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Print version ISSN 0101-3106
Ide (São Paulo) vol.37 no.58 São Paulo July 2014
ARTIGOS
A agonia de Édipo: notas de leitura sobre pais e parentalidade
The agony of Oedipus. remarks on parents and being a parent
Urias Arantes*
RESUMO
Trata-se de chamar a atenção dos psicanalistas para os problemas colocados pelo que se chama hoje declínio da família patriarcal. Partindo de uma análise de J.-P. Lebrun, mostra-se a dificuldade, que talvez seja mais geral, de abordar essas questões reinterrogando o modelo edipiano familiar e clássico. Os psicanalistas raramente se sentiram à vontade diante do feminino e dos feminismos, duas dimensões que certamente abririam novas perspectivas às quais a Psicanálise não pode permanecer insensível.
Palavras-chave: Pais, Parentalidade, Édipo, Matriarcado, Feminismos.
ABSTRACT
The point of this paper is to draw the attention of psychoanalysts to the problems posed by the currently decline of what is called the patriarchal family. Starting off from an analysis by J.-P. Lebrun, this paper shows the difficulty, which is perhaps more general, of approaching these questions by going back to the familiar and classic Oedipal model. Psychoanalysts rarely feel comfortable with the feminine or with feminisms, two dimensions which certainly open up new aspects to which psychoanalysis cannot remain indifferent.
Keywords: Parents, Being a parent, Oedipus, Matriarchy, Feminisms.
"L'avenir de l'homme est la femme."
L. Aragon, Le fou d'Elsa
1. Posição do problema
Na conclusão de seu livro Masculin/Féminin II, escrito com o objetivo de dissolver a hierarquia nas relações sociais entre os sexos, Françoise Héritier pede aos políticos que estejam atentos ao essencial, "a saber o primado verdadeiro da igualdade entre os sexos com o reconhecimento de assimetria entre eles como linha de liberação, e que disso depende o progresso geral da humanidade" (Héritier, 2002, p. 390). A assimetria está relacionada à especificidade feminina ("um poder exorbitante") de se reproduzir de maneira idêntica e, mais ainda, de produzir os filhos dos homens. Ora, tal especificidade foi acaparada pelos sistemas de representação que atribuem ao homem o papel central na procriação, a mulher sendo apenas o recipiente da preciosa semente, e apagada pelos sistemas sociais de repartição das mulheres como esposas e mães: esses dois sistemas são as armas da dominação masculina. Daí que para F. Héritier a primeira grande transformação interveio quando se reconheceu às mulheres, na França, o direito à contracepção1. Outras leis visando o reconhecimento de direitos às mulheres foram votadas, até a lei que, em 2000, regulou a paridade política entre homens e mulheres. Uma lei cuja aplicação ainda está longe de se transformar em atos. No entanto, muitos combates persistem: "repartição real das tarefas domésticas e parentais, mas também sobre a educação e a cultura transmitidas a nossos filhos que justificam a desigualdade nesses domínios até agora" (Héritier, 2002, p. 394).
A tese antropológica, sociológica e política que dirige a reflexão de F. Héritier é que a igualdade não é incompatível com a assimetria, com a diferença masculino/feminino – tese que se completa e se complica com a ideia que o que é próprio da humanidade é sua capacidade inventiva e que, em matéria de relações entre os sexos, nada impede que até mesmo "les butoirs de la pensée" (tradução aproximativa: "os limites do pensável") – quer dizer, por exemplo, a existência de dois sexos, o sentido único da sucessão das gerações etc. – se transformem no futuro, por exemplo, graças às possibilidades de procriação extracorporal. E se F. Héritier se posiciona claramente contra a GPA (Gestation pour autrui) para os casais homo e heterossexuais, trata-se de impedir a GPA comercial: "o dom altruísta deve ser possível e poderia ser reconhecido pela lei francesa que proíbe a comercialização do corpo humano e de seus órgãos" (Héritier, 2013). Pois a exigência ética fundamental é que a satisfação de desejos e necessidades não se faça em detrimento dos outros, o que poderia acontecer no caso da GPA comercial.
Estamos aqui, com toda evidência, diante da afirmação implícita da não existência de invariantes biológicas, antropológicas ou simbólicas, apesar dos "butoirs de la pensée", os quais não se transformam em fundamentos inquestionáveis e geradores de referentes absolutos: prima o espírito inventivo da humanidade.
