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Ide

Print version ISSN 0101-3106

Ide (São Paulo) vol.44 no.73 São Paulo Jan./June 2022

 

ENTREVISTA

 

A implosão-explosão catastrófica gerando vida1

 

 

Michael Eigen; Tradução de Alceu Casseb

 

 

Para introduzir o letmotiv deste número faremos um pequeno prelúdio, uma introdução autobiográfica com esta entrevista que Michael Eigen concedeu à Ide. O autor, apoiado em momentos de sua vida e pessoas que lhe foram caras, tece seu modo de pensar a psicanálise. Michael Eigen é PhD, psicanalista, autor de 30 livros e muitos artigos, entre eles: The Psychoanalytic Mystic, The Sensitive Self, The Challenge of Being Human, Pain and Beauty, Terror and Wonder etc. É professor e supervisor no programa de pós-doutorado em Psicoterapia e Psicanálise da Universidade de Nova York e na Associação Nacional de Psicologia para Psicanálise. Ganhou o prêmio Life Achievement Award pela Associação Nacional para o Avanço da Psicanálise. Realiza, há mais de 50 anos, seminários privados sobre Winnicott, Bion, Lacan e seu próprio trabalho.

Ide - Como se deu sua paixão pela psicanálise? O que o levou a essa interface psicanálise/misticismo que vemos em seu livro The Psychoanalytical Mystic e, também, em outros trabalhos em que você discorre sobre a Cabala e muitas outras interessantes interfaces de pensamento sobre esse assunto?

ME - Cresci em Passaic, Nova Jersey, e a psicanálise não me era familiar. Talvez minha primeira experiência verdadeira de psicoterapia, aconteceu realmente na faculdade, quando minha namorada começou seu tratamento no serviço de saúde mental da faculdade que tinha um direcionamento psicanalítico, mas quando ela se transferiu para outra escola, eu comecei minha terapia semanal, e não sei se foi sua ausência ou estar pela primeira vez em terapia, mas minhas notas nos cursos foram as mais altas que eu jamais tivera.

Um ponto decisivo foi quando meu colega de quarto me contou a interpretação de seu analista sobre um sonho que tivera. Íamos para a escola na Filadélfia e ele viajava semanalmente para Nova York para sessões. Então, ele me contou que as luzes da interpretação se acenderam e os sinos tocaram. Eu nunca tinha ouvido algo tão bonito. Seu analista terminara recentemente sua formação em Zurique com Emma Jung. Era meu primeiro ano de faculdade e decidi entrar em terapia com esse homem quando terminei a faculdade. Naquele momento, ele tornou-se meu Sócrates vivo. Não posso enfatizar quão profundo e forte isso foi, como Sócrates havia se tornado meu herói. Isso pode parecer estranho para você, mas foi de Sócrates que eu soube que a Verdade existia. Quando as pessoas usavam a palavra verdade e eu me perguntava o que elas queriam, o que estavam fazendo. Mas Sócrates mediou a própria coisa, a realidade viva.

Depois de me apaixonar por "A interpretação de sonhos", li tudo de Jung no meu primeiro ano, bem como Erich Fromm (The Forgotten Language). Tive mais dificuldade para ler Freud, que aumentou ao longo dos anos. Eu me sentia muito jovem para Freud naquela época, mas agora ele é uma parte preciosa de mim. No meu primeiro ano, também, Zen entrou em minha vida por intermédio de D. T. Suzuki. Mais tarde, eu trabalharia com Rajneesh, Chogyam Trungpa e muitos outros.

Não é fácil identificar a corrente espiritual que parecia crescer com base em muitas fontes. Lembro-me de ter ficado impressionado quando meu pai me levou ao hospital à noite para uma operação de apêndice, quando eu tinha pouco mais de 2 anos de idade. As estrelas me iluminaram, uma sensação de alegria que permaneceu como um ponto de referência para o resto da minha vida. Outra ocasião foi ouvir um mendigo tocar clarinete, depois do qual aprendi a tocar. Eu tinha muito prazer quando meu professor tocava para mim depois de uma aula. Com o passar do tempo, eu tocava piano, saxofone e clarinete em bandas e solo. Enquanto os antigos falavam sobre a música das esferas, eu eventualmente falava da música da psique. A música abre lugares para os quais não se tem um vocabulário verbal.

