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Boletim de Psicologia
Print version ISSN 0006-5943
Bol. psicol vol.57 no.127 São Paulo Dec. 2007
ARTIGOS ORIGINAIS
A utilização da terapia do sandplay no tratamento de crianças com transtorno obsessivo-compulsivo
The use of Sandplay therapy in the treatment of children with obsessive-compulsive disorder
Reinalda Melo da Matta*
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
RESUMO
Este estudo tem por objetivo observar os resultados da Terapia do Sandplay (TS) no tratamento de três crianças, entre 6 e 9 anos de idade, com diagnóstico psiquiátrico de Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC). O presente trabalho é uma primeira experiência no contexto da Psicologia Analítica a aplicar a TS no tratamento deste transtorno. Esta pesquisa foi desenvolvida com o método qualitativo-quantitativo, que permitiu uma análise qualitativa das expressões verbais e imagéticas de cada cenário e, em seguida, uma análise quantitativa desses mesmos dados. Com o objetivo de analisar e comparar os resultados da utilização da TS, no tratamento do TOC, o processo terapêutico foi dividido em três fases: início, meio e fim. Observou-se que a estrutura psicológica das crianças foi transformada e, ao final do processo psicoterapêutico, elas obtiveram a remissão dos sintomas e atualmente se encontram sem tratamento farmacológico.
Palavras-Chave: Terapia do Sandplay, Transtorno obsessivo-compulsivo, Crianças.
ABSTRACT
The objective of this study is to present the results obtained using Sandplay Therapy in the treatment of three children, 6 to 9 years old, who had been diagnosed as obsessive-compulsive. This research is the first study to apply Sandplay therapy to such cases. The study was developed using a qualitative-quantitative method, which enabled a qualitative analysis of the verbal expressions and images of each setting to be made, followed by a quantitative analysis of these data. The therapeutic process was divided into three periods: beginning, intermediary and conclusion. The psychological structure of each child was changed for at the end of the psychotherapeutic process there was a remission of their symptoms and they no longer receive pharmacological treatment.
Keywords: Sandplay therapy, Obsessive-compulsive disorder, Children.
INTRODUÇÃO
O estudo do Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) em crianças despertou interesse da autora no momento que os sujeitos A. e G. foram encaminhados para tratamento psicológico por seus médicos psiquiatras. Apesar do conhecimento e dos estudos realizados sobre as técnicas da Terapia Cognitiva-Comportamental (TCC), utilizadas para o tratamento do TOC, observou-se que essas crianças apresentavam dificuldades na execução das tarefas propostas. Decidiu-se, então, investigar a possibilidade da aplicação da Terapia do Sandplay (TS) no tratamento de crianças com essa patologia.
Rosário-Campos (2001) assinalou que as taxas de prevalência da doença na infância e na adolescência são semelhantes às apresentadas na idade adulta, variando de 1,9% a 4,0%, e que aproximadamente um terço dos pacientes adultos apresenta o início dos sintomas na infância.
Na Psiquiatria e na Psicologia, o TOC é descrito, há muito tempo, como uma patologia em que o paciente, apesar de ter consciência da irracionalidade de seus pensamentos e comportamento, não consegue controlar suas compulsões e obsessões, que surgem de forma inesperada e incontrolável. O paciente começa a ter uma série de comportamentos repetitivos, na tentativa de aliviar seus pensamentos obsessivos e, aos poucos, sente-se aprisionado em uma rotina desgastante e estereotipada. O medo de que algo de ruim possa acontecer impede-o de buscar uma saída e o resultado é uma vida que leva a perdas nas relações sociais, nos estudos e a dificuldades nas atividades do dia-a-dia.
Jung (1998), ao estudar a Psicologia dos neuróticos, relatou que se trata de um dos distúrbios mais paradoxais possíveis. Os sintomas patológicos que surgem são muito estranhos e não é possível encontrar nenhum problema orgânico. Entretanto, as idéias obsessivas que ocorrem apresentam características tão absurdas, que o próprio paciente percebe a sua loucura e a sua incapacidade em controlar seu comportamento e pensamentos.
