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Psicologia Clínica
Print version ISSN 0103-5665On-line version ISSN 1980-5438
Psicol. clin. vol.34 no.2 Rio de Janeiro May/Aug. 2022
https://doi.org/10.33208/PC1980-5438v0034n02A06
SEÇÃO TEMÁTICA - REVISÃO, AVALIAÇÃO E DESENVOLVIMENTO TEÓRICO E PRÁTICO NA CLÍNICA PSICOLÓGICA
Comportamento de 'media multitasking' (MMT) na pré-adolescência: Revisão integrativa e recomendações para pesquisas futuras
Media multitasking behavior (MMT) in pre-adolescence: Integrative review and recommendations for future research
Comportamiento de 'media multitasking' (MMT) en la preadolescencia: Revisión integradora y recomendaciones para futuras investigaciones
Patricia Liebesny BroiloI; Luciana TisserII; Carolina Saraiva de Macedo LisboaIII
IPesquisadora no Grupo RIVI: Relações Interpessoais e Violência - Contextos Clínicos, Sociais, Educativos e Virtuais, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Escola de Ciências da Saúde e da Vida, Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Caxias do Sul, RS, Brasil. email: patricia.broilo@outlook.com
IIDoutora em Ciências da Saúde, com ênfase em Neurociências, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e Especialista em Neuropsicologia pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Sócia Diretora do Instituto de Neuropsicologia do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. email: lutisser@hotmail.com
IIIProfessora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Escola de Ciências da Saúde e da Vida, Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Porto Alegre, RS, Brasil. email: carolina.lisboa@pucrs.br
RESUMO
O acesso facilitado às tecnologias de informação e comunicação no dia a dia propicia a realização de diferentes atividades ao mesmo tempo. Este comportamento é chamado 'media multitasking' (MMT). Nos últimos anos, houve um aumento significativo no acesso a essas tecnologias por crianças na faixa etária de transição entre a infância e a adolescência. Com o objetivo de compreender as implicações desse fenômeno para a saúde mental e o bem-estar, foi realizada uma revisão integrativa da literatura, abrangendo estudos empíricos publicados de janeiro de 2010 a janeiro de 2020 em periódicos científicos indexados às bases de dados MEDLINE, PsycINFO, Scopus, Web of Science e ERIC. Como resultado, identificou-se uma convergência no entendimento de que o comportamento de MMT pode afetar o desenvolvimento de habilidades componentes das funções executivas e de competências socioemocionais, interferindo no funcionamento cognitivo e psicossocial. O estudo revelou importantes demandas de pesquisa, atentando particularmente para possíveis associações entre MMT e características próprias da pré-adolescência. Além disso, concluiu-se que esse comportamento constitui uma variável relevante a ser considerada na prática clínica, em intervenções e ações psicoeducativas, bem como para assegurar assertividade em avaliações psicológicas e neuropsicológicas, especialmente tratando-se das novas gerações.
Palavras-chave: comportamento multitarefa; tecnologias da informação e comunicação; pré-adolescência.
ABSTRACT
The facilitated access to information and communication technologies in everyday life promotes engaging in different activities simultaneously. This behavior is called media multitasking (MMT). In recent years there has been a significant increase in access to such technologies among children in the age group between childhood and adolescence. In order to understand the implications of this phenomenon to mental health and well-being, an integrative literature review was carried out, covering empirical studies published from January 2010 to January 2020 in scientific journals indexed to the MEDLINE, PsycINFO, Scopus, Web of Science and ERIC databases. As a result, a convergence was identified in the understanding that MMT behavior can impact the development of constituent abilities of executive functions and social-emotional skills, interfering with cognitive and psychosocial functioning. The study revealed important research demands, particularly related to the possible associations between MMT and the characteristics of pre-adolescence. Furthermore, it led to the conclusion that this behavior constitutes a relevant variable to be considered in clinical practice, in interventions and psychoeducational efforts, as well as to ensure assertiveness in psychological and neuropsychological assessments, especially concerning the new generations.
Keywords: multitasking behavior; information and communication technologies; pre-adolescence.
RESUMEN
El acceso facilitado a las tecnologías de la información y comunicación en el cotidiano promueve la realización de diferentes actividades al mismo tiempo. Este comportamiento es llamado 'media multitasking' (MMT). En los últimos años, ha sucedido un aumento significativo en el acceso a esas tecnologías por niños en el grupo de edad de transición entre la infancia y la adolescencia. Para comprender las implicaciones de este fenómeno para la salud mental y el bienestar, se realizó una revisión integradora de la literatura, abarcando estudios empíricos publicados desde enero de 2010 a enero de 2020 en revistas científicas indexadas a las bases de datos MEDLINE, PsycINFO, Scopus, Web of Science y ERIC. Como resultado, se encontró una convergencia en el entendimiento de que el comportamiento de MMT puede afectar el desarrollo de habilidades que componen las funciones ejecutivas y las competencias socioemocionales, interfiriendo con el funcionamiento cognitivo y psicosocial. El estudio mostró importantes demandas de investigación, particularmente con atención a las posibles asociaciones entre MMT y características de la preadolescencia. Además, se concluyó que este comportamiento es una variable relevante a considerar en la práctica clínica, en las intervenciones y acciones psicoeducativas, así como para asegurar asertividad en las evaluaciones psicológicas y neuropsicológicas, especialmente con las nuevas generaciones.
