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Jornal de Psicanálise

Print version ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.54 no.100 São Paulo Jan./June 2021

 

DIÁLOGOS

 

Preciado, Laplanche, Freud: desobstruindo a escuta psicanalítica do Sexual

 

Preciado, Laplanche, Freud: unblocking the psychoanalytic listening to the Sexual

 

Preciado, Laplanche, Freud: desbloquear la escucha psicoanalítica de lo Sexual

 

Preciado, Laplanche Freud : débloquer l'écoute psychanalytique du Sexuel

 

 

Rodrigo Lage Leite

Membro associado da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP). Psiquiatra pelo Instituto de Psiquiatria da FM-USP. São Paulo / rodrigolageleiter@gmail.com

 

 


RESUMO

A articulação de ideias do filósofo transexual Paul B. Preciado, relacionadas à noção de uma epistemologia da diferença sexual, com conceitos psicanalíticos centrais, como sexualidade infantil perverso-polimorfa, em Freud, e o "Sexual", descrito por Laplanche, é o eixo teórico deste trabalho. O conflito entre a "verdade natural dos sexos" e a "verdade íntima do sujeito" é observado num recorte clínico, visando discutir o que seria constitutivo de uma escuta psicanalítica dos derivados do Sexual.

Palavras-chave: gênero, sexo, Sexual, epistemologia da sexualidade, escuta psicanalítica


ABSTRACT

The articulation of ideas by the transsexual philosopher Paul B. Preciado, related to the notion of an epistemology of sexual difference, with central psychoanalytic concepts, such as polymorphous perverse infantile sexuality, in Freud, and the "Sexual", described by Laplanche, is the theoretical axis this work. The conflict between the "natural truth of the sexes" and the "intimate truth of the subject" is observed in a clinical context, aiming to discuss what constitutes a psychoanalytic listening to the derivatives of Sexual.

Keyword: gender, sex, Sexual, epistemology of sexuality, psychoanalytic listening


RESUMEN

La articulación de ideas del filósofo transexual Paul B. Preciado, relacionada con la noción de una epistemología de la diferencia sexual, con conceptos psicoanalíticos centrales, como la sexualidad infantil perverso-polimorfa, en Freud, y lo "Sexual", descrito por Laplanche, es el eje teórico de este trabajo. El conflicto entre la "verdad natural de los sexos" y la "verdad íntima del sujeto" se observa en un contexto clínico, con el objetivo de discutir qué constituye una escucha psicoanalítica de las derivadas de lo sexual.

Palabras clave: género, sexo, Sexual, epistemología de la sexualidad, escucha psicoanalítica


RÉSUMÉ

L'articulation des idées du philosophe transsexuel Paul B. Preciado, liées à la nuit d'une épistémologie de la différenciation sexuelle, avec des concepts psychanalytiques centraux, comme la sexualité infantile perverse polymorphe, chez Freud, et le « Sexuel », décrit par Laplanche, es le but théorique de ce travail. Le conflit entre la « réalité naturelle des sexes » et la « réalité intime du sujet » s'observe en un contexte clinique, dans le but de discuter de ce qui constitue un choix psychanalytique de dérivés sexuels.

Mots-clés : genre, sexe, Sexuel, épistémologie de la sexualité, analyse psychanalytique


 

 

Laerte: Eu abri uma comporta que está me
levando para coisas que eu nunca fiz ...
Entrevistadora: Está fazendo uma investigação
do que é ser mulher pra ti.
Laerte (após refletir): É! Estou fazendo uma investigação
da mulher que eu posso ser.

(Brum & Silva, 2017)

Paul B. Preciado, filósofo transexual, publicou em 2000 o livro Manifesto contrassexual com o seguinte subtítulo: "práticas subversivas de identidade sexual". Quase cem anos antes, em 1905, Freud havia publicado a primeira das cinco edições de Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, introduzindo a noção de sexualidade infantil perverso-polimorfa e algumas hipóteses sobre os desdobramentos dela na puberdade e na vida adulta.

Preciado inicia seu manifesto afirmando que "a contrassexualidade não é a criação de uma nova natureza, pelo contrário, é mais o fim da natureza como ordem que legitima a sujeição de certos corpos a outros" e propõe que, no âmbito dela, "os corpos se reconhecem a si mesmos não como homens ou mulheres, e sim como corpos falantes" (Preciado, 2014, p. 21).

A ideia de "corpos falantes" passíveis de aceder a diferentes práticas significantes e posições de enunciação, independentemente de supostas verdades biológicas, não poderia estar em maior consonância com a descoberta freudiana do corpo erógeno da histérica, cuja expressão do sintoma o desconecta do esperado na anatomofisiologia.

O que da leitura de Preciado e outros autores contemporâneos1 cujas produções intelectuais partem de experiências identitárias ditas subversivas poderia interpelar a teoria e a clínica psicanalíticas? O que dessas leituras poderia lançar luz a pontos cegos ou, por outro lado, reafirmar a potência da psicanálise?

 

Ler Freud per via di levare

Proponho que ler Preciado ajuda a reler Freud per via di levare, retirando camadas de pigmento que revestem e obscurecem a descrição bruta e sagaz da sexualidade infantil perverso-polimorfa, assim como as consequências mais radicais que podemos retirar dela.