Essa questão parece essencial em qualquer discussão sobre as novas figuras do que é cada vez mais difícil de chamar "família"2. Essas novas configurações suscitam novos problemas, pois caso se suponha que há uma ou várias invariantes, isso pode implicar a existência de limites que não podem ser ultrapassados sob pena de desnaturalização ou de desumanização. E a discussão acaba se voltando, então, para o ponto de saber se tal ou tal configuração familiar põe em perigo a humanização ou a transmissão de nossa humanidade. Se não há invariantes, isso não significa no entanto que se possa prever as configurações futuras, como se fossem puras consequências lógicas, mas simplesmente que será preciso permanecer atento ao que se manifesta e ao sentido que aparece em relação à condição humana. Está em jogo igualmente a questão da liberdade. Um belo tratamento literário desses problemas encontra-se no romance de Michel Houellebecq, Les particules élémentaires (1998).
Os psicanalistas alimentam frequentemente esses debates e têm o mérito de abordá-los dando um certo privilégio à transmissão, aos processos de humanização e de subjetivação, quer dizer de construção do sujeito. Abrem assim uma nova dimensão do problema, para além da dimensão antropológica, sociológica, jurídica ou política, implicando radicalmente a condição humana, talvez mesmo uma definição do humano que poderia funcionar eventualmente como invariante. Privilegiar a transmissão quer dizer levar em conta o modo de relação dos adultos entre eles e com as crianças, particularmente como vivem a diferença sexual. Ora, o que se designa como declínio da família patriarcal levanta novos problemas clínicos e teóricos ao redor de duas noções importantes no espaço lacaniano: função materna ("fonction maternelle") e função paterna ("fonction paternelle"). Um texto de J.-P. Lebrun ilustra bem esse ponto (Lebrun, 2011).
2. Os pais perderam o sexo?
A resposta de Lebrun é clara: os pais estão correndo o risco de perder o sexo e de dirigir seus filhos na mesma direção, sem perceberem o que está em jogo. Com isso, o perigo é que as crianças não se submetam mais ao trabalho da humanização. E Lebrun se interroga a respeito dos efeitos clínicos dessa transformação, sobre como responder a ela como analista, e chama nossa atenção sobre um domínio de estudo pouco elaborado, a saber o da articulação entre o laço social e a subjetividade.
Um sinal da mudança aparece no vocabulário jurídico3: a autoridade paterna cede lugar à função parental ou parentalidade, para significar assim o avanço do projeto democrático da "igualdade de condições" (com referência a Tocqueville) reivindicado pelas feministas. Ora, parental e parentalidade apagam a diferença sexual e mantêm exclusivamente a diferença de geração. O termo de homoparentalidade é uma consequência natural da mudança. Apagando a diferença entre os sexos, o que se valoriza é o casal de educadores, deixando na sombra o engajamento de um homem e uma mulher. A tarefa dos pais corre o risco de tornar-se um "'covoiturage' educativo, [...] uma coabitação ou [...] um companheirismo sem nenhuma referência a um real" (Lebrun, 2011, p. 12).
Um tal "progresso" corresponde, segundo Lebrun, à tendência do coletivo a esconder a discordância e a dissimetria4, quer dizer, tudo o que é implicado pelo sexual, pois a sexualidade humana implica o Outro, a discórdia, a inadequação: e isso se torna um modelo para tudo o que se passa entre os humanos. Uma conclusão se impõe, segundo Lebrun: há uma nova maneira de se proteger contra o sexual, ontem era a repressão, hoje tudo nos convida "a permanecer aquém do sexual, como fora do sexo, a fazer como se esse traumatismo da estrutura não nos atingisse" (Lebrun, 2011, p. 14).
Essa maneira de assumir ou de recusar a disparidade no inconsciente dos adultos é o que se transmite às crianças; é na família que se transmitem as leis da linguagem – condição do inconsciente – é aí que se realiza a humanização através do que se passa entre pai e mãe, e é aí que se manifesta o campo do social.
