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Trivium - Estudos Interdisciplinares
On-line version ISSN 2176-4891
Trivium vol.14 no.spe Rio de Janeiro Apr. 2022
OS DISCURSOS E AS CAUSAS
A constituição da massa colonial e a estrutura coletiva do quilombo
The constitution of the colonial mass and the collective structure of the quilombo
La constitución de la masa colonial y la estructura colectiva del quilombo
Mariana Mollica da Costa RibeiroI; Nayara Paulina Fernandes RosaII; Geisa de AssisIII
IProfessora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica da UFRJ. Membro do coletivo Ocupação Psicanalítica: por uma clínica antirracista (coord. RJ). E-mail: marianamollica@gmail.com
IIPsicanalista. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica da UFRJ. Pesquisadora do programa INTERFACES do núcleo PSILACS da UFMG. Membro do Coletivo Ocupação Psicanalítica E-mail: paulinarosapsi@gmail.com
IIIPsicanalista, mestre em psicanálise (PGPSA/UERJ). Membro do Coletivo Ocupação Psicanalítica. E-mail: geisakassis19@gmail.com
RESUMO
Buscamos demonstrar a atualidade de "Psicologia das Massas" (Freud 1921/2020), à luz da decolonização da Psicanálise, cujo protagonismo do saber-fazer dos autores pretos é decisivo. Procuramos circunscrever as relações de colonialidade pela escravização do povo negro no Brasil, através da lógica freudiana caracterizada pelos grupos artificiais, igreja e exército. Propomos o aquilombamento como estrutura coletiva diversa da mente grupal e recolhemos pistas deixadas por Freud (1921), cotejadas pela leitura de Fanon (1952-2008), Souza (1983), Nascimento (1980), dentre outros. Avançamos sobre o enfrentamento do sofrimento racial a partir das consequências éticas de elevação cultural forjadas no quilombo, brecha no sistema escravagista.
Palavras-chave: PSICANÁLISE; COLONIALIDADE; MENTE GRUPAL; QUILOMBO; COLETIVO DECOLONIAL.
ABSTRACT
This article claims to demonstrate the relevance of Freud´s work "Group Psychology and the Analysis of the Ego" (Freud 1921/2020), in the light of Psychoanalysis´s decolonization, for which the know-how of black authors is decisive. We seek to circumscribe the relations of coloniality through the enslavement of the black people in Brazil, using Freudian logic, characterized by artificial groups, church and army. We propose "quilombo" as a collective structure, different from the group´s mind proposed in Freud´s work and we collect clues left by Freud (1921), collated by reading Fanon (1952-2008), Souza (1983), Nascimento (1980), among others. We advance on the confrontation of racial suffering from the ethical consequences of cultural elevation forged in the quilombo, a breach in the slave system.
Keywords: PSYCHOANALYSIS; COLONIALITY; GROUP MIND; QUILOMBO; DECOLONIAL COLLECTIVE.
RESUMEN
Buscamos demostrar la relevancia de la "Psicologia das Masses" (Freud 1921/2020), a la luz de la descolonización del Psicoanálisis, cuyo protagonismo del saber hacer de los autores negros es decisivo. Buscamos circunscribir las relaciones de colonialidad a través de la esclavización del pueblo negro en Brasil, a través de la lógica freudiana caracterizada por grupos artificiales, iglesia y ejército. Proponemos el quilting como una estructura colectiva distinta a la mente grupal y recogemos pistas dejadas por Freud (1921), cotejadas por la lectura de Fanon (1952-2008), Souza (1983), Nascimento (1980), entre otros. Avanzamos en el enfrentamiento del sufrimiento racial a partir de las consecuencias éticas de la elevación cultural fraguada en el quilombo, brecha en el sistema esclavista.
Palabras clave: PSICOANÁLISIS; COLONIALIDAD; MENTE DE GRUPO; QUILOMBO; COLECTIVO DECOLONIAL.
Proclamando a falência da colonização mental eurocentrista, celebramos o advento da libertação quilombista
(Abdias Nascimento, 1980)
Introdução
A ascensão generalizada da extrema direita e do pensamento conservador ao redor do mundo não se fez sem o recrudescimento do racismo. No Brasil, verificamos a veracidade dessa afirmativa pelo rasgo no véu do mito da democracia racial que, sob a égide do bolsonarismo, demonstra a face nua do pensamento colonial e racista brasileiro, presente nas instituições e camadas abastadas que governam o país, o que se revela através do número crescente da superexploração e do genocídio da população negra.
Nesse sentido, Santos (2019) levanta uma importante questão: "Como agir nesse contexto de genocídio negro dando passagem à diferença, afirmando a existência naquilo que foge às capturas do racismo?" (p. 38) Segundo o autor, para entender o funcionamento do genocídio, é imprescindível considerar a violação dos direitos humanos como uma faceta desse fenômeno, que tem "efeitos práticos da governabilidade da morte" (Santos, 2019, p. 38). De acordo com Mbembe (2018b), a necropolítica caracteriza-se pelo deslocamento de sujeitos negros "para o lugar do não ser, chegando a tornar o negro um intruso no seu próprio corpo" (Santos, ibidem), concepção encontrada também em Fanon (1952/2008) e Souza (1983).
Segundo informações obtidas pelo Observatório de Segurança, 86% das pessoas mortas pela polícia no Rio de Janeiro, em 2019, são negras (1.423 negros e 231 brancos). O Atlas da Violência de 2020 indica que, no ano de 2018, os negros representaram 75,7% das vítimas de homicídio no Brasil, demonstrando que, para cada indivíduo não negro morto, em 2018, 2,7 negros foram mortos. Trazendo apenas uma pequena amostra dos índices alarmantes que demonstram a continuidade da lógica colonial brasileira em pleno século XXI, destacamos ainda os dados da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho. Entre os anos de 2016 e 2018, constatou-se que 82% das pessoas resgatadas em situações análogas à escravidão no Brasil eram negras.
Essa conjuntura evidencia que no país com a maior população negra fora da África e último no continente americano a abolir a escravidão grassa ainda a lógica da colonialidade, conjunto de práticas que atravessam a cultura e estruturam as trocas sociais, baseadas em mecanismos de dominação que compreendem o controle dos corpos, da economia, dos recursos naturais, do conhecimento e da subjetividade (Quijano, 2000). Tais práticas desdobram-se numa complexa estrutura de níveis entrelaçados em uma tripla dimensão: a colonialidade do saber, do poder e do ser (Torres-Maldonado, 2008).
À luz do texto freudiano "Psicologia das massas e análise do Eu" (1921/2020), que se revela extremamente atual no ano de 2021, quando se completou seu centenário, o presente artigo propõe uma análise da lógica grupal que sustenta a dominação e a exploração das sociedades colonizadas e interroga as alternativas coletivas construídas pelos quilombos, invenção dos escravos brasileiros fugidos do cativeiro para resistir à dominação colonial. O que o quilombo – brecha no sistema escravista e ainda presente no inconsciente e inteligência brasileiros – pode nos ensinar sobre outros modos de ser e significar diversos daqueles que estruturam as massas do tipo Igreja e Exército?
