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Trivium - Estudos Interdisciplinares
On-line version ISSN 2176-4891
Trivium vol.5 no.1 Rio de Janeiro Jan./June 2013
ARTIGOS TEMÁTICOS
Graduação, formação e pesquisa: entre o discurso e as práticas(1)
Graduation, education and research: the distance between theory and practice
Vera Lucia Alves Breglia
Doutora em Educação - PUC-Rio - Professora do Departamento de Ciência da Informação (UFF). E-mail: vbreglia@domain.com.br
RESUMO
O texto apresenta uma discussão sobre a relação entre ensino e pesquisa no processo formativo dos graduandos. O objetivo é identificar o conceito de formação gerado pelo o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC). Trabalha com a hipótese de que a pesquisa pode ter uma função pedagógica no processo formativo dos graduandos. A metodologia utilizada para identificar o significado atribuído à formação contemplou a busca de pistas, de indicadores que possibilitassem entender o conceito de formação com o qual o PIBIC trabalha. Após o término da investigação, um dos resultados apontou que alguns professores estabelecem diferença entre o espaço da sala de aula e o espaço da pesquisa, indicativo que a graduação permanece como espaço de reprodução e não de produção de conhecimentos.
Palavras-chave: Graduação; Ensino e pesquisa; Iniciação Científica; Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC).
ABSTRACT
The paper presents a discussion on the relationship between teaching and research in the training of graduate students. The goal is to identify the training concept generated by the Institutional Program of Undergraduate Research Scholarships (PIBIC). It works on the assumption that research can have a pedagogical role in the training of graduate students. The methodology used to identify the meaning assigned to training included the clues, indicators that would enable to understand the concept of training with which PIBIC works. After the work conclusion, one of the results showed that some teachers establish the difference between classroom space and research space, indicating that graduation remains as space of reproduction, instead of production of knowledge.
Keywords: Graduation; Teaching and research; Undergraduate Research; Institutional Program of Undergraduate Research Scholarships (PIBIC).
O objeto contextualizado
São muitos os motivos que levam à realização de um estudo e não é incomum que a prática e o ambiente de atuação dos autores sejam tomados como ponto de partida. Para Minayo (1996, p.17), as questões da investigação estão relacionadas a interesses e circunstâncias socialmente condicionadas e são "frutos de determinada inserção no real, nele encontrando suas razões e seus objetivos". A autora citada complementa seu pensamento afirmando que "[...] nada pode ser intelectualmente um problema, se não tiver sido, em primeiro lugar, um problema da vida prática". Foi, pois, da conjugação entre teoria e ação que nasceu o estudo que serviu de base para a elaboração deste texto.
Minha inserção no "real" deu-se a partir da vivência da sala de aula e da percepção de algumas dificuldades apresentadas pelos alunos, relacionadas a questões estruturais: evidenciava-se um processo formativo deficiente, calcado em um modelo que não incluía como resultado natural, ações que permitissem a assimilação adequada de informações para a geração de novos conhecimentos O resultado dessa conjugação de fatores é o comprometimento do rendimento/aproveitamento dos alunos. As dúvidas e incertezas com origem na sala de aula, espaço de onde partem as mudanças, serviram de inspiração e me levaram a investigar o modelo de formação que oferecemos aos alunos/usuários do subsistema de graduação.
O interesse em melhor explorar a questão pesou na escolha do tema/problema que contemplou a formação na graduação, pouco valorizada pela cultura que prevalece na universidade brasileira. O foco do estudo recaiu no tripé graduação/formação/pesquisa. A ideia central pautou-se na hipótese de que a pesquisa pode ter uma função pedagógica no processo formativo dos graduandos. Desta forma, colocados os argumentos e as questões a eles subjacentes, o objeto do estudo centrou-se no processo de formação na graduação à luz do modelo ensino/pesquisa, representado pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC). O objetivo principal foi identificar as implicações desse modelo na formação dos alunos.
Para atingir os objetivos, foi necessário abordar algumas das questões que, no contexto das sociedades modernas, afetam o sistema educacional. Existe uma forte demanda por tecnologia, por inovações que dependem dos avanços do conhecimento, que, cada vez mais, se reveste de um caráter multidisciplinar. Nessa perspectiva, emerge a necessidade de investimento em recursos humanos, em educação e em tecnologia.
É nesse cenário que se coloca a Universidade - um dos componentes do sistema educacional - que recebe os ecos daquelas mudanças e tem que repensar uma das suas principais funções: a formação de recursos humanos. A educação de terceiro grau e, em especial, a graduação, tem sido alvo de críticas. Por conta disso, tem buscando um ponto de equilíbrio entre as demandas do mundo do trabalho e uma formação de caráter humanista. Há uma chamada para as "práticas inovadoras", a saber, uma pedagogia empenhada na formação de sujeitos pensantes e críticos, com implicação de estratégias multidisciplinares de ensino para desenvolver competências para pensar e para pensar sobre o pensar. Em síntese, esse tipo de formação levaria o aluno a "utilizar seu potencial de pensamento por meio de meios cognitivos de construção e reconstrução de conceitos, habilidades, atitudes, valores" (LIBÂNEO, 2001, p.40).