Lebrun não antecipa os efeitos dessas transformações – é preciso esperar a terceira geração – mas não as considera tampouco como um progresso indiscutível, pois, se a evolução democrática é legítima, a dificuldade com a parentalidade é sua tendência a impedir a confrontação com o real, quer dizer, "ao que não pode ser regido por um programa qualquer, nem mesmo por um contrato, o que em caso algum se transforma em consenso" (Lebrun, 2011, p. 15 e ss.). Essa confrontação passa pela submissão à linguagem: pela distância entre as palavras e as coisas. A linguagem é a capacidade de simbolizar e de elaborar os efeitos incontornáveis da condição de ser-falante, nossa condição fundamental de ser-de-desejo. Com a igualdade entre os pais, a transmissão tende a desaparecer do campo afetivo da criança confrontada duas vezes com só um dos pais ("famille bi-monoparentale"). E como essa igualdade só pode fracassar, a violência corre o risco de se manifestar quando houver confrontação com a dissimetria, razão pela qual o programa igualitário deve ser acompanhado do trabalho da cultura, o único capaz de sublimar a violência.
Um outro aspecto da transmissão é importante para a humanização. O primeiro outro para uma criança é a mãe que se ocupa dela, que a alimenta e fala, que está presente, mas que também desaparece – uma experiência que leva a criança a falar, a chamá-la e, assim, a abandoná-la e a abandonar o gozo para aceder ao desejo. Ora, a ausência da mãe é justificada pelo pai: a mãe não pertence inteiramente à criança, há um outro laço em nome do qual ela abandona sua relação exclusiva com a criança. A família patriarcal garantia o funcionamento desse esquema, ao preço de uma subordinação da mulher ao pai e ao marido. Essa figura familiar está declinando, um declínio reforçado pelo discurso social dominante. Voltar atrás é impossível, tampouco é desejável, mas o fundamental, segundo Lebrun, é que se reconheça que "a superioridade necessária de uma economia que se pode chamar de paterna é uma obrigação que a linguagem nos impõe, sem que tal economia exija a submissão ao patriarcado. Mas a dificuldade é que onde, ontem, o discurso social obrigava a criança a abandonar o mundo da mãe [...], o social hoje legitima sobretudo a 'maternalizaçao', o se tornar materno [...]" (Lebrun, 2010, p. 195).
Feminino e feminismos
As análises, os argumentos e os problemas suscitados e largamente desenvolvidos em outros textos por Lebrun merecem alguns comentários.
Reservo para uma outra discussão a tese emprestada a Tocqueville para quem o princípio gerador da democracia é a "igualdade de condições". Lebrun inscreve a emergência do termo parentalidade na lógica desse princípio que, nesse sentido, implicaria o apagamento da diferença sexual e, por esse meio, do casal parental como aliança de dois sexos. A via está aberta para o termo de homoparentalidade que se tornaria, por assim dizer, um pleonasmo.
O significante parentalidade aceita e mesmo convida outros significados, e o psicanalista deve permanecer atento a outras possibilidades, além daquelas saturadas pelo discurso social. Há sem dúvida a substantivação de um adjetivo: parental é o adjetivo do substantivo parent, parents (em português: os pais) indicando pai e mãe. Com parentalidade o que se diz também é que a diferença entre pai e mãe não é uma diferença de substância, de essência (incluido o ser e o existir), mas uma diferença de função, uma diferença no exercício da responsabilidade ou do engajamento de um desejo que não tem por fundamento uma substância (o que está por baixo, como um suporte), mas que é assumido, escolhido ou aceito. Em outras palavras, parentalidade sugere também que ser pai ou mãe não é uma questão de natureza, apoiada sobre uma dissimetria biológica, mas um fato cultural instituído pela liberdade (pelo menos no sentido de indeterminação biológica) e pelo desejo. Isso não quer dizer que se nega a diferença biológica, mas que é preciso separar o genitor e o pai, a genitora e a mãe, para privilegiar as relações engendradas entre adultos e crianças, o que não apaga de modo algum uma diferença de função. Ao contrário, é questão de se afirmar com a parentalidade a igualdade, a ausência de hierarquia entre as funções.
Há a esse respeito uma discussão atual e o discurso social não é consensual, pois as reivindicações estão em conflito e o legislador avança o mais das vezes com prudência – com ou sem razão – esperando um mínimo de consenso. Assim, por exemplo, reconheceu-se recentemente na França o direito ao casamento para os homossexuais, mas sem acesso à GPA ou à PMA (Procréation médicalement assistée) para as lésbicas. Na articulação do social e da subjetividade é preciso levar em conta igualmente os conflitos que atravessam os dois campos (em lugar de confundir, por exemplo, o discurso social com o discurso jurídico e considerar a subjetividade como simples reflexo do social) e interrogar os efeitos sobre a subjetividade e que não parecem ser nem diretos nem imediatos.