Este estudo tem como objetivo a observação e análise dos resultados da utilização da Terapia do Sandplay (TS) no tratamento de três crianças com diagnóstico psiquiátrico de Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC). Considerou-se a compreensão da dinâmica psicológica do Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) do ponto de vista da Psicologia Analítica. A realização do diagnóstico e o tratamento psicoterapêutico durante a infância são de grande importância, pois é nessa fase que o desenvolvimento psíquico inicia o seu caminho rumo à maturidade. A criança necessita fortalecer seu ego para poder lidar com seu mundo interior e exterior.
A revisão da literatura a respeito do tratamento psicoterapêutico em crianças com TOC revelou que a técnica psicológica mais utilizada tem sido a Terapia Cognitiva-Comportamental (TCC). Entretanto, alguns estudos apontaram que, no tratamento de crianças, a partir dessa proposta, existe uma baixa aderência, devida ao uso de algumas técnicas que incluem exercícios repetitivos, monótonos e a anotação das tarefas diárias, que algumas crianças sentem dificuldade em executar. Nas outras abordagens psicológicas, foram encontrados poucos estudos de caso nesta área. Na Psicologia Analítica e na TS, nenhuma referência foi encontrada para o tratamento de crianças portadoras de TOC. Após a revisão da literatura no Brasil e no exterior constatou-se que o presente estudo traz a primeira experiência de aplicação da TS em crianças com esta patologia.
A prática clínica e a literatura levaram à reflexão sobre o tratamento do TOC em crianças. É possível que a prática da TS, por atuar em um nível pré-verbal, possa favorecer o processo simbólico e a provável transformação dos sintomas.
O método terapêutico da TS foi desenvolvido por Dora Kalff (2003), a partir do “World Technique” de Margareth Lowenfeld. A TS enfatiza a criatividade e a espontaneidade durante a execução dos cenários.
Para Weinrib (1993) o processo natural da cura pode ser ativado pelo jogo terapêutico e pela estimulação dos impulsos criativos que podem ser vivenciados no “espaço livre e protegido” da TS. A criação de cenários é livre e estimula aspectos lúdicos, tornando concreto o mundo interior nas imagens dos cenários dentro da caixa de areia. Do ponto de vista da Psicologia Analítica, o símbolo é um agente criativo que atua como ponte para conciliar os opostos, a utilização da TS por meio da caixa de areia e de miniaturas favorece o processo criativo e o uso de símbolos. A preparação de um cenário na areia é um ato simbólico e criativo. “O fantasiar simbólico livre e protegido estimula a imaginação, libera a energia neuroticamente fixada, conduzindo-a através de canais criativos, o que já pode ser considerado cura” (Weinrib,1993, p.34).
De acordo com Ammann, a “TS ativa a força imaginativa e imagética e a função de realidade, no caso os sentidos, principalmente o tato, sentido tão importante para o ser humano” (Ammann, 2002, p.30).
Ambas as autoras consideram que as principais metas de um processo terapêutico, expansão da consciência e transformação da psique, podem ser alcançadas através da TS. A constelação e a ativação positiva do Self e o surgimento de um ego estável, capaz de se relacionar por igual com os mundos exterior e interior, esse encontro simbólico é facilitado pela TS.
Nos trabalhos relacionados com crianças vítimas de agressões (Donald, 2003), com crianças portadoras de AIDS (Montecchi, 1999), com epilepsia (Reece, 1998), com pacientes esquizofrênicos (Reece, 1995), com pacientes borderline (Oda, 1997), com mulheres com síndrome do ovário policístico (Yoshikawa, 2002) e com pacientes orgânicos (Greghi, 2003), a prática e a pesquisa da TS têm demonstrado que, quando o paciente encontra um canal de comunicação simbólico no qual possa expressar sua condição emocional, ocorre uma reorganização interna e a transformação dos sintomas.