No entanto, para atingir esse estágio, é necessário que se busquem meios e métodos, que sejam revisadas as metodologias tradicionais de ensino, que se identifiquem os instrumentos de que a Universidade dispõe e pode colocar em prática, para qualificar o processo de formação na graduação. Nesse horizonte, uma das possibilidades mais valorizadas tem sido fazer da graduação um locus de produção e reconstrução de conhecimento mediante a prática da pesquisa. A suposição é de que se vai dar ao aluno, por essa via, uma formação que o leve a individualizar-se, a pensar criticamente, a gerar novos conhecimentos, sob novas formas de trabalho.
Além disso, é importante pontuar que a experiência inovadora vai de encontro à rotina educativa marcada por modelos de reprodução de ensino caracterizados pela fragmentação e pelo tecnicismo. Nesses modelos, há uma presença exclusiva do verbal, do conhecimento fechado, sem espaço para a problematização, além da ausência de consulta às fontes, um vazio de informação genuína, enfim, uma cisão entre a teoria e a prática. Essas formulações servem de fundamento para que Lucarelli (2000, p.153) se coloque contra a rotina educativa, que não permite adquirir competências próprias para o exercício profissional, constituindo-se num dos aspectos que marcam a vida cotidiana de muitas aulas universitárias.
A construção do objeto não deixou de lado o contexto, ou seja, as relações que hoje se estabelecem entre sistema educativo e processo produtivo; o contexto político e econômico em que se inscrevem e as mudanças no mundo do trabalho que resultam em exigência de maior qualificação do trabalhador. Alguns autores afirmam que a ampliação dos requisitos profissionais abrange as qualificações formais e também as capacitações tácitas. Além disso, a criatividade, a interatividade, a flexibilidade e o aprendizado contínuo são considerados como parte importante dos requisitos. Um aspecto que se destaca é a necessidade de que o profissional transfira para o trabalho sua vivência pessoal ou sociocultural. Nesse sentido, "[...] a qualificação profissional passa a ser um fator coadjuvante, mas não determinante do sucesso profissional, uma vez que também são levadas em conta, a trajetória de vida do profissional, antes mesmo de sua formação acadêmica, e suas aptidões culturais, profissionais, políticas e sociais" (ARRUDA, MARTELETO, SOUZA, 2000, p. 19).
Embora essas preocupações sejam mais próprias das organizações empresariais, pode-se fazer uma analogia com o ambiente acadêmico, uma vez que o cenário em que se operam as mudanças é comum. Para Kobashi (1977), na graduação, a formação deve enfatizar os quadros teóricos e metodológicos e valorizar uma formação global sólida em detrimento do treinamento técnico, cuja tendência é a de ser substituído por novas técnicas a intervalos cada vez mais curtos. Ela complementa essa ideia e destaca que o "aspecto mais importante a ser considerado na formação é a capacidade de resposta às mudanças, isto é, preparar os alunos para um desempenho multifuncional, face à variedade de situações colocadas pelo mundo do trabalho, muitas delas imprevisíveis" (KOBASHI, 1997, p.43-44).
Esses posicionamentos colocam a Universidade diante de uma palavra-chave: desafio. De um lado, não está a salvo da crise que afeta as instituições, resultado dos processos que surgem e fundamentam a organização da sociedade moderna e estabelecem um desenho do meio ambiente, que adquire contornos de ordem econômico-ideológica, com evidente repercussão na sociedade civil e suas instituições. Por outro lado, vê-se apegada à tradição que a reconhece como local por excelência de reflexão, de pensar criticamente, de produção e socialização do conhecimento, com ritmo próprio.
É a ameaça aos princípios tão caros à Universidade-Instituição que faz emergir alguns posicionamentos. Um deles parte de Santos (1996, p.25) que, a exemplo do meio ambiente, vê a Universidade dividida, fragmentada. A Universidade reparte-se entre atender aos projetos - que demandam soluções práticas, técnicas e imediatistas, mas que rendem divisas e redundam em gestões técnicas e racionalizadoras - e manter-se como espaço de reflexão. A Universidade atacada pelo cientificismo corre o risco de sofrer duas perdas irreparáveis: a da criatividade e a da originalidade; a pesquisa torna-se espasmódica e rentável. Essa é sem dúvida uma ameaça que, ao pairar sobre a Universidade, também compromete o pensamento aí gerado - a produção do próprio conhecimento.
Em outro momento, Santos (1995) expande suas considerações e trabalha a Universidade e seu entorno, ou seja, o Estado e a sociedade. É a partir dessas relações que observa a Universidade duplamente desafiada pela sociedade e pelo Estado sem, contudo, estar preparada para se defrontar com os desafios, tanto mais que estes apontam para transformações profundas e não para simples reformas parcelares. Esse despreparo é atribuído mais à estrutura do que à conjuntura, haja vista que a perenidade da instituição universitária, sobretudo no mundo ocidental, está associada à rigidez funcional, à relativa impermeabilidade a pressões externas, enfim, à aversão à mudança. No domínio do ensino, o autor citado, pondera que os objetivos da educação geral e da preparação cultural colidem, no interior da mesma instituição, com os da formação profissional ou da educação especializada, uma contradição detectável na formulação dos planos de estudo da graduação e entre esta e a pós-graduação. Assim, o que se observa é que "qualquer destas contradições e quaisquer outras facilmente imagináveis, criam pontos de tensão, tanto no relacionamento das universidades com o Estado e a sociedade, quanto no interior das próprias universidades enquanto instituições e organizações" (SANTOS, 1995, p.187).