Diante do recrudescimento do racismo e do fascismo no Brasil, principalmente após as eleições de 2018, o ensinamento ancestral quilombola parece-nos imprescindível no âmbito da clínica psicanalítica, já que o saber-fazer transmitido pela coletividade quilombola aponta para a saída do lugar de objeto que o negro ocupa na dialética colonialista. Sustentamos a hipótese de que a saída deste lugar objetalizado no gozo racista não pode se dar de forma efetiva apenas no plano singular. É preciso que coletivamente se estabeleça no laço social a valorização da cultura afroameríndia, que tenta ser apagada e invalidada pelos ideais da branquitude colonial (Ribeiro, 2020).
Antes de prosseguirmos, convém advertir o leitor de que nossa discussão não pretende opor branco e negro em reivindicações maniqueístas, mas, sim, analisar as peculiaridades do Ideal do Eu nas sociedades marcadas pelo processo político, social, cultural e psíquico da colonização que faz do negro um não humano e as soluções subjetivas que sobrepujam a massa colonial através da subversão de um outro tipo de coletivo diverso da mente grupal, inventado pelos quilombos.
A ficção da raça no processo colonial e o ideal do eu forjado da branquitude
Para analisarmos os mecanismos de dominação colonial vigentes até os dias atuais, é fundamental tomarmos o elemento "raça" como chave de leitura. A raça pode ser entendida como a categoria mental da modernidade (Quijano, 2000), período instaurado com a invasão das Américas, capitaneado por Colombo, em 1492, momento em que a exploração predatória do território e dos seres humanos passou a fornecer as condições materiais e epistemológicas que alçaram a Europa à categoria de centro do poder mundial (Dussel, 1993).
Tal exploração se fundamenta e se justifica na premissa de que, por não serem reconhecidos em sua humanidade, mas, sim, como bestas – no caso dos povos originários do continente africano traficados pelo Atlântico – ou primitivos e infantilizados destituídos de autodeterminação, no caso das populações ameríndias –, deve-se negar a autonomia de seus próprios corpos e territórios, sob a justificativa de pertença a outra categoria existencial, distinta e inferior.
O significante "raça" funciona como um marcador social que determina quais lugares simbólicos os corpos não brancos são autorizados a ocupar e com quais imagens tais corpos podem se identificar. Essa questão fundamental leva-nos a perguntar sobre a constituição das subjetividades negras e indígenas, já que socialmente seus lugares, para a metrópole, são o de não ser. Que respostas esses sujeitos dão a tal destino?
Historicamente, uma das respostas coletivas a essa questão foi justamente a formação dos quilombos; instituição e fenômeno brasileiro que abordaremos adiante, visando nos deixar ensinar por esse agrupamento que caracterizamos como "brecha no sistema", a partir dos apontamentos de Nascimento (1985).
A colonização – um processo multifatorial, na medida em que seus impactos se verificam nos planos sociológico, econômico, linguístico e psíquico – está calcada na ficção da raça, já que implica em uma série de aglutinações de encobrimentos. Ocorre uma transformação simbólica da realidade, uma vez que o processo colonial cria um lugar fixo e ficcional para o colonizado: ao mesmo tempo, o nomeia como negro ou indígena e o considera uma coisa, um ser sem humanidade, racionalidade e, portanto, indigno de cidadania.
Na análise dessa problemática, é imprescindível levar em consideração que o empreendimento de colonização da América Latina foi concebido e conduzido por duas instituições, que Freud (1921/2020) denomina como massas artificiais: o Exército e a Igreja. Como elucidado na obra freudiana, essas instituições funcionam sob a lógica de grupo, uma vez que, nelas, ressalvadas as distinções hierárquicas, a ligação libidinal dos indivíduos se dá por meio do amor ao líder: "na Igreja Católica, Cristo, nas forças armadas, o general" (Freud, 1921/2020, p.166-167), figuras substitutas do pai, que ama cada um dos indivíduos da massa com amor igual.
Considerando-se que, no esquema colonial propriamente dito, não é possível delimitar a presença de um líder de forma particularizada, como nas massas artificiais, uma das ideias condutoras que garante a ligação libidinal dos indivíduos é exatamente a ficção racial1, pois o ódio contra os povos ameríndios e africanos teria o efeito agregador descrito na premissa freudiana apresentada em "Psicologia das Massas e Análise do Eu":
Deveríamos averiguar se as massas com líder não são as mais primordiais e as mais completas se, nas outras, o líder não pode ser substituído por uma ideia, para a qual as massas religiosas, com seu chefe invisível, já constituem a transição, se uma tendência comum, um desejo, do qual uma quantidade de pessoas possa fazer parte, não poderia fornecer o mesmo substituto. [...] O líder ou a ideia condutora poderiam, por assim dizer, tornar-se negativos; o ódio contra uma determinada pessoa ou instituição poderia, da mesma forma, ter um efeito unificante e produzir ligações afetivas semelhantes (Freud, 1921/2020, p. 173).
Nessa conjuntura, podemos supor que o contato com os povos originários e sua forma de gozo não tolerada pela moralidade europeia representou uma ameaça de desintegração do próprio Eu do colonizador. Em um contexto em que "o que difere de mim é vivido como uma ameaça à minha integridade" (Herzog, 2019, p. 275), a ideia de raça e a consequente negação da alteridade, além de figurar como elemento que assegura a ligação dos indivíduos da massa, a ficção da raça pode representar uma espécie de defesa narcísica:
Nas aversões e repulsas que emergem explicitamente contra estranhos que estão próximos, podemos reconhecer a expressão de um amor por si próprio, de um narcisismo que anseia por sua autoafirmação e que se comporta como se a ocorrência de uma irregularidade em suas formas individuais trouxesse consigo uma crítica a elas e uma convocação a reconfigurá-las (Freud, 1921/2020: p. 175).
O Ideal do Eu na massa colonial se estrutura por uma identificação imaginária, simbólica ou real?
Os traços imaginários do colonizado são sobrepostos ao sujeito, que não pode emergir como tal em sua singularidade, mas está congelado sob o significante racial que lhe foi atribuído pelo colonizador. Parece um significante que não reenvia a outros da cadeia, não podendo, portanto, representar um sujeito; foi congelado num sentido fixo, "letrificado", como uma espécie de imaginarização do real.
Como resultado da nomeação engendrada pela ficção racial, o negro figura na cultura como um elemento a ser expurgado, por portar em seu corpo atributos não assimiláveis pelo colonizador: a pele escura, o cabelo crespo, o lábio grosso e o nariz largo são traços imaginários que condensariam a representação de uma forma de gozo, a materialização de um gozo voraz e primal ao qual o branco não deseja se identificar, entendendo por identificação a mais primitiva forma de laço com o outro, como postula Freud (1921/2020). Ao discorrer sobre seus caminhos formativos, Freud (1921/2020) assinala a ocorrência da introjeção dos objetos no Eu:
A identificação é justamente ambivalente desde o início, ela pode tornar-se expressão tanto da ternura quanto do desejo de eliminação. Ela conduz-se como um derivado da primeira fase oral da organização libidinal, na qual o objeto cobiçado e apreciado foi incorporado através do ato de comer e, assim, foi aniquilado como tal. O canibal, como sabemos, permaneceu nessa posição, ele devora passionalmente seus inimigos, mas não aqueles pelos quais de alguma maneira não pode ter apreço (p. 179).