Palabras clave: comportamiento multifuncional; tecnologías de la información y la comunicación; preadolescencia.
Introdução
Nos anos recentes, o comportamento de realizar mais de uma atividade ao mesmo tempo usando as tecnologias da informação e comunicação (TICs) se tornou comum no dia a dia das pessoas (Domoff et al., 2019). Esse comportamento é chamado media multitasking (MMT). Em paralelo a discussões acerca dos impactos desse fenômeno sobre capacidades como a atenção e a memória (Firth et al., 2019), nota-se que o acesso a essas tecnologias ocorre cada vez mais cedo, propiciando constante conectividade e interatividade em rede (Cetic, 2018; Graafland, 2018). Nesse cenário, as novas gerações parecem enfrentar, nos âmbitos cognitivo e psicossocial, maiores desafios do que enfrentaram as gerações anteriores (Fagell, 2019; Haleemunnissa et al., 2021).
Na literatura sobre comportamento multitarefa (multitasking behavior), o comportamento específico de media multitasking (para o qual ainda não se encontra uma tradução) é abordado referindo-se ao uso concomitante de diversos tipos de TICs (televisão, games, mensagens de texto, buscas online, etc.), ou ao uso de um dispositivo tecnológico (como computador ou smartphone) para atividades concomitantes ou, ainda, referindo-se ao uso desses recursos junto com atividades que a princípio independem deles, como usar o smartphone durante uma aula ou reunião. O enfoque primordial parece ser o potencial de implicações negativas desse comportamento sobre o funcionamento cognitivo e o aprendizado (May & Elder, 2018; Van Der Schuur et al., 2015).
Para explicar esses efeitos, os autores se apoiam em diferentes referenciais teóricos, incluindo a abordagem do gargalo cognitivo (bottleneck theory), os modelos de capacidade limitada de processamento de informação e o modelo de processamento em rede (threaded cognition) (Salvucci & Taatgen, 2008). As perspectivas partem da premissa comum de que os recursos cognitivos são limitados e, portanto, exceto em processos automatizados, o cérebro humano não é capaz de realizar mais de uma tarefa ao mesmo tempo (Bailer & Tomitch, 2016; Salvucci & Taatgen, 2008). Assim, o comportamento de media multitasking (MMT) se refere a alternar rapidamente entre uma atividade e outra; as atividades parecem concomitantes, porém ocorrem em sequência, num malabarismo na utilização dos recursos cognitivos (Kirschner & Bruyckere, 2017). Com a tendência de aumento desse comportamento (Wiradhany & Koerts, 2021), alguns autores, como May e Elder (2018), apontam possíveis ônus para as habilidades cognitivas envolvidas em sua execução; já outros, como Bailer e Tomitch (2016), sugerem que o treino pode levar ao uso mais eficaz dos recursos cognitivos, os quais ficariam disponíveis para outros processos.
Na prática, a realização concomitante (ou a alternância) de múltiplas atividades envolve habilidades como direcionar a atenção e manter a informação ativa (memória operacional), alternar a atenção entre tarefas (flexibilidade cognitiva) e inibir distrações enquanto permanece numa tarefa (controle inibitório) (Bailer & Tomitch, 2016; Baumgartner et al., 2014; Yang et al., 2017). Essas habilidades são componentes das funções executivas, que abrangem os processos responsáveis por comportamentos direcionados a objetivos, além de serem determinantes no desenvolvimento de competências socioemocionais (Marin et al., 2017; Riggs et al., 2006). Assim, as funções executivas se revelam centrais para o comportamento multitarefa (Bailer & Tomitch, 2016) e fundamentais para o funcionamento diário em meio às TICs (Firth et al., 2019). Primordialmente ligadas ao córtex pré-frontal, elas se desenvolvem desde a primeira infância (Riggs et al., 2006) e apresentam sensível aceleração entre 9 e 12 anos de idade, o que tende a se refletir em melhores desempenhos na realização de tarefas conjuntas nessa faixa etária (Yang et al., 2017).
No ano de 2007, quando a Apple lançou a primeira versão do iPhone, descrito na época como um produto "totalmente multitarefa" (Apple, 2007), a empresa norte-americana alavancou a incorporação dos smartphones à vida das pessoas. As gerações que nasceram a partir de então não têm como recordar o mundo sem as tecnologias móveis de informação e comunicação (Crone & Konijn, 2018). Ainda, inovações nesse âmbito são recorrentes, tendem a envolver interatividade e, com frequência, tornam-se rapidamente populares, até serem superadas pela próxima novidade (Radesky, 2018).
