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Trivium - Estudos Interdisciplinares

On-line version ISSN 2176-4891

Trivium vol.13 no.1 Rio de Janeiro Jan./June 2021

https://doi.org/10.18379/2176-4891.2021v1p.83 

ARTIGOS TEMÁTICOS

 

(As)pirações Femininas: Stefan Zweig e as Incidências do Gozo no Amor

 

Feminine Aspirations: On Stefan Zweig's Literature and the Incidences of Jouissance in Love

 

Aspirations Féminines: Stefan Zweig et les Incidences de la Jouissance en L'amour

 

 

Mariana Salles KehlI; Isabel FortesII

IDoutoranda em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). E-mail: marianakehl@gmail.com
IIPsicanalista. Professora Adjunta do Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. E-mail: mariaisabelfortes@gmail.com

 

 


RESUMO

Considerando-se as possibilidades de diálogo entre psicanálise e literatura, Carta de uma desconhecida (1922), novela de Stefan Zweig, é utilizada como recurso metodológico para desenvolver e ilustrar os termos aludidos no título deste artigo. O "gozo feminino" e sua articulação com o amor é examinado sob dois eixos: a partir da reassunção do questionamento freudiano sobre o querer das mulheres e da trajetória de Lacan referida à lógica da sexuação nas conformidades do feminino e, também, através da depuração da concessão da "loucura", ou, em linguagem popular, "pirações", como insígnia da mulher relacionada ao gozo, ao amor e à devastação.

Palavras-chave: PSICANÁLISE, STEFAN ZWEIG; GOZO FEMININO; AMOR; DEVASTAÇÃO.


ABSTRACT

Considering the possibilities of dialogue between psychoanalysis and literature, Letter from an Unknown (1922), a novel by Stefan Zweig, is used as a methodological resource to develop and illustrate the terms alluded to in the title of this article. The feminine jouissance and its articulation with love is examined under two axes: from the resumption of Freud's questioning about women's desire and Lacan's trajectory regarding the logic of sexuation in the conformities of the feminine and, also through the concession of "madness", or in popular Brazilian language, "pirações", as women's insignia related to jouissance, love, and devastation.

Keywords: PSYCHOANALYSIS; STEFAN ZWEIG; FEMININE JOUISSANCE; LOVE DEVASTATION.


RESUMÉ

Compte tenu des possibilités de dialogue entre la psychanalyse et la littérature, Lettre d'une Inconnue (1922), roman de Stefan Zweig, est utilisée comme ressource méthodologique pour développer et illustrer les termes mentionnés dans le titre de cet article. La «jouissance féminine» et son articulation avec l'amour sont examinées sous deux axes: de la reprise du questionnement freudien sur le désir des femmes et la trajectoire de Lacan concernant à la logique de la sexuation dans les conformités du fémenin, aussi, à travers la concession de «folie» ou, dans la langue populaire brésilienne, «pirações», en tant qu'insignes de femmes liés à la jouissance, à l'amour et à la ravage.

Mots-clés: PSYCHANALISE; STEFAN ZWEIG; FEMININE JOUISSANCE; AMOUR; RAVAGE.


 

 

"Se desejarem saber mais a respeito da feminilidade, indaguem da própria experiência de vida dos senhores, ou consultem os poetas, ou aguardem até que a ciência possa dar-lhes informações mais profundas e mais coerentes"
(Sigmund Freud)

 

Introdução

Este artigo tem sua origem no relançamento do questionamento de Freud: "o que quer uma mulher?", em seu intrínseco liame com o tema do amor, conceito cujos multifacetados aspectos são altamente estimados pela psicanálise desde sua inauguração. Considerando-se os impasses e dificuldades inerentes ao exercício da feminilidade e suas manifestações sintomáticas observadas na clínica e na cultura, propõe-se uma reflexão teórica a partir da retomada do percurso da psicanálise no que se refere à constituição da sexualidade feminina. Circunscrevendo-se, assim, seus desdobramentos no que se refere à parceria amorosa e ao gozo - formulação sui generis do pensamento lacaniano.

Para tanto, sustenta-se a argumentação proposta na produção literária do autor austríaco de sucesso literário insólito, Stefan Zweig, nomeadamente em sua novela Carta de uma desconhecida (1922), como material de investigação e revelação, e concebe-se como eixo a orientação pela teoria psicanalítica de Sigmund Freud e Jacques Lacan. Trata-se, aqui, do recorte de uma pesquisa de mestrado na qual, metodologicamente, admite-se a literatura como um dos possíveis campos de ilustração teórico-conceitual da psicanálise. Estabelecidas tais perspectivas, pretende-se desenvolver a seguir os aspectos supracitados e suas implicações nas parcerias amorosas - como evidencia singularmente o fenômeno da devastação.

 

Freud e o Feminino: Complexo de Édipo e Sexualidade Feminina

Para a psicanálise, a sexualidade é concebida como alicerce na promoção da constituição e organização subjetiva. Devido à sua importância, Freud dedica-se extensamente ao estudo do Complexo de Édipo e da sexualidade feminina, campo amplamente revisto e reformulado pelo autor. Diante da questão da feminilidade, o autor pôde estabelecer uma série de escritos de valor inestimável que serviriam de base para o estudo e desenvolvimento ulterior de muitos outros teóricos e estudiosos.

Freud, em Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905/1990a), já reconhecia e ratificava os impasses concernentes à vida sexual da mulher ao afirmar que esta se encontrava em uma "obscuridade ainda impenetrável" (Idem, p.143) quando defrontado com a dificuldade de acessibilidade à investigação quando comparada à vida sexual masculina. Neste momento de sua elaboração teórica, a diferença sexual se constituiria através dos modos pelos quais se é habitado pela pulsão, portanto, a partir do posicionamento do sujeito diante da libido. Uma mulher seria habitada por uma posição passiva frente à libido e o homem pela posição ativa, independentemente de seu suporte corporal biológico. Desta forma, contornou-se uma dificuldade em relação à composição sexual feminina, que, enquanto produto de natureza libidinal, seria masculina. Portanto, não haveria, inicialmente, uma dessemelhança genuína entre os sexos até que, com o avançar da teoria freudiana, à puberdade foi atribuída o desencadeamento de diferentes processos que instituiriam a organização da sexualidade adulta em contraposição à infantil e, assim, a assunção de diferentes papéis sexuais entraria em cena.

Com a continuidade de seu desenvolvimento teórico, o Complexo de Édipo emerge como compulsório e deliberador da posição sexual assumida pelo sujeito. Em A dissolução do complexo de Édipo (1924/1990e), Freud discorre acerca das diferentes modalidades e caminhos presentes no Édipo relativo aos dois sexos, e o feminino é apresentado como circunscrito, ainda - e até o final de sua obra, por ampla complexidade.