A ambivalência no caso do canibal como metáfora da identificação é interessante para pensarmos sobre a estratégia dos colonizadores para tornar o colonizado refém dos ideais europeus, mesmo que lhe façam mal e o oprimam. No processo de dominação colonial, o caminho constitutivo da identificação passaria por qual registro, pelo campo imaginário, simbólico ou real? Trata-se de impor, por meio dos ideais da branquitude do europeu colonizador e sua suposta superioridade estética, intelectual e moral, uma oposição e submissão em relação aos traços característicos dos corpos negros colonizados e seu, assim considerado, gozo ameaçador.
Dessa forma, para se equiparar à humanidade do colonizador e gozar dos mesmos direitos, é exigido que o colonizado se assemelhe ao europeu, ou, dito de outro modo, que assimile seus valores culturais, éticos, estéticos e religiosos e que fale a língua do invasor, processo que se revela em toda a sua nitidez nas políticas coloniais assimilacionistas, como no caso de Portugal, ao instituir no território brasileiro a política pombalina, a partir de 1755 (Lopes, 2005).
Ao criar um lugar ficcional rígido para o colonizado, a empreitada colonial produz identificações imaginárias, nas quais o sujeito racializado ocupa posições desqualificadas, que justificariam tanto sua exploração e exclusão do laço social quanto a tentativa de se identificar com o europeu. Nessas sociedades, a problemática identificatória estaria em jogo desde as experiências infantis, como argumenta Fanon (1952/2008):
Na Europa, e em todos os países ditos civilizados ou civilizadores, a família é um pedaço da nação. A criança que deixa o meio familiar reencontra as mesmas leis, os mesmos princípios, os mesmos valores. Uma criança normal, crescida em uma família normal, será um homem normal. Não há desproporção entre a vida familiar e a vida nacional. [...] Uma criança negra, normal, tendo crescido no seio de uma família normal, ficará anormal ao menor contato com o mundo branco (p. 128-129).
No momento em que a criança se reconhece em uma imagem e apreende sua função simbólica, surge uma primeira identificação. Nas sociedades colonizadas, em que todos os referenciais éticos, estéticos e morais são determinados pelo colonizador, a imagem própria adquirida pelo sujeito negro é tida como incompatível com a representação de certos papéis que estariam reservados para indivíduos de pele branca. Isso porque, como dito acima, o colonizador bestializa o corpo do colonizado, fazendo de seus traços imaginários o condensado de representações que indicam um inimigo comum a ser odiado e explorado:
Nas Antilhas – e podemos pensar que a situação é análoga nas outras colônias – os mesmos periódicos ilustrados são devorados pelos jovens nativos. E o Lobo, o Diabo, o Gênio do Mal, o Mal, o Selvagem, são sempre representados por um preto ou um índio, e como sempre há identificação com o vencedor, o menino preto torna-se explorador, aventureiro, missionário "que corre o risco de ser comido pelos pretos malvados", tão facilmente quanto o menino branco (Fanon, 1952/2008, p. 130-131).
Como a identificação "almeja configurar o próprio eu de maneira semelhante ao outro tomado como modelo" (Freud, 1921/2020, p. 179), no contexto colonial, devido à ficção racial criada pelo colonizador, o negro sofre um estorvo em tal processo, experimentando uma permanente interdição do reconhecimento como igual, por portar em seu corpo o estigma da diferença racial, que o localiza fora das fronteiras do que é considerado humano pelo europeu. Quando Fanon (1952/2008) afirma que não existe Édipo nas Antilhas, nos parece menos uma não concordância com Freud em relação à estrutura fundante do inconsciente na neurose para os africanos e mais uma assertiva apofântica que introduz a violência presente na identificação simbólica colonial, desconsiderada pelos psicanalistas em relação à colonização.
Em 1921, Freud retoma o conceito de "Ideal do Eu", introduzido pela primeira vez em 1914 m seu trabalho sobre o narcisismo, visto como uma instância psíquica que surge no Eu e dele se separa e posteriormente entra em conflito, dotando-a das funções de auto-observação e consciência moral, que impõem ao Eu demandas, por vezes, inatingíveis. Com efeito, da renúncia pulsional, na qual o sujeito abdica dos objetos de satisfação interditados pela lei, decorre uma operação psíquica que engendra o surgimento do Supereu, instância compreendida como herdeira do complexo de édipo (Freud, 1923). Como os objetos primordiais de satisfação foram interditados, uma parte do Eu se idealiza e se oferece como compensação, do que resulta o surgimento do Ideal do Eu e, na sua outra face, os castigos, por se afastar das exigências nunca cumpridas do Supereu.
Podemos inferir, portanto, que, nas sociedades colonizadas, é possível verificar a ação de um Ideal do Eu branco, que reivindica ao Eu a correspondência aos estatutos imaginários impostos pelo colonizador como índices de humanidade e civilidade dos sujeitos negros, a quem são atribuídas a inferioridade e a animalidade. Recorremos a Fanon (1952/2008) para ilustrar nosso argumento. A célebre passagem na qual o autor discorre sobre a experiência vivida na França, onde é surpreendido pela exclamação de uma criança que se choca ao vê-lo, demonstra que a permanente interdição de reconhecimento da alteridade que o sujeito racializado vivência se dá por estar inserido em uma sociedade em que todos os referenciais são brancos:
Olhe, um preto! Faz frio, o preto treme, o preto treme porque sente frio, o menino treme porque tem medo do preto, o preto treme de frio, um frio que morde os ossos, o menino bonito treme porque pensa que o preto treme de raiva, o menino branco se joga nos braços da mãe: mamãe, o preto vai me comer! Não ligue, monsieur, ele não sabe que o senhor é tão civilizado quanto nós... Nas proximidades do branco, no alto os céus se desmantelam, debaixo dos meus pés a terra se arrebenta, sob um cântico branco, branco. Toda essa brancura que me calcina... [...] "Mamãe, olhe o preto, estou com medo!" Medo! Medo! E começavam a me temer. Quis gargalhar até sufocar, mas isso tornou-se impossível (Fanon, 1952/2008, p. 105).
Notamos, no relato de Fanon (1952/2008), a afirmação de que toda a brancura da sociedade francesa o calcina. A calcinação consiste em um processo endotérmico, no qual um determinado material é submetido a elevadas temperaturas que alteram suas propriedades físicas e químicas. A metáfora exprime a maneira pela qual a empreitada colonial exige a transformação substancial do sujeito racializado, a fim de que ele possa se equiparar à figura do colonizador.