Um segundo comentário diz respeito à humanização pela via da submissão às leis da linguagem, graças à experiência da distância que a linguagem instala entre a palavra e a coisa, abrindo assim o campo do desejo e afastando a criança do mundo do gozo materno. Pode-se pensar que há analogia entre o acesso à linguagem e aceitação de seus efeitos e a proibição do incesto: há uma multiplicidade de formas possíveis. O que diz a proibição do incesto é que há uma relação proibida e, segundo Lévi-Strauss, que o fundamento da sociedade não é a consanguinidade, mas uma aliança. O mesmo argumento valeria para o acesso à linguagem: a universalidade da exigência se realiza sob uma multiplicidade de formas e postula, na base da subjetivação, uma divisão, uma dissidência consigo mesmo e com os outros que o sujeito tem que elaborar. Em outros termos, há uma invariante, digamos, ontológica – o homem é um ser-falante – mas diferentes vias de transmissão da linguagem e a prevalência de uma economia paterna, sem ou com uma família patriarcal, parecem ter tido seu tempo e não podem ser tomadas como referência absoluta. A transmissão é ela também inscrita na cultura, onde se manifesta a criatividade humana.
Lembremos ainda que, de qualquer modo, o processo de subjetivação implica uma multiplicidade de referentes graças ao jogo das identificações – e que o enfraquecimento, talvez mesmo o desaparecimento de um modelo de identificação primária, não parece impedir outras identificações, embora a questão mereça mais atenção – e que é difícil de conceber que a multiplicidade concorra para a desumanização pelo fato que lhe faltaria o modelo do casal parental hierárquico. Que haja efeitos do declínio do casal parental hierárquico parece inevitável. Que o psicanalista se interrogue sobre as novas tarefas da psicanálise é sempre uma boa coisa. Que ele fale de desumanização, de desculturação, levanta um problema, pois ele pretende então saber o que é um homem – quer dizer, dois genitores e a capacidade de simbolizar – e que esses dois traços constitutivos não podem se manifestar de múltiplas formas cada um independentemente e um em relação com o outro. O que implica também que o psicanalista pretende saber qual é o padrão cultural normal ou desejável.
A prevalência, com seu valor de superioridade, da economia paterna tem seu fundamento – e portanto o fundamento da diferença de funções – na natureza: é o que afirma Lebrun quando mostra que, se a mãe instaura na relação com a criança a dialética da presença/ausência e a linguagem, a relação é antes de tudo de corpo a corpo, um laço "natural" que deve ser superado por um laço "cultural" que só o pai pode representar, não enquanto genitor, mas porque é um ser-falante – "sua existência é condicionada pela palavra" (Lebrun, 2011, p. 32) – já na palavra da mãe, mas também enquanto representante do social. O pai introduz a alteridade no que corre sempre o risco, com a mãe e apesar da linguagem, de permanecer no domínio da "mesmidade". A conclusão de Lebrun é que a igualdade entre homem e mulher é legítima "pois também a mãe fala" (Lebrun, 2011, p. 32), mas isso não justifica a inversão da hierarquia marcando a superioridade do pai, agente cultural e humanizante, sobre a mãe, agente natural, potencialmente desumanizante.
É difícil aqui não ouvir um eco da tese freudiana sobre o pouco de aptidão da mulher para a sublimação e a cultura. É certo que a mulher introduz o pai e a linguagem para a criança, mas ela apresenta sempre o perigo do gozo do corpo a corpo que só o pai pode neutralizar.
Na sua elaboração do problema, Lebrun supõe – e em consequência não problematiza – que a diferença entre pai e mãe não pode nem deve ser apagada, mais ainda, que ela implica necessariamente uma prevalência. Ele supõe também que a prevalência da mãe sobre o pai – segundo ele, a tendência contemporânea – tem consequências. Mas se ele se interroga sobre essas consequências, a justo título, não o faz nunca sobre o primeiro ponto: como a diferença sexual se transforma em hierarquia? Essa pergunta abriria a interrogação de formas, figuras e sentidos dos feminismos. Ora, aparentemente, os psicanalistas não se sentem à vontade diante dos feminismos. O problema de Lebrun se transforma assim no esforço de mostrar como a dissimetria – e portanto a prevalência – é irredutível, bem fundada e necessária. Em outros termos, a diferença de função tem um fundamento inquestionável que só pode ser natural, biológico. É essa substância que vem fundar a função humanizante da transmissão e da adesão às leis da linguagem. Se a base é subvertida, a desumanização aparece.