Enquanto o menino renuncia a seus desejos edipianos, a menina habitualmente se dirige ao pai na tentativa de receber o órgão que lhe "falta". Freud, então, apresenta três saídas possíveis relativas ao complexo de castração para a menina: a revulsão geral à sexualidade; o complexo de masculinidade; e uma terceira via denominada pelo autor como "atitude feminina normal" (1931/1990g, pp. 237-238). Esta corresponderia ao caminho para e da aceitação da feminilidade e equivaleria à maternidade e sua contínua procura por uma compensação à falta de pênis através da geração de um filho, tomando-se inicialmente o próprio pai como objeto. Posteriormente, haveria um afastamento da figura paterna devido à impossibilidade de realização deste desejo e teria prosseguimento o deslizamento na cadeia metonímica significante na eleição de novos objetos.

Tornar-se mulher implicaria, então, a mudança de objeto de amor: o pai substituindo a mãe, devido à perda de sua posição fálica. É importante ressaltar a intensa ligação da menina com a mãe na fase pré-edipiana, como desenvolve Freud (Idem), e sua comum persistência no pós-Édipo mesmo após toda a hostilidade usualmente esquadrinhada durante este processo. Tais ocorrências demonstram que algumas mulheres nunca atingem uma "verdadeira mudança em direção aos homens" (Idem, p. 260), de modo que esta relação com a mãe (de caráter reivindicatório) pode afetar toda e qualquer futura escolha de objeto.

Considerando-se os impasses que se apresentam na constituição de uma identificação ideal para a menina, Fortes (1995) retoma Freud na saída do Complexo e indica um para-além do Édipo na posição feminina. A mudança de objeto (da mãe para o pai) adquire, então, um prosseguimento: a menina renunciaria a sua demanda fálica ao pai, comutando-a por uma identificação com este. Assim, "ela identifica-se com o pai adquirindo um ideal de eu paterno e apropriando-se imaginariamente de atributos fálicos" (Fortes, 1995, p. 115).

O desdobramento desse processo é um voltar-se à mãe no registro da demanda fálica, como estabelecido no pré-Édipo freudiano, porém de modo oposto, dada sua identificação com o pai:

A exigência atual é a de que ela dê à mãe, o que lhe traz uma enorme angústia pela impossibilidade de realizá-la e pelo temor de ser castrada de seu falo imaginário. Ocorre assim, um movimento que recoloca a mulher novamente frente ao Outro materno, fazendo reaparecer as relações pré-edipianas, o que aponta para a questão sobre a existência de um mais-além do Édipo para a mulher (Ibidem).

Como consequência deste encadeamento, damos ênfase ao fenômeno da devastação - aspecto que será desenvolvido de modo pormenorizado adiante - resultado do encontro assolador da mulher com o Outro materno, elaboração de origem freudiana acerca desta marca da forte ligação à mãe, uma vez que esta produzirá reflexos em toda a vida amorosa e sexualidade feminina.

Embora a menina não seja inteiramente tributária do complexo de castração, o medo da perda do amor e sua decorrente angústia emergem enquanto correlatos da experiência do menino. Este, a partir da introjeção da autoridade paterna (e sua identificação com este em sua pré-história edipiana - momento em que se supõe haver uma relação harmoniosa e de ternura sem sentimentos de rivalidade relacionados à mãe), tem seu supereu engendrado. Aqui o supereu é qualificado verdadeiramente como herdeiro do Complexo de Édipo. Já nas meninas, Freud assinala que sua formação é resultado, sobretudo, de fatores externos como a educação e a intimidação. Daí sua afirmação de que, nas mulheres, há prejuízos na constituição do supereu decorrentes da dissolução apenas parcial do Édipo.

Com as reformulações realizadas por Freud, a lógica de funcionamento deixa de ser restrita ao desenvolvimento adulto/infantil e tampouco permanece reduzida à assunção de determinada posição fixada pela libido, mas: "consiste no fato de que, para ambos os sexos, entra em consideração apenas um órgão genital, ou seja, o masculino. O que está presente, portanto, não é uma primazia dos órgãos genitais, mas uma primazia do falo" (Freud, 1923/1990d, p. 58).

Freud (1932-1933/1990h) postula, então, que, para o inconsciente, embora haja um "real" do sexo anatômico que conduz ao Édipo, a anatomia desempenha um papel coadjuvante, assim "aquilo que constitui a masculinidade ou a feminilidade é uma característica desconhecida que foge ao alcance da anatomia" (p. 141) e, portanto, independentemente do sexo dado ao nascimento, inscreve-se o falo enquanto marcador da diferença sexual, não havendo registro para os dois sexos. A diferença se construiria, então, a partir da posição sexual diante do falo simbólico, situando-se, assim, entre o ter/não ter o falo, isto é, entre o fálico e o castrado.

O sujeito em sua relação com o falo torna-se essencial frente à determinação da posição masculino/feminino. A partir da fórmula freudiana: ter/não ter o falo, Lacan, como desdobramento dessa comutação, propõe a diferença sexual em termos de ter/ser o falo: o homem na qualidade de possuí-lo parcialmente (pênis investido de valor fálico) e a mulher na qualidade de sê-lo (justamente por não tê-lo), fazendo semblante, reiteradamente, através da operação de mascarada, como desenvolve Joan Riviere, em Womanliness as a Masquerade (1929). Sua função é provocar a pressuposição de algo onde justamente não há.

Lacan estabelece, então, uma nova perspectiva: uma saída para o feminino a partir do posicionamento da mulher enquanto objeto causa do desejo. Daí uma das explicações de sua subordinação ao homem, pois este franqueia a promoção de um suporte significante feminino quando a mulher atribui a ele (em seu endereçamento a ela) uma oferta de "almor".

 

Lacan e o Feminino: Teoria do Gozo e Fórmulas da Sexuação

Lacan, na tentativa de confrontar as dificuldades deixadas por Freud e progredir em seu desenvolvimento teórico, delimita de forma precisa, em seu Seminário, livro 20: Mais, ainda (1972-1973/2008), as diferenças sexuais entre "a parte ditas homem ou bem mulher" (p. 86) a partir de suas modalidades específicas de gozo expostas na tábua da sexuação.

Lacan, ao apropriar-se do "prazer" freudiano, o traduz como Jouissance e este adquire progressivamente estatuto de um conceito psicanalítico. Pode-se dizer que no ensino de Lacan este conceito compõe-se de modos distintos - tem seu surgimento vinculado ao conceito de pulsão e se desdobra, posteriormente, articulado à castração - e possui extrema relevância para a clínica, uma vez que mobiliza toda a dinâmica psíquica do sujeito.

Para Lacan, prazer e gozo não são sinônimos, embora se possam consubstanciar. O prazer produz alívio de tensão e é circunscrito no tempo, o gozo, por sua vez, encontra-se na elevação de tensão ao máximo e tende a não cessar de não se inscrever, rompendo seus limites de satisfação. Pode-se dizer que no prazer há desejo, contemplando uma realização parcial e faltosa. No gozo, não há parcialidade, há apenas força pulsional tentando ir além, na diligência de negar a falta de objeto e a castração.