Desfrutar a alegria era passar de experiência a experiência, como o beijo de boa noite em Laurel quando eu tinha 16 ou 17 anos e saía cantando e dançando quando voltava para a casa. Uau! Tive uma experiência "uau" ao encontrar um livro de Winnicott na sala de espera do meu analista por "acidente". Meu analista começou junguiano, mas cresceu mais por intermédio de Freud, Klein, Winnicott, Bion, Lacan, e outros. Quando eu estava no México em 1958, meu analista, Henry Elkin, me enviou seu primeiro trabalho analítico: "On the Origins of the Self" em The Psychoanalytic Review. Acho que ali as sementes que unem e vinculam a psicanálise e o senso místico foram definitivamente plantadas, embora provavelmente tenham existido implicitamente antes. Ele gostava de escrever Freud-Jung com um hífen entre eles. Loray Daws (2016) coletou muitos dos documentos de Henry Elkin: On the Origin of the Self: The Collected Papers of Henry Elkin (Epis Press).

Quando eu estava na 5.ª série me inscrevi na escola hebraica, contei a meus pais o que fiz e eles concordaram em pagá-la. Minha escola primária alugou espaço do Templo ao lado para sua academia, então eu já tinha uma conexão com o espaço. Adorei assistir às aulas, aprendendo hebraico e as histórias da Torá. É difícil saber exatamente como, mas isso acendeu a imaginação espiritual. Alguns resultados inesperados foram imediatos. Meu comportamento na escola primária melhorou instantaneamente. Minha professora na escola primária mal podia acreditar o tanto que mudei e ela não tinha mais problemas comigo. Talvez eu não quisesse mais ficar depois da escola para ser punido porque queria me apressar para chegar à minha aula de hebraico ao lado. De alguma forma ela entendeu a conexão entre o sentimento que crescia em mim da escola hebraica e o interesse mais profundo no que ela oferecia também. Nós nos vimos de uma nova maneira.

Com o passar do tempo, me senti atraído por uma série de caminhos espirituais. Durante um tempo, no início dos meus 20 anos, recebi instruções em uma igreja católica, mas tive que parar quando fiquei doente. Durante minha doença, eu lia romances. Desde a minha infância, sem pôr em palavras (eu o faria na faculdade) eu sentia que a ficção transmitia a verdade emocional, a verdade dos sentimentos, como fazia o mito. Comecei a escrever contos na escola primária e poesia na escola secundária. Também senti uma certa libertação e um aprofundamento ao descobrir a doutrina da igreja invisível que cresceu em significado.

Um dos meus melhores amigos no colegial também foi ao meu terapeuta e tornou-se rabino. Durante alguns anos éramos muito próximos, e ele me ensinou muito. Sou de uma família de imigrantes. A mãe de minha mãe só conhecia ídiche e polonês, nunca aprendeu inglês. Ela acendia velas todas as sextas-feiras à noite. Uma textura de brilho sagrado fazia parte de nossas vidas seculares.

Tao foi uma das grandes ajudas nas adversidades dos meus 20 anos, além de Lao Tzu e, mais ainda, Chuang Tzu. Quando sou pressionado a me definir em termos de religião, digo, claro que sou judeu, mas me identifico profundamente com o taoísmo. Agora, aos meus 80 anos, estou descobrindo que não sou o único. Há alguns anos, o rabino Rami Shapiro publicou um lindo livro chamado O Tao de Salomão, no qual traduzia a vaidade como um vazio, semelhante ao Sunyata Budista. Creio que agora há muito cruzamento espiritual, uma necessidade de se extrair de muitas fontes.

Há muito tempo tive exposição ao misticismo judeu, à literatura luriânica, judaísmo chassídico e contato com iniciados. Escrevo sobre isso em Kabbalah and Psychoanalysis (2012). Rebbe Schneerson foi uma presença aprofundada, mediadora de muitos dons espirituais. Minha ligação com o chassidismo se aprofundou após uma visita a Israel em 1968, quando conheci Winnicott na volta para casa. Caminhei por todo Israel, naquela época era possível, visitei o túmulo do rabino Akivah, meu rabino favorito, e Tvat (Safed) onde o rabino Luria praticou, assim como Jerusalém com muitos momentos de valor duradouro. Anos mais tarde, após a morte de meu pai, fiquei mais envolvido com Chabad e as ligações entre a psicanálise e o misticismo continuaram a se aprofundar.

