreensão, por parte do cliente, dos problemas na ordem do pessoal, não conferindo responsabilidade individual sobre os mesmos e na tendência de relevar o passado como forma de construção das suas experiências presentes. O segundo estágio, porém, retrata os indivíduos que nele se encontram e buscam o processo de psicoterapia por vontade própria. Neste estágio, o discurso surge levemente mais fluído, ainda que apresente conceitos rígidos e contradições (Rogers, 1977).

No terceiro estágio, as experiências pessoais e expressão do eu se apresentam como objetos, sendo que, nessa última, o objeto é refletido (aspectos da própria personalidade são atribuídos a outras pessoas). Permanece a característica de sentimentos e significados descritos no tempo verbal e/ou relacionados ao passado, de uma maneira distante do "eu", mas proporcionam uma distinção mais clara do que nas outras fases. Nessa etapa é notável uma dificuldade de aceitação dos próprios sentimentos, sendo que os mesmos são, comumente, relatados de modo pejorativo. O cliente não compreende a situação como um fato, mas a partir da forma como estabeleceu sua experiência. Identifica, nessa última, ações que podem se mostrar contraditórias, como a escolha de efetuar algo que não é compatível com os comportamentos produzidos para tal (Rogers, 1977).

Sobre o quarto estágio, o autor descreve diferentes etapas de sentimentos exteriorizados pelo cliente. Esses sentimentos podem ser relatados como muito intensos, mas apontados como existentes no passado; da mesma forma que podem surgir como objetos no presente; ou descritos no presente, como se escapasse da vontade do cliente, o que, quando experimentados imediatamente nesse tempo verbal, ocasionam no próprio algum receio. Mesmo que pouco consciente, se abrolha certa aceitação desses sentimentos, diferente do estágio anterior (Rogers, 1977).

Nesse sentido, a experiência passa a ser relatada de uma forma que o passado não se instaura como primada estrutura edificante; a experiência e a visão que se tem do eu podem se mostrar contraditórias, gerando apreensão no cliente diante de tal fato. Assim, o mesmo identifica construtos pessoais e o modo como os estabelece. O efeito desse encontro pode gerar comportamentos defensivos ao se questionar um construto básico. "Há [portanto] uma maior diferenciação dos sentimentos, dos construtos, das significações pessoais, com certa tendência para procurar uma simbolização exata." (Rogers, 1977, p. 120). Por fim, mesmo que com certa hesitação, o cliente demonstra sua responsabilidade pelos próprios conflitos, maior fluidez, flexibilidade e descontração. O terceiro e quarto estágio são as fases que comumente os clientes se encontram e permanecem durante extenso período da psicoterapia.

O quinto estágio é descrito de forma semelhante ao quarto em relação aos sentimentos, os quais, quando manifestos e experimentados, podem causar surpresa, desconfiança e por vezes, desespero. Apesar de, nem sempre, o cliente conseguir expressar o que sente, dá início ao processo de percepção da existência disso, ou seja, "a experiência de um sentimento envolve uma referência direta. (...) a única referência interna para a qual se pode voltar a fim de ver mais claro." (Rogers, 1977, p. 122-123). Na relação terapeuta-cliente também são colocados sentimentos e emoções referentes a ela que podem ser difíceis de exprimir, mas que são mais facilmente relatadas, assim como o cliente consegue diferenciar e simbolizar exatamente os sentimentos e significações.

A experiência é mais maleável, já não distante e ocorre freqüentemente [sic] com um ligeiro atraso. Há um pequeno intervalo entre o acontecimento organísmico e a sua plena vivência subjetiva. (...) Os modos segundo os quais se constrói a experiência são muito mais maleáveis. Há muitas descobertas originais dos construtos pessoais como construtos e uma análise e discussão crítica destes. (Rogers, 1977, p. 123).

Consequentemente, tais fatos descritos corroboram para aceitação dos próprios sentimentos de forma mais elevada, de contradições e de incongruências em sua experiência. Também possibilita melhor compreensão sobre como o indivíduo é responsável pelos seus conflitos e o diálogo interno flui mais livremente, com menor resistência. Esse estágio se apresenta muito distante do primeiro descrito e, nele, muitas características da personalidade já se apresentam maleáveis (Rogers, 1977).