No prazer, há início e fim, índices promovidos a partir do desejo (que possibilita inscrição no registro simbólico) e prevê alguma satisfação (sempre parcial e faltosa) que produza seu arrefecimento. No gozo, não há fim, apenas pulsação do registro do real, elevando a tensão constantemente sem trégua. Segundo Lacan (1972-1973/2008), o prazer "[...] só se funda na coalescência do 𝓪 com S(Ⱥ)" (p.112), o que significa dizer que o Princípio do Prazer se organiza a partir do encontro do objeto 𝓪, causa do desejo, com o significante do grande Outro barrado que, justamente, por estar sujeito à castração é que o objeto 𝓪 pode suscitar o desejo e a tentativa de realização (sempre parcial naquilo que realiza), acarretando em prazer.

No gozo, não há barramento do Outro, pressupondo-se um gozo absoluto, não castrado - e pode-se dizer que uma das tarefas de uma análise é trazer à tona a inconsistência deste Outro. Sendo assim, o gozo opera a partir da concepção de uma pulsão, Real, que nega a castração, promovendo um objeto "não perdido" nem faltoso, de gozo, e assim a falta é negada. Daí a afirmação de Lacan (1967/2003) de que o prazer impede o gozo, uma vez que este opera considerando a castração.

Lacan define o gozo como oposição ao desejo, uma vez que este tem uma falta (desdobramento da castração) marcada em si: deseja-se porque falta algo, e é o objeto 𝓪 que institui este desejo - "O desejo, portanto, é a lei" (Lacan, 1962-1963/2005, p. 166). O gozo, por sua vez, tenta insubordinar a lei quando opera negando a falta e desta falta faz excesso que permite que se goze.

Como se pode constatar, a elaboração lacaniana do conceito de gozo configura-se como material extenso (distribuído ao longo de seus seminários) e de difícil exploração, resultado da complexidade da psique humana que, além de estar subjugada ao fenômeno, ainda apresenta diferentes modalidades. Neste trabalho, o interesse se volta especialmente ao gozo feminino, resultado da não limitação e subordinação integral à castração e produto do aforisma lacaniano "a mulher não existe". Tal deliberação se dá justamente porque não há elementos da ordem do registro simbólico que possam definir a mulher - sendo esta referida apenas ao falo que não a representa, a não ser por sua negativa.

A tábua da sexuação é um esquema gráfico constituído por sinais e fórmulas matemáticas referenciados a uma série de conceitos psicanalíticos. Esta formulação é resultado de um extenso processo de trabalho e por esta razão, sua elucidação emerge de forma compactada no Seminário, livro 20. Uma vez que o tema da sexuação já estava presente em outras de suas produções, trata-se, assim, de uma espécie de quociente teórico que acarreta uma apresentação sintetizada de laborioso entendimento, contudo essencial para Lacan na tentativa de formalizá-la de forma sistemática e unívoca - com o intuito de evitar as imprecisões e ambiguidades da linguagem. Para tanto, o autor toma a castração como ponto de partida e o significante fálico como indicador das dissemelhanças entre os sexos.

 

 

No lado direito da tábua, deparamo-nos com as proposições femininas ou "a parte mulher dos seres falantes" (Lacan, 1972-1973/2008, p.107), como define Lacan, que impossibilita a asserção de fórmulas universais. Aqui encontramos: - Não existe ao menos um x que não esteja submetido à função fálica, ou seja, todo ser falante que esteja localizado deste lado da tabela está subordinado à castração. Sem a existência de exceção à regra, como no lado masculino.

Em termos matemáticos torna-se inviável a aplicação universal do princípio e a formalização de um coletivo "A Mulher", correspondente a "todas as mulheres". Localiza-se aí a origem do embasamento teórico de Lacan ao afirmar que "A mulher [na qualidade de um grupo genérico] não existe", representando também sua incapacidade de universalidade na segunda proposição - Para não-toda mulher é verdadeiro que a função fálica opera. A expressão "não-toda" representa a particularidade de que parte do sujeito que se encontra deste lado da tabela está submetido à castração e outra parte não.

Posto isto, "Uma" mulher pode responder parcialmente à função fálica, que encontra inscrição no registro Simbólico e parcialmente também está sob o registro do Real. Daí a afirmação de Lacan referida em Televisão (1974/1993), quando se pronuncia a respeito da loucura feminina, desdobramento direto de sua relação com o Real. Loucura esta que, embora propínqua, não é integral e nem único modo de subjetividade uma vez que o Simbólico provê outras vicissitudes em sua expressão.

Uma vez que não se pode formar um conjunto universal do lado feminino e, deste modo, não há correspondência lógica entre ambos os segmentos, a relação entre os sexos se dá de modo comprometido. Assim também se justifica o axioma lacaniano: "Não há relação sexual", uma vez que logicamente é inexequível a relação de "o" homem com uma mulher "não-toda", aspecto ratificado na parte inferior da tábua com as respectivas modalidades de gozo.

Na seção inferior à cisão, Lacan indica os modos de gozo referentes a cada posição sexual. Enquanto o gozo masculino é cerceado pela função fálica, isto é, impossibilitado de infinitude e circunscrito pelos significantes, a mulher, por sua vez, ao não encontrar-se universalmente submetida à função fálica, está sujeita a ambas as modalidades, o gozo fálico, limitado, e outro gozo, ilimitado, fora da ordem significante. Daí a dificuldade em circunscrevê-lo discursivamente.

A parte feminina inferior da tábua vincula Uma mulher ao significante fálico, que se encontra do lado masculino. Tal indicação demonstra que há alguma relação feminina com a castração e, portanto, algum acesso ao registro simbólico. Uma mulher pode buscar em um homem, portanto, o significante do falo e "não há limites às concessões que cada uma faz" (Lacan, 1974/1993, p. 70), de modo que, potencialmente, se podem sujeitar ao que for necessário, inclusive a assumir a posição de objeto 𝓪, franqueando suas fantasias. Aqui, adquirir estatuto de objeto, como estabelecido por Lacan em Diretrizes para um congresso sobre a sexualidade feminina (1958/1998), implica em promover-se como "padrão fálico que suporta o fantasma" (p. 733). Embora tal posição se justifique por sua necessidade de ancoragem na significação, produz, igualmente, um fictício recurso para a feminilidade pois, como veremos logo abaixo, a posição feminina implica, propriamente, em ser o Outro para si e para o homem.

Além desta modalidade de gozo, outra possibilidade é apresentada: a seta que parte de Ⱥ e se dirige a S(Ⱥ), que também se encontra do lado feminino, remete-se a um gozo que não está subjugado à função fálica - trata-se aqui de um gozo "suplementar", e não "complementar" como escreve Lacan (1972-1973/2008, p. 99). Lacan opta por esta nomenclatura para marcar sua não-complementariedade ao gozo fálico, não possibilitando a configuração de um "todo" feminino. O que interessa ao autor é sua particularidade no que diz respeito à ausência de significantes para circunscrevê-lo, isto é, sabe-se de sua existência pela experiência, mas esta resiste à ordem discursiva e daí sua vinculação ao enigma.