Diante dessa realidade, o desenvolvimento de capacidades associadas à realização de tarefas concomitantes (Yang et al., 2017) tende a acontecer junto com as demais transformações próprias da transição entre a infância e a adolescência (Papalia et al., 2006) e em meio à onipresença das TICs. Como resultado, além de lidar com as mudanças inerentes à idade, crianças na faixa de 9 a 12 anos precisam lutar com a distração intrínseca à conectividade latente, assimilar a noção de que conteúdos de texto, imagem, áudio e vídeo podem ser manipulados, e têm de acompanhar as tendências com engajamento e desapego, enquanto lidam com o potencial de exposição online e de permanência de tudo o que fazem, entre outros desafios, apesar de sua imaturidade e contradições (Fagell, 2019). Conforme aponta Fagell (2019), cabe lembrar que, em meio a tanta movimentação no entorno, aspectos próprios da pré-adolescência não mudaram em absoluto. De fato, além de vivenciarem um turbilhão de mudanças físicas, sentimentos novos e emoções intensas, nessa fase as crianças tendem a transitar entre as referências aprendidas com a família e as experiências com os pares, nem sempre convergentes, ao mesmo tempo em que buscam compreender o mundo e constroem sua identidade (Papalia et al., 2006; Fagell, 2019).
As discussões sobre as implicações do uso das TICs no desenvolvimento infantil não são novidade. O surgimento da televisão, por exemplo, provocou amplos debates (Domoff et al., 2019). Entretanto, o acesso de crianças e adolescentes a diferentes recursos cresceu notadamente (Lopez et al., 2019), e sua onipresença com múltiplas funcionalidades e apelos não tem precedentes (Fagell, 2019; Firth et al., 2019). Ainda, o modelo sob o qual essas tecnologias se desenvolveram propicia a circulação de conteúdos que tendem a reforçar atitudes, valores e comportamentos, dentro de grupos com interesses similares (Orlowski, 2020). Nesse contexto, as múltiplas fontes de informação disponíveis podem não favorecer um pensamento crítico na formação de opinião, mas sim reforçar os mesmos conteúdos, especialmente quando a imaturidade cerebral propicia alto grau de influência dos pares (Crone & Konijn, 2018), como na pré-adolescência (Fagell, 2019).
No Brasil, a edição de 2016 da Pesquisa Kids Online (Cetic, 2017) revelou alto percentual de acesso à internet por crianças de 9-10 anos (68%), bem como por crianças de 11-12 anos (76%). Na edição subsequente (Cetic, 2018), essa proporção aumentou (respectivamente, 74% e 82%), com a utilização de computador e telefone celular (smartphone). O uso exclusivo do celular para acesso à internet cresceu de um ano para o outro, de 25% para 36% (9-10 anos) e de 34% para 40% (11-12 anos), propiciando mobilidade no acesso à informação e comunicação. As pesquisas também indicaram o uso de outros dispositivos nessa faixa etária, como televisão, tablets e videogames (Cetic, 2018), revelando aumento no uso de diferentes recursos tecnológicos pelos pré-adolescentes brasileiros, em meio às atividades cotidianas.
Atentando para essa temática, notou-se a falta de uma articulação do conhecimento vigente sobre as implicações do comportamento de MMT, dado o crescente acesso às TICs na faixa etária da transição entre a infância e a adolescência (Cetic, 2018; Graafland, 2018) e características próprias dessa fase do ciclo vital, nos domínios cognitivo e psicossocial (Fagell, 2019; Papalia et al., 2006). A fim de contribuir para o preenchimento dessa lacuna, este estudo se constituiu como uma revisão integrativa da literatura sobre MMT na pré-adolescência, com o propósito de compreender suas possíveis implicações para a saúde mental e o bem-estar desses jovens.
Nesse sentido, cabe notar que as medidas de distanciamento social e ensino à distância impostas pela pandemia da Covid-19 (WHO, 2020) tornaram o uso das TICs uma necessidade (Cetic, 2020). Portanto, as circunstâncias recentes reforçam a tendência de uso cada vez mais precoce de tecnologias com múltiplas funções (Graafland, 2018), propiciando o comportamento de MMT, particularmente entre as novas gerações (Baumgartner et al., 2018; Firth et al., 2019). Aprofundar o conhecimento acerca desse fenômeno se faz essencial para orientar ações de intervenção e prevenção, no cenário atual e dos anos por vir.
Metodologia
A fim de compreender as possíveis implicações da potencialização do comportamento de MMT entre pré-adolescentes, realizou-se uma revisão integrativa da literatura. Esse tipo de revisão possibilita identificar o conhecimento vigente sobre uma determinada temática, mediante uma abordagem sistematizada (Souza et al., 2010). Nesses moldes, o presente estudo envolveu seis estágios: (i) formulação de questão norteadora; (ii) busca de estudos e refinamento da seleção; (iii) organização dos dados dos estudos selecionados; (iv) análise dos dados coletados; (v) apresentação e discussão dos resultados; e (vi) conclusões, atentando para desdobramentos teóricos e práticos (Pereira et al., 2020; Souza et al., 2010).
Para a condução da revisão, formulou-se a questão norteadora: Quais as possíveis implicações do comportamento de MMT na pré-adolescência, nos âmbitos cognitivo e psicossocial? Note-se que foram contemplados quatro tipos de comportamento de MMT, conforme identificados na revisão preliminar da literatura: (a) uso concomitante de duas ou mais TICs; (b) uso de um dispositivo das TICs para realizar duas ou mais atividades concomitantes; (c) uso de TICs junto a atividades que a princípio não demandariam esses recursos (enfoque nas atividades sem TICs); e (d) uso concomitante de TICs e atividades sem TICs. Já o enfoque na pré-adolescência se originou nos dados de aumento do acesso às TICs entre crianças de 9 a 12 anos de idade (Cetic, 2017, 2018; Graafland, 2018) e no conhecimento vigente acerca dessa etapa do ciclo vital (Fagell, 2019; Papalia et al., 2006).