Laplanche (2015) sublinhará a escolha freudiana por apresentar uma Sexualtheorie (teoria do Sexual), e não uma Geschlechtstheorie (teoria do sexuado ou da sexuação). É o Sexual,2 termo relacionado à sexualidade infantil propriamente dita, e não ao sexuado da sexualidade adulta, que se apresenta como a grande inovação psicanalítica.

Apesar disso, Amaral relembra inúmeras modificações nas sucessivas edições dos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade indicativas de como Freud, ao longo do tempo, tende "a amenizar o caráter aberrante da sexualidade" (Amaral, 1995, p. 64).

Mesmo na 1º edição, Freud abandonará, em seu terceiro ensaio ("As transformações da puberdade"), o procedimento prioritariamente descritivo-investigativo dos dois primeiros ("As aberrações sexuais" e "A sexualidade infantil") para um ensaio de conjecturas. Partindo da premissa de que a sexualidade adulta normal tem como meta a reprodução, passa a buscar retroativamente "as mudanças que levarão a vida sexual infantil à sua configuração definitiva normal" (Freud, 2016, p. 121).

Cem anos depois, Preciado irá desvelar os processos de assimilação dos "órgãos reprodutivos como órgãos sexuais, em detrimento de uma sexualização do corpo em sua totalidade" (Preciado, 2014, p. 23). Descreverá também "a existência de tecnologias sociais que reproduzem nos corpos e nos discursos a equação natureza = heterossexualidade ... um dispositivo social de produção de feminilidade e masculinidade que opera por divisão e fragmentação do corpo" (Preciado, 2014, p. 25).

Nesse ponto, o pensamento de Preciado parece encontrar o ponto nodal da descoberta freudiana, a sexualidade infantil perverso-polimorfa, que, livre de direcionamentos externos rumo à "configuração definitiva normal", poderia, a priori, desembocar em inúmeras configurações eróticas e identitárias.

Tanto é assim que, em ambos os autores, restará explícita a imprecisão conceitual de masculino e feminino. Se, para Preciado, trata-se de um "conjunto arbitrário de regulações inscritas nos corpos" (Preciado, 2014, p. 26), para Freud, tais conceitos "estão entre os mais confusos da ciência ... ora no sentido de atividade e passividade, ora no sentido biológico e também no sociológico" (Freud, 2016, p. 139), levando-o a concluir que, "no caso do ser humano, nem no sentido psicológico nem no biológico se acha uma pura masculinidade ou feminilidade. Cada pessoa apresenta, isto sim uma mescla ..." (Freud, 2016, p. 139). Acrescentará, em 1925, que "todos os indivíduos, graças à disposição bissexual e à herança genética cruzada, reúnem em si caracteres masculinos e femininos, de modo que a masculinidade e a feminilidade puras permanecem construções teóricas de conteúdo incerto" (Freud, 2011b, p. 298).

Se as ideias de Freud sobre a sexualidade infantil causam impacto e incômodo até hoje, as ideias de Preciado sobre as possibilidades de trânsito na vida erótica dos adultos provocam reações idênticas,3 sobretudo por dar voz aos corpos e mentes entendidos como

os espaços errôneos, as falhas de estrutura do texto (corpos intersexuais, hermafroditas, loucas, caminhoneiras, bichas, sapas, bibas, fanchas, butchs, histéricas, saídas ou frígidas, hermafrodykes...) e por reforçar os desvios e derivações com relação ao sistema heterocentrado. (Preciado, 2014, p. 27)

Proponho aqui que a leitura de Preciado atualiza o caráter polimorfo do erotismo infantil descrito por Freud, permitindo reinterpretá-lo não apenas como zona de passagem - infantil - a ser recalcada, mas como "reservatório" de possibilidades para a constituição plural do erotismo humano.

Ao salientar que "a sexualidade infantil propriamente dita é o que mais repugna para a visão do adulto" (Laplanche, 2015, p. 158), Laplanche também desvela os incômodos que o essencial desta construção teórica provoca: "Numa espécie de petição de princípio, o sexual é reprovado porque é sexual, mas é sexual, ou Sexual, porque é reprovado. O Sexual é o recalcado, ele é recalcado por ser Sexual" (Laplanche, 2015, p. 158).

É esse aforisma que Preciado e outros autores e artistas contemporâneos instabilizam.4 Suas escolhas e modos de existência subvertem tal "reprovação". A assimilação mais fluida dos derivados do sexual infantil na vida adulta desvela uma movimentação diferente no psiquismo, indagando a psicanálise sobre o osso de suas teorias, o essencial a que deverá se ater.

Enquanto Freud oscila pendularmente e dialoga, em outro contexto histórico e social, com diferentes interlocutores, não há em Preciado espaço para tergiversar ou amortecer as possibilidades de caminhos do Sexual, seja de forma latente ou manifesta. Qualquer apropriação médica ou moral5 da sexualidade é desmascarada com base na observação do que é, e não do que deveria ser.