No sexto estágio, os sentimentos, de modo fluído, surgem e são experimentados iminente e completamente. Da mesma forma são aceitos, sem desvios ou negação, assim como os próprios conflitos. Tais características definem um advento que se apresenta nítido e bem delineado. Há uma consciência de si diminuída, mas que, ao mesmo tempo e sobretudo, é reflexiva. O "eu" objetal direciona-se ao apagamento, portanto, a experiência deixa de ser um objeto submetido a um sentimento e passa a ser vivenciada de modo subjetivo. Há também uma maior flexibilidade fisiológica (olhos úmidos, lágrimas, suspiros, relaxamento muscular) e o diálogo interno flui livremente, sendo que o "momento crucial é um momento de integração, no qual a comunicação entre os diferentes focos internos já não é necessária porque se tornou una." (Rogers, 1977, p. 130).

Posto isso, a experiência adquire a característica de um percurso real, no qual essa, juntamente a consciência, são experienciadas de forma vívida, podendo provocar certa insegurança no cliente ao lidar diretamente com esses sentimentos. Insegurança essa, referente ao fato de se defrontar com o inesperado, instável, exemplificada a partir do momento em que se percebe a experiência contraditória à definição que tinha de si próprio. Assim, "uma vez que a experiência se tornou plenamente consciente e plenamente aceita, ela pode ser enfrentada com eficácia, como qualquer outra situação real." (Rogers, 1977, p. 132), corroborando para o desaparecimento da contradição mencionada. Tais sentimentos vivenciados, assim como no quinto estágio, se tornam um ponto de referência para o qual o cliente pode retornar sempre que desejado ou necessário. Esse sexto estágio é colocado pelo autor como decisivo.

Pode-se dizer que o sétimo estágio se dá tanto independente, como a partir da relação terapêutica, sendo que o cliente pode atingi-lo sem o auxílio do terapeuta, já que o estado alcançado no sexto estágio tende a ser irreversível. Por isso, por mais que tal pré-requisito contribua para o processo, não se faz tão relevante que o cliente experimente que é completamente aceito pelo terapeuta, como nas fases anteriores. (Rogers, 1977)

Sentimentos novos são vivenciados iminentemente e apresentam demasiado conjunto de detalhes. Esses ainda são colocados como um ponto de referência, utilizados para alcançar de modo mais preciso o autoconhecimento. Inicia-se, então, um processo contínuo e amplo de conhecimento e aceitação pessoal dos sentimentos mencionados – assim como a vivência deles -, os quais estão sempre em transformação, processo sobre o qual o cliente demonstra uma consistente confiança e compreende que está vivenciando, ao mesmo tempo que tem a novidade como referência e não mais o passado. Esse percurso também influencia a forma que estabelece sua experiência e os construtos pessoais, que se alteram de acordo com cada advento novo experienciado. É nesse sentido que "O eu torna-se cada vez mais simplesmente a consciência subjetiva e reflexiva da experiência. O eu surge cada vez menos frequentemente como um objeto percebido." (Rogers, 1977, p. 134)

O diálogo interno é maleável, sem barreiras, e expõe novos sentimentos e símbolos ajustados e exteriorizados por meio de termos novos. Também há comunicação fluída nas relações (de pessoa a pessoa) com os outros e, em sua experiência, consegue distinguir de maneira exata os sentimentos das significações pessoais. Ainda sobre a experiência, se apresenta de forma plena na consciência, o que faz com que as escolhas do cliente venham a ser reais e efetivas, permitindo aos mesmo novos modos de ser. "O cliente integrou neste momento a noção de movimento, de fluxo, de mudança, em todos os aspectos da sua vida psicológica, e isso torna-se a sua principal característica." (Rogers, 1977, p. 135). Compreende, portanto, sua responsabilidade, não só diante de seus conflitos, como também pela sua vida e todos os elementos presentes nela e em si mesmo que nunca estão prontos, nem acabados. O índice de pessoas que alcançam, completamente, esse estágio é relativamente baixo.

Como colocado por Rogers, é pouco provável que um cliente inicie a psicoterapia no primeiro estágio e termine no sétimo. Esse processo é delongado por anos e, por vezes, o indivíduo pode recuar diante do início de um novo estágio, sendo esse progresso irregular. Foi por meio desses pontos aqui descritos que os elementos necessários para a realização do estudo de caso foram analisados e compreendidos.