Para a busca de estudos, foram utilizadas as bases de dados MEDLINE (que reúne estudos publicados em periódicos reconhecidos no campo das Ciências Biomédicas), PsycINFO (com estudos do campo da Psicologia e áreas relacionadas, incluindo Medicina, Psiquiatria e Educação), Scopus (que inclui estudos das áreas de Tecnologia e Ciências Sociais), ERIC (reconhecida fonte de estudos da área da Educação) e Web of Science (base de dados que indexa os periódicos mais citados em suas respectivas áreas). A revisão bibliográfica preliminar serviu como referência para a definição dos termos de busca.
A busca foi realizada em texto completo de estudos publicados em inglês, português ou espanhol, utilizando-se os seguintes descritores do MeSH/DeCS: (multitask* OR multi-task*) AND (media OR television OR computers OR "mobile devices" OR smartphones OR "mobile phone" OR email OR internet OR "social networking" OR "text messaging" OR "instant messaging" OR whatsapp OR facebook OR youtube OR instagram OR "tik tok" OR webcasts OR netflix) AND (pre-adolesc* OR child* OR tweens OR teens OR adolesc*). Verificou-se a eficácia da busca automatizada ao se observar que os estudos encontrados na revisão preliminar constavam entre os resultados encontrados. Foram buscados estudos publicados de janeiro de 2010 a janeiro de 2020, cobrindo, portanto, um período de dez anos desde o artigo seminal sobre MMT (Ophir et al., 2009).
A fim de selecionar os estudos encontrados nas bases de dados, foram estabelecidos os seguintes critérios de inclusão: (a) tratar-se de estudo empírico sobre o comportamento de MMT, conforme anteriormente descrito; (b) o enfoque ser em crianças e/ou adolescentes, incluindo participantes de 9 a 12 anos; e (c) ter sido publicado em periódico científico, a partir de janeiro de 2010 e até janeiro de 2020, nos idiomas inglês, português ou espanhol. Após a busca automatizada, com base nos títulos dos artigos, excluíram-se os artigos duplicados e os estudos que não atendiam aos critérios de inclusão (por exemplo, com enfoque em adultos). Em seguida, com base nos resumos dos artigos remanescentes e, conforme necessário, acessando-se também o método no corpo do texto, realizou-se novo filtro, seguindo os mesmos critérios.
Para a coleta de dados nos artigos selecionados e para organização da análise subsequente, estabeleceram-se a priori as categorias de informações específicas a serem identificadas em cada estudo. Conforme apontam Souza et al. (2010), a utilização de um instrumento para essa finalidade visa a assegurar a extração de todos os dados relevantes de cada estudo e a precisão na checagem das informações pelos pesquisadores. Dessa forma, os seguintes dados foram compilados numa planilha padrão, previamente elaborada: tipo de MMT, TICs exploradas, abordagem metodológica, participantes, enfoque do estudo, e principais achados, destacando-se aspectos relacionados ao funcionamento cognitivo e/ou psicossocial. Na sequência, o processo de análise foi conduzido baseando-se nesses dados e em repetidas consultas aos artigos completos, para o aprofundamento da discussão até a conclusão dos achados.
Resultados
Conforme ilustrado na Figura 1, a busca automatizada nas bases de dados resultou em 337 artigos. Foram excluídos 79 artigos duplicados, 123 artigos que, por seu título, não atendiam aos critérios de busca estabelecidos, e 116 artigos que, segundo o resumo e/ou método, também não atendiam a esses critérios. Como resultado, foram encontrados 19 estudos empíricos publicados em periódicos científicos na última década, acerca do comportamento de MMT na pré-adolescência. Vale notar que, em revisão sobre o comportamento de MMT entre jovens, com artigos publicados até 2014, Van der Schuur et al. (2015) encontraram somente três estudos envolvendo crianças e/ou adolescentes entre 9 e 12 anos de idade, os quais foram igualmente identificados nesta revisão.
De fato, observou-se que o número de estudos com crianças e/ou adolescentes (incluindo participantes de 9 a 12 anos) aumentou nos últimos anos, denotando crescente interesse de pesquisa com esse enfoque. Conforme sintetizado na Tabela 1, a maior parte abordou o comportamento de MMT referindo-se ao uso concomitante de TICs e atividades que a princípio não demandariam esses recursos, o que pode ser explicado pela mobilidade e funcionalidades das novas tecnologias, cada vez mais acessíveis (Toh et al., 2019). Os estudos foram realizados em países diversos, como Estados Unidos, Holanda, China e Rússia, utilizando principalmente o método de survey (levantamento), mas também com abordagem qualitativa, experimental, observação de laboratório e de campo. No conjunto de estudos, as faixas etárias dos participantes se mostraram diversas e sobrepostas. Por exemplo, foram realizados estudos com participantes de 8 a 12 anos (Pea et al., 2012), de 10 a 15 anos (Limtrakul et al., 2018) e estudos com participantes de 6 a 13 anos de idade (Baumgartner & Sumter, 2017).