 

É ou não é? - "O corpinho que dorme em seu berço é uma baby sapatona"

Pode parecer estranho para um psicanalista algo dito como a "observação do que é". "O que é", no território do inconsciente, também não é. Desliza. Desloca-se. Comporta toda sorte de ambiguidades. Já o que "deveria ser" nos remete ao domínio do ideal do eu e das possibilidades do superego daquele que diz o que pode, não pode, deve, não deve.

Para pensar tais ambiguidades, proponho começar pela observação do atordoamento de pais, médicos e juristas diante dos processos de atribuição de sexo aos bebês intersexuais,6 matéria-prima do ensaio "A industrialização dos sexos ou Money makes sex". Neste artigo, Preciado examina os mecanismos de divisão e fragmentação dos corpos, que vão desde o início da vida definir "o que deve ou não deve ser", prescrever as noções de masculino e feminino como normalidade e meta.

A criação de um centro regulador de identidade sexual - pênis ou vagina - em acordo com um "a priori anatômico-político ... que impõe a coerência do corpo como sexuado" (Preciado, 2014, p. 128) é identificada com clareza nos protocolos de manejo de crianças intersexuais, desenvolvidos na década de 1950, com base nas teorias do psicopediatra americano John Money.7 Segundo o autor, tais

procedimentos de atribuição sexual asseguram a inclusão de todo corpo em um dos dois sexos/gêneros num quadro de oposição excludente. A presença de opostos incompatíveis no corpo do recém-nascido intersexual é interpretada como uma anomalia ... em nenhum caso Money admite que essas ambiguidades anatômicas possam pôr em xeque a estabilidade da ordem sexual. Não constituem um terceiro sexo, ou melhor, um sexo n+1. Ao contrário, reforçam a estabilidade da ordem sexual. (Preciado, 2014, p. 137)

Para seguirmos essa reflexão, será fundamental observar como operou o raciocínio de John Money na criação dos clássicos protocolos de atribuição de sexos aos bebês intersexuais:

Se o recém-nascido é cromossomicamente xy, isto é, é considerado geneticamente "macho", seu tecido genital será denominado microfalo ou micropênis, ou inclusive clitopênis, de forma que mostre seu potencial de "devir pênis". Nesse caso, todas as avaliações médicas servirão para saber se os órgãos sexuais têm ou podem adquirir a aparência de um pênis de tamanho normal e que poderá chegar a ter ereções (independentemente de sua habilidade reprodutiva).

Se o recém-nascido reage positivamente ao teste hormonal - seu órgão cresce -, será utilizado um tratamento local à base de testosterona para que se desenvolva um pequeno pênis. Se o recém-nascido xy permanecer insensível à terapia hormonal, isso constituirá uma contradição impossível para o discurso médico: estamos diante de um bebê geneticamente masculino, mas sem pênis, ou melhor ainda, "sem pênis suficiente" (um pênis que mede menos de dois centímetros depois do tratamento hormonal). Admitir essa contradi ção significaria que a coerência do corpo sexuado e, portanto, da identidade sexual, pode ser alcançada sem um centro gerador (sexo = órgão sexual), ou então que existe uma ordem sexual alheia à coerência dos órgãos.

Por isso, Money e seus colegas pensaram que era muito mais prudente evitar as eventuais "crises de identidade" que o micropênis ou o pênis de pequeno tamanho poderia colocar em um menino "macho" reatribuindo a maior parte desses recém-nascidos ao gênero feminino. Neste caso, o microfalo é definido como pênis-clitóris, que será posteriormente seccionado e transformado mediante uma vaginoplastia completa. Para Money, então, o "masculino" não está definido por um critério genético (possuir um cromossomo Y ou X) ou pela produção de esperma, mas por um critério estético, o fato de ter uma protuberância pélvica "do tamanho apropriado". Como resultado dessa política do centímetro, na ausência de um pênis bem formado e do tamanho mínimo exigível, a maior parte dos bebês intersexuais xx ou xy são atribuídos ao gênero feminino.

Somente quando o recém-nascido é XX e apresenta um pênis de tamanho normal e bem formado é que a medicina parece considerar a possibilidade de uma reatribuição para o sexo masculino. Conforme Money, a "castração" de um pênis "normal" é difícil de explicar para os pais, e a "masculinização das estruturas do cérebro no estado fetal predispõe, invariavelmente, o bebê a desenvolver um comportamento de menino, mesmo se for educado como uma menina". Talvez Money esteja falando da dificuldade de explicar ao pai e à mãe que o corpinho que dorme em seu berço é uma baby sapatona em potencial. Persuadido da necessidade de não dar nenhum benefício à dúvida, Money confiará na capacidade do pênis para provocar uma identidade masculina, inclusive se se tratar de um corpo cromossomicamente feminino. (Preciado, 2014, pp. 139-140)

Compreender essa lógica permite criar a hipótese de que nesses protocolos os derivados neuróticos da sexualidade infantil de médicos, cientistas e juristas cisgêneros e heterossexuais dirigem a observação e o manejo dos corpos dos bebês intersexuais. Tais derivados estão presentes na ansiedade que os faz antecipar supostas "crises de identidade" e intervir preventivamente.