MÉTODO
Esta pesquisa foi desenvolvida com o método qualitativo-quantitativo, que permitiu a análise qualitativa das expressões verbais e imagéticas de cada cenário e, em seguida, procedeu-se à análise quantitativa destes mesmos dados.
Sujeitos
Três crianças do sexo masculino, encaminhadas por médico psiquiatra.
Caso G: com 8 anos e 10 meses, segundo filho, tem uma irmã de 11 anos de idade. Cursa a 3ª série do ensino fundamental. Pais divorciados, curso superior completo. Religião: católica praticante. Natural de São Paulo. Histórico médico: não apresenta nenhuma descrição de doença. Tratamento psiquiátrico: 18/3/2002. Diagnóstico: TOC. Encaminhamento para psicoterapia: 1/4/2002.
Caso L: com 8 anos e 1 mês, primeiro filho, tem uma irmã de 4 anos de idade. Cursa a 1ª série do ensino fundamental. Pais com curso superior completo. Religião católica praticante. Natural de São Paulo. Histórico médico: não apresenta nenhuma descrição de doença. Tratamento psiquiátrico: setembro/1998. Diagnóstico da última médica: TOC, Tiques e Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Encaminhamento para psicoterapia: 7/10/2002.
Caso A: com 6 anos e 10 meses, segundo filho, tem um irmão de 8 anos. Cursa o 3º período da pré-escola. Pais com curso superior completo. Religião católica praticante. Natural de São Paulo. Histórico médico: não apresenta nenhuma descrição de doença. Tratamento psiquiátrico: fevereiro/2001. Diagnóstico: TOC e Transtorno de Ansiedade de Separação (TAS). Encaminhamento para psicoterapia: 26/3/2001. Os pais recusaram o tratamento psiquiátrico e foram procurar tratamento homeopático.
Material
• Relatório médico de encaminhamento.
• Entrevista inicial com os pais.
• Avaliação psicológica dos sujeitos com os testes de Raven, Bender Infantil e HTP-F e entrevista devolutiva com os pais.
• Entrevista retrospectiva com os pais com a apostila de 1º atendimento do PROTOC (C-TOC 1/2005).
• Duas caixas retangulares rasas, com dimensões de 72 x 50 x 7,5 cm e com areia até a metade. O lado interno das caixas é revestido de fórmica azulclara. Afastando-se a areia do fundo da caixa, tem-se a impressão de água azul que pode servir de lagoa, rio ou oceano. Uma das caixas de areia contém areia molhada e a outra areia seca.
• Miniaturas realistas ou fantásticas, abrangendo várias categorias tais como animais (domésticos, selvagens, répteis, marinhos, pré-históricos, peçonhentos e insetos); construções; brinquedos; armas; objetos; pedras; figuras (humanas, mitológicas, fantásticas e sacras); meios de transporte, dispostas em estantes abertas disponíveis para os sujeitos para a montagem das cenas.
• Máquina fotográfica digital.
Procedimento
• Avaliação psicológica dos sujeitos.
• Proposta de tratamento baseado na avaliação psicológica e no relatório médico com freqüência semanal e duração de 50 minutos cada sessão.
• Assinatura do termo de consentimento para pesquisa pelos responsáveis e pelos sujeitos.
• Início do tratamento: pediu-se aos sujeitos que criassem livremente na caixa de areia. Eles poderiam fazer uma paisagem, qualquer cenário, esculpir na areia ou apenas brincar com ela.
• A pesquisadora/terapeuta ficou sentada a uma pequena distância, observando as reações e o comportamento do paciente e também o desenvolvimento do cenário. Ao mesmo tempo, desenhou um esboço para identificar a ordem em que os objetos foram colocados, para estudo posterior. O paciente podia falar ou não. A pesquisadora também anotava as expressões verbais espontâneas dos sujeitos durante a sessão. Algumas vezes, após o término do cenário, eles decidiam mudálo ou mesmo destruí-lo.