Atentando para a etapa de transição entre a infância e a adolescência, sabe-se que características físicas, como altura e peso, além de mudanças hormonais, podem variar, sendo esperadas diferenças naturais entre meninas e meninos (Papalia et al., 2006). Nos estudos encontrados, os resultados de variações associadas a gênero se revelaram conflitantes. Por exemplo, Baumgartner et al. (2014) verificaram maior índice de MMT entre meninas; já Yang e Zhu (2016) e Martín-Perpiñá et al. (2019) não identificaram essa prevalência. Em paralelo, Lopez et al. (2019) identificaram correlação entre frequência de MMT e índices de obesidade em crianças na faixa de 9 a 11 anos, independente de gênero. Segundo os autores, uma explicação seria a imaturidade da habilidade de controle inibitório, junto ao maior escopo atencional associado a MMT, propiciarem suscetibilidade às ofertas tentadoras do ambiente.
Em concordância, a maior parte dos estudos abordou habilidades componentes das funções executivas, as quais, conforme mencionado, são centrais para o comportamento multitarefa (Bailer & Tomitch, 2016). Entre os diferentes tipos de MMT, os resultados apontaram, principalmente, prejuízos. Por exemplo, Martín-Perpiñá et al. (2019) verificaram associação entre intensidade de MMT (concomitante a fazer lição de casa) e sintomas de disfunção executiva, similar aos achados por Baumgartner et al. (2014) em estudo no qual os participantes que revelaram maiores índices de MMT (envolvendo uso de TICs e atividades sem TICs) reportaram mais problemas quanto à memória operacional, controle inibitório e flexibilidade cognitiva, que são componentes das funções executivas. Por sua vez, Soldatova et al. (2019) verificaram que o comportamento de MMT (em oposição a não realizar MMT) implicou em maior demanda de tempo para tarefas envolvendo funções executivas e identificaram, entre as crianças mais novas (7-10 anos) com maiores índices de MMT, pior desempenho comparativamente às crianças mais velhas (entre as faixas 7-10, 11-13 e 14-16 anos). No estudo de Martín-Perpiñá et al. (2019), os efeitos negativos do comportamento de MMT também se revelaram maiores entre os participantes mais novos (na faixa de 11-13).
Apesar de os estudos apresentarem diferentes critérios de estratificação dos participantes e diferentes medições das variáveis, os resultados se mostraram em linha com o achado por Yang et al. (2017), de que crianças até 12 anos ainda apresentam imaturidade das estruturas cerebrais associadas às funções executivas para tarefas mais complexas. De outro lado, o estudo longitudinal de Van der Schuur et al. (2020), com crianças de 11 a 15 anos de idade, revelou associação entre maiores índices de MMT (ao fazer lição de casa e durante as aulas) e problemas de atenção ao longo do tempo, ainda que sem impacto sobre o desempenho escolar. Segundo esses autores, o resultado denota a possibilidade de, com a prática, as crianças desenvolverem estratégias de compensação, como, por exemplo, utilizar mais tempo para as tarefas escolares, ou escolher quando se engajar ou não em MMT, para compensar seus efeitos. No entanto, conforme destacam Baumgartner et al. (2018), presumindo que MMT tem efeitos negativos sobre habilidades componentes das funções executivas, as quais ainda não estão maduras no início dessa fase, deve se considerar que o próprio comportamento pode prejudicar o desenvolvimento dessas habilidades.
De acordo com Yang et al. (2017), ao longo da pré-adolescência as crianças tendem a apresentar bom desempenho em atividades concomitantes mais simples, porém ainda não dispõem de maturidade cerebral para alternar com sucesso múltiplas atividades com níveis distintos de prioridade. Entre os estudos analisados, Rosen et al. (2013) identificaram forte tendência de os participantes (11-24 anos) interromperem suas atividades escolares ou acadêmicas para acessar redes sociais ou enviar mensagens. Já no estudo de Aharony e Zion (2018) com o uso de WhatsApp, os participantes (12-17 anos) demonstraram perceber a dificuldade de realizar tarefas envolvendo memória operacional, diante das interrupções do aplicativo de mensagens. O achado vai ao encontro do postulado por Rosen et al. (2013), de que se faz necessário capacitar crianças e jovens a gerenciarem o uso das TICs, por meio do aprendizado de estratégias metacognitivas.
Entre as atividades investigadas nos estudos encontrados, o envio de mensagens e o uso de redes sociais se destacaram na composição de MMT (Martín-Perpiñá et al., 2019; Yang & Zhu, 2016). Conforme descrevem Papalia et al. (2006), junto às transformações do início da puberdade, surge a preocupação com a imagem corporal, que influencia a busca de identidade e a formação da autoestima, enquanto o controle dos pais diminui e os amigos ganham importância central. Em consonância, Fagell (2019) aponta que o acesso crescente às TICs inclui presença cada vez mais intensa de pré-adolescentes em redes sociais, com exposição a conteúdos sobre os quais, nessa fase, as crianças já não tendem a consultar os pais. Somando-se a isso, os estudos analisados evidenciaram que pais e mães também demonstram alto índice de MMT no dia a dia, inclusive no convívio familiar (Domoff et al., 2019; Yang & Zhu, 2016), o que remete à menor capacidade de atenção aos conteúdos acessados ou publicados pelas crianças.