Esse olhar julgador e prescritivo, do ponto de vista psicanalítico, é anacrônico se consideramos, por exemplo, o pensamento de Laplanche, segundo o qual a sexualidade humana de maneira geral assenta-se em terreno arbitrário, regido por "precariedade e intercambialidade de seus fins, estranheza e inacessibilidade de seu 'objeto perdido'" (Laplanche, 1988, p. 110).

Preciado, citando Kessler, afirma que "os critérios de atribuição do sexo não são científicos, e sim estéticos, porque a visão e a representação assumem o papel de criadores da verdade nesse processo. A visão faz a di ferença sexual" (Preciado, 2014, p. 137). Sendo assim, a verdade sobre os sexos no domínio da ciência formal estaria pautada nas mesmas bases que a pesquisa sexual infantil da criança, como postulada por Freud. O jogo de olhares que vê ou não vê (o pênis ou a vagina) é determinante na enunciação sobre o que é ou não é um homem ou uma mulher.

Por não tolerar a ambiguidade do corpo em questão, a ciência optará pelo gabarito "inequívoco" dos olhos - ter ou não ter - como o que definirá a verdade última do sujeito. Partindo da premissa de que os corpos e os desejos humanos estariam associados necessariamente a uma lógica binária e a um futuro encontro heterossexual, de finalidade reprodutiva, intervenções cirúrgicas definitivas vão consolidar a verdade sexual dos bebês com base nas representações e angústias dos adultos.

 

As mesas de operações: concretas e abstratas

Preciado afirma, e concordo com ele, que o processo de atribuição de sexo aos bebês intersexuais "revela, melhor do que qualquer discurso, os modelos de construção de gênero segundo os quais a tecnologia (hetero)sexual opera" (Preciado, 2014, p. 127).

Assim, põe lado a lado as mesas de operações dos bebês intersexuais e dos adultos transexuais, revelando por detrás de ambas uma mesa de operações primeira, abstrata, que sob a lógica da genitalização da sexualidade, orienta o processo de normatização dos corpos/sexos/gêneros de todos os seres humanos desde a concepção. A consequência direta deste processo é a "construção tecnológica e teatral da verdade natural dos sexos" (Preciado, 2014, p. 129).

Essa "verdade natural dos sexos" é transmitida entre gerações por meio de mensagens conscientes (o que é homem ou mulher, o que é um corpo masculino ou feminino), no processo conhecido como designação de gênero, "o discurso pelo qual o outro coletivo nomeia o gênero de um sujeito" (Schaffa, 2019, p. 3). A designação é, segundo Laplanche, determinada pelo "círculo restrito do socius - através de agentes próximos como pais, mães, professores, médicos e não a sociedade como um todo" (Alonso, 2016, p. 87). Laplanche ressalta ainda que "se o gênero é construído socialmente, ... o Sexual se infiltra através das mensagens" (Alonso, 2016, p. 87).

Aqui encontramos sua maior contribuição ao debate de gêneros. Lançando mão da teoria da sedução generalizada, em que as mensagens emitidas pelo Outro à criança são determinantes na constituição erótica do sujeito, ele é categórico ao afirmar:

eu nunca disse - penso nunca ter dito - que há mensagens inconscientes dos pais. Ao contrário, acredito que existem mensagens pré-conscientes-conscientes (PCs-Cs) e que o inconsciente parental é como o "ruído" - no sentido da teoria da comunicação - que vem interferir e comprometer a mensagem pré-consciente-consciente. (Laplanche, 2015, p. 168)

Por isso, interessa à psicanálise que tais verdades (a "natural dos sexos", oriunda das comunicações PCs-Cs da designação de gênero) estarão sempre destinadas a tomar contato com aspectos inconscientes referentes à história pulsional de cada um. Tal história será determinada por como os "ruídos" dos inconscientes parentais (e de todo o socius) foram assimilados desde os primórdios da relação da criança com o objeto materno, a entrada no complexo de Édipo, seu transcurso e desenlace.

Para o autor, o central é a designação, coincidindo nisso com Stoller, mas diferenciando-se dele na medida em que não pensa que a designação se trata do nome, e sim de "um conjunto complexo de atos que se prolongam na linguagem e nos comportamentos significativos do entorno. Poder-se-ia falar de uma designação contínua ou de uma verdadeira prescrição ... até mesmo do bombardeio de mensagens". (Alonso, 2016, p. 87)

Ao pensar tal processo, Harris (2019) retomará como

os movimentos teóricos de Laplanche preservam e reformulam os modelos freudianos de sexualidade. ... A pulsão, que ele considera como inaugural na sexualidade da criança, emana do adulto cuidador. As mensagens de genitor para filho inevitavelmente incluem as formações infantis e mais adultas da sexualidade no outro. (Harris, 2019, p. 70)

Ao buscar no adulto emissor das mensagens enigmáticas o objeto-fonte da pulsão, Laplanche sublinha a singularidade, força e inexorabilidade da constituição erótica dos sujeitos, urdida na intersubjetividade, determinada de forma inconsciente, portanto, não passível de domesticação ou adestramento.