Aos 20 anos trabalhei com crianças perturbadas, eu já era uma espécie de terapeuta - Blueberry, Escola Reece, Escola First Street. Na faculdade, uma colega sugeriu que eu entrasse em contato com seu marido que havia iniciado um programa de treinamento em uma clínica no Brooklyn, New Hope Guild. Ela achou que seria bom para mim e eu seria indicado para isso. E após completar o treinamento como professor e supervisor, permaneci lá durante anos. Fui pioneiro em oferecer Winnicott. Comecei a ensinar Bion no início da década de 1970 e descobri Attention and Interpretation em minha viagem a Londres em 1975. Especialmente, o capítulo dois lançou acordes profundos de significado. Conheci Bion em 1977 em Nova York, onde ele deu seminários e sessões, uma palestra e foi a uma festa. Eu assisti a todos eles. As sessões que tive com ele começaram a mudar minha vida. Entre muitas coisas, ele me disse que usava a Cabala como uma estrutura para a psicanálise. Da maneira como que a vida funciona e, 30 anos mais tarde, escrevi três livros sobre Cabala e Psicanálise.

Ide - Além de Bion e Winnicott, autores que você tem um relacionamento intenso, onde você encontra outras inspirações para sua escrita? O que - na essência, eixo ou estrutura central desses autores que te inspiram - pode ser usado como pano de fundo para jovens analistas?

ME - Em certo sentido, meu trabalho é uma apreciação e um agradecimento. Tantas influências em minha vida acrescentadas de tantas maneiras. Minha primeira professora de inglês no colegial odiava meus trabalhos, eles voltavam cobertos com mais tinta vermelha do que a preta que eu havia usado. O que piorava tudo é que ela era a chefe do jornal da escola, uma posição que teve um impacto potencialmente muito desencorajador. Não posso dizer como foi doloroso ver meus esforços cobertos de sangue, que é o que a tinta vermelha representava. Não era o tipo de crítica construtiva, mas que diminuía e sim, devo dizer, matava. Matava o espírito. De certa forma, foi útil no sentido de que aprendi o que uma pessoa pode fazer com as ofertas da outra, e que crítica e sugestões úteis são tipos de "aves raras". Reclamei com o diretor, pedi e implorei para mudar para outro professor. Não tenho certeza de como aconteceu, se meus pais intervieram, mas fui posto em outra turma pelo resto do ano. A segunda professora era ok, mas não era inspiradora. Mas pelo menos não me destruía e eu consegui passar de ano.

No ano seguinte, tive muita sorte. Agradeço a Miss Caskey, uma professora que gostou do meu trabalho e o apoiou. Um dia depois de ler alguns dos ensaios designados em voz alta para a classe (sobre literatura elizabetana) ela se voltou para mim e disse: "Sr. Eigen, você tem um domínio da língua inglesa". Agora, isso não era, não é e provavelmente nunca será verdade. "Domínio" é uma palavra que passou por muita evolução em minha vida e não é uma das minhas favoritas. Mas eu senti o apoio que ela tentava dar e a permissão para ser o escritor que eu poderia ser. Pude, então, enviar alguns poemas para o jornal da escola e eles foram publicados. Em um desses acontecimentos, às vezes surpreendentes na vida, Miss Caskey continuou sendo minha professora de inglês até eu me formar.

Muitos professores me ajudaram na faculdade, onde o mundo se abria. Minha namorada me levou ao Museu de Arte Filadélfia e à sala de concertos onde passei muitas horas. Eu mesmo encontrei clubes de jazz. Minhas notas nas aulas eram baixas e eu tinha que fazer um reforço de matemática, o que era estranho, pois, naquele ano, eu havia recebido nota máxima e elogios no seminário de lógica. Tive uma boa relação com a maioria dos meus professores, muitos deles me ajudaram de forma esperada e inesperada. Entre eles, Morse Peckham, inglês do século xix, fez de tudo para tentar me ajudar a ir para a pós-graduação e ser aceito em Phi Beta Kappa. Ele teve sucesso neste último dizendo aos críticos: "Ele vai escrever". Francamente, eu não sabia o que era Phi Beta Kappa, exceto que você usa um chapéu de palha e que vai participar de um desfile. Quando ouvi o que ele disse ao comitê anos depois, me perguntei e, ainda me pergunto, como ele sabia. Quando publiquei com Wesleyan Editores, 50 anos depois, vi seu nome na lista de autores e tentei entrar em contato e agradecer-lhe, mas já era tarde demais. Acho que todos os meus principais professores, analistas, terapeutas e supervisores já se foram.