Segundo Laurent (2012, p. 9): "[...] tornar-se mulher é a escolha forçada de uma particularidade. Esta tem relação com o modo pelo qual o gozo afeta o corpo feminino, sem que um órgão específico venha responder a isso". A mulher, por estar não-toda referida à função fálica, possui acesso, também, a um outro gozo, o gozo do Outro, suplementar ao gozo fálico. Dada sua condição de fora-da-linguagem, o gozo feminino, compõe-se, segundo André (1998, p. 214) a partir de uma aproximação ao real, ao indizível, conferindo à feminilidade uma lógica que se traduz, de acordo com Hanna (2012), por "uma satisfação desarticulada do sim e do não e, portanto, aberta a um gozo que é da ordem do infinito" (p. 128), defrontando, assim, a significação fálica. Segundo Vieira (2012, p. 186), o não-todo feminino implicaria numa "satisfação paradoxal, desintegral, sem limites e sem totalização possível, mais próxima do abismo ou do sentimento oceânico de Freud" - daí sua aproximação também a Deus: "É na medida em que seu gozo é radicalmente Outro, que a mulher tem mais relação com Deus" (Lacan, 1972-1973/2008, p. 111).

Esta formulação é resultado da conjugação de uma mulher com o Outro e Lacan O identifica a Deus, atribuindo um lugar de verdade, algo de ordem divina, um Ser que está para além da ordem fálica e, portanto, real - "insignificável" e do qual nada se pode dizer a não ser pela experiência - "Esse gozo que se experimenta e do qual não se sabe nada, não é ele [...] uma face do Outro, a face de Deus, como suportada pelo gozo feminino?" (Lacan, 1972-1973/2008, p. 103).

Lacan, então, ao produzir uma vinculação entre a mulher e Deus, discorre acerca de sua mística e cita Santa Teresa D'Ávila - cuja escultura, do italiano Gian Lorenzo Bernini, ilustra a capa do Seminário, livro 20 - que teria experimentado este gozo supremo, como evidenciado na concepção da estátua. Assim, outra inferência se produz: se uma das possibilidades para uma mulher é construir uma parceria amorosa cujo objeto está do lado masculino e, portanto, do lado fálico da tábua, na seta que a vincula ao Outro, a parceria ultrapassa a função fálica e esta união seria com Deus.

 

Da parceria amorosa à Devastação

Diante da inexistência de um significante que represente a mulher, a questão feminina se desenrola num enigma que a impele a uma contínua tentativa de promoção de uma identificação feminina. Assim, como afirma Caldas (2011), ao hiato da falta, é atribuída ao amor uma resposta, despontando-se como refúgio simbólico, um artifício na tentativa de preenchimento da angústia e de suplência à ausência significante. É através do amor que uma mulher pleiteia reparar sua "falta de substância", da qual ela responsabiliza o Outro. De acordo com Poli (2007, p. 288), "o amor é suplementar à falta do gozo sexual. Mesmo que seja uma crença enganosa, poder amar é uma decorrência da castração. É, de alguma forma, um deixar-se enganar".

Lacan define o amor como "o encontro, no parceiro, dos sintomas, dos afetos, de tudo o que em cada um marca o traço do seu exílio da relação sexual" (1972-1973/2008, p. 198). Tal assertiva resulta num laço com o Outro sempre intermediado pelo sintoma no empreendimento de uma ancoragem identificatória. O aforisma lacaniano "não há relação sexual", implica na ratificação da falta de complementariedade, a impossibilidade de fazer Um, visto que só há representação para um sexo no inconsciente e um objeto jamais corresponderá integral e plenamente ao desejo do sujeito. Assim, o sintoma se inscreve como suplência, possibilidade de, a partir do gozo (do corpo do Outro), constituir-se uma parceria amorosa.

A partir da lógica anteriormente exposta, o sintagma parceiro-sintoma é estabelecido por Miller (2008). Nas parcerias amorosas, o "sintoma inscreve-se no lugar do que se apresenta como falta, falta do parceiro sexual natural. O sexo não designa um parceiro sexual natural, é insuficiente para emparelhar" (Miller, 1998a, p. 30). Em outras palavras, no lugar da falta, dá-se o amor enquanto sintoma possível, o que implica na condição de que toda parceria amorosa se estabeleça sintomaticamente. Desse modo, o sintoma atua enquanto parceiro do sujeito à medida que comporta um gozo que aprovisiona a não existência da relação sexual.

Considerando-se as idiossincrasias do feminino, a psicanálise designa o termo "devastação" a um tipo específico de parceria amorosa, inicialmente encontrada na relação entre mãe e filha, que é favorecida pelo ilimitado do gozo do Outro e tende a levar a mulher ao desmoronamento, dissolução de si mesma, à posição de objeto-dejeto.

Frente à castração, "imaginariamente o homem perde apenas um pedaço, a mulher se perde toda" (Barros, 1998, pp. 173-174). Na tentativa de evitar tal encontro e na perda de seu suporte identificatório, qualquer posição suposta como objeto (de amor) do outro se apresenta válida para a mulher, mesmo que tal arranjo implique em seu aniquilamento.

Como escreve Miller (2003), no feminino, há sempre um foco de devastação, uma vez que não há lei que possa resguardá-lo. Daí a associação da loucura à mulher que, pela via do amor, de sua forma louca de amar, não encontra "limites às concessões que faz para um homem: de seu corpo, de sua alma, seus bens" (Lacan, 1973/2003, p. 540). É importante ressaltar que a relação de parceria amorosa é um segundo tempo na devastação. Freud afirma que "uma mulher repete com o homem a relação que tem com a mãe" (Miranda, 2009, p. 318), resultado da não destruição/superação plena do Édipo.

[...] nas mulheres, o complexo de Édipo constitui o resultado final de um desenvolvimento bastante demorado. Ele não é destruído, mas criado pela influência da castração; [...] e, na verdade, com muita frequência, de modo algum é superado pela mulher (Freud, 1931/1990g, p. 238).

Para o autor, como explicitado anteriormente na configuração do Complexo, a figura materna (ou seu correlato) representa o primeiro objeto de amor para todo ser humano, o "Outro primordial", nas palavras de Lacan. Como estabelece Freud, a menina, ao se dar conta de sua própria castração, culpabiliza a mãe e seu amor se converte em ódio. O amor é redirecionado, então, ao pai. Assim, pode-se dizer que a menina se identifica primeiramente à sexualidade masculina (pré-Édipo) e, depois, à ausência de uma sexualidade propriamente feminina (Édipo) - o que garante os previamente mencionados contornos enigmáticos à mulher devido à volubilidade de suas posições frente à linguagem pós-Édipo (fálica e não-fálica).

Diante da impossibilidade de receber o falo e através de um deslocamento simbólico, o amor antes investido na figura materna transforma-se no desejo de conceber um filho do próprio pai numa tentativa de substituir o falo perdido e, aqui, a maternidade se configura como instrumento na construção de uma possível feminilidade. Ainda que haja mudança de objeto, contudo, algo da menina permanece fixado à mãe e uma possível explicação pode ser encontrada no fato de que a menina só adquire algum assenso à castração da mulher quando há um deslocamento para a figura materna. Se, para Lacan, a mulher não existe, a mãe, por sua vez, existe. Entretanto, uma identificação com a figura da mãe não é capaz de dirimir a questão da feminilidade: "[...] "maternidade" não é "feminilidade" e, de resto, a identificação à mãe é fundamentalmente ambivalente, já que a mãe é também privada de pênis e, portanto, essencialmente desvalorizada para a filha" (André, 1998, p. 212). Tal formulação é imprescindível ao desenvolvimento do fenômeno da "devastação feminina".