A alteração do ritmo de produção do conhecimento também preocupa Chauí (1993), que atribui à Universidade duas vocações: a científica e a política. No foco dos pressupostos históricos, filosóficos, antropológicos e sociológicos dessas vocações, são feitas relações entre saber e poder, analisada a questão da compatibilidade entre as duas vocações e os impasses provocados na Universidade. Com relação aos impasses, a autora refere-se à precariedade da profissionalização, à desqualificação da mão de obra como fenômeno mundial, e aos equívocos que a Universidade vem cometendo nos processos de avaliação de suas atividades e realizações.
Identifico no raciocínio dos que trabalharam a interseção formação/universidade/mundo do trabalho, um fio condutor: atentos às questões conjunturais, percebem a dificuldade da Universidade em enfrentar as pressões e promover uma reestruturação interna que suavize as tensões, sem abalar os princípios que a sustentam. Do discurso pedagógico, pretende-se que não se revista de um caráter puramente instrumental, na condição de único alvo para formar espíritos ágeis e personalidades adaptáveis, capazes de respostas flexíveis. Outro ponto a anotar é a perda da criatividade, da reflexão, da originalidade e da descoberta do novo, o que resultaria numa produção de conhecimento empobrecida e afetaria um dos pilares de sustentação da Universidade - a pesquisa.
O Brasil, inserido no rol dos países emergentes, novo rótulo para países em desenvolvimento, vem cumprindo um longo percurso para tentar diminuir a defasagem com relação aos países hegemônicos nas questões centradas na produção do conhecimento e na formação de recursos humanos qualificados. Os vetores de uma possível mudança apontam a necessidade de novos instrumentos, novas formas de pensar o desenvolvimento, aliados a um projeto próprio, inovador, afinado com o contexto econômico internacional. A entrada para o grupo dos países desenvolvidos exige uma opção pelo mundo da Terceira Revolução Industrial - o mundo do conhecimento - e prevalece a ideia de que, no projeto de desenvolvimento, deve ser dada prioridade máxima à educação.
É a partir desse quadro que a educação de novo ganha visibilidade como investimento para o desenvolvimento e, portanto, recebe prioridade máxima; esses elementos são incorporados ao discurso governamental na forma de planos, que devem desaguar em ações efetivas. As circunstâncias demandam que, mais uma vez, o país busque a sua soberania, torne-se competitivo; a estratégia de modernização materializa-se na formulação de um conceito: a Década da Educação, instituída a partir da publicação da Lei nº 9.394 de 20/12/96, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).
Apesar das críticas que vem recebendo, a LDB, como texto de lei, constitui-se em instauradora de normas e regras e, portanto, orientadora das ações que deverão consolidar-se durante as próximas décadas. Aos documentos complementares à LDB - o Plano Nacional da Educação e o Plano Nacional da Graduação - somam-se ainda, em âmbito nacional, o Livro Verde (2) e, em âmbito internacional, os documentos gerados na Conferência Mundial sobre Educação Superior - Tendências da Educação Superior para o Século XXI (1998).
Nesses textos - reflexos da política explícita - o discurso oficial vigente reveste-se de uma contraordem representada por base conceitual assentada em valores permanentes (justiça, solidariedade, liberdade, autonomia e ética) e, por isso mesmo, configura-se como tentativa de neutralizar os efeitos da globalização. A exemplo do que aconteceu no século XVIII, observa-se "a entrada em cena do homem como um valor a ser considerado" (SANTOS, 2000, p.63) e o processo formativo surge repensado com base na pluralidade, na diferença, na capacidade de investigação, na habilidade de lidar com o novo, com o desafio, com a dúvida, em que a pesquisa é um eixo importante para deflagrar as mudanças.
Encontrei, no conteúdo dos textos citados, algumas questões sobre as quais tenho pensado e que, de uma forma ou de outra, têm-me mobilizado. Na teia desenhada pelo pensamento dos autores citados e na expressiva produção dos documentos-referência, destaco duas questões: a primeira delas refere-se à indiscutível importância da graduação no sistema de educação superior e, logicamente, na Universidade; a outra questão refere-se ao "método", aqui entendido como maneira de colocar em prática os conteúdos curriculares, e a razão direta que guarda com o rendimento/aproveitamento dos alunos, que passam a se sentir valorizados mediante sua participação efetiva na produção de saberes. No entanto, é necessário pontuar que os documentos-referência (Leis, planos, projetos) representam o que Anísio Teixeira (1999, p.323) chamava de "atos oficiais declaratórios", resquício da época colonial, em que se buscava "num esforço de compensação, declarar, por ato oficial ou legal, a situação existente como idêntica à ambicionada". Na verdade, parece que, ainda hoje, creditamos às leis e às formulações ideais das instituições, o sucesso das ações.
Por esse motivo, penso que as mudanças propostas (propósitos proclamados) estarão menos ancoradas em marcos temporais - Década da Educação, século XXI - do que nos esforços para buscar caminhos alternativos, através de práticas inovadoras no cotidiano da sala de aula. Essas práticas vão implicar no envolvimento de professores cujo papel "já não será o de transmissão de saberes supostamente prontos, mas o de mentores e instigadores ativos de uma nova dinâmica de pesquisa-aprendizagem" (ASSMAN, 2000, p.8). No que se refere aos alunos, a expectativa é de que deverão vivenciar processos de ensino e aprendizagem que signifiquem uma ruptura com a abordagem predominante nas instituições universitárias.