Mary Henle me ajudou a passar pelo curso de pós-graduação. Sua especialidade era psicologia gestáltica, algo sobre o qual eu queria aprender mais, desde meu primeiro ano como graduado. Para a pós-graduação fui para a The New School, que foi chamada de "Universidade no Exílio". Muitos filósofos e psicólogos europeus, ao fugir de Hitler, encontraram refúgio ali. Aaron Gurwitsch foi outra influência fundamental. Ele era um estudioso de Husserl que reuniu a psicologia gestáltica e a fenomenologia. Merleau-Ponty foi seu assistente de ensino na França. Senti-me honrado quando ele me surpreendeu ao vir a minha formatura. Estudei profunda e amplamente fenomenologia, pensamento existencial e trabalho de Gestalt. Quando chegou a hora de defender meu mestrado, o estatístico com o qual eu me consultava, de repente, começou me esculhambar. Fiz o melhor que pude para apontar suas limitações e o que contribuiu, mas ele não parava de desprezar. Antes que eu entendesse o que estava acontecendo, a Dra. Henle disse: "Sr. Eigen, por favor, pode sair da sala". Cerca de 10 minutos depois ela abriu a porta e disse: "Dr. Eigen, por favor, entre". Senti uma mudança na atmosfera emocional. A sala estava em paz.

A vida é uma mistura de seguir seu próprio caminho ainda sendo transformado e fazendo uso de influências. Tantas escolas de profunda psicologia tornaram-se parte de mim. Kohut, trabalho corporal de vários tipos, Dorothy Bloch, Michael Kriegsfeld, a lista não para. Talvez o principal tenha sido perseguir o que me tocou, o pensamento e as abordagens que me tocaram e me ajudaram. Não há contradição entre ser influenciado e o crescimento pessoal profundo, pelo menos não nas principais correntes da minha vida. A vida toca a vida, a psique toca a psique, a alma toca a alma.

Ide - Você poderia apresentar as diferenças entre crença e fé como uma escolha de funcionamento mental? É aceitável, nesse sentido, o escopo da escolha edípica que vai da arrogância à humildade? Estupidez e sabedoria? Curiosidade e não saber?

ME - Estou impressionado com a ênfase anterior de Bion no conhecimento (K) e depois na fé (F). Conhecer a si mesmo - a busca da sabedoria de Sócrates, tão importante. No entanto, o conhecimento e, até mesmo, o autoconhecimento podem ser usados de formas horríveis, assim como a fé. Todas as funções e capacidades podem ser usadas de muitas maneiras. Escritores renascentistas associam conhecimento com poder, quero dizer, poder sobre a natureza e eu imagino que alguns tenham também uma visão de poder sobre si mesmo. Mas o conhecimento pode ser usado como defesa e arma, não apenas a serviço da liberdade. De fato, o sentimento de estar certo (saber fusionado a arrogância, onisciência, desamparo, vulnerabilidade) tem causado muitos danos na história humana e no planeta. Eu versus você, meus Acertos, seus Erros é uma estrutura que toma muitas formas. Sócrates nunca se cansou de mostrar como a crença era frequentemente tomada como, substituta do conhecimento. E Hume não resistiu em dizer "A razão é a prostituta das paixões". A história do que é chamado de 'fé' também está cheia de horrores - de fato, estruturas de poder das religiões agindo em nome de uma verdadeira fé criou torturas anteriormente desconhecidas. Talvez devêssemos meditar mais sobre o que a fé na vida pode significar e como a fé funciona momento a momento em diferentes contextos.

Há orações comoventes que pedem, suplicam, clamam por ajuda com infernos interiores, mortes psíquicas, feridas que duram uma vida inteira, fé mais profunda do que crença e conhecimento, poder e perda. Dimensões abertas que não podem ser definidas - elas têm uma vida própria que se soma à vida. Freud comentou com Fliess que a psicanálise era semelhante aos antigos mistérios, que tratavam de transformação e renascimento. É claro, até mesmo o renascimento pode ser manchado. Pode-se renascer como um monstro (Eigen, 1992) - como Milton disse que Satã afirmou em Paradise Lost, "Evil be thou my good" (Mal seja meu bem). Isso não é o que os antigos tinham em mente pelos mistérios da transformação, mas a perversão e a interpermutabilidade do bem, do certo e do errado, do bom e do mal como parte do nosso equipamento. Estamos aprendendo e temos muito mais a aprender sobre como nos usar de forma cooperativa, em parceria, uma tarefa inexaurível dentro de nós mesmos e com os outros. Um raio divagante de fé, um ponto infinito que, de alguma forma, sobrevive à implosão-explosão catastrófica é uma pequena abertura por meio da qual outras possibilidades podem aparecer.

Ide - Sinta-se à vontade para discorrer sobre suas ideias acerca da experiência catastrófica, experiência de arte, por exemplo, na literatura, ideias de formação do self, turbulência emocional e fé; ou sobre qualquer outra questão/tema que considerar relevante.