• A terapeuta escutou, observou e participou empática e cognitivamente, com o mínimo de verbalização possível. Quando o paciente terminava o cenário, a terapeuta pedia ao paciente para contar a história do cenário e fazia perguntas que pudessem esclarecer o cenário realizado. Em todo o processo, houve a preocupação de preservar o espaço livre e protegido da TS.
• Após a saída dos sujeitos, os cenários foram fotografados e desfeitos. As fotos e a desmontagem dos cenários eram realizadas pela própria pesquisadora/terapeuta para manter o sigilo terapêutico. Os cenários foram fotografados em diferentes ângulos. A primeira foto sempre era feita na posição em que o sujeito realizou o cenário. A segunda, na posição em que a pesquisadora/terapeuta estava sentada e outras fotos eram tiradas de outros ângulos ou de detalhes importantes.
• Os médicos, os pais e as escolas trouxeram informações a respeito da evolução dos sujeitos. A coleta das informações foi realizada pelos relatórios das escolas e médicos e pelas informações verbais dos pais que foram anotadas durante os encontros mensais.
• Ao final do tratamento realizou-se uma entrevista devolutiva com as crianças e os pais. Às crianças foram mostradas as fotos do processo na TS.
ANÁLISE E COMENTÁRIO DOS RESULTADOS
A construção do método para a análise dos dados baseou-se no Discurso do Sujeito Coletivo (Lefèvre e Lefèvre, 2003). Esta pesquisa parte do ponto de vista qualitativo-quantitativo e, a partir deste conceito, realizou-se uma análise qualitativa das expressões verbais espontâneas dos sujeitos. Em seguida, foram desenvolvidas categorias para a análise das expressões imagéticas de cada cenário. Atribuiu-se temas aos cenários que foram incluídos nas categorias de acordo com a percepção da dinâmica dos mesmos. A partir desse momento as expressões imagéticas foram organizadas em categorias. Por exemplo: o uso de água, escavações ou elevações na areia e posição das miniaturas no cenário. Cenários onde apareceram soldados armados em posição de confronto foram considerados como uma expressão imagética de conflito.
Após o levantamento das miniaturas utilizadas, dos cenários construídos e da verbalização de cada paciente, foram estabelecidos temas comuns aos casos das três crianças. Nas expressões verbais encontrou-se 30 temas comuns. No caso dos sujeitos atendidos, na maioria das vezes, eles falavam, contavam histórias e faziam descrições do que estava acontecendo ou do que estavam fazendo. Em outros momentos, eles falavam de suas lembranças pessoais e de suas preocupações atuais. Os pacientes, em vários momentos, referiam-se ao cenário anterior e contavam que aquele que estavam realizando no momento era uma continuação. Às vezes, eles planejavam o próximo cenário. As expressões imagéticas foram reunidas em um total de 14 temas comuns aos três sujeitos.
Após a análise qualitativa dos dados procedeu-se à análise quantitativa dos mesmos. Em função dessas informações e de acordo com as datas foi possível relacionar determinados cenários com a diminuição dos sintomas.
Para uma melhor análise e comparação dos resultados da utilização da TS, o processo terapêutico de cada criança foi dividido em três fases: início, meio e fim. A partir do primeiro cenário de cada sujeito, foi traçada uma linha evolutiva do seu processo, realizouse um estudo comparativo entre as diferentes fases de cada sujeito e entre os três sujeitos. A comparação entre os três casos possibilitou a constatação de 14 temas comuns às três crianças que no decorrer do processo sofreram modificações, ao mesmo tempo evidenciou como o processo analítico em conjunto com a TS propiciou o desenvolvimento da consciência a partir de um estado mais primitivo de identidade, a possibilidade da expressão e utilização dos símbolos; a transformação dos mecanismos de defesa e o fortalecimento do ego. Observou-se que a estrutura psicológica de cada criança foi transformada e, ao final do processo psicoterapêutico, elas obtiveram a remissão de seus sintomas e se encontram sem tratamento farmacológico até a presente data.