Lacan utiliza-se do termo ravage, traduzido como "devastação", em dois momentos de sua teoria. Utiliza-o inicialmente para referir-se à relação da filha com sua mãe e, posteriormente, para referir-se à relação de uma mulher com um homem, objeto eleito a partir da tentativa de reprodução da boa relação edípica com a figura paterna enquanto referência. O que se encontra é, entretanto, uma repetição de aspectos pré-edípicos vivenciados no vínculo com a mãe (regressão ao objeto original; a ligação com o pai emerge a partir desta).

O psicanalista francês recupera o termo a partir de Freud e sua concepção de "catástrofe", descrita em A sexualidade feminina (1931/1990g), como sinônimo teórico do laço pactuado entre a menina e sua mãe (herdeiro da Penisneid), sendo o ódio seu precursor - afeto explicado em seu texto pela potência e expressividade do amor anterior à sua violenta decepção. A catástrofe, para Freud, consistiria na manutenção do vínculo original com a mãe, sem mudança de objeto. Desta forma, a figura materna é responsabilizada pela falta da filha que, em articulação com uma suposta posição masoquista, gozaria deste lugar em uma infinita e desesperada demanda de amor (Drummond, 2011).

Com a continuidade da leitura lacaniana a respeito desta questão, Lacan a ressitua. Drummond ressalta a importância do pai, que como terceiro, permitirá à criança "ser significada" (Ibidem) e permitirá que sua falta seja simbolizada com a entrada no Édipo.

Uma condição para essa orientação em direção ao pai é a relação da mãe com sua satisfação ou insatisfação como mulher. É preciso que a filha se desloque da posição de saturar a falta da mãe. Se a mãe não se divide pela troca fálica, se ela é toda mãe, permanece o objeto único da filha única. A criança pode permanecer na posição de fetiche da mãe, ou ainda, converter-se num dejeto (Ibidem, p.8).

Assim é a posição da devastação para a menina, descreve a autora. Quando a falta não pode ser metaforizada, pode-se dar a manutenção da operação no registro na demanda que sempre retorna. Este retorno pode-se configurar especialmente nas relações de amor, franqueando facilmente a entrada de um arrebentamento perigoso através da dificuldade estrutural do gozo feminino, sempre na procura de um significante no Outro de uma identificação feminina impossível.

 

Psicanálise e Literatura: Freud com Zweig

Sabe-se que a Psicanálise se constitui com o auxílio de saberes provenientes de diversas áreas do conhecimento. A Literatura, entretanto, ocupa um posto sui generis na perspectiva freudiana e a aproximação entre os dois campos mostra-se prolífica. Em termos metodológicos:

[...] a literatura pode compor-se como artifício não apenas de verificação e demonstração teórica, isto é, como fator de convergência da teoria psicanalítica já estabelecida, mas também como instrumento inverso: as letras aplicadas à psicanálise na tentativa de defrontar-se no texto literário com aquilo que ainda não se dá de forma bem articulada na teoria, engendrando-a como um modo privilegiado de acesso ao saber (Kehl, 2019a, p. 532).

Pode-se dizer que, de certa forma, o escritor austríaco Stefan Zweig (1881-1942) foi uma celebridade. Descrito por seus principais biógrafos como um dos autores de língua alemã mais conhecidos e lidos de sua época, teve sua obra traduzida para dezenas de idiomas e publicada em diversos países. Suas narrativas têm sido exploradas com sucesso pelo cinema desde os anos trinta, e, até hoje, Zweig se firma como um dos escritores mais adaptados em termos cinematográficos e, também, para as telas da televisão.

Era fascinado pelos homens e mulheres que escreveram seus nomes na História, fossem eles seus contemporâneos e amigos - como Sigmund Freud (a quem dedica uma de suas biografias), fossem eles apenas seus biografados - como Dostoievski, Dickens, Balzac, Nietzsche, Erasmus, Maria Antonieta, para citar apenas alguns dos nomes mais insignes.

Para além do vínculo de amizade entre Zweig e Freud, sabe-se que este cita o romancista em sua obra e supõe-se, inclusive, de um transitório laço analítico. A troca de correspondências realizada por eles estendeu-se por mais de trinta anos, até a morte do médico vienense. Segundo Kehl (2019b, p. 90), "[...] Zweig foi influenciado pela leitura da obra de Freud e pelo vínculo pessoal de admiração mútua mantido entre os dois, assim como é público e manifesto que Freud estabeleceu-se como leitor fiel dos textos do autor". Freud afirma acerca do autor, em uma carta enviada em setembro de 1926: "Usted es del tipo observador, alguien que escucha atentamente con benevolencia y afecto, luchando por comprender lo que es inquietantemente excesivo" (Freud, 1926/2004, p. 29). Como descreve Kehl:

Nas criações literárias de Zweig, predominam textos marcados pela presença de mulheres como protagonistas - com seus dramas, tragédias, sua dor e morte que resultam de seu encontro com um mundo masculino (Kehl, 2019b, p. 91).

Superar a relativa ausência de personagens que expressem a riqueza subjetiva da sexualidade feminina na literatura, sobretudo aquela literatura mais afetada pela "moral vitoriana", torna-se para ele um desafio e uma obsessão. Que a expressão do feminino como o outro de um mundo masculino tenha sido o caminho que levou Zweig a aprimorar sua capacidade de descrever dinâmicas psíquicas não é de todo estranho. A psicanálise, ela mesma começa voltando-se para um duplo outro: o feminino e a histeria.

É através destas personagens femininas que Zweig melhor delineia as dinâmicas psíquicas e o faz de forma sutil, com extrema qualidade estética e sensibilidade, evitando esquematismos pseudodidáticos ou apenas o exercício bajulador de ilustrar as teses formuladas pelo amigo e pai da psicanálise. Sua visão de tais dinâmicas, como veremos adiante, antecipa as próprias formulações teóricas de Freud e da psicanálise (Idem).

A literatura de Stefan Zweig é muito precisa e valiosa ao retratar a mulher (e também homens que se colocam numa posição subjetiva feminina - para os quais os semblantes fálicos desnudam o vazio que ocultam), nas diferentes manifestações de sua possibilidade desmedida de gozo. Tais expressões dão-se principalmente através da via do amor e seus efeitos mais radicais como a loucura, devastação e parcerias amorosas sintomáticas - enfim, dos mais diversos exemplos e demonstrações que expõem suas infinitas e impossíveis tentativas de se fazer Um.

 

Carta de uma Desconhecida

 

 

Carta de uma desconhecida, novela da autoria de Stefan Zweig publicada em 1922, apresenta uma série de particularidades profícuas no que se refere à análise do feminino e suas contingências. O texto narra, prevalentemente em primeira pessoa, a história de uma mulher e sua relação devastadora com um homem que nunca a reconheceu como parceira amorosa. Aos personagens não são atribuídos nomes próprios, embora ao homem, romancista vienense, saibamos ao menos a primeira letra de seu prenome, a inicial "R".