Na obra "Tonar-se Negro", Souza (1983) sustenta que o sujeito negro vivencia uma espécie de fetiche da brancura, uma vez que o modelo de Ideal do Eu que lhe é oferecido na sociedade colonial é constituído por sujeitos brancos que ocupam posições de poder, de autoridade e, em última instância, de humanidade:
O Ideal do Ego é um produto da decantação das experiências. Produto formado a partir de imagens e palavras, representações e afetos que circulam incessantemente na criança e no adulto, entre o sujeito e a cultura. Sua função no caso ideal é a de favorecer o surgimento de uma identidade ao sujeito, compatível com o investimento erótico de seu corpo e de seu pensamento, via indispensável a sua relação harmoniosa com os outros e com o mundo. Ao sujeito negro essa possibilidade é em grande parte, sonegada. O modelo de Ideal de Ego que lhe é oferecido em troca da antiga aspiração narcísico-imaginária não é modelo humano da existência psíquica concreta, histórica e consequentemente realizável ou atingível. O modelo de identificação normativo-estruturante com o qual ele se defronta é o de um fetiche: o fetiche do branco, da brancura (p. 4).
O fetiche da brancura ou Ideal do Eu branco, como Souza (1983) postula, apresenta-se como via inescapável, imposta ao sujeito para que possa reivindicar o acesso aos bens materiais e simbólicos, que são, de saída, garantidos aos sujeitos brancos nas sociedades coloniais. Sua contraparte está em uma dimensão real da identificação, mais ligada à tentativa de recuperação de um gozo impelido pelo supereu.
Lacan (1971/2006) referiu-se a uma identificação secreta ligada a um objeto enigmático, uma coisa ínfima, como o pequeno mais-de-gozar de Hitler, uma pequena parte do corpo à qual a massa se identificava e não seria mais do que seu bigode. Poderia ser ainda mais bem precisada, ao evocar a voz do Führer, objeto da pulsão invocante (Ribeiro & Bastos, 2018), que hipnotizava as massas sedentas da sua única missão: exterminar o diferente, induzido pelas "diferenças maiores", como afirmou Freud em 1921 e foi destacada pela dissertação de Assis (2021), que demonstrou que o racismo não se restringe ao plano do narcisismo das pequenas diferenças. Só que, no caso do racismo contra o negro, há uma dimensão ainda mais radical dessa identificação real corporal, que é o caráter de "epidermização racial". Se uma mulher branca, cigana, do Leste Europeu, usar as roupas certas, pode se disfarçar numa multidão branca. Mas, quando se trata de uma pessoa negra, não é necessário verificar o sobrenome ou buscar um código cultural disfarçado: a negritude está sempre anunciada na pele, está na cara. É por isso que Fanon (1952/2008) destaca a "epidermização da inferioridade" que recai sobre as pessoas negras; o racismo aos afrodescendentes é "epidérmico". O racismo é um sistema que facilita a exploração, por meio da identificação da distinção de gente "civilizada" e "incivilizada". O judeu era um inimigo do nazista a ser exterminado. Para ser identificado, era preciso marcar sua casa com uma estrela, seu corpo com ferro em brasa ou descobrir seu sobrenome. O escravo negro é, para o colonizador, um não ser e subsumido a um não humano por meio de olhar. O objeto escópico o encerra. Para a metrópole branca, esse modo de situar as populações é mais fácil, uma vez que é evidente.
Essa dimensão real da identificação ligada à cor da pele e a inscrições corporais é tão forte que, enquanto o nazismo significou um terror que teve fim na Alemanha, quando da criminalização dos culpados e desnazificação internacional, o colonialismo perdura por séculos ao redor do mundo e permanece ilimitado no seio das sociedades ocidentais, para além da abolição da escravidão e da independência das colônias. Enquanto o racismo opera expulsando negros das possibilidades de existência, o genocídio aos afrodescendentes caracteriza-se não apenas pela morte física, mas também por qualquer tipo de estratégia que apague a existência subjetiva (Nascimento, 1978/2017). Contra tanta força secular e potência violenta, como a negritude poderia afirmar sua subjetividade, para além de uma simples formulação positiva frasal, mas, sim, de uma subversão estrutural, na qual a possibilidade de existência digna lhe seja franqueada?
O quilombo, que grupo é esse?
Se o europeu teve sucesso na colonização dos povos tradicionais nas Américas através da catequese e escravização dos povos originários e dos povos negros sequestrados da África a partir das forças religiosas e militares, seria plausível supormos que a estrutura e o funcionamento do quilombo, um tipo de grupamento que servia justamente de resistência à estrutura colonial, reproduzisse o mesmo conjunto de forças e de organização que os seus dominadores promovem? Muitos historiadores confirmam que a escravidão na África era anterior à chegada dos traficantes europeus e continuou depois da partida deles. Segundo o norte-americano John Thornton, a escravidão africana, desde tempos imemoriais, teria função diferente daquela assumida nas Américas. Nas minas de ouro e demais minérios, e nas lavouras de cana de açúcar no Brasil, os escravos eram considerados como máquinas – como, hoje, seria um trator, um arado, uma colhedeira –, um ativo econômico da produção industrial e do lucro da terra. Aqui, a terra era o bem de maior valor. O escravo era descartado assim que esgotasse sua capacidade produtiva (Gomes, 1956/2019).
Na África, ao contrário, a riqueza e o poder estavam colocados na própria posse do escravo, já que o valor que se extraía do escravismo era seu trabalho. Um documento islâmico escrito por volta de 1665 descreve as relações entre escravos e senhores nas plantações do Império Songai, em que as lavouras são descritas como tendo em torno de 200 subordinados e inúmeros feitores (Gomes, 1956/2019). Em algumas regiões, os escravos eram mortos e enterrados juntamente a seus senhores nos funerais, já que, na Nigéria, tinha-se o hábito de sacrificar um escravo por ano como oferenda ao orixá Ogum. Afirmar que negros escravizaram negros como argumento para amenizar a força inaugural do racismo estrutural a partir da colonização nas Américas é absolutamente anacrônico, visto que, em todos os tempos, desde a antiguidade, houve escravização de seres humanos e, na grande maioria, eram brancos escravizando brancos.
O que caracteriza, no entanto, a escravização de pessoas negras nas Américas pelos europeus como um marco na história mundial é o lugar de mercadoria que lhes foi atribuído, de coisa, de resto do capital. Mbembe (2018a) considera que a escravização do negro africano – o primeiro ser humano tomado como moeda – funda o capitalismo. Para que sujeitos fossem tornados coisas, com toda a perversão dos horrores das chibatadas, do estupro, do morticínio, em plena era da razão científica e seguida pelos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade da Revolução Francesa, sem que isso escandalizasse a moral racional moderna, foi preciso a criação da ficção racial e do mito da modernidade (DUSSEL, 1992).
Avançamos, aqui, investigando como o quilombo e as consequências de sua formação e potência coletiva, contrária ao colonialismo, enfrentou as forças racistas dominantes e vêm servindo de base para a resistência às novas tecnologias coloniais. Ainda que incompleta, sempre por fazer-se, a conquista da cidadania por parte da população negra, objeto da necropolítica, vem-se dando por meio de consequências subjetivas, cujas condições foram constituídas no seio das organizações quilombolas. Seria possível outra lógica de estruturação dos grupos que não a mente grupal que tem como modelo a Igreja e o Exército?