Por abraçar essas ideias, decidi explorar um tema que contempla a formação na graduação, a meu ver, pouco valorizada pela cultura que prevalece na Universidade, onde a discussão sobre as práticas pedagógicas inovadoras só em data recente começa a ser alvo de atenção. Parte do caminho percorrido para atingir os objetivos propostos consistiu em ouvir os professores orientadores e registrar a vivência dos bolsistas e ex-bolsistas já formados. Esse procedimento metodológico foi utilizado para viabilizar a identificação no modelo representado pelo PIBIC, uma função pedagógica, uma prática inovadora.
Os espaços de pesquisa escolhidos foram a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). De início, a escolha das universidades pautou-se em dois requisitos básicos: que fossem contempladas uma universidade privada e uma pública, ambas com a experiência do PIBIC consolidada. Em termos concretos, as questões de estudo foram trabalhadas de forma que as questões teóricas estivessem em permanente diálogo com o campo empírico, em um constante movimento de realimentação, por meio da reflexão/interrogação/problematização.
O estabelecimento dos critérios de amostragem levou em conta a seleção dos campos disciplinares e teve por base a classificação do CNPq para as áreas do conhecimento. Assim, a população-alvo foi constituída por alunos de Física (Ciências da Terra), de Economia (Ciências Sociais Aplicadas) e de Psicologia (Ciências Humanas). O estudo incluiu bolsistas (bolsa renovada), ex-bolsistas já formados e os professores orientadores. A justificativa do recorte para os bolsistas de bolsa renovada tem respaldo na avaliação de que teriam condições de prestar informações mais consistentes, por conta da experiência acumulada.
Na coleta de dados, foram utilizados dois instrumentos: um questionário elaborado em duas versões (bolsistas e ex-bolsistas) com grau de semelhança suficiente para facilitar o cruzamento de dados. Foi distribuído um total de 58 questionários, dos quais 46 retornaram o que corresponde a 79,3% de taxa de resposta. Aos ex-bolsistas, foram enviados 150 questionários dos quais 65 retornaram, o que corresponde a 43,3% dos questionários entregues. O outro instrumento de coleta foi uma entrevista com os professores orientadores; o roteiro seguiu o mesmo modelo dos questionários, com vistas a permitir que, na análise dos resultados, fossem contempladas questões comuns aos três instrumentos de coleta, e que o produto da análise fosse representativo para o estudo. Ao todo, foram entrevistados 25 professores representantes das três áreas. Também foram entrevistados três professores integrantes do comitê PIBIC nas universidades: 2 da PUC e 1 da UFRJ. Nesse caso, a intenção foi identificar como as universidades se organizavam em torno do PIBIC, como se reunia o comitê, e se faziam parte das discussões posicionamentos com relação às políticas de pesquisa para a graduação.
O modelo: origem, concepção e conceito
A criação, em 1951, do Conselho Nacional de Pesquisas (hoje Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) foi considerada um importante marco nas relações Estado-ciência. A institucionalização do papel do Estado como patrocinador direto das pesquisas estabeleceu um novo padrão de relacionamento, explicitado pela possibilidade de apoiar a atividade de produção científica. Naquele momento, surgiram também as primeiras experiências nacionais de planejamento e implementação de uma política científica governamental, o que representou uma primeira tentativa de associar ciência e tecnologia a um projeto mais global de desenvolvimento brasileiro. Por ter-se constituído em um dos maiores responsáveis pela ampliação da atividade científica no Brasil, "o CNPq veio expressar a afirmação da comunidade científica como um grupo social reconhecido internamente e autoidentificado" (ALBAGLI, 1988, p. 2).
A trajetória do CNPq não se diferencia de outras instituições, ao alternar avanços e retrocessos, resultantes de uma tradição histórica brasileira pautada por formas descontínuas de governos e regimes políticos, o que, em regra, sempre foi um empecilho ao estabelecimento de um plano e sua continuidade. Mas as divergências no âmbito do próprio CNPq não foram um entrave para que, dentre as atribuições definidas para o órgão, uma fosse mantida: a ação de fomento à pesquisa, estratégia inicial desde a sua criação, em razão da reduzida dimensão da comunidade científica brasileira. Cabe anotar que nem mesmo a perda de poder político, face ao afastamento das atividades no campo da energia nuclear, incidiu nos incentivos à pesquisa e à formação de recursos humanos; ao contrário, daquele momento em diante, essas ações foram fortalecidas.
Dentre as modalidades de bolsas oferecidas pelo CNPq, as de iniciação científica sempre se caracterizaram por selecionar vocações para pesquisa científica e surgiram com a criação do próprio órgão, em 1951. Na década de 1960, as bolsas de Iniciação Científica (IC) eram as mais utilizadas. Porém, elas só ganharam mais visibilidade na década de 1990, quando em cinco anos o CNPq concedeu mais de 65% do total de bolsas de IC distribuídas em seus 45 anos. Esses dados levaram Marcuschi (1996) a rotular os anos 90 como a Década da Iniciação Científica.
Em setembro de 1990, o presidente do CNPq, atendendo à decisão tomada na 37ª reunião do Conselho Deliberativo, resolveu normatizar o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC). No documento que formalizou a decisão, o PIBIC foi definido como
[...] um programa centrado na iniciação científica de novos talentos em todas as áreas do conhecimento, administrado diretamente pelas instituições, voltado para o aluno de graduação, servindo de incentivo à formação, privilegiando a participação ativa de bons alunos em projetos de pesquisa com qualidade acadêmica, mérito científico e orientação adequada, individual e continuada, que culminam com um trabalho final avaliado e valorizado, fornecendo retorno imediato ao bolsista com vistas à continuidade de sua formação, de modo particular na pós-graduação (CNPq, 1996, p.19).