Os temas abaixo relacionados merecem ser destacados nos processos dos três sujeitos e podem ser indicativos de uma evolução positiva no tratamento desse grupo de sujeitos portadores de TOC.
Defesas: as expressões verbais e imagens dos cenários relacionam-se à separação da construção, fechamento e delimitação de espaços dentro da caixa de areia. Nas imagens dos cenários foi possível visualizar a ação de defesa e resistência a ataques. A presença de miniaturas relacionadas ao tema, por exemplo o uso de cercas ou barreiras sem saída, sugere a presença de estrutura defensiva e de proteção. As cercas ou barreiras aparecem nos cenários das três crianças no início do tratamento de uma forma rígida e, no decorrer do processo, houve uma modificação, e elas se tornam mais flexíveis e adequadas. Na Psicologia Analítica, defesa significa o ato ou efeito de se defender para que não ocorram mudanças. Para Jung (2002, § 576), o termo tem sentido de defesa ou proteção de alguma coisa, “trata-se de formações protetoras as quais têm o mesmo objetivo da consolidação interior”. Neste estudo, por exemplo, as cercas fechadas podem ser consideradas como defesas mais rígidas e as cercas com aberturas e saídas, mais flexíveis e adaptadas.
Conflito: considerou-se conflito as imagens dos cenários com uma oposição de miniaturas em posição ameaçadora e enfrentamento: a presença de batalhas entre soldados e índios, as possibilidades de ameaça. Por exemplo, o confronto entre animais selvagens predadores e não predadores. O enfrentamento entre animais e robôs foi uma das expressões deste tema. Durante todo o processo pode-se observar que as guerras e batalhas são uma constante. As crianças demonstram por meio destas lutas o conflito interno e as dificuldades presentes na superação dos sintomas do TOC.
Destruição: nas expressões verbais e imagens de cenários observou-se uma ação ou um efeito de colocar abaixo o que estava construído: demolição, eliminação, devastação, ruína, extinção total, aniquilamento e fim. A Destruição pode significar o momento em que o sujeito sente-se ameaçado pelos seus impulsos que provocam ansiedade. Pode-se considerar os impulsos como os processos psíquicos que a consciência não controla. O reconhecimento do conflito pode provocar uma situação perigosa, expressa por atos destrutivos, que não apresentam controle externo, como por exemplo, desastres da natureza.
Assim como o uso das cercas é modificado no transcorrer do processo, a reconstrução do destruído está presente em uma grande maioria dos cenários. Após a destruição em algumas cenas observa-se a construção, a transformação e as guerras nas cenas subseqüentes, como se fosse um novo ciclo.
Centralização: expressões verbais ou imagens dos cenários em que aparecem a reunião ou a concentração de areia no centro da caixa, com a colocação e a convergência de objetos em direção ao centro dela. O processo de centralização no contexto da Psicologia Analítica representa um dos pontos mais importantes do processo terapêutico relacionado ao processo de individuação. Pode-se considerar a Centralização como o lugar da transformação criadora, o encontro do inconsciente com o consciente.
O ciclo se repete e a tendência à centralização se torna evidente, enquanto os sintomas não estão mais presentes e as crianças se adaptam melhor ao seu ambiente e sentem-se mais felizes e seguras.
Transformação: as expressões verbais e imagens de cenários com modificação de uma forma de energia. Por exemplo, o uso do fogo com a presença de velas e lamparinas. O transformador que altera a tensão elétrica e permite o uso da energia em postes de iluminação, que conduzem a energia elétrica de um lugar para o outro, e as lâmpadas que iluminam. Pode-se considerar que, na Transformação, o impulso se altera e deixa de perturbar, por se transformar em algo construtivo e útil.