O Quilombo dos Palmares, o maior, mais duradouro e mais importante quilombo brasileiro, era formado por escravos fugidos das lavouras, mas também por mulatos e indígenas, que, nas matas de Pernambuco, numa região com muitas palmeiras e de difícil acesso, utilizaram táticas de guerrilhas e manobras típicas usadas em Angola pelos guerreiros jagas e ingambalas contra os portugueses. No século XVII, há descrições das dezenas de expedições holandesas para tentar atacar Palmares, mas sempre sem sucesso, já que os quilombolas desapareciam nas matas sem deixar traço algum de sua presença. Armadilhas no chão da floresta repletas de varas de madeira camufladas sob as folhagens surpreendiam europeus com armamento pesado. O que se conhece das descrições dos quilombos através de documentos históricos, entretanto, sempre foi contado pelo colonizador, já que os escravizados não tinham tido oportunidade de aprender a escrita. Aceitar Palmares para os escravistas significaria admitir que os cativos teriam algum espaço, ainda que precário. Era também uma ameaça, já que era a prova de que poderiam resistir à brutalidade dos senhores. Em carta de Padre Antônio Vieira ao rei de Portugal, em julho de 1691, o jesuíta afirma que a continuidade e vitória do Quilombo dos Palmares seria a "total destruição do Brasil", pois serviria de mau exemplo para os demais escravos africanos.
Uma série de conjecturas e descrições foram feitas também sobre o líder do quilombo, Zumbi dos Palmares. De tantas histórias controversas sobre o grande guerreiro que enfrentou as invasões europeias no território quilombola, pouco se pode afirmar sobre sua trajetória, já que ele mesmo ou seus companheiros jamais escreveram seu testemunho, trazendo sua própria visão dos fatos. Zumbi permanece, portanto, como aquele que se tornou um símbolo do enfrentamento à colonização e que ganhou um dia no calendário cívico a ser lembrado todos os anos como marca da identidade nacional. Marcados pela Lei Áurea, brasileiros conquistaram o direito de celebrar o Dia da Consciência Negra, na data da morte de seu herói libertário e não fazendo reverência à princesa Isabel, sendo esta uma importante vitória contra as forças coloniais. Alguns autores sustentam a ideia de que Palmares teria sido uma tentativa de reconstruir o reino africano dos jagas ou ingambalas de Angola; outros, influenciados por ideias marxistas, argumentam que haveria uma república socialista popular que defenderia direitos da população oprimida e marginalizada. Historiadores, como Laurentino Gomes, Manolo Florentino e Marcia Amantino, afirmam, no entanto, que Palmares nunca se constituiu como um reino ou Estado autônomo, com capacidade de tomar decisões e conduzir o próprio destino. Alguns chegam a dizer que a organização era centralizada e, algumas vezes, despótica e que dissidentes poderiam ser punidos ou assassinados.
Obras como "Palmares, a guerra dos escravos", de Décio Freitas (1982), e o livro "Zumbi", de Joel Rufino do Santos (1985), apresentam Zumbi como guerreiro heroico, defensor da liberdade, mas, segundo historiadores, são obras de ficção. Seja como ficção, seja pela transmissão oral que perdurou ao longo de gerações de quilombolas, o que importa é que essa imagem do mito Zumbi como herói do povo negro na guerra contra os colonizadores foi tomada como verdade para o imaginário cultural e social brasileiro até o ponto de ter se inscrito também em sua dimensão simbólica. Nesse sentido, podemos nos servir da psicanálise para afirmar que a verdade tem estrutura de ficção.
Se não é possível resgatar o que de fato foi o quilombo, por ausência de registros históricos narrados pelos protagonistas, podemos considerar que os saberes desenvolvidos para sua sobrevivência partiram não das lideranças brancas da colônia, mas justamente daquela cultura africana que tentava ser apagada pela empresa colonial. O desenvolvimento cultural e produtivo criou um espaço de humanização, de subjetivação daqueles que eram considerados coisas, restos. Mais do que isso, conforme mostra Gonzalez (1984), em seu consagrado texto "Racismo e sexismo na cultura brasileira", apesar da subjugação da mulher negra como mucama, seja como fetiche da mulher objeto no carnaval, seja como serviçal, doméstica, foi do lugar de "mãe preta", que cuidava dos próprios filhos e do filho do homem branco das classes mais abastadas, que a transmissão da lalíngua materna brasileira se sustentou. Através do "pretuguês", um modo de linguagem oral ao estilo brasileiro, a cultura da negritude se transmitiu para toda a sociedade e permanece viva na formação psíquica de cada um de nós.
Beatriz Nascimento (1985), uma importante historiadora e mulher negra, em seu texto "O conceito de Quilombo e a resistência cultural negra", afirma que os quilombos eram "sistemas sociais alternativos" (p. 44), "brechas no sistema escravista" (p. 44), por isso eram considerados como um "perigo negro" (p. 45). Santos (2015), ativista político e militante no movimento social quilombola e nos movimentos de luta pela terra, morador do Quilombo Saco Curtume, localizado em São João do Piauí, Piauí, ilustra essa consideração quando nos relata a perseguição aos quilombos na era colonial: "Os colonizadores não se contentaram com o aniquilamento do povo e o desmantelamento da organização de Palmares, ateando fogo em tudo o que poderia simbolizar ou significar os seus modos de vida" (p. 64).
A significação do quilombo como reunião de escravizados fugidos foi dada pelo colonizador: "Em 1740, reportando-se ao rei de Portugal, o Conselho Ultramarino valeu-se da seguinte definição de quilombo: toda habitação de negros fugidos, que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados e nem se achem pilões neles" (Schmitt, Turatti & Carvalho, 2002, p. 2). Tal significação clássica exclui toda a multiplicidade de formas e modos de uso e significações das comunidades negras que se espalharam pelo Brasil, como aponta Santos (2015). Nem todos os quilombos estavam distantes e na mata fechada, por exemplo. Havia quilombos muito próximos das casas grandes e, até mesmo, dentro das senzalas, "representado por formas de produção autônoma dos escravos que poderiam ocorrer e de fato ocorriam, sobretudo em épocas de decadência de ciclos econômicos, fossem agrícolas ou de mineração" (Schmitt, Turatti & Carvalho, 2002, p. 3). E mais: a economia interna das comunidades negras, dos quilombos, estava distante de ser isolada da economia da colônia, elas existiam paralelamente.
Apesar de parecer algo que data da época do Brasil-Colônia, esse fenômeno permanece vivo no inconsciente brasileiro. Assim, Nascimento (1985) propõe um deslocamento, que não exclui o quilombo como instituição em si, mas o ressalta como símbolo de resistência, memória e resgate de uma identidade histórica brasileira, expandindo o sentido de quilombo do binômio fuga-resistência para "unidade, única afirmação humana, étnica e cultural a um tempo integrando uma prática de libertação e assumindo o comando da própria história" (Nascimento, 1980, p. 263).
Podemos, portanto, dizer que o quilombo é o "instrumento ideológico contra as formas de opressão" e um "reforço da nacionalidade brasileira através do filão da resistência popular às formas de opressão" (Nascimento, 1985, p. 46). Sustentamos a hipótese de que o quilombo faz um giro no lugar do saber, do gozo, do significante e do objeto. Ele é a retomada de uma comunidade de destino, de espaço que mantém o corpo, devendo à capoeira e demais modos de dança e de luta outras formas culturais de expressão e às insurreições de quilombolas o enfrentamento à escravização. Essas organizações coletivas retomam a dinâmica econômica na África, que não era homogeneizada. De restos à resistência, os quilombos tornaram-se não apenas um meio de combater a lógica colonial, mas também uma brecha no sistema capitalista.