Tomadas em conjunto, essa definição e a que define iniciação científica, na versão de 1996 do Manual do Usuário PIBIC, destacam dois pontos constantes nos "documentos oficiais" (3): a visibilidade do PIBIC como incentivo à formação e como instrumento capaz de possibilitar a continuidade dessa formação, e responsável pela geração de formandos com nova mentalidade. Outro ponto a destacar, é o privilégio dado aos chamados bons alunos ou estudantes de graduação mais promissores.
As definições da iniciação científica como instrumento de formação e do PIBIC como incentivo e como instrumento capaz de gerar formandos com nova mentalidade constituíram-se em fundamentos para trabalhar a ideia de que a pesquisa pode ter uma função pedagógica no ensino de graduação, mas faltava identificar que significado é atribuído à "formação" no modelo ensino/pesquisa que, se posto em prática, seria capaz de singularizar a ação pedagógica, qualificar o ensino de graduação e alterar a mentalidade dos formandos.
Estabeleci que a resposta viesse através da aproximação com o objeto, operacionalizada a partir de sua interrogação/busca de pistas, de indicadores que possibilitassem a construção do conceito de "formação". Minayo (1997, p.20) considera que os conceitos são construções de sentido e que podem determinar (conceitos valorativos) com que conotações o pesquisador vai trabalhar, ou seja, que corrente teórica adotará, ou podem ter uma função pragmática (conceito operativo), capaz de permitir ao investigador trabalhar com ele no campo. Desta forma, a metodologia utilizada procurou identificar categorias, com o objetivo de sinalizar caminhos a serem seguidos na análise e interpretação de dados.
A construção do conceito de "formação" foi operacionalizada através da análise dos "documentos oficiais" e de textos cuja produção refletiu a necessidade de seus autores de socializar experiências a partir dos ambientes de vivência com a iniciação científica. A análise permitiu matizar a discussão com possibilidades de olhar a questão sob outro ângulo e, sem perder o fio condutor, responder à questão-chave: que conceito de "formação" vem sendo construído através do PIBIC?
Em síntese, o que emergiu da análise foi que o eixo teoria/prática constitui-se em característica da formação via iniciação científica. Os "estudos orgânicos" (teoria + prática), que têm suas atividades voltadas para a pesquisa, são pontos de ancoragem para que se iniciem algumas modificações nos ambientes de graduação. Sem pretender dar à pesquisa uma garantia de absoluta adequação, Lo Bianco considera que
[...] a ideia de dar à pesquisa um valor axial na formação é responsável pela possibilidade de um conhecimento em constante produção, que se dá em sentido predominantemente horizontal. O trabalho de pesquisar é uma proposta que acentua a criação a partir de uma releitura que torna possível um discurso transformador (LO BIANCO, 1996, p.25).
Ela vê aí, a possibilidade de uma formação centrada numa estratégia geral de base, ao contrário de uma receita de fazeres prescritos. É a chance de o professor levar para a sala de aula outras práticas que em nada se assemelham ao ensino repetitivo cujos conteúdos acumulados são apresentados como verdade absoluta; o seu contrário é a ideia de que o conhecimento está em constante construção e que o seu estado é inacabado.
A partir da socialização das múltiplas experiências desenvolvidas no exercício das ações formadoras, é identificável no PIBIC o desenho de um programa capaz de reverter a ruptura entre graduação, ensino, pesquisa. Além disso, ficou claro que a iniciação científica pode constituir-se em um processo inclusivo de formação de recursos humanos e perder seu caráter de exclusividade no que se refere à formação de pesquisadores. Essa afirmativa tem base na concepção pedagógica subjacente à iniciação científica, cujas ações são consoantes com a ideia de Universidade como espaço de formação de profissionais e, sobretudo, compromissada com a produção, transmissão e difusão do conhecimento, essenciais para o encontro de respostas aos desafios sociais que unem teoria e prática.
Alguns autores, além de ressaltarem a importância da iniciação científica na vida acadêmica, qualificam-na como ação pedagógica transformadora com poder de fomentar a apropriação e a produção de conhecimentos científicos socialmente relevantes. Em termos ideais, a perspectiva inovadora da iniciação científica permitiria aos bolsistas assumir uma postura mais crítica e contribuir para responder aos desafios sociais, ou seja, a expectativa é propiciar uma formação que conduza ao desenvolvimento da consciência, da autonomia e da iniciativa,
de tal forma que os alunos-bolsistas possam ser sujeitos do próprio conhecimento, num trabalho individual e coletivo, profissionais competentes e com compromisso político de transformação da vida social, superando a visão fragmentada (ou disciplinar) do conhecimento (MACCARIELLO, NOVICKI, CASTRO, 1999, p. 83).