André (2019) escreve sobre a força de tais determinações:

Na construção do sexo psíquico, o inconsciente da mãe e/ou do pai desempenha um papel decisivo. As identificações mais primárias para a criança que acaba de nascer são aquelas das quais ele é objeto. Somos identificados antes de dispormos dos meios psíquicos para nos identificarmos. Como o desejo inconsciente de um dos pais de ter uma filha não desaparece, mesmo que um menino acabe de nascer, o sexo psíquico levará sempre a melhor sobre o sexo anatômico na vida psíquico-sexual do sujeito ... A anatomia imaginária é o destino. O determinismo psíquico inconsciente é, de outro modo, bem menos alterável que o determinismo social ... (André, 2019)

É no cruzamento entre a verdade natural dos sexos (O corpo de um homem tem um pênis. O corpo de uma mulher tem uma vagina. Você é um homem. Você é uma mulher) e a verdade íntima do sujeito, topograficamente instalada em seu inconsciente e singularmente constituída (Eu me entendo como um homem. Eu me entendo como mulher. Não me entendo como homem, nem mulher. Ser um homem ou mulher para mim significa isso ou aquilo) que todo conflito psíquico se dará.

Esse embate central na constituição da subjetividade de todos os seres humanos terá grandes consequências sobre os sujeitos transexuais. Muitas vezes, haverá grande propensão à busca de tecnologias médicas de transformação e adequação dos corpos, o que Jorge & Travassos (2018) definem como "empuxo à cirurgia".

O empuxo à hormonioterapia e à cirurgia de redesignação sexual evidencia o poder das narrativas heterocentradas em naturalizar a relação corpo/gênero. Quanto maior a adesão às narrativas da lógica binária convencional (masculino/feminino), maior a necessidade de readequação dos corpos ao conjunto de representações e fantasias inconscientes que os governa.

Vaginoplastia ..., faloplastia ..., aumento e modificação da forma do clitóris ... remoção do pomo de Adão, mastectomia ..., histerectomia ...: enquanto lugares de renegociação, as operações de mudança de sexo parecem resolver os problemas (as discordâncias entre sexo, gênero e orientação sexual). ... O conjunto desses processos de "reatribuição" não é senão o segundo recorte, a segunda fragmentação do corpo. Esta não é mais violenta do que a primeira, é simplesmente mais gore, e sobretudo mais cara. (Preciado, 2014, p. 129)

Apesar de sublinhar o peso das determinações heterocentradas nas decisões de transformação corporal, entendemos que tais escolhas dizem respeito fundamentalmente aos sujeitos envolvidos.8 Diante de sua importância, cabe ao processo analítico favorecer o maior contato possível desses sujeitos com as fantasias inconscientes em jogo, se possível antes de intervenções sobre o corpo.

Ao comentar o processo de transição de Paul Preciado, descrito em seu livro Testo junkie (2018), Schaffa (2019) oferece interessante leitura para tais processos, estabelecendo um paralelo com a leitura de Patrick Merot sobre a body art: "Não é um curto-circuito, mas um longo circuito que testemunha não a incapacidade de fantasiar, mas a disposição de recusar modos clássicos de expressão" (Schaffa, 2019, p. 7).

A ideia desse longo circuito nos ajuda a pensar na complexidade do fenômeno e encontra ressonância no depoimento da cartunista Laerte, ao falar sobre seu processo de transição de gênero:

Quando eu comecei a fazer essa passagem, sabia que não ia virar mulher, no sentido de mudar minha genitália e nascer de novo. ... o que me passou foi uma alegria muito grande por poder exercer essa liberdade, trazer pra mim a possibilidade de fazer essa viagem e ampliar minha fronteira até que eu não precise mais, eu não precise mais estar no país dos outros. ... É definitivo ou não? Quer dizer, você é mulher, pronto, acabou, carimba? Não! Também porque esta questão está se tornando algo de menor importância, acaba sendo assim: por que eu preciso, oficialmente, ser mulher ou homem? Eu não estou construindo uma identidade feminina! Pode ser que eu não precise de identidade nenhuma, pode ser que a identidade que eu já tenho, funcione beleza, sabe? (Brum & Silva, 2017)

 

Ouvir a clínica - desobstruir a escuta

O recorte a seguir, extraído de um relato de análise (Leite, 2020, pp. 11-18), pretende trazer questões sobre o que seria essencial na escuta psicanalítica de pacientes cujas orientações do desejo ou posições identitárias poderiam estar em sintonia com o que Preciado identificou como "práticas subversivas da identidade sexual".

Pretende-se assim rastrear o que poderiam constituir "desvios de finalidade" em uma análise, no sentido da injunção sobre o analisando das concepções de mundo do analista, de maneira consciente, numa perspectiva normativa médico-moral, ou ainda noutra perspectiva, mais próxima àquela que propõe Laplanche acerca da designação de gênero, através de ruídos do inconsciente do analista na escuta do erotismo do paciente em análise.

A proteção à privacidade do paciente e o resguardo da confidencialidade do material clínico limitam a publicação dos dados.

 

Os nós de Adriano

Adriano é um jovem que, ao procurar análise, não apresenta demandas explícitas sobre sua orientação sexual ou identificações de gênero. Apresenta-se como homem cis-gênero, tem uma relação homoafetiva estável e descreve um convívio harmonioso de sua família e amigos com seu namorado.