O quilombo como brecha é visto como risco, desontologiza o capitalismo, pois mostra que existem outros modos de existência diversos do europeu e do Norte global, que recoloniza o mundo com sua lógica de mercado. Sendo assim, o quilombo vem sendo tomado como um projeto de redemocratização. Em "O quilombismo: documentos de uma militância pan-africanista", Abdias Nascimento (1980) afirma algumas de suas funções primordiais, das quais destacamos:
a) a memória: ao dar lugar à antiguidade do saber negro africano, vê-se a urgência de o negro brasileiro recuperar sua memória, que não se inicia no tráfico negreiro, com o contato físico com os irmãos do continente africano e da diáspora, o que se revela como um obstáculo, por carência de meios econômicos; e o acesso a pensadores africanos contemporâneos e afrofuturistas, que buscavam recuperar a memória africana, especialmente Cheikh Anta Diop, que defendeu a tese de o Egito ser negro e berço da civilização, não para preservar uma possível superioridade racial, nesse caso negra, mas para denunciar que a inferioridade racial é uma ficção criada para argumentar a exploração de povos e terras;
b) a Consciência Negra e o sentimento quilombista: Nascimento (1980) faz um apanhado da situação do negro brasileiro como espinha dorsal, mas de fora da colheita dos frutos do seu suor em todos os níveis da nossa sociedade:
Este é um retrato imperfeito de uma situação mais grave, a qual tem sido realidade em todo o decorrer de nossa história. Desta realidade é que nasce a necessidade urgente do negro de defender sua sobrevivência e de assegurar sua existência de ser. Os quilombos resultaram nessa exigência vital dos africanos escravizados, no esforço de resgatar a sua liberdade e dignidade através da fuga ao cativeiro e da organização de uma sociedade livre (p. 255).
Nascimento (1980) caracteriza o quilombismo como práxis afro-brasileira e nos aponta os quilombos legais que há entre nós: associações, irmandades, confrarias, clubes, grêmios, terreiros, centros, tendas, afoxés, escolas de samba, gafieiras etc. Para o autor, o quilombismo mobiliza, pois há um fator psicossocial enraizado na história, cultura e vivência dos afro-brasileiros, que se apresenta na defesa do Movimento Negro Unificado pelo estabelecimento do dia 20 de novembro como feriado nacional. É uma ideia-força, uma energia. É um ideal difuso, mas constituinte, forte, denso, recalcado e, às vezes, sublimado. Porta um caráter nacionalista, não xenofóbico e se caracteriza como uma luta anti-imperialista.
Atualmente, no Brasil, desde a Constituição de 1988, 100 anos após a abolição da escravatura, o quilombo tem também uma significação jurídica. Diante do Outro colonial, comunidades negras são reconhecidas como donas, herdeiras dos territórios que ocupam. Tal direito está previsto no artigo n.º 68, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal de 1988: "Aos remanescentes das comunidades de quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos" (Brasil, 1988).
Assim, hoje, os quilombos são reconhecidos por compartilharem identidade e território, não identidades fixas, mas identidades em curso. Como é sob a rubrica dessa identidade que se tornou possível a luta pela terra e pelos seus modos autônomos de vida e significações das quais as comunidades negras fazem uso, a identidade quilombola,
[...] até então um corpo estranho para estas comunidades rurais negras, passa a significar uma complexa arma nesta batalha desigual pela sobrevivência material e simbólica. Estamos, portanto, diante da incorporação de identidades que, em decorrência de eventos históricos, introduzem novas relações de diferença, as quais passam a ser fundamentais na luta dessas populações negras pelo direito de continuar ocupando e transmitindo às gerações vindouras o território conformado por diversas gerações de seus antepassados (Schmitt, Turatti & Carvalho, 2002, p. 5).
Assim, o quilombo e a identidade quilombola constituem-se, ontem e hoje, como modos de fazer resistência à colonialidade e, consequentemente, ao Ideal do eu branco. É fazendo e reivindicando sua identidade nessa posição histórica, social e juridicamente desfavorável quanto às relações de poder que as comunidades negras vêm lutando para serem aquelas que fazem e determinam sua própria história.
Em tal situação de desigualdade, os grupos minoritários passam a valorar positivamente seus traços culturais diacríticos e suas relações coletivas como forma de ajustar-se às pressões sofridas, e é neste contexto social que constroem sua relação com a terra, tornando-a um território impregnado de significações relacionadas à resistência cultural. Não é qualquer terra, mas a terra na qual mantiveram alguma autonomia cultural, social e, consequentemente, a autoestima (Schmitt, Turatti & Carvalho, 2002, p. 5).
Ao manterem vivos seus modos de ser e estar, essas culturas encontram no quilombo outras respostas ao Ideal do eu branco, e é a relação com a identidade quilombola que fornece a essas comunidades a noção de seu direito pela terra e de poder responder pelo próprio nome e registrar sua própria história.
O que podemos extrair de Freud para ler o inconsciente estruturado pelo quilombo?
As observações de Freud (1921/2020) fazem-nos refletir: "Que grupo é esse, o quilombo?". Freud (1921/2020) extrai de Le Bon a descrição sobre a mente grupal, que se caracteriza, sobretudo, como um grupamento de pessoas que se tornam, em geral, obedientes como um rebanho, que desejam ser dominadas por um chefe e viver sob seu domínio, reduzindo completamente a faculdade crítica dos indivíduos, em que uma inibição coletiva toma o funcionamento intelectual, de forma que seus membros agem por imagens e emoções exageradas, sendo tomados por um fascínio hipnótico pelo líder, identificando-se entre si por contágio e compartilhando ideias exacerbadas e, muitas vezes, incompatíveis com a realidade. Freud (1921/2020) considera dois pontos fundamentais acerca da análise de Le Bon: o primeiro é a alusão ao inconsciente na análise do funcionamento grupal; e o segundo é a comparação com a vida mental do que ele chamou de "povos primitivos".
Ainda que Freud (1921/2020) afirme que não está de acordo com a concepção de inconsciente de Le Bon, ele inicia toda uma investigação de modos diversos, e até contrários, ao típico funcionamento grupal. Freud (1921/2020) afirma que "o próprio Le Bon estava pronto para admitir que em certas circunstâncias, os princípios éticos de um grupo podem ser mais elevados que o dos indivíduos que o compõem" (p. 93). Em seguida, ele cita Le Bon: "Ao passo que quanto aos indivíduos isolados o interesse pessoal é quase a única força motivadora, nos grupos, ele muito raramente é proeminente" (Freud, 1921/2020, p. 24).
Sugerimos, nesse ponto, que os laços de solidariedade e de tomada de posição ética frente às grandes injustiças e desigualdades podem prevalecer e ganhar força nos grupos de forma muito mais intensa e eficaz do que individualmente. Poderíamos considerar que os laços de resistência que sustentaram a luta de Palmares pela sobrevivência teriam resistido graças a tais princípios éticos?