A organicidade das ações formadoras, que caracteriza o processo de formação da iniciação científica, inclui elementos diferenciadores e permite delinear respostas à questão-chave. Revelou-se um conceito de formação que remete às raízes etimológicas, ao significado da categoria formação. O ato ou efeito de formar significa constituir um caráter, uma personalidade, uma mentalidade ou um conhecimento profissional. Esse sentido de construção está presente nas expectativas colocadas na iniciação científica, seja pelos formadores, seja pelos formuladores do modelo. Portanto, o uso que fazem das categorias "ação", "inovação", "transformação" aliadas a outras como "crítica", "consciência", "autonomia", confere ao processo uma dinâmica e aponta numa direção: a ampliação do conceito de formação relacionado ao compromisso da Universidade com a formação de uma força de trabalho adequadamente educada, via de integração de países como o Brasil, no quadro de desenvolvimento. Essa particularidade dá ensejo a que se agreguem à iniciação científica outras possibilidades, além da capacitação voltada exclusivamente para o exercício da vida acadêmica. No entanto, é importante chamar atenção para uma questão que emergiu da análise: a existência de uma lacuna na formação dos graduandos, uma vez que, são poucos os alunos que incorporaram à sua formação profissional a vivência do processo de produção do conhecimento. Pode-se deduzir que foi posta em cheque a "naturalização" da indissociabilidade do ensino/pesquisa. Se a relação ensino/pesquisa não pode ser considerada (e não é) dada, natural e mecânica, a mudança só será possível se essa relação for construída, trabalhada. Uma possibilidade seria o desenvolvimento de ações voltadas para a incorporação da pesquisa às disciplinas, na função de suporte pedagógico. É por aí que observo que a importância do PIBIC, na construção de uma via de mão dupla entre ensino e pesquisa, vai além de estabelecer entre eles uma relação de interdependência: também aporta um novo significado ao ensino de graduação, porque permite visualizar a sala de aula como mais um espaço de construção de conhecimento. Por outro lado, serve ainda para rever alguns conceitos antes estabelecidos, reconhecedores de uma proposta estratégica, nos programas de iniciação científica, que, sem tirar o aluno dos estudos de formação geral, complementa e individualiza a formação, além de conferir importância ao papel dos professores orientadores como agentes formadores e, também, de destacar a necessidade de sua capacitação para operar as mudanças.
Além da planejada capacitação para o exercício da vida acadêmica e de o PIBIC ter-se tornado na prática, um instrumento de formação profissional, incidiram no processo de formação na iniciação científica outros elementos indicativos de que a formulação de qualquer política vai ter que estar sintonizada com as demandas sociais. A produção dos resultados exige, porém, uma reflexão sobre a necessidade de um estudo futuro que transcenda o contexto do PIBIC e que inclua uma revisão da organização estrutural do ambiente de sua implantação: a própria Universidade. Isso porque, "o discurso pedagógico da universidade destacando uma ação integrada e multidisciplinar, normalmente não se confirma na prática" (MACCARIELLO, NOVICKI, CASTRO, 1999, p. 86). Para estes autores, é aí que reside a importante contribuição da iniciação científica como espaço privilegiado de integração, na medida em que torna maiores as possibilidades de participação de profissionais, professores e alunos das diferentes áreas do conhecimento. Como complemento, permito-me acrescentar que o espaço privilegiado oportuniza a constituição de grupos igualmente privilegiados para a prática da pesquisa.
A identificação das aproximações entre os discursos com origem na literatura e o discurso oficial só foi possível, contudo, a partir da análise dos dados contidos nos questionários respondidos pelos bolsistas e ex-bolsistas e das entrevistas feitas com os professores orientadores do PIBIC. A metodologia adotada possibilitou a "interlocução" entre as falas dos professores e os registros dos bolsistas e dos ex-bolsistas.
As falas e os registros
A interlocução só foi possível a partir da análise das entrevistas, dos questionários e da identificação das possibilidades de interseção na leitura dos dados. A seleção dos resultados com origem no campo empírico contemplou as questões das entrevistas, e/ou questionários, que refletissem especificamente as impressões sobre o PIBIC. Foi necessário estabelecer alguns critérios no tratamento dos dados. Por exemplo, não passaram despercebidas as diferenças entre a população-alvo do universo da pesquisa - professores, bolsistas e ex-bolsistas, o que poderia redundar numa diversidade de olhares. Também foi levada em conta a presumível diferença entre as respostas dos alunos/bolsistas e as dos ex-alunos bolsistas. Por fim, com o intuito de mediar os procedimentos da análise, foi identificado um fator comum entre os participantes da pesquisa: a vivência de um mesmo processo - o PIBIC. Esta decisão também levou à opção de privilegiar a leitura dos dados por área e não por instituição, embora tenham sido elaboradas saídas dos dados também pelas universidades.
A proposta de estabelecer o diálogo entre a teoria e o campo empírico fez-se presente a partir do observado no interior do modelo, ou seja, de um mergulho na proposta básica do PIBIC, na identificação de sua base conceitual e na geração e atribuição de um sentido ao conceito de formação. O resultado apontou que, para além de sua concepção original - formar vocações para a pesquisa -, o PIBIC também se reveste de um caráter pedagógico na medida em que suas ações subvertem o ritmo usualmente adotado no ensino de graduação, conferem uma dinâmica às ações pedagógicas além de ampliar o conceito de formação, que não se limita à vida acadêmica, mas se estende à formação de profissionais mais críticos, capacitados a responder aos desafios sociais, dotados de autonomia e iniciativa.
O diálogo com a teoria ampliou-se por meio das apreciações dos professores, bolsistas e ex-bolsistas sobre as contribuições e impactos do PIBIC na formação dos graduandos: a similaridade entre os posicionamentos das três categorias serve de parâmetro para dar novos rumos ou para melhor refletir sobre o processo formativo na graduação.