Atentando para MMT e competências socioemocionais, as quais podem ser associadas às habilidades executivas mencionadas (Riggs et al., 2006), os estudos se mostraram em menor número e exploraram diferentes construtos. Por exemplo, Pea et al. (2012) identificaram relação negativa entre MMT e bem-estar social, envolvendo sentimento de normalidade, percepção das amizades pelos pais e de sucesso social (entre meninas de 8-12 anos). No estudo de Limtrakul et al. (2018), os participantes (10-15 anos) não reportaram relação entre MMT e dificuldades emocionais, de conduta ou de relacionamento com os pares. Por sua vez, Yang et al. (2015) verificaram relação negativa entre MMT e bem-estar psicológico, destacando-se, nessa relação, o papel moderador do grau de disposição revelado pelos participantes (11-18 anos) quanto ao gerenciamento de tempo.
Discussão
Considerando o conjunto de estudos encontrados, pode-se observar a falta de tópicos relevantes da atualidade, especialmente ao se levar em conta que o comportamento de MMT demanda um malabarismo dos recursos cognitivos (Kirschner & Bruyckere, 2017) e pode interferir negativamente na qualidade do processamento de informações e no desenvolvimento de competências socioemocionais (Crone & Konijn, 2018; Marin et al., 2017; Riggs et al., 2006). Por exemplo, estudos sobre MMT entre universitários apontam que ampliar o escopo de atenção, para dar conta dos múltiplos fluxos de informação do mundo online, propicia a exploração rápida de conteúdos e o processamento sem profundidade, o que tende a prejudicar o aprendizado e o desempenho acadêmico (May & Elder, 2018). Efeitos negativos de MMT sobre desempenho escolar foram observados também entre crianças e adolescentes (Martín-Perpiñá et al., 2019; Soldatova et al., 2019). Em paralelo, os estudos não exploraram, por exemplo, a sobrecarga de notícias falsas (fake news), as informações potencialmente manipuladas, ou as crenças e posições extremadas, tendo em vista a necessidade de maior escopo atencional associada ao comportamento de MMT. Segundo Crone e Konijn (2018), o desenvolvimento de habilidades cognitivas ainda em andamento na etapa entre a infância e a adolescência, portanto com tendência a envolver respostas emocionais exacerbadas, pode se refletir em vulnerabilidade a informações enganosas, conteúdos sensacionalistas e mensagens populistas.
Nesse mesmo sentido, em estudo recente com estudantes universitários, Lee et al. (2018) verificaram que interações face a face têm efeito positivo sobre bem-estar, o que, porém, se inverte quando na presença de mídia, e pode acarretar depressão, ansiedade e menos bem-estar psicológico. Por sua vez, em estudo com participantes de três faixas etárias (14-34, 35-49 e 50-85 anos), Reinecke et al. (2016) exploraram a proposição de que pressão social e medo de ficar de fora (fear of missing out) levariam à sobrecarga de comunicação (via e-mails e redes sociais) e à MMT na internet, as quais resultariam em estresse, conduzindo à estafa, depressão e ansiedade. Entre os mais jovens (14-34 e 35-49 anos), medo de ficar de fora e pressão social se revelaram preditores de sobrecarga e de MMT; sobrecarga não pareceu ser um problema para esses grupos, porém MMT se revelou preditor de estresse, levando à estafa, depressão e ansiedade. Segundo os autores, uma explicação seria a relevância atribuída às mídias na socialização, que tende a ser bastante valorizada entre os mais jovens (Reinecke et al., 2016). Tais variáveis que, conforme observado nesses estudos, relacionam MMT a competências socioemocionais (Marin et al., 2017), não foram exploradas nos estudos sobre MMT com enfoque em crianças ou adolescentes.
Os estudos também não exploraram a intensificação do comportamento de MMT associada ao processo de busca de identidade e à necessidade de pertencimento próprio da pré-adolescência, quando os amigos ganham importância (Papalia et al., 2006), possivelmente propiciando risco de superexposição e medo de ficar de fora (Fagell, 2019). O potencial de ansiedade, depressão e pressão social associado a MMT (Reinecke et al., 2016), dado que nessa etapa o mundo online constitui espaço de comunicação constante com os pares (Crone & Konijn, 2018), também não foi explorado. Ainda, apesar de inabilidades executivas poderem refletir em inabilidades socioemocionais (Riggs et al., 2006), os estudos não atentaram para possíveis associações entre MMT e riscos como cyberbullying e vulnerabilidade a conteúdos virais do tipo Momo, Desafio da Baleia Azul, ou Homem-Pateta (Demartini, 2020).