Outros escritores, afirma Freud (1921/2020), indicam que, "em circunstâncias excepcionais, pode surgir nas comunidades o fenômeno do entusiasmo, que tornou possíveis as mais esplêndidas realizações grupais" (p. 24). Freud (1921/2020) considera que grandes decisões de domínio do pensamento e numerosas descobertas e soluções de problemas só são possíveis na solidão, mas que a mente grupal pode ser "capaz de gênio criativo no campo da inteligência, como é demonstrado, acima de tudo, pela própria linguagem, bem como no folclore, pelas canções populares e outros fatores semelhantes" Freud (1921/2020, p. 24).
Podemos concordar com Freud ao observar que, muitas vezes, a produção artística, musical, artesanal e política de um se prolifera por todos os membros, sem ser por contágio, mas por tocar um ponto sensível comum, cada um se apropriando ao seu modo, como é o caso do carnaval. Cada letra de samba, adereço e enredo tem seu segredo, sua ginga, sua história e seus compartilhamentos próprios. Permanece a questão aberta além disso, ou seja, saber o quanto "o pensador ou o escritor individualmente devem a inspiração de seu trabalho ao estímulo do grupo em que vivem e se eles não fazem mais do que aperfeiçoar um trabalho mental em que os outros tiveram parte simultânea" Freud (1921/2020, p. 24). Sobre isso, Freud (1921/2020) afirma que pode parecer que tais descrições são contraditórias, mas ele conclui que é preciso diferenciar como a dimensão grupal pode ser utilizada para estruturas diferentes. Aqui, ele se refere às assertivas de Sighele e Le Bon quanto aos grupos de caráter efêmeros. Nesse ponto, ele traz uma pérola para nosso tema: refere-se a grupos revolucionários que influenciaram os autores. Os grupos e associações estáveis estariam corporificados nas instituições e na sociedade. Uma metáfora bastante interessante é usada por Freud (1921/2020) para comparar os primeiros com os segundos: os primeiros seriam como um "mar encapelado enquanto o segundo uma ondulação na terra" Freud (1921/2020, p. 25). Como podemos entender essa metáfora? Embora pareçam com o mesmo formato ondulatório, ambos são compostos de elementos completamente diferentes. No caso do mar, podemos pensar que ele não é fixo, pelo contrário, produz modificações, agitações e transformações rápidas. No caso de uma ondulação na terra, ao contrário, é algo que permanece como está. Para se transformar, dependerá da erosão do solo e de um enorme tempo para produzir qualquer mudança. Levantamos, portanto, a hipótese de que as instituições seriam essas estruturas estagnadas e quase imutáveis, e os movimentos de lutas populares um mar que, embora repita a estrutura ondulatória, está em constante movimento de mudança.
Freud (1921/2020) avança nessa análise e refere-se a outro autor, McDougall, que explora a mesma contradição em seus argumentos. Seguindo seu desenvolvimento, Freud (1921/2020) menciona a multidão, enquadrando-a também na categoria de grupos efêmeros, quando o grupo não está organizado e seus membros não têm quase nada em comum. Ele admite, porém, que uma multidão tem rudimentos de uma organização. Para pensarmos em um grupo constituindo uma mente psicológica, é preciso que ele tenha três condições: um interesse comum num objeto, uma inclinação emocional semelhante e um grau de influência recíproca.
Para uma elevação da vida mental de um grupo a um nível mais alto, McDougall coloca três condições: a) que haja certo grau de continuidade na existência do grupo, de ordem tanto material (quando há continuidade do grupo) quanto formal, se for possível desenvolver dentro do grupo determinadas funções fixas ocupadas por uma sucessão de indivíduos; b) que cada membro se forme a partir de alguma ideia definida e componha funções e capacidades no grupo; e c) que o grupo seja colocado em interação.
Seriam essas condições próprias aos quilombos? Temos escutado dos grupos periféricos de luta popular que as favelas são quilombos urbanos. Tais coletivos, em geral, partem das ideias inventivas de personalidades da comunidade para que os demais moradores desenvolvem essas criações, adicionando suas próprias variações em cada beco, barraco e laje. Cada um deles assume determinadas funções na comunidade. Para terem êxito, o que lhes exige efetividade, estratégia e táticas contínuas, tais organizações dão continuidade a determinada sustentação de ideias. Além dos encontros permanentes para sustentar as ações, hoje, também se realizam muitos encontros pela internet, o que ocorre em todo o trabalho de comunicação popular para dar testemunho da própria versão da história a partir dos fatos escondidos pelos jornais de grande circulação. Tais ações e meios de organização evitam restringir o grupo à normatividade regulatória de uma ordem fálica, branca, heteropatriarcal. Há algo nesse tipo de comunidade que os movimentos sociais populares fazem que se sustenta a partir do improviso, da invenção, valorizando o saber-fazer da experiência que cada um adquire e que desafia a ordem totalitária.
Sabemos que Freud (1933/1976; 1930/1974), com reservas ou mesmo críticas, referia-se às propostas revolucionárias marxistas e ao sistema comunista implantado em países como a Rússia, mas sua grande crítica se pautava no fato de esses movimentos terem uma utopia de um mundo sem mal-estar, desconsiderando a pulsão de morte e as rivalidades humanas, e sucumbindo a uma ilusão. No caso do quilombo e seus desdobramentos nos grupos de resistência de favela, não se trata da busca por um horizonte idealizado ou teorizado, mas simplesmente da luta legítima de ocupar um lugar de sujeito no laço social, forjar um locus político que lhe é negado. O quilombismo é, por estrutura, um lugar de agitação, ebulição de ideias e atos, no qual os segregados, que são vilipendiados de sua humanidade, podem se proteger do seu entorno e produzir um laço que reconheça as próprias origens, sua língua, seu corpo, sua voz, sua pele.
As novas formas de coletivos progressistas organizados pelos movimentos sociais são lidas por Alemán (2016) através da aproximação com a proposta de Lacan para as Escolas de Psicanálise. Como a Associação Psicanalítica Internacional é estruturada pela lógica da identificação com o mestre, uma Escola na contracorrente da lógica do grupo identitário, ela sustenta uma sutil abertura para o inconsciente através de um grupo não-todo. Para Alemán (2010), autor de "A Esquerda Lacaniana", os movimentos sociais da América latina são coletivos em movimento, cuja causa aponta para um tornar-se. É um conjunto aberto e indecidível no plano das identificações, o que representa a lógica interna de uma transformação política. Não podemos deixar de articular tal proposta de Neusa Santos através do tornar-se negro como solução subjetiva, atravessada pela experiência com o inconsciente, para o lugar de objeto que o negro ocupa na sociedade brasileira.
Ainda que as utopias progressistas possam vir a ser totalizantes, Alemán (2016) aponta para a contribuição de Lacan para uma superação no campo da esquerda, para um além da lógica identificatória, através da construção de uma "poética política" (p. 38). A "experiência dos movimentos sociais nacionais e populares latino-americanos podem alcançar uma inteligibilidade inédita que pode interpelar o panorama europeu, em muitos casos, algo adormecido em seu eurocentrismo" (Alemán, 2016, p. 38).