ME - Bion escreveu que há situações em que a catástrofe une a personalidade. Uma espécie de paradoxo - aquilo que se estilhaça nos une, uma espécie de unidade estilhaçada. Quando eu era mais jovem, as noções de totalidade tiveram um papel maior em minha vida, por exemplo, a representação de Jung de um crescimento (individuação) em direção à totalidade. Suspeito que não mexo nesse tema há muito tempo, creio que tem relação com minha confusão particular, meus estilhaços e meus pedaços. Estilhaços e pedaços podem estar tão vivos e desempenhar um papel em padrões inacreditáveis em suas próprias vidas. Eu não tenho tempo para cuidar de minúcias, vida sensitiva, sentimentos, pensamentos momentâneos ocupam suficientemente meu trabalho e meus interesses. O pulso da vida bate em todos eles, momento a momento. Quando me foi pedido por Stephen Bloch e Loray Daws para sugerir um título para o livro de trabalhos que eles editaram relacionados ao meu trabalho, sugeri Momentos Vivos. Veja o que William Blake faz com um grão de areia e uma flor selvagem. Ele fala, também, de um momento em cada dia que Satanás não consegue encontrar, um momento para nos encontrarmos e usarmos, embora o fornecimento de energia "Satã" também possa ser útil. William Blake nos diz que momentos criativos de muitos tipos são concebidos dentro de um momento, a pulsação de uma artéria. É claro que muito trabalho pode ter sido feito na preparação para tais momentos, entrelaçamentos de perseverança, resistência e inspiração. Aqui não estamos falando simplesmente de regras, mas de movimentos da vida.

Veja a influência que a literatura teve na vida de Freud. Sua contribuição mais falada deriva de uma peça de Sófocles. Heráclito teve um papel em sua teoria de conflito, palavras e espírito de Goethe um parceiro próximo e havia muitos mais. Seu prêmio de maior prestígio foi para a literatura (Mahony, 1987). Ele admitiu ter muito em comum com a verdade da poesia e da ficção.

Milner, Winnicott e Bion eram todos artistas. No que poderia ter sido seu último seminário (ou um de seus últimos), O Seminário de Paris, Bion (1978) falou da beleza psicanalítica e do ateliê do analista. Ele o tornou pessoal, nosso ateliê, seu e meu. Embora recebamos tanta ajuda de tantas fontes, nada pode nos salvar do trabalho que temos a ver conosco mesmos. Não há cura para ser humano.

Bion (1970) cita sobre um "Big Bang" da psique com fragmentos e partículas de emoções-pensamentos, flutuando desde seu ponto de origem e desde cada outro ponto em uma velocidade crescente. Uma espécie de mito da Origem, semelhante à descrição científica do nascimento do universo. Uma sensação de catástrofe como parte de nossos seres. Tantas capacidades e momentos - mesmo um fragmento infinitesimal de paz que alguns dizem que excede todo o entendimento (Filipenses 4:6). Bion escreveu sobre a turbulência e a construção da capacidade de trabalhar com ela, construindo a capacidade de tolerar e de se usar um pouco melhor, veja, um pouco melhor, à medida que a vida continua se abrindo. Ou, como um modelo de pulsação, fechando/abrindo como novas dimensões, mergulhando para dentro do ser. Eu mencionei antes que Bion disse que ele usou a Cabala como um modelo de enquadre para a psicanálise, suspeito que ele tinha muitos outros. Falamos da história da Cabala, sobre o trabalho de Deus para criar espaço para o universo a partir de ferramentas psicoespirituais (o Sephirot) que ele usou na criação construindo do caos - uma explosão que emitiu faíscas por toda parte. Onde quer que você esteja, há uma faísca esperando apenas por você, uma faísca esperando ser usada criativamente e, talvez, também para você ser usado criativamente.

 

Referências

Bion, W. R. (1970). Atenção e Interpretação. Routledge, 1984.         [ Links ]

Bion, W. R. (1978). Wilfred Bion: um seminário em Paris (F. Bion, Ed.). Disponível em https://sites.google.com/view/somnus/psychoanalysis/wilfried-bion/bion-a-seminar-in-paris        [ Links ]

Eigen, M. (2012). Kabbalah e psicanálise. Routledge.         [ Links ]

Elkin, H. (2016). Sobre a origem do self: os documentos coletados de Henry Elkin. Epis Press.         [ Links ]

 

 

1 Agradecemos ao colega Alceu Casseb, psicanalista didata e professor da SBPSP, que, com grande disponibilidade, fez a intermediação, ajudou a organizar e traduziu esta entrevista. Entrevista organizada por Anne Lise Di Moisè Sandoval Silveira Scappaticci e Alceu Casseb.

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