É certo que o acesso às TICs constitui um entre diversos agentes presentes no universo da pré-adolescência (Fagell, 2019). Porém, os estudos encontrados evidenciaram que o comportamento de MMT deve ser observado como parte integrante da dinâmica do desenvolvimento (Domoff et al., 2019; Toh et al., 2019). Assim, os achados sugerem a necessidade de cuidados também em procedimentos de avaliações psicológicas e neuropsicológicas, tratando-se de casos envolvendo as capacidades executivas. A esse respeito, destaca-se o estudo conduzido por Ra et al. (2018) sobre o uso de TICs e sintomas de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Ao longo de dois anos, foram realizados levantamentos (após 6, 12, 18 e 24 meses) junto a adolescentes (15-16 anos) que, no início do estudo, não apresentavam sintomas de TDAH. Na semana anterior a cada levantamento, os participantes relataram sua frequência de uso das TICs (0 vezes, 1-2 vezes na semana, 1-2 vezes por dia, ou muitas vezes por dia), para cada uma de 14 atividades (enviar mensagens, acessar redes sociais, jogar games, entre outras). Como resultado, o estudo evidenciou que sintomas de TDAH podem ser associados à frequência de uso diário de múltiplas TICs.
Ra et al. (2018) destacam que o estudo não permite determinar que existe uma relação causal entre o uso das TICs e os sintomas identificados. Entre os motivos, estariam a falta de conhecimento do histórico de saúde familiar dos participantes e a dificuldade de assegurar que os participantes não apresentavam os sintomas no ponto inicial do estudo, ou que não os desenvolveriam sem o uso das TICs. De outro lado, os autores inferem que o maior escopo atencional, provocado pelos distratores próprios das TICs, pode reduzir as habilidades de concentração e persistência para superar desafios, e que o rápido acesso à informação e comunicação propiciado pelas TICs pode reforçar o impulso e a expectativa de respostas imediatas (Ra et al., 2018). O mesmo quadro pode ser aplicado a dificuldades de regulação emocional, onerando as interações sociais na adolescência (Radesky, 2018). Contudo, conforme mencionado, falta compreender se há relação de causalidade e, nesse caso, qual a sua direção (Ra et al., 2018; Radesky, 2018). Neste momento, resgatando-se os resultados do presente estudo e atentando para aspectos característicos da pré-adolescência, pode-se afirmar que, na condução de avaliações com hipótese diagnóstica de TDAH ou outras condições envolvendo funções executivas, o comportamento de uso das TICs junto às atividades diárias constitui uma variável relevante a ser considerada.
À parte das lacunas listadas, algumas limitações do estudo realizado devem ser notadas. Conforme detalhado, todos os cuidados foram tomados quanto aos procedimentos adotados; porém, podem existir estudos não contemplados. Ainda, no processo de seleção e análise dos artigos, observou-se que grande parte da literatura sobre MMT envolve estudos com adultos e que os resultados são bastante controversos (Wiradhany & Koerts, 2021). Tratando-se da faixa da infância e adolescência, o baixo número de estudos empíricos e a variação de idades dos participantes constituiu uma limitação quanto à articulação dos conhecimentos vigentes. Observou-se, porém, um claro aumento no número de estudos sobre MMT incluindo crianças entre 9 e 12 anos de idade, em comparação ao anteriormente encontrado por Van der Schuur et al. (2015).
Em direção à continuidade de pesquisa sobre o tema, é interessante notar que estudos utilizando técnicas de neuroimagem têm buscado contribuir com o debate acerca dos efeitos do comportamento multitarefa sobre as funções cognitivas e a estrutura cerebral (Bailer & Tomitch, 2016). Por exemplo, num desses estudos, indivíduos que relataram alto índice de MMT apresentaram maior ativação em regiões do córtex pré-frontal (Moisala et al., 2016); noutro, os participantes com índice equivalente revelaram menor densidade de massa cinzenta nessas regiões (Loh & Kanai, 2016). Até o momento, não é possível afirmar que essas variações se devem ao comportamento de MMT, ou estabelecer que há uma relação causal (Firth et al., 2019; Loh & Kanai, 2016; Moisala et al., 2016).
Kirschner e Bruyckere (2017) apontam que, de fato, ainda não foram evidenciadas alterações nas capacidades de processamento cognitivo daqueles que nasceram em meio às tecnologias, chamados "digital natives", "homo zappiens", "net generation" etc., em relação às gerações anteriores, de "digital immigrants". Esses autores argumentam que diante da limitação humana de recursos cognitivos, MMT tende a acarretar prejuízos tanto entre crianças e adolescentes como entre adultos. Sob essa perspectiva, é interessante observar as várias denominações encontradas na literatura referindo-se à geração que nasceu em meio à Covid-19, como "generation crown", "coronials" ou "quaranteens". Rudolph e Zacher (2020) questionam tal classificação, ponderando que uma pandemia tende a gerar mudanças entre todos que a vivenciaram. Tratando-se do comportamento em pauta, percebe-se significativa aceleração da tendência já crescente de uso das TICs como parte das atividades diárias, entre indivíduos de todas as idades (Cetic, 2020; Haleemunnissa et al., 2021), ou seja, envolvendo as diversas gerações.
Sob a premissa da neuroplasticidade face às demandas e estímulos do ambiente, destaca-se o fato de a plasticidade da estrutura cerebral na pré-adolescência ser propícia a adequações (Crone & Konijn, 2018). Assim, em contraste ao postulado da dificuldade de desenvolvimento das funções executivas, justificada pela imaturidade das estruturas cerebrais associadas ao comportamento de MMT, alguns autores propõem que essas capacidades podem se desenvolver por meio da prática do próprio comportamento, o que levaria a melhores desempenhos ao longo do tempo (Bailer & Tomitch, 2016; Yang et al., 2017).