A prática da pesquisa foi avaliada pelos professores como atividade motivadora, muito enriquecedora, tornando, portanto, o processo formativo mais abrangente, além de dotar os graduandos de maior capacidade de observação e crítica. Os professores trataram de forma indiferenciada a contribuição da pesquisa à formação acadêmica e à formação profissional, uma vez que, para eles, as habilidades adquiridas no processo da iniciação científica, contribuem igualmente para o desempenho profissional, independentemente das áreas a que pertencem os bolsistas e das escolhas futuras - vida acadêmica ou mundo do trabalho.
De forma similar, os bolsistas elegeram como principal contribuição da prática da pesquisa o desenvolvimento da crítica e da criatividade. Os ex-bolsistas confirmaram as contribuições apontadas pelos bolsistas e acrescentaram que o posicionamento crítico, a capacidade de raciocínio e a agilidade na tomada de decisões refletem-se no seu desempenho profissional. As considerações foram feitas independentemente das áreas a que pertenciam os bolsistas e ex-bolsistas. Há mais um dado que merece destaque: ficou evidenciado que os bolsistas e os ex-bolsistas da Física são os que mais sentem os reflexos da IC.
Há duas menções a destacar porque foram comuns nas respostas dos professores, bolsistas e ex-bolsistas e, certamente, constituem-se em marcas do processo formativo da IC. A primeira diz respeito à relação que se estabelece entre os professores orientadores e alunos, valorizada tanto no aspecto acadêmico, quanto no aspecto pessoal, por meio da transmissão de valores. As falas dos professores e os registros dos bolsistas e ex-bolsistas não deixaram dúvidas de que essa relação é fundamental e, ao mesmo tempo, introduz um elemento diferenciador no processo de formação da IC.
A segunda menção contemplou a socialização do conhecimento. A Jornada de Iniciação Científica foi amplamente citada pelos bolsistas como momento privilegiado para exporem seus trabalhos e demonstrarem seu crescimento em relação à forma de apresentação. Os bolsistas e ex-bolsistas mencionaram com o mesmo grau de importância, as reuniões de trabalho e os seminários valorizados como "espaços comunicativos", o que deixa claro que a interlocução e as trocas coletivas estão na essência da iniciação científica.
As observações dos professores sobre a rotina e as atividades dos bolsistas deixaram entrever uma "pedagogia" da iniciação cientifica, não exclusivamente pelas atividades em si, mas pela forma como são desenvolvidas, com constante acompanhamento pelos professores orientadores e troca de ideias com eles. A leitura foi apontada pelos professores e confirmada pelos bolsistas como atividade mais frequente na rotina da IC, dado que confirma a relação entre o aperfeiçoamento e a transformação do indivíduo e sua constante exposição à literatura.
Outro resultado relevante para a validação da rotina desenvolvida pelos bolsistas é a convergência no grau de avaliação das atividades mais frequentes e das mais importantes, o que significa que a rotina é levada com prazer pelos bolsistas. É de supor, que esse dado explicaria a capacidade de mobilização da IC. Contudo, há um aspecto preocupante que merece destaque: a dedicação às atividades/rotina da IC ocasiona, algumas vezes, a negligência nas atividades curriculares.
Apesar de algumas dificuldades relativas às trocas de informação dos bolsistas com os colegas, o que mais chamou a atenção foi o privilégio dado aos canais informais (troca de informações pessoa a pessoa) e o papel importante desempenhado pelos bolsistas nesse contexto. Nas situações em que estão investidos da dupla função, isto é, quando são também monitores são atores importantes e atuam como "fonte-referência" na articulação das interações entre bolsistas, não bolsistas e professores.
Entre os resultados sugeridos pelo campo empírico, chamou especial atenção o fato de alguns professores estabelecerem uma diferença entre o espaço da sala de aula e o espaço da pesquisa, o que indica que ainda permanece uma visão tão antiga quanto distorcida: a graduação continua ocupando no sistema de ensino superior, um espaço de reprodução e não de produção de conhecimentos. O espaço da pesquisa é muito mais valorizado e altera o comportamento dos professores na elaboração das rotinas, na relação com os alunos, no investimento que é feito. Ficou claro que a sala de aula não é vista como um espaço de trabalhar o conhecimento com o objetivo de criar nos alunos um espírito de investigação.
Esse resultado leva novamente a dialogar com a teoria e remete aos planos de pós-graduação que, apesar das sempre renovadas propostas de gerar recursos para a graduação, vêm, na realidade, reforçando a duplicação do sistema universitário brasileiro e divorciando a capacitação docente da formação de pesquisadores. O resultado é a escolarização da graduação, tida como ensino de segunda classe, o que, por vezes, serve de alegação para o afastamento de alguns professores. A maneira como se vem estruturando a pós-graduação muito se distingue da escola pós-graduada idealizada por Anísio Teixeira (1999), voltada aos estudos profundos, destinados à produção do conhecimento e do saber que seria ensinado na própria universidade e estaria comprometido com a formação do professor-pesquisador e também do professor.
É oportuno lembrar também o ceticismo com que Anísio Teixeira (1999) observava as bases em que se estava estruturando a reforma de 1968, porque não visualizava uma mudança na cultura acadêmica vigente. Para Anísio, o seu contrário seria a instauração de novas relações entre alunos e professores e dos alunos entre si, o que resultaria numa quebra da tradição dominante em que as aulas meramente expositivas eram parte das práticas hegemônicas consagradas. À época, o caminho apontado por ele passava por um enorme investimento na formação dos professores, capaz de alterar profundamente o seu pensar e o seu fazer, ou seja, alterações substantivas na mentalidade dos professores universitários.