 

MÉTODO

A pesquisa em questão apresenta uma metodologia qualitativa, compreendendo, de acordo com Motta-Roth e Hendges (2010), que não há apenas uma realidade, existem diversas construções sobre a mesma e "preocupa-se em analisar e interpretar aspectos mais profundos, descrevendo a complexidade do comportamento humano. Fornece análise mais detalhada sobre as investigações, hábitos, atitudes, tendências de comportamento etc." (Marconi & Lakatos, 2011, p. 269).

Realizou-se um estudo de caso desenvolvido através de uma experiência de atendimento individual, efetivada durante o cumprimento de estágio curricular. Um estudo de caso "possibilita o estudo intensivo de um indivíduo (...) ou grupo (...) com vistas a obter generalizações a partir de uma análise abrangente do tópico de pesquisa como um todo." (Motta-Roth & Hendges, 2010, p. 114). O motivo para estudar tal caso classifica-se como "intrínseco", pois foi realizada a representação de traços particulares (Marconi & Lakatos, 2011), como apresentado a seguir.

A participante do estudo, uma mulher de 44 anos, buscou atendimento psicológico em uma Unidade Básica de Saúde. Utilizando-se versões de sentido (Amatuzzi, 2014), foram produzidos, imediatamente após cada sessão, relatórios detalhados e repletos de impressões da estagiária que foram discutidos durante as orientações de estágio.

As análises constituíram-se na perspectiva teórica da Abordagem Centrada na Pessoa, de Carl Rogers, a partir das etapas do processo terapêutico descritas na obra Tornar-se Pessoa (Rogers, 1977) e no artigo The Necessary and Sufficient Conditions of Therapeutic Personality Change (Rogers, 2007), as quais foram utilizadas nos relatórios no intuito de verificar como foi estabelecida a relação terapêutica durante esse processo. Foi realizada uma revisão bibliográfica narrativa (Rother, 2007) que privilegia livros, artigos e outros materiais que direta ou indiretamente citaram sobre a relação terapeuta-cliente e o processo de psicoterapia, visando fomentar o estudo.

Nesse sentido, levando em consideração o que é posto por Siani, Correa e Las Casas (2016), através dos relatos obtidos durante o desenvolvimento do caso, objetivou-se compreender a "coisa em si mesma", a essência por meio das vivências e a realidade apresentada pelo indivíduo.

 

DESCRIÇÃO E DISCUSSÃO DO CASO

O seguinte caso aqui descrito refere-se a uma mulher, a qual chamaremos de Participante, visando preservar sua identidade, assim como outros termos foram utilizados para mencionar demais indivíduos. A Participante, 44 anos, casada, nível de escolaridade ensino médio incompleto, nomeia sua atual profissão como "do lar" e, ao mesmo tempo, é autônoma (produção de artesanatos). Faz uso de medicamentos indicados para controle de hipertensão, colesterol e utilizou um antidepressivo durante parte do atendimento. Tem cinco filhos e mantém uma relação de 28 anos com o marido. Buscou a psicoterapia, devido a conflitos familiares, especificamente com José, bem como percebia mudanças no seu próprio comportamento. O processo ocorreu no período de maio a julho e de setembro a novembro de 2018, somando 20 semanas de atendimento, mas que foram efetivadas 15, por motivos de ausências da Participante.

 

O PROCESSO DE PSICOTERAPIA

O processo de mudança é muito singular, de modo que não há uma regra que defina que um cliente sempre iniciará a psicoterapia no primeiro estágio, passando por cada um deles e finalizando no sétimo. Como o autor mesmo apresenta, essa mudança refere-se a um contínuo e "o contínuo mais significativo é o que vai da fixidez para a mudança, da estrutura rígida para o fluxo, de um estado de estabilidade para uma realidade processual." (Rogers, 1977, p. 113).