Zweig já nos apresenta no título de seu texto a ausência de significante que marcará duplamente esta mulher: sem representação de sua posição feminina no inconsciente e sem um nome não apenas na narrativa, mas também para o homem que amou, para quem sempre foi uma desconhecida. A narrativa se dá através da uma metaescrita: uma escrita sobre a escrita que retrata, dramaticamente, as perdas de uma mulher: perda de seu filho, de seu parceiro imaginário e de si mesma.

A personagem desconhecida inaugura sua carta, enviada sem identificação do remetente, marcando seu sabido lugar de anônima - "A ti, que nunca me conheceste" (Zweig, 1922/1981, p. 179) - e relata ao destinatário detalhes sobre a morte de seu filho, acontecimento que motiva de forma clara a escrita de seu texto. Embora a mulher perceba sua desimportância na vida do homem, o considera a única pessoa e interlocutor que restou em sua vida, aceitando a atribuição de um papel qualquer/de dejeto: "Agora eu só tenho a ti no mundo, somente a ti que nada sabes a meu respeito" (Idem, p.180).

A mulher relaciona-se intimamente com este homem ocasionalmente por poucas vezes ao longo da sua vida. Embora seu amor inesgotável tenha sido mantido em seu cotidiano, ela nunca o pôde revelar a não ser através da carta, e após "deixar-se" morrer enquanto premissa: "Mas não conhecerás o meu segredo senão quando eu estiver morta [...] se eu sobreviver, rasgarei esta carta" (Idem, p. 181). A modalidade de laço estabelecido imaginariamente e reforçado pela personagem de maneira vigorosa e repetitiva durante toda a sua carta expõe a seriedade e extensão de seu processo devastador. O homem representava tudo para aquela mulher - refletindo seu próprio cosmos: "a vida que verdadeiramente só começou no dia em que te conheci" (Zweig, 1922/1981, p. 181).

A mulher anônima conhece o escritor desde sua infância, quando o literato, culto e detentor de consideráveis recursos financeiros, torna-se vizinho de sua família sem muitos dotes (em termos financeiros e de erudição). Mesmo antes de sua chegada ao apartamento, apenas atentando-se aos objetos e móveis da mudança, observa-se no relato da personagem uma enorme expectativa e o despertar da criação de uma narrativa na qual atribui ao homem características de um indivíduo mais velho, de barbas brancas, "semelhante ao nosso professor de geografia, mas muito mais amável, muito mais belo e mais doce" (Idem, p. 184). É inevitável a articulação desta figura com a figura paterna, correlação que a personagem faz mais adiante:

Tudo o que aparecia e desabrochava em meu ser não refletia se não a ti, não sabia mais o que sonhar de ti, e desejava tomar-te por confidente. Meu pai estava morto há longo tempo. Minha mãe era-me indiferente, em sua eterna tristeza, seu abatimento e suas aflições de viúva que só tem para viver a sua pensão (Idem, pp. 186-187).

Observa-se a figura de uma mãe ausente do ponto de vista da personagem que produz efeitos na constituição da subjetividade da menina em relação a sua busca pelo amor, apoiada em suas perdas significativas. Com a ausência do pai e a indisponibilidade da mãe, sua demanda de amor transfere-se ao estranho vizinho, que ocupará este lugar fixado de objeto de amor.

O homem, na qualidade de objeto, recebe predicados da mulher que lhe conferem ares de santidade. Ela relata o respeito quase religioso que o empregado doméstico do romancista, João, o tinha: "quando pronunciava [seu] nome, era sempre com uma certa reverência" (Idem, p. 183), e ela mesma lhe concede "uma auréola de singularidade e de mistério" (Ibidem), evocando inconscientemente a imagem de um anjo, santo, ou Deus, enfim... de um salvador: "Não vi outra salvação senão tu" (Idem, p. 190). Esta imagem, entretanto, fragmenta-se quando ela finalmente o vê:

[...] quão profunda foi a minha surpresa por verificar que eras tão diferente do que imaginara, sem nenhuma parecença com a imagem do Padre-Eterno [...] eu havia sonhado com um bom velhinho de óculos (Idem, p. 184).

Tratava-se, então, de um homem jovem. A mulher começa a expor certa ambiguidade em seus sentimentos motivados pelo "duplo caráter" (Idem, p. 185) do personagem: o pai-salvador fantasioso e a figura do homem jovem, ratificada por um processo de identificação às mulheres que o escritor recebia em sua casa, vislumbrando-se, assim, um outro modo de laço, através do amor: "eu não sabia, tão tolinha eu era, que já era amor" (Ibidem).

Além da fantasia de salvação, também se vê com clareza a desmesurada idealização do escritor, ambas resultantes de sua vivência de abandono materno e orfandade paterna: "não tinha ninguém para instruir-me e advertir-me" (Idem, p. 186). Tal citação também nos remete ao supereu feminino frágil, como assevera André em O que quer uma mulher? (1998).

Considerando-se os esforços da mulher para reproduzir em sua vida pessoal determinadas atividades para que se "assemelhasse" ao homem (leitura e estudo musical, por exemplo), vemos que a idealização opera em duas direções: no sentido de atribuir uma infinidade de aspectos de ordem imaginária à natureza do escritor, sem nenhum dado de realidade, de modo que ele corresponda ao seu objeto de amor, e também como manifestação de um encontro que possibilitaria a constituição de um ideal-do-eu, conceito desenvolvido por Freud em 1914 (1990c). Assim, o amor pode ser pensado não apenas pelo viés da falta, da castração, da tentativa de completude, mas também na procura por um outro eu, um eu-ideal, digno de amor - o desejo reconhecendo a alteridade (objeto) e o amor narcísico de um vínculo fundamentado na especularidade.

Assim, encontramos no texto o amor inicialmente infantil, da criança, em relação ao Outro primordial, como caracteriza a passagem:

Nada sobre a terra se assemelha ao despercebido amor de uma criança obscurecida, a esse amor tão desinteressado, tão humilde, tão submisso, tão cuidadoso e tão apaixonado que jamais poderá ser igualado ao amor, feito de desejo, e apesar de tudo, exigente, de uma mulher. Só as crianças solitárias podem guardar consigo a sua paixão (Ibidem).

E também a passagem para o amor romântico, do desejo que adquire outro caráter: "esse único fato foi suficiente para fazer uma mulher da criança" (Ibidem). Para a desconhecida, a sua relação com o escritor era um "traço-de-união", ainda que reconhecidamente desmedido, que a prendia ao mundo, uma forma de amor e amar que justificava sua própria existência.

A personagem reconhece sua adoração e fanatismo pelo homem, o que também nos remete aos escritos de Freud sobre a religião em O Futuro de uma Ilusão (1927/1990f). Neste trabalho, Freud demonstra como a representação de Deus (ou correlatos), atua como protótipo da figura paterna e essa vinculação consiste "na relação do desamparo da criança com o desamparo do adulto" (Freud, 1927/1990f, p. 11). Assim, a figura protetiva e também punitiva do pai na infância é substituída e atualizada na imagem de Deus. Esta sintética exposição descortina, mais uma vez, a correlação estabelecida entre o desamparo estrutural fortemente marcado na mulher, sua fantasia de abandono e a figura do romancista enquanto Deus-pai-salvador."Mas para que contar tudo isso, esse veemente fanatismo desencadeando-se contra mim mesma, esse fanatismo tão tragicamente desesperado de uma criança abandonada?" (Zweig, 1922/1981, p. 193).