Apesar das falas dos professores e dos registros dos bolsistas e ex-bolsistas refletirem um significativo grau de convergência, a volta ao campo empírico apontou para o surgimento de uma diferença na cultura acadêmica: existe um cotidiano feito de relações intensas, permanentes, de trocas entre alunos e professores, cujo resultado é a formação de sujeitos com competência para dar uma dimensão ampla aos problemas sociais e políticos. No entanto, esse é um privilégio de poucos e ainda está pendente uma mudança na estrutura para que práticas seletivas transformem-se em práticas universais.
No Brasil, os mais recentes indicadores do desempenho da universidade brasileira são preocupantes. A Educação está no centro das discussões na qualidade de elemento-chave que possibilitará aos países emergentes acelerar seu desenvolvimento por meio de mão de obra qualificada com repercussões na economia e no bem-estar social. Os exemplos que nos chegam de países que investem pesadamente na capacitação de seus cidadãos atestam que é possível reverter o atraso, mas, entre nós, até o momento, não há sinais de mudanças em curto prazo. A produção acadêmica mais recente reflete que está em curso uma reforma silenciosa que pretende trazer inovações para o ensino, resgatar a aula universitária, para corrigir várias distorções: a estratificação da carreira universitária, que opõe professores pesquisadores a professores "ensinadores", e a permanência da sala de aula como espaço exclusivo de reprodução de conhecimentos, mesmo depois de ter-se alterado a relação professor/aluno, colocados em igualdade, quais sujeitos do mesmo processo.
As reflexões possíveis
Considero fundamental que, ao fim de um estudo, os autores façam um exercício de reflexão e mais do que apontar soluções, vislumbrem caminhos a serem percorridos. Enfim, que façam com que o que foi observado conduza a outras tantas observações. Foi esse aspecto que estimulou a produção de um texto com o objetivo de socializá-lo e tornar sua discussão mais abrangente.
Vejo dois caminhos possíveis para pensar/repensar a graduação e sintonizar o discurso com as práticas. Tem-se, de um lado, o tom que prevalece nos discursos oficiais mais recentes cujas palavras-chave são educação e conhecimento, componentes da estratégia para a superação das desigualdades. Em outra ponta, está a universidade brasileira, local onde essas demandas têm que ser pensadas com relação à tradição, ou seja, à maneira como se moldou a educação superior no país, caracterizada por uma ambiguidade: a divisão entre cultura acadêmica e cultura profissional, geradora da bipartição da formação, na graduação, em formação acadêmica e formação profissional.
A expectativa é que a democratização da informação aumente o número de cidadãos bem informados, capazes de pensar criticamente e em condições de se adaptar às demandas e às constantes mutações impostas pelas inovações, sobretudo tecnológicas. Nesse cenário, a Educação Superior ocupa um lugar de destaque e a pesquisa constitui-se num dos eixos importantes da formação.
Nos ambientes de graduação, o modelo que alia o ensino à pesquisa vem ocupando espaço nas discussões mais recentes e já é parte integrante dos planos e das propostas de forma naturalizada, como se não tivesse um contexto: a trajetória da universidade brasileira e a forma como têm sido modelados os processos formativos.
Entretanto, a adoção de um modelo de universidade de pesquisa no Brasil foi abortada e prevaleceu a formação profissional de caráter utilitário e imediatista. A institucionalização da pós-graduação não trouxe ao ensino de graduação os benefícios contidos nos planos que a vêm informando. Ao contrário, a Universidade passou a ter um sistema dual, hierarquizado, com hegemonia da pós-graduação. Por isso, observo a graduação e penso na "escola de classe", conservado o conceito original na forma discricionária de selecionar os alunos. Hoje, no entanto, a seleção não se faz mais pela condição social ou recursos econômicos, como há dois séculos, mas pela classificação em "bons alunos" e "maus alunos", que têm suas vocações precocemente determinadas, sem deixá-los vivenciar completamente os múltiplos aspectos da vida acadêmica. Hoje, "o escol social" é representado por um grupo de alunos com reconhecido "talento" a quem é destinada uma formação sólida, que os prepara para a vida acadêmica; aos demais é reservado um treinamento, que os prepara para o exercício profissional.
Fica, como palavra final, um convite (ou convocação?) àqueles que se veem como formadores e são, por isso, capazes de transformar ideais educacionais em práticas pedagógicas, o que implica um movimento de renovação/criação de métodos e de instrumentos com fins de ordenar o processo pedagógico. É necessário buscar um atalho que se diferencie dos caminhos traçados, muitas vezes revestidos pelo caráter naturalizado e voluntarista que normalmente permeia as discussões e que as esvazia, por conseguinte, de fundamentos.
Notas
(1) Texto elaborado a partir da tese: Formação na Graduação: contribuições, impactos e repercussões do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica apresentada ao Departamento de Educação da Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) como requisito parcial para obtenção do título de doutor em Educação. Orientadora: Profa. Dra. Ana Waleska P. C. Mendonça.
(2) O Livro Verde é o documento que contém as diretrizes que norteariam a implantação da Sociedade da Informação no Brasil.
(3) Foram considerados "documentos oficiais" aqueles produzidos para atender às demandas de instâncias formais do Programa. São eles: os relatórios de avaliação Marcuschi (1996), Aragon (2000) e o Manual do usuário (1996).
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Recebido em: 12/01/2013
Aprovado em 06/06/2013