Em relação ao caso proposto, pode-se pensar sobre a primeira condição que Rogers (2007) coloca em seu artigo, sendo: estabelecer um contato psicológico entre terapeuta-cliente. Ao discorrer tal afirmativa, o autor aponta que essa é atendida quando há a consciência, tanto do cliente, quanto do terapeuta de que ambos estão em contato pessoal ou psicológico um com o outro, no qual cada um pode apreender determinada diferença no campo experiencial dos envolvidos. Nesse contexto, compreende-se que a partir do momento em que a Participante buscou a Unidade Básica de Saúde e começou a narrar sobre sua história para a estagiária, estabeleceu-se um contato psicológico.

A Participante relatou logo no primeiro atendimento que o conflito familiar adveio de "mentiras de muito tempo". Descobriu que seu marido conversava e paquerava outras mulheres, por meio de uma rede social. Segundo ela, o marido agia nessas conversas pelo celular como se estivesse divorciado, dizendo que foi "obrigado a voltar" após o procedimento cirúrgico realizado pela esposa. Expôs também sobre conflitos que ele apresenta com os filhos, o definindo como "mais bruto e menos presente, não diferencia medo de respeito", relação na qual os filhos apresentavam medo do pai. Ademais, com exceção dela e da filha caçula, já deixou de se comunicar com todos os outros e, nessa condição, não aceita permanecer no mesmo cômodo que o referido filho, implicando-o e acusando-o de determinadas atitudes, que de acordo com a Participante, o próprio concretizou. Posteriormente ao conhecimento sobre o suposto adultério, o marido a pediu ajuda, pois "tudo que ele tem é a mulher e os filhos". Nesse sentido, a Participante percebe "ele tentando ser igual ela e ela se tornando igual ele" (mais dura, fria).

Segundo Rogers, demasiada parcela de indivíduos que buscam a psicoterapia está situada no terceiro estágio do processo e ao que parece, a Participante também. A maior parte do seu discurso gira em torno das atitudes do marido, tratando sua experiência como distante do eu. Além disso, quando esse "eu" surge é referenciado pela personalidade do marido, explicitamente demonstrado quando diz: "eu me tornando igual a ele". Tais aspectos são característicos dessa fase, na qual "Há igualmente expressão sobre o eu como um objeto refletido, que existisse primariamente nos outros (...) deslizo para a personalidade seja de quem for, mas que não é a minha." (Rogers, 1977, p. 117).

Nesse estágio as experiências ainda podem ser relatadas e/ou se apresentarem a partir do modo como foram construídas no passado, tendo em vista o distanciamento do eu. Em outra sessão, a Participante, sendo a filha primogênita, descreve sua relação atual com seus quatro irmãos, dizendo que é muito depreciada por eles, principalmente pelos dois mais velhos. Com isso, relata uma situação que aconteceu há 15 anos quando se mudou de casa e foi bastante criticada pelo irmão, apelidando-a de "índio", pois iria morar "no meio do mato". Coloca também que esse mesmo irmão a chamava de "marcha lenta", tudo isso devido a ela apresentar muitas atitudes passivas referentes às adversidades da vida.

A passividade se mostra como um polo, ao mesmo tempo em que a agressividade se apresenta no outro extremo. Nesse sentido, descreve atitudes do marido como agressivas (não fisicamente) e apesar de seguir relatando e demonstrando insatisfação sobre a conduta dele em relação a ela e aos filhos, flui no meio desse discurso que também está se tornando uma pessoa agressiva. Essa assertiva retrata como as significações pessoais se mostram mais claras do que nas outras fases já descritas (primeiro e segundo e estágio). Entretanto, o fato de não se aprofundar na referida afirmativa, de relacioná-la como distante do "eu" e próxima à personalidade do marido, como também certo desprazer sobre as atitudes do mesmo situa pouca ou nenhuma aceitação sobre seus sentimentos em relação a si mesma, revelando-os como "qualquer coisa de vergonhoso, de mau, de anormal, ou sob qualquer outra forma de não aceitação" (Rogers, 1977, p. 118), confirmado em sua própria fala e repetida em várias sessões: "eu queria muito voltar a ser como eu era antes" (passiva).

Posto isso, pode-se relacionar também à segunda condição para a mudança de personalidade que Rogers (2007) aponta: o cliente está vulnerável, ansioso e em estado de incongruência.