Na realidade, parece haver uma espécie de hesitação, talvez mesmo de contradição, que atravessa a reflexão de Lebrun, e que, aliás, talvez seja seu interesse e sua força. Quer dizer que às vezes a prevalência da função paterna sobre a função materna encontra seu fundamento na natureza, no biológico, e às vezes as funções parecem escapar a tal fundamento e, então, o que se coloca como exigência é o esforço de mostrar que a superioridade da primeira deve ser mantida, pouco importando o sexo. É quase como afirmar que o casal homossexual não poderá transmitir a humanidade se não tomar como modelo o casal heterossexual patriarcal, o único capaz de humanizar.
Essa hesitação revela o trabalho subterrâneo de um princípio democrático não sem relação com o da "igualdade de condições", que é seu derivado, mas que tem um outro estatuto: a saber, que, na democracia, ninguém pode incarnar os fundamentos do saber, do poder ou da lei, que esses fundamentos são abertos à discussão, conflituais, posto que a exigência requer tê-los como referência para se dar um sentido à ação humana. Nessa dimensão fundadora da democracia, a questão dos feminismos ganha toda sua importância.
Pois talvez o ponto cego do esforço dos textos estimulantes de Lebrun (nesse sentido bastante próximos de Melman) esteja aí: uma completa insensibilidade às questões do feminino e mais particularmente dos feminismos históricos e atuais. Quanto ao feminino, não se encontra quase nada mais do que a doxa freudiana matizada aqui e ali de lacanismo, esquecendo-se as hesitações e as contradições de Freud. Quanto aos feminismos, o silêncio é eloquente. A pergunta que Freud formula, confessando a Maria Bonaparte seu fracasso em respondê-la – "o que quer a mulher? " –, parece não ter sido ouvida, talvez esteja mesmo proibida de escuta sob a atração da tese, igualmente formulada por Freud, que a anatomia é destino.
Não é absurdo pensar que os feminismos são, para além de um combate em nome da "igualdade de condições", também uma reivindicação poderosa para que se reconheça enfim a diferença do feminino. A psicanálise não pode e não deve ignorar essa dimensão.
Referências
Héritier, F. (2002). Masculin/Féminin II. Dissoudre la hiérarchie. Paris: Odile Jacob. [ Links ]
Héritier, F. (2013). Entrevista a Marianne. 24 de fevereiro de 2013. [ Links ]
Lebrun, J.-P. (2010). La grande déculturation. Revue Lacanienne, 2010/3 (8). [ Links ]
Lebrun, J.-P. (2011). Fonction maternelle, fonction paternelle. Bruxelas: Yapaka. [ Links ]
Endereço para correspondência
URIAS ARANTES
42 boulevard d'Anvers
67000 Strasbourg - França
tel.: 33 3 88 44 04 67
E-mail: urias.arantes@gmail.com
Recebido: 11/04/2014
Aceito: 15/05/2014
* Psicanalista.
1 Lei Neuwirth de 1967, proposta à Assembleia Nacional pelo "gaulliste" Lucien Neuwirth, aprovada em 19.12.1967, reconhecendo às mulheres o direito à contracepção e, assim, abolindo a lei que a proibia de 31.07.1920. Fortes resistências fizeram com que a lei só fosse aplicada em 1972. A contracepção oral será coberta pela Sécurité Sociale somente em 1974. O aborto permanecerá proibido até a lei Weil de 1975.
2 Etimologicamente o vocábulo "família" deriva de "famulus", "servidor", com uma conotação econômica. Ele indica em Roma o conjunto dos "famuli", os escravos ligados à casa do mestre, e em seguida todos os que vivem sob o mesmo teto sob a autoridade do "pater familias". Fonte: Dictionnaire historique de la langue française.
3 Os comentários que seguem valem para a língua francesa; não há equivalência completa com o português.
4 F. Héritier fala de assimetria, enquanto Lebrun prefere dissimetria. Sem ignorar a sinonímia corrente, no primeiro caso (com o a- privativo) a sugestão é que inexiste uma medida comum; no segundo caso, sugere-se a separação, a distância estabelecida por um critério comum, sem esquecer aqui a conotação de defeito.