A esse respeito, vale resgatar um estudo no qual indivíduos da "net generation" (nascidos após 1978) reportaram realizar mais atividades conjuntas do que indivíduos da "generation x" (1965-1978), que reportaram mais atividades do que os "baby boomers" (1946-1964), evidenciando que o comportamento multitarefa aumentou de uma geração para a outra. No caso, os três grupos revelaram dificuldades associadas a esse comportamento (Carrier et al., 2009). Já no estudo de Reinecke et al. (2016), a sobrecarga de comunicação, que se mostrou preditora de estresse para os mais velhos (50-85 anos), não foi um problema para os mais jovens (14-49 anos). Por sua vez, no estudo de Yang et al. (2017) envolvendo uma geração ainda mais nova (nascida após 2005), os participantes (7-12 anos) demonstraram se beneficiar do treino, revelando melhor desempenho em atividades conjuntas ao longo do tempo. Nessa trajetória, em linha com o estudo de Toh et al. (2019), é possível que as novas gerações percebam o uso de múltiplas TICs junto às atividades cotidianas como um comportamento "natural", que "não demanda muito esforço".
De acordo com os resultados encontrados neste estudo, implicações prejudiciais do comportamento de MMT parecem prevalecer na literatura vigente, sobrepondo-se à premissa do desenvolvimento por meio da prática. Sob esse entendimento, à medida que o comportamento de MMT na pré-adolescência promova o processamento raso de informações e inabilidades socioemocionais, uma percepção de "normalidade" pode não ser acompanhada da capacidade de pensamento crítico, tampouco levar a decisões que propiciem saúde mental e bem-estar.
Considerações finais
O presente estudo teve como propósito compreender as implicações do comportamento de MMT face ao crescente acesso às tecnologias da informação e comunicação entre pré-adolescentes. Em síntese, os resultados indicaram que o comportamento de MMT pode impactar o desenvolvimento de habilidades componentes das funções executivas e de competências socioemocionais, particularmente nessa etapa do ciclo vital. Em um movimento de retroalimentação, o comportamento parece ter efeitos sobre capacidades ainda em formação, levando a mais MMT e refletindo no funcionamento cognitivo e psicossocial.
O estudo se constituiu de uma revisão integrativa e discussão crítica da literatura (Souza et al., 2010), a partir de estudos empíricos publicados na última década (janeiro de 2010 a janeiro de 2020) acerca do tema. Entre os achados, foram identificadas importantes demandas a serem consideradas para investigação. Primeiro, ao se tratar de estudos envolvendo crianças e adolescentes, a falta de uma estratificação padronizada das idades dos participantes, para análise e apresentação de resultados de pesquisas, revela-se uma barreira para a consolidação de conhecimento científico. Ainda que existam variáveis culturais, sociais e referentes a cada tipo de estudo, a proposição de um modelo padrão de faixas etárias para uso em relatos de pesquisa (nos moldes da proposição para relatos de revisões sistemáticas e meta-análises, de Moher et al., 2009), constitui um interessante desafio a ser explorado. De forma similar, vale avaliar dados complementares a serem incluídos no modelo, como a região onde o estudo foi realizado ou a nacionalidade prevalente entre os participantes, a fim de agregar robustez à articulação dos conhecimentos científicos vigentes.
Outro desafio identificado a partir dos resultados refere-se à necessidade de atentar para o comportamento de MMT como uma variável importante na prática e pesquisas na área das avaliações psicológicas e neuropsicológicas, principalmente acerca de hipóteses diagnósticas de TDAH e outras envolvendo funções componentes das capacidades executivas. A esse respeito, vale destacar a falta de estudos complementares para que se possa determinar causalidade entre o desenvolvimento de sintomas de TDAH e o uso de múltiplas TICs (Ra et al., 2018); ademais, estudos paralelos sugerem que MMT pode se revelar um "novo normal" (Toh et al., 2019). Conforme sugerem Bailer e Tomitch (2016, p. 420), "(…) como nossos cérebros se adaptaram para ler, eles podem estar se adaptando para desempenhar tarefas simultaneamente". Em última análise, faz-se necessária uma melhor compreensão do funcionamento cognitivo e psicossocial face ao cenário caracterizado pela conectividade e interatividade latentes.
Finalmente, o estudo revelou diversas lacunas na literatura vigente, referentes a aspectos característicos da etapa de transição entre a infância e a adolescência. Esses aspectos precisam ser considerados em estudos futuros, em vista da onipresença e do uso cada vez mais precoce das tecnologias da informação e comunicação no dia a dia.
Espera-se que a discussão apresentada motive a continuidade de pesquisas, visando a orientar a prática clínica em avaliações psicológicas e neuropsicológicas, bem como em ações psicoeducativas de intervenção e prevenção, atentando para as possíveis interferências do comportamento de MMT sobre o funcionamento cognitivo e psicossocial das novas gerações.
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* - Estudos incluídos na revisão sistematizada.
Recebido em 26 de setembro de 2020
Aceito para publicação em 03 de junho de 2022
Não se declararam fontes de financiamento.