Assim, novamente, há uma incongruência básica entre o eu como percebido (...) e a experiência real (...). Quando o indivíduo não tem consciência de tal incongruência em si mesmo, então ele é apenas vulnerável à possibilidade de ansiedade e desorganização. (...) Se o indivíduo percebe vagamente essa incongruência em si mesmo, ocorre um estado de tensão conhecido como ansiedade. (...) Essa ansiedade é frequentemente vista na terapia, à medida que o indivíduo aborda a consciência de algum elemento de sua experiência que está em flagrante contradição com seu conceito de self (p. 242, tradução nossa).

Como já mencionado, o pressuposto que auxilia na evolução do paciente para o próximo estágio e na modificação da sua personalidade, o que tem a ver com a forma como ele se sente completamente aceito pelo terapeuta, o que também caracteriza - pensando as condições de uma forma avulsa, sem seguir sua ordem linear – a quarta afirmativa, que supõe haver uma consideração positiva incondicional pelo cliente, por parte do terapeuta (Rogers, 2007).

Dessa forma, Rogers (1977) propõe a terapia lúdica no sentido de possibilitar essa experiência de aceitação ao indivíduo no primeiro estágio, mas como o autor coloca que o cliente pode apresentar expressões com pontos intermediários em variados estágios, nada impede que a ludicidade possa ser utilizada em outros momentos do processo, visando o mesmo sentimento de aceitação pelo cliente. Nesse sentido, foi construída, juntamente com a Participante, uma linha do tempo de sua vida com todas as cores e informações solicitadas e expressadas por ela.

 

 

Para isso, a Participante escolheu a cor verde, pois se identifica muito com a tal, sendo essa a cor do vestido que usou no casamento de sua filha primogênita. Segundo ela, o período do ano em que nasceu foi muito difícil para sua mãe, pois essa engravidou antes de se casar e foi morar com a sogra. Entretanto, a Participante foi muito bem recebida, tanto pelos pais, quanto pela avó. Relata experiências muito vivas de seus anos iniciais e de sua infância, inclusive sobre sua permanência e aconchego em um "balaio", quando tinha por volta de dois anos, onde se alimentava.

Quando tinha 9 anos, vivenciou sua primeira experiência com a morte, com o falecimento da avó. Antes do ocorrido, a Participante estava aguardando que sua avó retornasse do hospital para entregá-la o presente que havia comprado para a mesma em comemoração ao dia das mães. Assim, foi uma vivência chocante e muito triste para a cliente, pois construíram uma relação mãe-filha, tanto que relata: "eu iria fazer uma surpresa, mas quem me surpreendeu, foi ela".

Após o falecimento da avó, com 10 anos, começou a trabalhar no bar de seu pai e, quando sua mãe ia em seu lugar, a Participante cuidava de seus irmãos. Assim, relata que "para ter responsabilidade não precisa ter idade. Foi uma época difícil, mas muito construtiva... Foi quando descobri o que é uma mãe e construí parte do meu caráter". Por volta de seus 14 anos, sua mãe descobriu que havia sido traída pelo pai e quase se divorciaram, mas permaneceram juntos.

Posteriormente ao relatar sobre tal fato, expõe a descoberta de estar no sexto mês de gestação da sua primeira filha, quando tinha por volta dos 15 anos. O pai desse bebê é o atual marido, mas na época em que soube, estavam separados e ela se relacionava com outro, com quem foi obrigada a se casar por estar grávida. Tal casamento teve uma duração de 6 meses. O marido a procurou quando soube que havia se divorciado e, após um mês e meio, foram morar juntos, onde dividiam o lote com sua sogra. Nesse sentido, a Participante relata que mantém uma relação de 28 (vinte e oito) anos com o atual marido, mas somente há 2 (dois) anos se casaram formalmente devido ao seu primeiro casamento ter sido muito conturbado. Relata que sentiu uma emoção, entusiasmo muito grande - o que não ocorreu na cerimônia anterior - e que não mudaria nada, somente a data, pois acredita que se tivesse o feito depois, seu casamento não teria "desmoronado" (traição por parte do marido).

É interessante destacar como a história de sua mãe e da própria Participante são semelhantes, como a experiência de ambas terem engravidado solteiras, terem ido morar juntamente com suas sogras e a infidelidade de seus maridos. Em uma das sessões, a Participante expõe que se espelhava muito em sua mãe, o que nos remete, mais uma vez, à característica do terceiro estágio (Rogers, 1977), em que o cliente reflete sua personalidade na de outra pessoa.