Escolho priorizar nesse recorte o que entendo como eixo da apresentação sintomática que trouxe Adriano à análise e alguns deslocamentos observados. Considero como conteúdo manifesto um grande tédio, misturado a uma vida supostamente bem montada: uma relação homossexual "aceita pela família", uma boa formação profissional e um trabalho protocolar que disfarça a dependência financeira em relação ao pai. Por outro lado, há o uso frequente de tranquilizantes para aliviar a enorme ansiedade de seus dias.

Com base em dois sonhos paradigmáticos, elementos importantes favorecem o avançar da análise.

Primeiramente, um explícito sonho incestuoso dá figurabilidade a uma fortíssima identificação materna, sobre a qual ele conclui: "muito da minha personalidade tem a ver com ela: a estética, os interesses, a maneira como ela se relaciona com as pessoas". Tornam-se inequívocos, através de algumas imagens, o fascínio e o encantamento que a figura materna exercera na infância de Adriano, algo que chegava a deixá-lo confuso, em profunda indiscriminação. "Essa confusão de imagens com minha mãe é enorme. A linha entre o que sou eu e o que é ela sempre foi tênue. Quando descobri o que era ser homem ou mulher, eu não sabia o que fazer."

Adiante, outro sonho traz em rede associativa a figura do pai como alguém de quem o paciente sente falta, reconhece a necessidade da presença, mas tem grande dificuldade em admirar e criar laços identificatórios. "Estou tentando desvendar meu pai."

Nesse imbróglio triangular, Adriano também se dá conta de que sempre vivera com base na fantasia de que algo especial o aguardava, "algo maior", para o que não seria preciso nenhum esforço. "Eu vivi como um menino-rei!" A partir da exposição de lapsos e de produções oníricas, a ambiguidade entre a sensação de impotência e a convicção de infalibilidade fica explícita.

Além disso, a incapacidade de discriminar o que lhe é próprio e de sustentar suas escolhas o angustia. O sonho do incesto é frequentemente retomado por ele e por mim, lançando luz à dificuldade da "saída da cama da mãe". Tal incesto gradativamente passa a incomodá-lo.

Por outro lado, é difícil para Adriano compreender o enigma do "masculino" esperado dele, que o acua e o mantém apartado de aspectos fundamentais de sua subjetividade. Ser um homem, em seu mundo, significa trabalhar em algo lucrativo e sem graça, ganhar dinheiro e prover. Toda fruição da beleza e dos prazeres - incluindo o gosto pelas artes, moda, e mesmo por outros elementos estéticos - seria associada a um "feminino" ligado à mãe. Nesse contexto, outro deslizamento parece ocorrer em direção a uma potência "feminina" indireta, identificada ao modus operandi de sua mãe, que sutilmente mantém diferentes homens (pai, marido e filho) a protegê-la e provê-la.

A ambiguidade entre masculino e feminino, o que significariam essas ideias e onde ele poderia se situar, passam a ocupar o centro da análise. Percebo ao escrever este relato que necessito colocar aspas, todas as vezes em que uso as palavras "masculino" e "feminino". A imprecisão dos significantes, os sentidos que ganham a depender de quem os enunciam, passam a ocupar minha reflexão, como acontecera com Freud, Laplanche e Preciado.

Toda hesitação remetia a algo que, desde o início da análise, Adriano apontara: a enorme ansiedade e sensação de inadequação, vivenciadas desde criança. "Tinha que compensar o que eu sabia que não tinha. E tinha a ver com a minha sexualidade, sempre soube."

Salienta tanto o sofrimento desencadeado pela percepção precoce de sua atração erótica por homens, quanto o constrangimento ao perceber em si formas de expressão consideradas inadequadas para um menino (vários relatos sobre reações a seu "comportamento feminino", incluindo intervenções da escola e de profissionais de saúde procurados pela família).

Em análise, Adriano recupera o entrechoque do conhecimento íntimo e solitário da sua verdade erótica, o que chamei anteriormente de "história pulsional" e a "verdade do mundo" que lhe apresentavam - a "verdade natural dos sexos". O que significava ser uma mulher? Ser poderosa e bela como sua mãe? O que era ser um homem? Ser chato e sem graça como o próprio pai? O que significava ser um homem que se excitava com a imagem de outros homens? Um ser repulsivo, condenável?

Diante dessas questões, eu me indagava sobre como conduzir minha escuta de maneira que fosse permitida alguma travessia desse paciente com relação à castração - entendida no sentido de uma elaboração dos limites, potências e impotências desse "menino-rei" no mundo imaginário, mas tão frustrado, "brochado", incapaz de discriminar seus próprios desejos e trabalhar por eles.

Como fazer operar alguma possibilidade de interdição desse incesto tantas vezes reeditado, sem recair em estereótipos comportamentais que poderiam retraumatizar Adriano, fazendo-o viver novamente as injúrias sofridas em seus processos identificatórios, na elaboração do Sexual infantil, em que suas características mais genuínas - espontaneidade gestual, modos, gostos, fruição estética - foram desvalorizadas e desinvestidas?