As cenas de transformação e mudanças estão ligadas à mudança de comportamento das crianças e à ausência dos sintomas do TOC. Estes cenários ocorrem em todo o processo das três crianças.
DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
Na análise qualitativa do tema Defesas, pode-se considerar que houve uma modificação do período inicial para o período final. Pela evolução do processo, percebese que as defesas passaram por uma transformação, ou seja, o que anteriormente se apresentava como defesa rígida ao final aparece mais flexível. Pode-se considerar um trabalho de adaptação que se processou com a mudança de atitude frente ao mundo externo. As defesas que, inicialmente, tinham por função o controle dos impulsos, passam a funcionar como condição de adaptação ao meio em que essas crianças vivem. Os relatórios das escolas nas diferentes fases e as observações dos familiares comprovam a modificação de comportamento dos sujeitos. A possibilidade de simbolização na TS permitiu que o fluxo da energia psíquica conseguisse ser retomado. Os movimentos de progressão e regressão da libido, que se encontravam bloqueados pelas defesas rígidas e que se manifestavam pelos sintomas, conseguiram encontrar uma direção e uma finalidade. Jung (1998) compara a mudança do fluxo da energia a uma queda de água, que pode divertir por um pequeno período de tempo em um fim de semana, mas é possível aproveitá-la de uma maneira mais completa ao ser transformada em usina elétrica. Nos casos apresentados, pode-se perceber a modificação ocorrida nos sujeitos. O controle sobre os atos impulsivos desenvolveu nessas crianças defesas rígidas, que podiam estar associadas aos sintomas do TOC. Assim, quanto mais elas se defendessem dos sintomas, mais estes apareceriam. O processo de diferenciação não ocorria e não havia a superação da unilateralidade, o que gerava uma grande ansiedade e o surgimento dos sintomas do TOC.
Ao escrever sobre a conscientização das fantasias e da participação ativa do paciente nesse momento, Jung (1991b § 358) verificou que:
“A contínua conscientização das fantasias (sem o que, permaneceriam inconscientes) com a participação ativa nos acontecimentos que se desenrolam no plano fantástico, tem várias conseqüências. Em primeiro lugar, há uma ampliação da consciência, pois inúmeros conteúdos inconscientes são trazidos à consciência. Em segundo lugar, há uma diminuição gradual da influência dominante do inconsciente; em terceiro lugar, verifica-se uma transformação da personalidade”.
Foi possível observar, na apresentação dos casos, que os sujeitos identificavamse com seus sintomas, estado que significa uma ausência de diferenciação, ou seja, as crianças não conseguiam separar-se dos impulsos caracterizados pelas obsessões e compulsões, não podiam fazer uma escolha consciente entre as motivações do ego e os impulsos. Whitmont (2000) afirma que, quando somos iguais ao impulso, não existe uma diferença entre a reação consciente e o impulso. No caso desse grupo de crianças portadoras de TOC, não havia essa separação. O consciente e o inconsciente não apresentavam harmonia, com conflitos intensos e ativados inconscientemente.
A comparação entre os três casos demonstrou como o processo analítico em conjunto com a Terapia do Sandplay propiciou que:
• a partir de um estado mais primitivo de identidade ocorresse o desenvolvimento da consciência e as crianças tornaram-se sujeitos do próprio processo de transformação.
• a utilização e expressão de símbolos permitisse a transformação dos sintomas.
• houvesse a flexibilização dos mecanismos de defesa.
• ocorresse o fortalecimento do ego.
• se restabelecesse a capacidade de organização da psique.
As três crianças tiveram alta médica, sem precisar mais fazer uso de medicação e encontram-se adaptadas em suas comunidades.
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Recebido em 22/05/06
Revisto em 16/11/06
Aceito em 22/11/06
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