Narra, ainda, elementos a respeito da relação com seus sogros, com o marido e sobre suas gestações. Apresenta situações muito turbulentas, como o fato da sogra não aceitar e interferir muito em seu casamento, o fato de seu marido ser muito ciumento (inclusive na relação da esposa com os filhos), intolerante e orgulhoso, nas palavras dela. Relata que nunca revidou nenhuma humilhação que sua sogra pudesse ter proferido e nem as questionava com o marido, pois, segundo a Participante: "eu nunca vou jogar um filho contra uma mãe". Aceitou muitas coisas: "eu tive atitudes que meninas da minha idade não teriam. Fui obrigada a envelhecer e pensar com a cabeça deles para não ter problemas".

Acredita que essa "perseguição" (dos irmãos, da sogra, entre outras) se repetiu por ter sido uma pessoa muito "pacata" e que, atualmente não está se reconhecendo, pois não consegue ser assim mais, "quando eu vejo, já falei". Tal afirmativa refere-se à segunda condição, já mencionada - o cliente está vulnerável, ansioso e em estado de incongruência (Rogers, 2007), e sobre haver "um reconhecimento das contradições da experiência." (Rogers, 1977, p. 118). Ademais, pode-se reafirmar sobre a característica de sentimentos e significados descritos no tempo verbal e/ou relacionados ao passado, de uma maneira distante do "eu" e da apreensão da situação a partir da forma como estabeleceu sua experiência e não como um fato.

Referente à quinta condição proposta por Rogers (o terapeuta apresenta compreensão empática e tenta comunicá-la ao cliente), ocorre "Quando o mundo do cliente é claro para o terapeuta, (...) então, ele pode tanto comunicar sua compreensão do que é claramente conhecido ao cliente quanto expressar significados na experiência do cliente, da qual o cliente mal está ciente." (Rogers, 2007, p. 243, tradução nossa). Foi nesse sentido que a construção da linha do tempo se fez importante, podendo expressar uma aceitação plena do terapeuta para com o cliente e corroborando para a mudança de personalidade do último.

Ao longo dessa construção, a Participante pôde identificar as situações em que foi muito passiva e os prejuízos disso. Com isso, relatou em sessões posteriores que o marido ainda tenta impor algumas coisas, mas não consegue e que ela não vai mais aceitar o desrespeito do mesmo em relação aos filhos. Tal ponto pode ser compreendido como o início de uma vivência mais autêntica, proposta pela psicoterapia existencial-humanista (Teixeira, 2006).

Entretanto, como Rogers (1977) coloca, o processo de mudança de personalidade é irregular e, no momento em que o cliente alcança um estágio posterior, pode regredir para a fase em que se encontrava anteriormente. Assim, percebe-se a cliente entrando no quarto estágio, mas ainda com características do terceiro.

Quando a Participante descobriu sobre a traição do marido que, para ela, foi um "divisor de águas", relata ter dito que não o queria mais como marido. Tendo isso em vista e, diante do pedido de ajuda dele, coloca que "esposa eu não quero ser mais, mas sua amiga eu posso ser". Ao mesmo tempo, aponta que não sabe como tomar as decisões, sobre o que fazer, se continua ou não com o casamento. Porque a maioria das coisas que a preocupa (fala com raiva) são em decorrência das atitudes do marido. Tais características se relacionam com o terceiro estágio, no sentido das contradições da experiência, nas quais "O cliente explica que, por um lado, espera fazer alguma coisa de grande e, por outro, sente que pode facilmente fracassar." (Rogers, 1977, p. 118); além de que sua "tomada de decisão" não condiz com seus comportamentos para tal.

Há a expressão, novamente do terceiro estágio, de pouca aceitação sobre os sentimentos atuais, dizendo que "queria muito voltar a ser como eu era antes", pois, nas palavras dela, sofria menos, conformava-se melhor com os fatos e lidava melhor com as pessoas. Foi apontado sobre, quando construíamos a linha do tempo, a existência de diversas situações que ela havia apresentado sofrimento. Então, relatou que talvez tivesse se equivocado quanto à palavra, que sofria sim, mas se conformava melhor, "o mundo poderia tá caindo que eu estava com um sorriso no rosto". Essa explicação condiz com a característica do quarto estágio sobre a busca do cliente pela simbolização exata para seus sentimentos, construtos e/ou significações pessoais (Rogers, 1977).