Em determinado ponto, parte de Adriano a seguinte indagação:

- Por que nego tanto o meu falo? Por que não uso o que esse pinto me dá? Por que eu acho que tenho o direito de não correr atrás do que quero? Eu me vejo repetindo a minha mãe, que diz ser independente, mas vive do dinheiro que meu avô deixou e do dinheiro que meu pai ganha. Repito toda essa história que é da minha mãe.

Acredito que nesse momento ocorre algo crucial na análise de Adriano, um importante nó começa a ser desatado. Lembro-me das aulas de anatomia em que a dissecção dos músculos e das fáscias demandava a delicadeza de separar estruturas muito aderidas, sem danificá-las. Penso que há algo das identificações maternas, "femininas" constitutivas da subjetividade de Adriano - e que, portanto, precisariam ser preservadas, "desinjuriadas" -, mas que, por serem, por outro lado, tão poderosas e fascinantes, precisariam ser reelaboradas de forma que fossem criados espaços para a possível entrada de um terceiro. A entrada de uma terceira figura, potente e separadora, precisaria ser favorecida pela qualidade dessa figura, pela possibilidade de um "pai" não maciço, não autoritário, e que permitisse, na travessia da castração, a sobrevivência de aspectos essenciais de Adriano.

Opto por enfrentar a associação "pinto-potência" trazida por Adriano, retomando a figura paterna reconhecida em seu sonho como necessária.

Analista - Será que esse desejo de criar algo próprio, isso que surge em você agora, de expandir, terá relação com esse algo do seu pai procurado naquela imagem do sonho? Algo de que você precisa, mas resiste em aceitar?

Tomo, entretanto, o cuidado de, ao mesmo tempo, validar a sustentação das diferenças percebidas em relação ao pai e a preservação de fundamentais pontos de identificação com a mãe.

Analista - O seu pinto e seu jeito de ser ativo não precisam ser idên ticos ao do seu pai.

A partir dessa interpretação, a elaboração de possíveis mensagens enigmáticas associadas tanto à orientação do desejo quanto às identificações maternas e paternas é evidente, sobretudo em surpreendentes fantasias comunicadas em análise.

A análise de Adriano segue. Em determinado ponto, vivíamos uma espécie de calmaria no campo analítico, e ele pensava mesmo em interromper a análise. Diminuíram, em grande medida, a resistência e sensação de impotência diante do pai, e parecia fora da alcova incestuosa da mãe. Sentia-se livre para ser um "homem-feminino" ou uma "madame poderosa" (como descrevia a mãe), ao mesmo tempo que pronto para assumir sua vida com maior autonomia e independência.

O projeto de interromper a análise, entretanto, fora suspenso pelo buraco depressivo em que Adriano se encontrara após a ruptura inesperada da relação amorosa pelo namorado. Não poderia digerir aquela perda, e começamos então a desatar um outro nó, que interpreto como a travessia diante do limite inescapável do desejo do outro. Fosse um "menino-rei", um "homem-feminino" ou uma "madame poderosa", Adriano teria de encarar o fato de que o namorado não o queria mais e que essa rocha era, sim, incontornável.

 

Um resumo

Parafraseando Freud, "é hora de tentar fazer um resumo" (Freud, 2016, p. 155). Opto por iniciá-lo pela reafirmação da complexidade do campo - gênero, sexo, Sexual - que me proponho observar, sobretudo, se pretendo fazê-lo dentro de um referencial psicanalítico.

"Pode parecer estranho para um psicanalista algo dito como a 'observação do que é'." Com esta frase, chamei a atenção, no início do trabalho, para a mobilidade "do que é" no inconsciente. "Desliza. Desloca-se. Comporta toda sorte de ambiguidades." As observações de Preciado, no livro Testo junkie (2018), em que descreve seu processo de transição de gênero, a partir da autoaplicação de um gel de testosterona, ilustra essa movimentação:

Como explicar o que me acontece? O que fazer com meu desejo de transformação? O que fazer com todos os anos em que me defini como feminista? Que tipo de feminista serei agora: uma feminista viciada em testosterona, ou melhor, um transgênero viciado em feminismo? Não me resta alternativa além de rever meus clássicos, submeter as teorias ao sobressalto provocado pela prática de tomar testosterona. Aceitar que a mudança que acontece em mim é a mutação de uma época. (Preciado, 2018, p. 23)

A transformação radical de Beatriz/Paul Preciado não é um ato impulsivo. Faz parte de um longo processo de contato e perlaboração de fantasias, desejos e verdades íntimas, em conflito com a "verdade natural dos sexos", ditada pela sociedade.

Alonso (2016) nos lembra que, diferentemente de Stoller, "Laplanche reincluiu no conceito de gênero o inconsciente, mas também o conflito ... (Assim) abre a possibilidade de pensar o gênero no plural e conflitivo" (Alonso, 2016, p. 87).

Beatriz, a "tomboy" apaixonada pela coleção de carros antigos, guardados na garagem de seu pai em Burgos, reduto da Espanha fascista de Franco, opta por executar uma transformação há muito acalentada. Por meio do exemplo dela, esclareço minha afirmação inicial sobre "o que é" - que poderia ser entendida como rígida e anacrônica - com a proposição de que "o que é", aqui, diz respeito à verdade íntima e cambiável do sujeito, algo que só pode ser enunciado por ele, e, ainda assim, passível de movimentação.