O cartel que Lacan (1967/2003) inventou é um pequeno grupo de quatro ou cinco pessoas que põem em marcha a falta de saber como a causa para sua produção. Não se orientam pelo saber de um mestre. Esse é um ponto em que se aproxima do quilombo, no qual as ordens dos senhores de escravos não vigoravam e a capoeira, as religiões de matriz africana, o canto e a dança traziam saberes ancestrais que estavam apagados ou impedidos pela civilização colonial. O cartel não se estrutura pela suposição de saber no Outro, mas por uma transferência de trabalho, que busca uma produção primeiramente compartilhada com os membros e, depois, estendida para a comunidade. A função do "Mais-Um" corrobora o princípio de orientação do cartel em relação ao saber, já que não há o Outro do saber. Essa suposição invalidaria a invenção esperada de cada um. O conceito surge do significante a mais, que presentifica a falta de um significante que represente o sujeito, sendo, portanto, "menos um" significante que pode nomear a falta. Não estamos afirmando que o quilombo funciona como um cartel, mas eles têm alguns pontos em comum que podem nos fazer pensar se, para além do plano das identificações, não há algo mais potente que sustenta sua força transformadora de subjetivação.
A Escola, com a lógica do cartel como "núcleo-base" da formação, não institui o analista. Pelo contrário, é ele que, pela exposição de suas questões, constitui a Escola e, esta, por sua vez, pode vir a garantir a Psicanálise no mundo, favorecendo a autorização de cada analista sobre sua clínica. O lugar de formação não deve ser estável e rígido, como a ondulação na terra, mas um lugar de desassossego, que faça valer a virulência do Unbewusste freudiano. Essa é a condição de uma crítica sistemática que pode sustentar o futuro da Psicanálise, para que ela não se torne uma ilusão.
Há algo no quilombo que sustenta uma causa, a causa da sobrevivência, não apenas dos corpos negros, mas da subjetividade e da cultura de um povo que é torturado e massacrado por séculos e que sofre a tentativa de apagamento de sua humanidade todos os dias. Aqui, pensamos que há a abertura para o objeto, um objeto causa de desejo, seja o desejo pela sobrevivência, pela vida ou pela própria possibilidade de não ser um objeto-resto, capricho do gozo do Outro.
Conclusões
A empreitada colonial no Brasil deu início à formação de uma sociedade escravocrata, na qual a elite burguesa se constituiu tendo como objetivo o saque do território através do trabalho não remunerado, com corpos-moeda, sem a implementação de quaisquer políticas de longo prazo que não fossem pautadas pela lógica da exploração/descarte. Nesse contexto histórico, ao se arrogar a posição de detentora de uma superioridade intrínseca que legitima o extermínio e a redução desses sujeitos e corpos-moeda (Mbembe, 2013), a massa colonial instaura o racismo contra negros e indígenas.
O racismo orbitou entre o discurso do mestre, se ancorando no argumento religioso de que os negros não eram dotados de alma, sendo, portanto, não humanos (Dussel, 1993), e o discurso científico, propagado pelo Iluminismo e pelos projetos eugenistas tributários do chamado darwinismo social, delírio epistêmico que sustenta a tese de uma inferioridade biológica do negro. Seja como produto do discurso do mestre, do discurso da ciência ou de quaisquer outros, o racismo produz consequências subjetivas de mortificação da população indígena e afrodiaspórica e de constituição de uma sociedade que toma a cor da pele e determinados traços como sinônimos de direito ao extermínio. Mesmo após a abolição da escravidão e independência das colônias, o corpo negro circula na sociedade como alvo e moeda a um só tempo.
Decorridos 200 anos da Proclamação da Independência e 134 anos da abolição, ainda vigora a lógica da plantation: primarização da economia, monoculturas de latifúndio e superexploração da força de trabalho para a remuneração de uma burguesia que atende a interesses do grande capital. Seja durante a empreitada colonial, seja durante os dias atuais, a mente grupal burguesa tem como elemento de coesão o ódio ao negro, ao pobre, ao indígena, ao trans e a todas as subjetividades desviantes do ideal branco e cisheteronormativo secular.
Tal como descrito por Freud (1921/2020), essa massa sem líder, unida por um afeto homogêneo, prossegue em sua surdez e cegueira coloniais a tudo aquilo que denuncia sua necropolítica, por vezes, saindo desse torpor para aniquilar vozes subalternas, como a de Marielle, que ameaçam a sua estrutura. Em momentos nos quais as nomeações que secularmente definiram o que é um homem, uma mulher, um negro, uma família passam a ser questionados pelas subjetividades que fogem ao Ideal do Eu conservador, o reacionarismo avança com toda a sua pulsão de destruição, e as massas buscam um líder com o qual se possam identificar no seu desejo de aniquilação da diferença.
Como possíveis rotas de enfrentamento e resistência à necropolítica, encontramos nos povos diaspóricos o saber secular, que os possibilita fazer frente à voracidade da necropolítica. No grupo freudiano, havia a pregnância da identificação como base de unificação das semelhanças e apagamento das diferenças, como vimos ao longo de nossa argumentação. Como psicanalistas que participam de grupos de lideranças populares nas favelas e acolhem as questões que surgem no caso dos movimentos sociais de politização das minorias oprimidas no Brasil, o que pudemos observar foi o contrário: uma estratégia de decolonização das soluções encontradas e de desidentificação dos paradigmas eurocêntricos de direcionamento da ordem pública e do saber universal que homogeneíza os comportamentos, os modos de agir e o laço entre as pessoas.
Tendo em vista o conceito de Amefricanidade, de Gonzalez (1984), que consiste no reconhecimento das marcas de africanidade na constituição da sociedade e cultura brasileiras frente à sua negação – que caracteriza o racismo à brasileira, racismo por denegação –, o quilombo se apresenta como um modo de constituir o povo e a resistência. Buscando a especificidade da sociedade e da cultura brasileiras para pensar a práxis psicanalítica no Brasil, propomos tomar a estrutura e a invenção do quilombo em suas especificidades como outra forma de grupo, diversa daquela que Freud (1921/2020) descreveu, mas que nos dá pistas do que ele chamou de "grupos efêmeros", dando destaque às manifestações artísticas e culturais, que elevam eticamente os objetivos civilizatórios de uma sociedade.
O cartel inventado por Lacan (1967/2003), compartilha com o quilombo outra lógica em relação ao saber. Para o quilombismo, o saber-fazer ancestral dá uma resposta ao capitalismo, reinserindo o sujeito no plano do coletivo. Sujeito que não sabemos bem se foi excluído pela ciência, denegado pelo racismo ou desmentido pela necropolítica. A interrogação sobre um saber que faz circular o que é singular de cada um é o ponto que afasta o quilombo, assim como o cartel, de uma alienação ao plano identificatório e à redução do Ideal do Eu a uma fixação no que é imposto pelo Outro sem qualquer dialetização. À diferença do cartel, o quilombo serve para decolonizar as estruturas eurocentradas que mantêm as posições de domínio e de dominado e, portanto, podem ensinar aos psicanalistas sobre a dimensão política que o inconsciente deve ser lido para estar à altura de nossa época necroliberal.
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1 A hipótese aqui apresentada é objeto de pesquisa da autora Nayara Paulina Fernandes Rosa na dissertação de mestrado em desenvolvimento junto ao Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica da Universidade Federal do Rio de Janeiro