Até que, em determinada sessão, expõe: "eu não vou conseguir ser mais como eu era antes e ele não vai mudar" e coloca sobre isso a impossibilidade de prosseguir com essa relação, mas ainda com certa resistência. É quando surge "algumas descobertas sobre os construtos pessoais; (...) um reconhecimento definitivo do seu caráter de construções." (Rogers, 1977, p. 119), referentes ao quarto estágio. Ainda, "toma consciência da sua responsabilidade perante os seus problemas pessoais, mas com alguma hesitação." (Rogers, 1977, p. 120), quando assume: "talvez o meu erro tenha sido esse: me deixar ser manipulada".

Nesse processo de transição para o quarto estágio percebe-se uma menor implicação da Participante em relação ao comparecimento nas sessões de psicoterapia, se ausentando algumas vezes. Permaneceu a característica de incongruência da experiência, do terceiro estágio e, até então, relaciona muitos aspectos de sua vida com as atitudes do marido. Apesar disso, o passado, apresentado por ela de forma tão idealizada, cai por terra e o distanciamento do "eu", tão presente no início, começa a diminuir.

Na última sessão em que a Participante compareceu, ela fez uso de uma metáfora, buscando explicitar melhor a situação em que se encontrava. Em dúvida sobre manter-se casada ou não, ela colocou que era como se estivesse em uma estrada com dois caminhos, mas não sabia qual deles seguir. Diante disso, foi pontuado para a Participante que não escolher também é uma escolha. Ela concordou e disse que ainda corria o risco de um caminhão passar por cima dela. A condição da Participante foi acolhida, ao mesmo tempo em que enfatizou-se sobre a responsabilidade de suas escolhas. Depois de ocorrido esse fato, a estagiária continuou demonstrando-se disponível para o agendamento das sessões e acolhimento das demandas da cliente, mas essa não compareceu mais. Nesse sentido, cabe lembrar que a maioria dos clientes inicia a psicoterapia no segundo estágio e encerra-se no quarto, processo esse – incluindo os demais estágios existentes – que pode levar meses ou até anos.

Acredita-se que se tenha alcançado a sexta condição do processo, sobre o cliente perceber, em um grau mínimo, a aceitação e empatia do terapeuta para com ele. Contudo, foi exposto anteriormente que mais interessa sobre a percepção do cliente em relação à aceitação plena do terapeuta para com ele do que a existência da mesma em si. Nesse contexto, não há como saber até que ponto isso foi compreendido pela cliente, tendo em vista que não foi algo explorado com tanta intensidade durante o processo.

Destaca-se, portanto, a essencialidade de se perceber e compreender - enquanto psicólogos e seres humanos - além dos obstáculos expostos pelo cliente, as potencialidades desse último, apresentadas através da relação terapêutica durante o processo de psicoterapia. Processo esse, no qual se deve dar importância ao mundo subjetivo, à história de vida e às relações interpessoais construídas pelo cliente, pois essas fazem parte de sua constituição que não é pronta, nem acabada e que é definida por um constante vir-a-ser.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência
Letícia Maia Amaral
E-mail: leticiamaiaamaral@gmail.com

André Amorim Martins
E-mail: andre.martins@uemg.br

Recebido em: 13/07/2020
Aprovado em: 10/02/2021

 

 

1 Letícia Maia Amaral: Graduada em Psicologia pela Universidade do Estado de Minas Gerais - Unidade Divinópolis. E-mail: leticiamaiaamaral@gmail.com https://orcid.org/0000-0001-5816-9376
2 André Amorim Martins: Professor do Curso de Psicologia da Universidade do Estado de Minas Gerais - Unidade Divinópolis. Líder do Núcleo de Psicologia sobre Educação, Paz, Saúde e Subjetividade e Trabalho (CNPq/UEMG) E-mail: andre.martins@uemg.br https://orcid.org/0000-0001-9699-0990

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