Lacan, em um momento avançado de seu ensino, articula a mulher com Deus, afirmando que "Dios es la mujer vuelta toda" (Lacan, 1974-1975/2002, p. 19). Assim, o texto de Zweig pode revelar dois aspectos importantes: a personagem "toda", livre de seu desamparo por este deus-escritor tornando-se o próprio Deus por identificação a ele, e também evidencia sua disposição e tendência psíquica a um gozo devastador que almeja a tudo, como aquele que é atribuído a Deus, o grande Outro.

Esta breve correlação também fornece auxílio para uma hipótese de compreensão do porquê da revelação do amor da personagem na carta apenas após sua morte. Sua concepção de si como "criança abandonada" constitui-se como evento de ordem traumática, mas também fantasia promotora de gozo. Esta dualidade faz com que a mulher ao mesmo tempo procure inconscientemente reviver o abandono a cada tentativa malsucedida de aproximação de R. e ao mesmo tempo se afaste da possibilidade efetiva de encontro amoroso através de sua revelação, uma vez que o homem representa Deus-pai, amado e temido.

Em relação às investidas amorosas, a desconhecida sempre se responsabilizou pelo seu insucesso e tinha para si, como subterfúgio, o fato de nunca ter sido absolutamente clara, confidenciando seu amor infinito. No que diz respeito ao seu "segredo", este se justifica pelo medo da perda do amor - se aquele homem era tudo para ela frente ao seu desamparo, perdê-lo e ser rechaçada em seu amor corresponderia a morte de si mesma. No fim, o desamparo que subsidiava seu amor, também subsidiou sua morte devastadora.

No tocante à devastação, também encontramos uma referência em Lacan (1972/1973/2008) no que diz respeito ao gozo místico. Ele se acerca ao gozo feminino uma vez que "na medida em seu gozo é radicalmente Outro que a mulher tem mais relação com Deus" (p. 111). Como sabemos, o termo "devastação" remete a um estrago que não reconhece limites e implica na possibilidade de um homem se tornar uma catástrofe para uma mulher, porém, como evoca Miller: "também pode ser o modo pelo qual acontece o seu deslumbramento" (1998b, p. 115). Deslumbramento entendido como um deleite, regozijo, êxtase, algo místico, contraposição à violência da devastação. Assim, considerando-se a duplicidade do fenômeno, constatamos que é com certa facilidade que uma mulher pode oscilar entre os dois registros. A devastação pode-se conformar sempre que o amor se mostrar como engano, engodo.

A mulher, uma adolescente de 13 anos quando conhece o romancista, vive durante três anos com sua mãe em apartamento contíguo, observando-o diariamente. Quando, todavia, a viúva aceita uma proposta de casamento, a família muda-se para uma cidade mais distante. A mulher relata em sua carta a dor com a qual vivenciou tal experiência, a separação de seu objeto de devoção, relação imaginária que se caracterizava até então como ausente de qualquer tipo de interação propriamente falando.

Na descrição de seu processo de luto, seu discurso adquire evidente caráter masoquista: "Não queria viver feliz e contente longe e me refugiava em um mundo sombrio e feito de solidão e de tormentos, que eu mesma me impunha" (Zweig, 1922/1981, p. 192). Trata-se aqui de uma leitura que representa tal estado psíquico como uma "mortificação masoquista, onde o sujeito manifesta-se através de um anulação de si" (Fortes, 1999, p. 122), posição referenciada à passividade de um possível masoquismo que produz a expectativa de um benefício: "a proteção do outro frente ao seu próprio desamparo" (Idem, p. 125) ou apenas reflete a "mascarada masoquista", e assim "pode tomar a forma do masoquismo para assegurar o amor do homem, campo onde ela vai assentar seu ser. No masoquismo, a referência é a um gozo que quer realizar-se pela dor" (Fortes, 1995, p. 118).

Ao pensar a relação entre masoquismo e feminilidade, lembremo-nos de que Freud (1932-1933/1990h) recrimina a tentação de estabelecer os dois conceitos como sinônimos. Encontramos, então, seu elo no gozo feminino, principalmente naquele que se exprime na parceria amorosa, resultado da passividade feminina, isto é, aquele que se coloca fora da soberania fálica, ofertando-se como objeto causa do desejo para o outro. Com o passar do tempo, o amor da desconhecida por R. adquire matizes cada vez mais restritas à possibilidade de parceria amorosa:

Minha paixão por ti ficou a mesma, somente ela se ia transformando com o meu corpo: à medida que os meus seios cresciam, ela se tornava mais ardente, mais concreta, mais feminina [...] era agora o meu único pensamento 'dar-me a ti, abandonar-me a ti' (Zweig, 1922/1981, p. 193).

Aqui temos mais uma vez uma oscilação na posição amorosa assim como a marca do significante do abandono. Até para entregar-se a alguém, a mulher deveria abandonar a si mesma. O abandono constitui-se, então, como destino.

Após negar a si mesma a chance de dar prosseguimento a sua vida sem R., a personagem retorna a Viena porque "desejava ser apreciada [por R.], queria ser amada [por R.]" (Idem, p. 194). Aqui vemos o que quer esta mulher: ser objeto de amor, de desejo. Ao observar o escritor regularmente acompanhado por mulheres diferentes, relata ter sua alma dilacerada ao presenciar em certa ocasião uma "intimidade pública e carnal com outra mulher" (Idem, p. 195) e entende que teria que transformar-se para merecer ser objeto deste olhar que visa à mulher, "penetrante até a carne" (Ibidem).

Concebe, então, uma nova estratégia de aproximação. Diz ter conseguido atrair para si o olhar do romancista, que não a reconhece do passado e provoca um enorme desapontamento, desencadeando um fluxo de consciência que evidencia mais uma vez o abandono como seu significante-mestre: "Imaginara [...] que tu me repelirias, que me desdenharias" (Idem, p. 196).

Contrariando suas expectativas, R. se dirige à mulher e a convida para jantar, de modo que ao fim, dirigem-se ao apartamento do escritor e lá tem uma noite de amor. A mulher anônima não oferece nenhuma resistência e entra num estado de deslumbramento após o ato. Os encontros seguiram-se por alguns dias, até que R. comunica que partiria em uma viagem e não volta a dar notícias.

A personagem, num momento de reflexão, expõe claramente saber de seu lugar desvalorizado, quando diz ser apenas "uma mulher em cem" (Idem, p. 197), aceitando, ainda assim, esta posição como contrapartida a qualquer ato ou mínima demonstração que fosse entendida como signo de amor. Aqui, encontramos referências à psicologia do amor de Freud (1912/1990b) e a depreciação do objeto no que diz respeito à dificuldade dos homens em combinar sexualidade e amor na relação objetal. Segundo o pensamento freudiano, há uma tendência dos homens em se resguardar do amor, depreciando a mulher enquanto objeto para dar espaço ao desejo sexual.