"A anatomia imaginária é o destino" (André, 2019).

A verdade que é trânsito. E é também essência. Essência cambiante como o próprio inconsciente?

Penso que assim levamos às últimas consequências a noção de corpo erógeno proposto por Freud e aceitamos a proposição de André de que "o sexo psíquico levará sempre a melhor sobre o sexo anatômico na vida psíquico-sexual do sujeito" (André, 2019).

O segundo ponto a realçar, retomando as digressões teóricas e o material clínico apresentado, diz respeito à necessidade de refletir sobre o que seria essencial na escuta psicanalítica do Sexual.

Por meio da metáfora da "rocha de fato incontornável", tentei contrapor o que seria um limite de fato intransponível - e que por isso não poderia deixar de ser considerado no processo analítico - ao que seriam imposições normativas, possivelmente injuriosas, do analista sobre os caminhos percorridos pelo Sexual do analisando, repetindo assim o que Laplanche desvelou ao teorizar sobre os ruídos do inconsciente parental na constituição erótica do sujeito - a análise como "retraumatizadora", "alienadora" da verdade íntima, cúmplice da verdade natural dos sexos.

Em trabalho recente, questionei a pertinência do termo "teoria da genitalidade", como generalização, contrapondo-o a uma "alegoria da genitalidade", pensada caso a caso, a depender da experiência corporal singular do sujeito e dos processos de simbolização possíveis9 (Leite, 2018).

Encerro com a forte convicção de que essas perguntas não demandam respostas. O simples fato de retomá-las, rearticulá-las e mantê-las em mente nos parece suficiente para alcançar o que apresento como proposta principal deste trabalho: desobstruir a escuta psicanalítica do Sexual.

 

Referências

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Recebido em: 17/1/2021
Aceito em: 26/1/2021

 

 

1 Como Donna Haraway, Judith Butler, Monique Witting, Virginie Despentes, João W. Nery e outros.
2 "O Sexual é múltiplo, polimorfo. Descoberta fundamental de Freud, ele fundamenta-se no recalque, no inconsciente, na fantasia. É o objeto da psicanálise" (Laplanche, 2015, p. 155).
3 "A fluidez das encarnações sucessivas se chocava com a resistência social para aceitar um corpo fora do binário sexual. ... Se o regime heteropatriarcal da diferença sexual é a religião científica do Ocidente, então mudar de sexo só pode ser um ato de heresia" (Preciado, 2019).
4 No ensaio "Prótese, mon amour!", Preciado confronta convenções sociais sobre expressões do Sexual na vida adulta. Outros exemplos podem ser encontrados nos documentários Bixa travesty (2018, direção: Claudia Priscilla e Kiko Goifman); De gravata e unhas vermelhas (2015, direção de Miriam Chnaiderman); Laerte-se (2017, direção de Lygia Barbosa da Silva e Eliane Brum), entre outros.
5 Ver "Psicanálise e homossexualidade - da apropriação à desapropriação médico-moral", publicado na revista Ide (Vol. 36, no. 57, São Paulo, jun. 2014).
6 Bebês intersexuais são "descritos como corpos que apresentam 'características' dos dois sexos ou que eventualmente poderiam apresentar uma evolução para o sexo oposto ao aparente" (Preciado, 2014, p. 127).
7 "Os protocolos de gestão de crianças intersexuais repousam sobre a teoria desenvolvida em 1955 por John Money (professor de psicopediatria do hospital universitário Johns Hopkins de Nova York) e pelo casal Hampson, e posta em prática pouco depois pelo próprio Money e por Anke Ehrhardt" (Preciado, 2014, p. 132).
8 Diferentes tecnologias têm possibilitado grande fluidez em questões antes atreladas à fixidez da natureza (técnicas de inseminação e reprodução humana, cirurgias plásticas, desenvolvimento de próteses e hormônios).
9 Estas questões foram pensadas por Laplanche desde sua "Problemáticas II - castração e simbolizações". Posteriormente, foram retomadas por ele da seguinte forma: "Eu indagava (nas Problemáticas) se a universalidade do complexo de castração em sua forma rígida, em sua oposição lógica 'fálico/castrado', é incontornável, se não existem modelos de simbolização mais flexíveis, mais múltiplos, mais ambivalentes. O caráter incontornável da lógica do terceiro excluído na formação de nossa civilização ocidental anda necessariamente de mãos dadas com o reino do complexo de castração no nível do indivíduo ou do pequeno grupo, ou seja, como ideologia"? (Laplanche, 2015, p. 171). Freud também manteve várias dessas questões em aberto. Ele escreveu: "Não duvido que sejam típicas as relações temporais e causais entre complexo de Édipo, intimidação sexual (ameaça de castração), formação do super-Eu e começo do período de latência, que aqui foram descritas. Mas não desejo afirmar que esse tipo seja o único possível. Variações na sequência temporal e no encadeamento dos processos terão de ser muito significativas para o desenvolvimento do indivíduo" (Freud, 2011a, p. 213).

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