Da relação pontual entre a personagem e o escritor nasce um filho, do qual R. nunca havia tomado ciência até o recebimento da carta. Há uma substituição do objeto de amor da mulher anônima pela projeção da figura do homem no filho - "a criança era tudo para mim; ela vinha de ti; ela era tu mesmo" (Zweig, 1922/1981, p. 202) - o que, por uma questão de economia libidinal (como Freud nos apresenta em Sobre o Narcisismo, de 1914/1990c) aplaca seu amor desesperado e urgente.

"Parecia-me que me libertava da perturbação que me havias lançado na alma, que fugia ao meu mau destino, que estava salva, enfim, por esse outro ser, que era tu mesmo, mas que era verdadeiramente meu. E raramente, só muito raramente, me lembrava humildemente de ti" (Idem, p.204).

Nesse sentido, todo o peso do amor é transferido para a figura da criança, capaz de produzir deslumbramento apesar de todas as adversidades (como o nascimento do bebê num hospital público, com condições precárias em meio à miséria) e a mulher anônima tem plena consciência disto: "Eu te possuía enfim. Eu te podia viver e crescer em minhas veias. Ser-me-ia dado nutrir-te, amamentar-te, cobrir-te de carícias e de beijos quando a minha alma fremisse de desejos" (Idem, p. 202)

Esta passagem é essencial para ilustrar como a conduta de uma mãe, de fato, é sexualizada - a genitora que cuida de seu filho é a importante figura da sexualidade infantil, erogeneizando reiteradamente o bebê. E, no que diz respeito à dinâmica da falta, Zweig é muito hábil em adiantar vários elementos ainda não elaborados pela psicanálise naquele momento, principalmente no que se refere aos enigmas da feminilidade.

Ser necessária para a criança fazia com que o amor da personagem por R. se tornasse menos doloroso. Com o intuito de poder proporcionar uma vida melhor ao filho, a mulher, em suas palavras, "vende-se". Vender-se aqui diz respeito ao sexo como modalidade de laço social suficiente e aceitável para e com outros homens, o que demonstra a clareza que pôde desenvolver em relação às diferenças entre o sexo e o amor, guardando-se para amar e ser amada somente por R. Ao referir-se a outros homens diz que "mesmo as suas mais profundas paixões, não tocavam o meu coração [...] queria estar à disposição [de R.]" (Idem, p. 206).

A mulher desconhecida relata algumas de suas parcerias, questionando-se do porquê de outros homens terem podido amá-la até mesmo de forma paternal, e R. não. O destino produziu um encontro dos dois ao acaso em um dancing, e o casal termina mais uma vez na casa do escritor e têm relações íntimas. Do luxo ao lixo, do arrebatamento à devastação: assim foi definido o encontro.

O contato e o convite são entendidos como signo de amor e a relação sexual fragmenta sua fantasia, uma vez que "jamais notara em um homem, em suas carícias, um abandono tão absoluto do momento presente" (Idem, p. 210), o que denota seu distanciamento subjetivo, confirmado quando a mulher nota que ele não a reconhece mais uma vez - aqui, novamente, o gozo com o suposto abandono está presente. Por fim, quando deixava o apartamento, R. coloca em sua bolsa algumas cédulas de grande valor: para ele, tratava-se de uma prostituta - posição insuportável para a mulher anônima que não é capaz de suportar este lugar tão somente de objeto depreciado.

João, o empregado doméstico, a reconhece: "Nesse segundo, ele me compreendeu, melhor que tu em toda a tua existência. Todos os homens, todos foram bons comigo, tu, só tu me esqueceste" (Idem, p. 212). Em outras palavras, o que se pode entender é que a desconhecida diz ter sido abandonada por Deus.

Com a morte do filho, desdobramento de uma grave doença, o objeto de amor (ainda que por deslizamento significante) que podia possuir e a mantinha viva, deixa de existir. Há, então, uma espécie de curto-circuito que a remete ao objeto secundário: o homem - pois o "original" é a mãe. Ao dar-se conta da impossibilidade de ser legitimada e da concretude da parceria amorosa e, reconhecendo sua "loucura", numa atitude drástica, a mulher "abandona-se" à morte. "Se sofresses com a minha morte, eu não morreria" (Idem, p. 213).

Metaforicamente, quando a mulher anônima finalmente pôde escrever alguma coisa de si - talvez por identificação à atividade de R. como objeto de amor narcísico promotor de um ideal do eu - colocando-se numa posição ativa frente a seu próprio desamparo, seu desejo só consegue guiá-la para a morte, e o extingue na devastação de seu próprio abandono de si. Ela afirma: "Eu não creio mais em Deus" (Idem, p. 214), e sem Deus não há salvação, proteção ao seu desamparo e esperança de uma vida possível. Aqui, aposta-se também no ato da escrita da carta como recurso que possibilita o adiamento desse gozo fatal.

 

Considerações Finais

Considerando-se as possibilidades de articulação entre Psicanálise e Literatura, o presente artigo evidencia como esta opera como possível recurso de ilustração teórico-conceitual e também antecipação de elementos daquela. A data de publicação da novela, 1922, revela como Zweig pôde prognosticar e prever de forma notória aspectos da teoria psicanalítica que seriam desenvolvidos somente tempos depois por Freud e Lacan.

Se, para a psicanálise, o feminino se encontra também no real, no domínio do indizível, o texto de Zweig, Carta de uma desconhecida (1922), através de uma metaescrita pôde aproximar-se de uma escrita feminina e do feminino que, por fim, narrativa e dramaticamente, culmina rigorosamente no trágico do gozo feminino apresentado na novela.

No título deste artigo, encontramos a homofonia no termo "aspirações" que implica semanticamente em três aspectos: no querer das mulheres, em suas possibilidades de loucura franqueadas estruturalmente pelo feminino e pela devastação e, por último, no verbo aspirar, que significa inspirar (provocar inspiração) ou respirar - movimento respiratório que implica na absorção de oxigênio, fenômeno essencial para a sobrevivência humana. Respirar é o que garante a vida.

Posto isto, ao tentarmos definir a expressão de acordo com os objetivos deste trabalho e questionando/apontando o que são, de fato, as(pirações) femininas, temos como resposta: é aquilo que pode levar à loucura, mas também inspira e pode levar ao deslumbramento; é aquilo que se busca porque é essencial à vida, à existência feminina: o amor. Vale ressaltar que aspirar pode transformar-se em devastação/arrebatamento justamente quando se torna apenas gozo. Aspirar converte-se, portanto, em "piração" justamente quando se conforma como resultado da ausência de um desejo que comporte e sustente falta.

 

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Recebido em: 03/09/2019
Aprovado em: 04/12/2020

 

 

Esta expressão pode ser encontrada no Capítulo 7, "Letra de uma carta de Almor", do Seminário, livro 20 (2008/1972-1973), resultado da conjugação "alma" com "amor". Tal termo adequa-se bem para ilustrar as ideias desenvolvidas e refere-se a um tipo de amor narcísico, modalidade de laço amoroso no qual o sexo é excluído.

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